Arquivo de tag Fausto

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

O Nosso Próprio Reflexo

O nosso mundo interior é refletido por nossos pensamentos, sentimentos, nossas emoções, palavras, ações, obras e nossos atos. O observador perspicaz sabe disso. Nos Evangelhos encontramos a evidência dessa verdade na citação: “Pois a boca fala do que está cheio o coração” (Mt 12:34).

Frequentemente, agimos de modo ambíguo, por isso somos incoerentes, semelhantes aos fariseus que se amoldavam à conveniência das circunstâncias: “Pode jorrar, de uma mesma fonte, água doce e amarga?” (Tg 3:11).

Curioso é observar que não suportamos nossos próprios defeitos e os projetamos sobre os outros. Geralmente, o mais malicioso é que vê e critica a malícia no semelhante; o desonesto (em algum âmbito obscuro para ele) é o que mais condena o roubo. É um grito estrangulado da consciência que está sempre em busca de apontar a verdade que também está no nosso interior. Quando tentaram o Cristo, com a mulher adúltera (e os fariseus trouxeram apenas a mulher, quando a Lei prescrevia o mesmo castigo ao homem que adulterava com ela), Ele os desconcertou com o conhecimento que tinha da natureza humana. “Aquele que estiver isento de pecado, seja o primeiro a atirar a pedra” (Jo 8:7) . E diz a tradição que o Mestre, tranquilamente reclinado sobre o solo, escrevia com uma vara sobre a areia, em que cada fariseu via escritos seus defeitos pessoais. Certamente é um símbolo da consciência que, dentro de cada um, ia clamando seus defeitos para arrasar a pretensão de juiz daquela mulher.

Qualquer pessoa que estudou um pouco a Filosofia Rosacruz compreende o quão necessário se torna o autoconhecimento. Nenhuma elevação espiritual é possível sem essa condição. À medida que vamos nos conhecendo, pela prática dos Exercícios Esotéricos Rosacruzes de Observação e de Discernimento e do Exercício Esotérico noturno de Retrospecção, prescritos pela Fraternidade Rosacruz, vamos consolidando e fortalecendo aquilo que aprendemos. Consideramos esse conhecimento e, subsequentemente, o domínio de si mesmo, como a pedra fundamental do progresso interno e da felicidade. Goethe, o grande Iniciado, criador de “Fausto” o definiu bem: “O homem se liberta de todas as limitações que o encandeiam, apenas quando alcança o domínio de si mesmo”. E Cristo mostra o caminho: “Conhecereis a verdade e a Verdade vos libertará” (Jo 8:32).  Essa máxima representa a Verdade que está dentro de nós, pela sujeição de tudo a nós, o Ego, o “Eu Superior”. Nenhuma ciência, nenhum conhecimento, nenhuma arte ou posse representa uma finalidade na vida. Tudo tem valor, na medida em que se incorpore e expresse o que há de espiritual em nós.

Em síntese e reproduzindo S. Paulo: temos uma Mente carnal e uma Mente espiritual, um Corpo de Desejos, dividido em uma parte inferior e outra parte superior. Aqui residem as origens de nossas controvertidas expressões. Nós, o Ego, concebemos a ideia, mas quando ela se reveste de uma forma na Região do Pensamento Concreto, sofre a influência escravizante do Corpo de Desejos, que se unindo à Mente, desde a Época Atlante, formou em nós uma espécie de “alma animal”.

Mas, não basta conhecer a Verdade. Ela apresenta a solução, mas, é mister alcançá-la. Como nos libertar e nos regenerar, nos tornando, de novo, à condição de ser espiritual, filho e herdeiro de Deus?

O livro “Conceito Rosacruz do Cosmos” – Max Heindel – Fraternidade Rosacruz, em sua última parte expõe magistralmente essa questão. Tudo se resume na prática dos Exercícios Esotéricos Rosacruzes recomendados e num persistente esforço de repetir o bem na vida diária. Em verdade, aquilo que em nós vê o defeito e o mal nos outros, é o lado inferior. O lado superior possui apenas a Força de Atração, simpatia, o amor, a filantropia, o Poder Anímico, a Força Anímica, a Vida Anímica e de todas as demais qualidades superiores da vida. Por isso vê apenas o bem, o amigo, o semelhante, o espírito e a essência que, unido a nós e a todos, forma a Onda de Vida humana ou Hierarquia Criadora de Peixes (aos Espíritos Virginais da Onda de Vida humana em evolução), Filhos de Deus, transitoriamente diferenciados na cor da pele e nas condições externas.

O Aspirante à vida superior deve se esforçar diariamente para sublimar seu “eu inferior”. Se for permissivo a ponto de deixar suas condutas ditadas pelo lado inferior, poderá ser comparado a um animal irracional. Em verdade, o ser humano dominado por sua Personalidade se torna inferior aos próprios animais.

A Onda de Vida humana é racional e detentora de uma Mente. Essa deve ser exercitada e espiritualizada. O Estudante Rosacruz está vigilante para essa verdade. Não se expõe à insensatez pela imposição, aos outros, de suas ideias. Tão pouco sofre sem proteções a insensatez dos outros. Em todas as suas ações procura ser prudente, sábio, amoroso e justo, expressando o que tem de superior. Apenas assim, poderá se elevar e, ao mesmo tempo, elevará os demais, edificando e perfumando todos os ambientes em que passar

(Publicado na Revista Rosacruz – janeiro/1966 – Fraternidade Rosacruz-SP)

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

Um Apelo à Favor da Pureza

Sabemos que a força da paixão degenera aqueles que a ela se entregam. Aprendemos isso no caso dos antropoides superiores (orangotangos, gorilas, chimpanzés e bonobos), – que pertencem a nossa Onda de Vida –, entes que ficaram para trás na Onda de Vida humana e degeneraram em forma semelhante à dos animais, devido ao abuso da força sexual criadora, com a consequente cristalização. A responsabilidade dos Espíritos Lucíferos por essa condição foi demonstrada no livro “Conceito Rosacruz do Cosmos” – Max Heindel – Fraternidade Rosacruz, assim como o fato de que eles poderão nos alcançar se evoluírem o suficiente antes da metade da próxima Revolução, a quinta, deste Período Terrestre.

Mas, como o Cristo disse, há uma dupla responsabilidade no conhecimento: “A quem muito é dado, muito será exigido” (Lc 12:48). Enquanto a transgressão dos que existiram naqueles dias primitivos pode ser perdoada – e isso comporta um atraso de milhões e milhões de anos – a situação dos que possuem a iluminação do conhecimento superior, que foi disponibilizada a todos nós, especialmente nos dias de hoje, e que mesmo assim insistem em transgredirem a Lei de Deus abusando da força sexual criadora, pode se converter num caso muito mais sério do que o da classe que agora está incorporada em formas antropoides superiores.

A Magia Negra (que sempre que é praticada precisa utilizar a força sexual criadora em abundância) está sendo praticada com muito mais frequência do que se poderia supor, algumas vezes de forma absolutamente inconsciente (o que não diminui a culpa de quem a pratica), pois a linha divisória pode estar unicamente no motivo. No entanto, se abusarmos do nosso conhecimento superior, ainda que sejamos mais refinados na indulgência com as nossas paixões, o resultado será certamente desastroso. Na atualidade, a força sexual criadora (exceto a quantidade insignificante que possa ser requerida para a propagação da Onda de Vida humana aqui) deve ser transmutada em Poder Anímico, Força Anímica e Vida Anímica (ou seja: Poder da Alma, Força da Alma e Vida da Alma). Portanto, continuemos insistentemente no caminho da pureza, para que não nos vejamos em situação pior que a desses seres humanos degenerados encontrados como escravos de Lúcifer na “cozinha da bruxa”[1] – como é representado no mito de Fausto de Goethe.

Se em algum momento formos tentados, por pensamentos impuros, voltemos imediatamente nossas Mentes para outros temas afastados da sensualidade (os Exercícios Esotéricos Rosacruzes auxiliam e muito nesse sentido. É só praticá-los!).

(Publicado na Revista Rosacruz – agosto/1972 – Fraternidade Rosacruz-SP)


[1] N.R.: “Cozinha da Bruxa”, também chamado de “caverna de Feiticeira”, em português, faz parte da obra Fausto de Johann Wolfgang von Goethe. Segundo as palavras do próprio Goethe, que Eckermann registrou numa conversa datada de 10 de abril de 1829, a cena “A Cozinha da Bruxa” foi escrita no jardim da Villa Borghese em Roma, na primeira metade de 1788.

QUADRO VII

Vasta caverna de Feiticeira. Ao fundo, uma porta baixa e informe. Do lado esquerdo, uma lareira térrea; por cima dela uma espaçosa chaminé. Na lareira, assente numa trempe, um grande caldeirão. Na fumarada que dele sai, vão vislumbrando várias figuras. Espalhadas pela caverna tripeças, e uma canastra com diversos objetos, entre os quais um copo de dados, archotes, uma bola, uma coroa, um cartapácio encadernado de preto com broches de ferro. Pelas paredes sem reboco e afumadas, pendem desordenadamente vasilhas de mil formas, uma peneira, um espelho, uma vara, um abano de cauda. Uma cantareira com garrafas e copos.

CENA I

Ao pé do caldeirão, e a escumá-lo, com sentido que não se deite por fora, está sentada uma CERCOPITECA (macaca muito grande, de rabo comprido) (). O CERCOPITECO (o macho) está sentado, com os filhinhos ao pé, a aquecer-se. FAUSTO, MEFISTÓFELES.

FAUSTO (a Mefistófeles)

Este sarapatel de nigromâncias

faz-me nojo, declaro. E projetava

este diabo restaurar-me a vida

em tão vil charco de hediondezes fúteis!

Aconselhem-se lá co’uma carcaça!

Ou tenham fé que possam burundangas

duma cozinha assim descarregar-me

trinta anos do cachaço. A não saberes

receita que mais valha, estou servido.

Pois dar-se-á que não tenha a natureza

algum bálsamo seu, já descoberto

por algum alto engenho?

MEFISTÓFELES

Aí ’stão palavras

que mostram não ser parvo o nosso amigo.

Sim senhor; sem sair da natureza

há também com que um homem se remoce.

Vem isso noutra obra; e bem curioso

que ele é, o tal capítulo.

FAUSTO

Declara-o!

MEFISTÓFELES

Guapa receita. E curativo grátis,

sem precisar Doutor, nem feiticeira.

Ponha-se fora; vá-se aos campos; are;

cave; enclausure-se, alma e corpo, em solo

dadivoso, mas parco; esteie a vida

com frugal passadio; aprenda e exerça

co’os seus brutinhos o viver nativo;

não julgue desairar-se, em repartindo

por suas mãos o adubo ao chão que o nutre.

Fie-se em mim: se há coisa que descargue

de oitenta anos, é isto.

FAUSTO

Agora é tarde

para me acostumar. Nunca até hoje

peguei num alvião. Para o meu génio

esse viver obscuro era insofrível.

MEFISTÓFELES

Então, é recorrer à feiticeira.

FAUSTO

Mas porque há-de ser logo a preferida

a tal mondonga velha? Não podias

preparar-me tu próprio a beberagem?

MEFISTÓFELES

Belo divertimento! Eu preferia

gastar o tempo em construir mil pontes.

Para arranjar os filtros desta casta

quer-se, além do saber, paciência e muita,

e atenção de anos largos; só co’o tempo

é que se alcança o fermentar completo

do líquido eficaz. Pois a quantia

d’ingredientes raríssimos! É certo

que o diabo é quem os sabe, e ensina tudo;

mas lá para os estar manipulando

é que não tem pachorra.

(Reparando nos animais)

Olhe a gracinha

do casal que ali está! São a criada

e o servo cá da casa.

(Aos animais)

Olá! já vejo

que a velhusca, vossa ama, anda por fora.

OS ANIMAIS

Eh eh eh eh!

Ao fricassé!

Foi pelo cano

da chaminé.

MEFISTÓFELES

Gasta lá nessas frescatas

muito tempo a feiticeira?

OS ANIMAIS

O tempo em que na lareira

nós aquecemos as patas.

MEFISTÓFELES (a Fausto)

Que tais acha estes nossos bicharecos?

FAUSTO

Ai! de apetite! Nunca os vi mais feios.

MEFISTÓFELES

E eu então o meu gosto é conversá-los.

(Aos animais)

Dizei, bonecos danados,

que tendes no caldeirão,

que estais tão azafamados

a mexer co’o colherão?

OS ANIMAIS

Pois não vês? esta iguaria

são as sopas dos mendigos.

MEFISTÓFELES

Nesse caso, meus amigos,

tereis muita freguesia.

O CERCOPITECO (tira da canastra o copo dos dados, e vai-se chegando a MEFISTÓFELES fazendo-lhe muitas festas)

Joguemos aos dados!

Meu rico parceiro,

não tenho dinheiro,

fazei-mo ganhar.

Ser pobre é ser parvo.

Espírito nobre,

salvai-me de pobre,

salvai-me de alvar.

MEFISTÓFELES

Este cercopiteco endoidecia,

se pudesse ganhar na loteria.

(Nestes entrementeses, andam os cercopitequinhos a brincar com uma grande bola que tiraram da canastra, e vão rolando diante de si.)

O CERCOPITECO

Tal é o mundo!

Rolar, correr,

subir, descer.

Vidro rotundo

sonoro e oco,

a pouco e pouco

fendas a abrir.

Aqui brilhante;

lá coruscante;

sempre cambiante,

sempre a fugir.

Fala-te um ente,

qual tu vivente,

qual tu mortal.

Evita, amigo,

esse inimigo

mundo fatal.

Crê-lo maciço,

e é quebradiço

como cristal.

MEFISTÓFELES

Que faz aqui esta peneira?

Tem algum préstimo?

O CERCOPITECO (tirando a peneira do prego)

Pois não?

Mostra a verdade nua e inteira.

Supõe que fosses um ladrão,

cara de santo e fala arteira,

logo eu te via a maganeira,

em observando o teu carão

pela peneira!

(Corre para a fêmea, a quem obriga a olhar para Mefistófeles, através da peneira)

Toma a luneta, companheira,

observa, observa o figurão.

Reconheceste-lo à primeira.

Declara o nome do ladrão!

Viva a peneira!

MEFISTÓFELES (aproximando-se do lume)

E este pote?

OS CERCOPITECOS (macho e fêmea)

Fora zote,

burro, estúpido, asneirão.

Não vês que é um caldeirão?

Chama a um caldeirão um pote!

MEFISTÓFELES

Bruta corja!

O CERCOPITECO (levanta-se arrebatadamente do chão um abano de rabo e mete-o na mão de Mefistófeles)

O quê! Depressa!

Toma o rabo deste abano!

Assenta-te na tripeça,

e esperta a fogueira, mano!

(Obriga Mefistófeles a sentar-se numa das tripeças, fazendo do abano ventarola)

FAUSTO (que durante todo este tempo, estivera parado defronte de um espelho, ora aproximando-se, ora recuando)

Oh mago espelho! que divina imagem!

Asas, asas, Amor! conduz-me a ela!

Se me acerco, recua, e mal a avisto

sombra de sombra esmorecida em névoa.

Tais graças feminis, dar-se-á que existam?

Estarei vendo neste esbelto corpo

das delícias dos céus a quinta essência?

Cabe ao mundo um tal dom?

MEFISTÓFELES

Naturalmente.

Quando lida na obra um Deus seis dias,

ao sétimo a contempla, e exclama: Bravo!

De ver está que executou portento

de costa acima. Farte os olhos, farte!

Deixe-me furoar que tarde ou cedo

lhe hei-de desencantar esse tesoiro.

Feliz quem no obtiver.

(Continua Fausto a olhar para o espelho. Mefistófeles espreguiçando-se na tripeça, e brincando com o abano, continua a falar.)

Que belo assento,

em que eu me estou aqui repetenando!

Nem rei no trono. Empunho um ceptro. Resta

vir a coroa radiar-me a testa.

OS ANIMAIS (que até aqui tem estado, uns com os outros, fazendo trejeitos e momices, trazem da canastra a Mefistófeles uma coroa, com grande algazarra)

Tome-a lá! Grude-a a si bem grudada,

com suores e sangue, oh Senhor!

(Ao brincarem à doida, deixam cair a coroa, que se parte em pedaços. Apanham-nos e atiram-nos por joguete uns aos outros.)

Ih! Quebrou-se a coroa sagrada!

Viva a turba! Acabou-se o temor.

Galrar já podemos,

de ventas no ar.

As zangas que temos,

até poderemos,

querendo, rimar.

FAUSTO (sem se apartar do espelho)

Ui que sanzala! Esvaem-me o juízo!

MEFISTÓFELES

Se até eu tenho a bola à roda, à roda!

OS ANIMAIS

E se a coisa desta feita

vinga e dá seu resultado,

das ideias a colheita

torna o mundo afortunado.

FAUSTO (como acima)

Já me arde o coração. Presto, fujamos!

MEFISTÓFELES

Já se vê pelo menos que estes mecos

tem para a poesia embocadura.

(Como a macaca tinha largado o caldeirão, começa este a entornar-se, ocasionando grande lavareda que sobe pela chaminé. Pelo meio dessa lavareda, desce a Feiticeira vozeando.)

CENA II

A FEITICEIRA e os MESMOS

FEITICEIRA

Ão, ão, ão, ão!

Maldita mona,

que me entornaste

o caldeirão,

e a vossa dona

incendiaste!

Maldita! ão, ão!

(Repara em Fausto e Mefistófeles)

Que temos? Vós quem sois? Quem teve o atrevimento

de vos deixar entrar? qual era o vosso intento?

Por entrardes sem vénia e a furto aos lares nossos,

má fogo que vos queime, e vos derreta os ossos!

(Mete o colherão na caldeira; tira-o cheio; sacode o líquido, que vai cair, convertido em chamas, sobre Fausto, Mefistófeles e os animais. Os bichos lançam grandes guinchos)

MEFISTÓFELES (levantando-se a súbitas, revira o abano com o cabo para fora, e começa a malhar com ele na caldeira, e em tudo que vê diante)

Ah! tu brincas? Pois eu faço

à tua solfa o meu compasso,

múmia ascosa. Na fogueira

vaso as sopas. A caldeira

ela aí vai tornada estilhas;

e atrás dela estas vasilhas…

Nada inteiro há-de ficar.

(A Feiticeira tem ido retrocedendo, cheia de terror)

Monstro! horror! arcaboiço! Olá! Não reconheces

o teu amo e senhor? Ínfima das refeces,

queres-te opor a mim? Não sei que me tem mão

que vos não leve a pau, desfeitas, de rondão,

tu, e toda a relé da tua bicharia.

Pois já esta demente acaso esqueceria

este cocar de galo? a cor de grã que eu visto?

até o meu semblante? Ainda, após tudo isto,

para saber quem sou precisa que lhe ponha

claro, eu próprio, o meu nome, a biltre sem vergonha!

A FEITICEIRA

Confesso, Grão Senhor, que foi mal-recebido.

Vossa alteza perdoe;… mas tinha-lhe esquecido

o pezinho cabrum e o par de corvos.

MEFISTÓFELES

Bem.

Por esta inda te passo.

(A Fausto)

Ele havia também

já tantíssimo tempo, a dizer a verdade,

que me não tinha visto!… A lei da humanidade

também se estende a nós: Le monde marche. Um vento

que se chama O Progresso, ora rijo, ora lento

mas constante, que varre e leva a quanto existe,

também por cá chegou. Foi-se o fantasma triste

do nevoento Norte. Onde há já ’í diabo,

que use chavelhos, garra ou pé de cabra e rabo?

Ora eu enquanto ao pé, – membro que não dispenso,

por ser quem me carreia em basta gente assenso –

quanto ao pé, anos há que uso ao disfarce botas,

como usam panturrilha os magrizéis janotas.

A FEITICEIRA (cantando e dançando)

Não caibo em mim d’alegria

por ver meu Dom Santanás

nesta minha cova fria,

tal como outrora soía,

lá quando eu era algum dia

menos velha, e ele rapaz.

Viva o meu Dom Santanás!

MEFISTÓFELES

Vedo que nunca mais tal nome se me dê.

A FEITICEIRA

Pois que mal lhe fez ele? explique-se: por quê?

MEFISTÓFELES

Nome é que anda há já muito entre outros mil escritos

no volumoso rol das fábulas e mitos.

(A Fausto)

Coisas da espécie humana: o génio mau proscrevem

e ficam-se co’os maus; a esses não se atrevem.

(À Feiticeira)

Chama-me se te apraz «Barão!» «Senhor Barão!»

Não há mais que dizer. Fico um fidalgarrão

como os do sangue azul. Quanto eu sou nobre, escuso

encarecer-to; e aí vão as armas do meu uso!

(Faz certo acionado.)

A FEITICEIRA (rindo a bandeiras despregadas)

Ah ah ah ah!

Ih ih ih ih!

Nunca vi, não há,

não há, nunca vi

brejeiro maior!

Bargante, bargante!

Em moço, tunante;

em velho, pior!

MEFISTÓFELES (a Fausto)

Repare, meu amigo e aprenda! Esta a maneira

como deve tratar co’a súcia feiticeira.

A FEITICEIRA

Que desejam agora estes senhores?

MEFISTÓFELES

Mando

que nos tragas já já um copo trasbordando

da sabida mistela, e quanto mais anosa

a tiveres, melhor, mais eficaz.

A FEITICEIRA

Gostosa

obedeço já já.

(Tira uma garrafa e um copo da cantareira)

Nesta garrafa tenho

com que dar ao seu mando óptimo desempenho.

Desta é que eu muita vez mato o bicho. Fortum

nem por onde ele passe. Um copo! e mais do que um

se quiser, essa é boa!

(Baixo a Mefistófeles)

Olhe que o sujeitinho,

se traga aquilo assim como quem bebe vinho,

sem se ter preparado, estoira antes de um’hora,

bem sabe.

MEFISTÓFELES (baixo à Feiticeira)

O teu receio é mal cabido agora.

Eu sou amigo dele e não lhe quero a morte.

Podes-lhe dar sem medo o que haja de mais forte

no teu laboratório. A l’obra, presto, a l’obra!

Risca-me nesse chão o círculo da cobra.

Reza lá o conjuro, e dá-lhe um copo cheio.

(A Feiticeira com solenes ademães, risca um círculo e põe-lhe dentro coisas esquisitas. Para logo principiam os utensis e os copos a traquinar, com certa afinação. Traz afinal um cartapácio. Mete no círculo os cercopitecos. Um deles fica a servir-lhe de estante. Os outros archotes tirados da canastra, e que per si se acenderam simultaneamente. A Feiticeira acena a Fausto, que se lhe acerque)

FAUSTO (a Mefistófeles)

Mas tudo isso a que vem? Patranhas vãs! Descreio

de quanto vejo aqui: visagens estudadas,

imposturas sem sal, tontices, meros nadas.

Sei tudo isso de cor; tenho-lhe nojo.

MEFISTÓFELES,

Asneira!

É forte bravejar contra uma brincadeira!

Pois não vês que a mulher não faz em tudo aquilo

senão seguir à risca o medical estilo?

para que te aproveite e preste a beberagem,

põe muito palavrão, muitíssima visagem.

A FEITICEIRA (empurra Fausto para dentro do círculo; e põe-se a ler no livro, declamando com grande ênfase)

Agora me explico,

Do um, dez fareis;

o dois deixareis;

o três uguareis;

e já sondes rico.

Lançar quatro fora.

Dos cinco e dos seis,

sete e oito fareis.

São estas as leis,

e andai-vos embora.

E os nove são um;

e os dez são nenhum.

E tenho acabada,

segundo cumpria,

toda a tabuada

da feitiçaria.

FAUSTO (a Mefistófeles)

Ela estará com febre? A modo que extravaga.

MEFISTÓFELES

Ai! de pouco se admira. Inda por ora a saga

do introito não passou; e todo o calhamaço

vai no mesmo teor. Eu já o li de espaço;

por sinal que até fiz sobre o seu conteúdo

o estudo mais cabal, mais sério, mais miúdo,

do que vim a inferir o que lhe exponho franco:

no que é contraditório, o sábio fica em branco,

assim como o ignorante. Esta arte, meu amigo,

é velha e nova; há nela, a par do imenso antigo,

algo também moderno. Inda não houve idade,

que, a bem de traficar co’a pobre humanidade,

não andasse a espalhar, com rara impavidez,

erros de três por um, ou erros de um por três.

Onde havia ensinar-se o claro, o verdadeiro,

mentiu-se adrede ao vulgo estólido e crendeiro.

Contra a superstição e audácia, era preciso

combater e suar; e a gente de juízo

preferiu sempre a tudo um bom viver pacato.

Nos mortais em geral dá-se um pendor inato

para absorverem crença. Era melhor primeiro

pensar, e crer depois; crer só no verdadeiro.

A FEITICEIRA (continuando)

A potência da ciência

que anda oculta em névoa escura,

só revela a sua essência

ao mortal que a não procura.

FAUSTO

Que absurdo nos diz ela? A tantos disparates

já se me oira a cabeça; oitenta mil orates

não doidejavam mais.

MEFISTÓFELES

Nobre sibila, basta!

Venha o copo e bem cheio. Um homem desta casta,

um famoso Doutor em tanta faculdade,

pode beber sem risco e sem dificuldade.

Mal imaginas tu que tragos de alto engodo

ele já tem provado.

(Notando em Fausto alguma hesitação, continua.)

Abaixo! abaixo! Todo!

Animo! escorripicha! E tu verás em breve

como esse coração bate contente e leve.

Ora gosto de ti! Convives co’o demónio

tu cá, tu lá, e agora estás como um bolónio

com medo a um fogachinho!

(Fausto acaba de beber resolutamente o copo apesar de saírem dele pequenas chamas.)

(A Feiticeira desfaz o círculo. Fausto sai dele.)

Estás liberto. Agora,

exercício que farte.

A FEITICEIRA

Em muito boa hora

que tomasse o meu filtro.

MEFISTÓFELES (à Feiticeira)

E tu, se me quiseres

alguma coisa, velha, é bom que lá me esperes

na Valburga esta noite.

A FEITICEIRA (a Fausto)

Aprenda outra cantiga

antes de se ir embora; e é dadiva de amiga.

Toda a vez que a entoar, há-de sentir no peito

um certo não lho digo; enfim um certo efeito

(Fausto dá-lhe costas enjoado, com ar desprezativo)

MEFISTÓFELES (a Fausto)

Vem comigo, eu te guio. A fim de que a poção

no interior e por fora opere a sua ação,

não há que estar à espera; é necessário e urgente

medir terra, correr, suar copiosamente.

Depois te ensinarei como se logra a vida

no suave far niente em flores envolvida,

e como o deus de amor brinca, borboleteia,

e oferta aos lábios mel pela áurea taça cheia.

FAUSTO (querendo tornar-se ao espelho)

Deixem-me inda uma vez mirar nesse brilhante

venturoso cristal a que é sem semelhante,

da graça o non plus ultra.

MEFISTÓFELES

À fé, que a imagem dela

era de todo o ponto e em todo o extremo bela;

mas que não dirás tu, em vendo o original?

vivinho! em carne e osso! ao pé de ti!

(À parte)

Que tal!

Co’a dose que tomou, qualquer mulher que aviste

vai julgá-la outra Helena.

Ah, sábio, alfim caíste!

A cozinha da bruxa levará Fausto a completar seu grande “livramento” no âmbito da materialidade. Ele deveria rejuvenescer para que sua aparência lhe proporcionasse maior mobilidade no mundo das suas aspirações. Porém, rejuvenescer para o doutor fazia parte de um aspecto bem maior. A magia lhe proporcionava vencer a finitude do corpo do herói velho sem mobilidade. Ele necessita agora de energia para pôr em prática sua ânsia de conhecimento. Precisa de disposição para o amor, e assim recobrar o tempo perdido. A poção da bruxa confere um novo conteúdo à sua forma. Fausto assume o ímpeto da juventude e sua alma fáustica está agora em perfeita conformidade com suas forças físicas.

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

Goethe e Sua Contribuição à Humanidade

Goethe[1] é considerado um dos luminares da inteligência humana. Tal foi a amplitude do seu cabedal de conhecimentos, admirável a profundidade do seu pensamento, que constitui tarefa complexa traçar sua biografia. Os traços biográficos de um homem dessa Natureza não podem cingir-se meramente à indicação de sua origem, de seus passos, de sua morte, ao relato de suas imortais obras e ao alcance de seus conceitos mais divulgados. Tornar-se-ia necessário viver suas próprias experiências, beber da fonte da sabedoria da qual ele extraiu as mais belas joias do pensamento humano.

Suas obras, analisadas literalmente, evidenciam sua genialidade. Perscrutadas nas entrelinhas, à luz do espírito, descortinam um verdadeiro universo de conhecimentos ocultos, próprios de um Iniciado. E ele era. Em “Fausto”, por exemplo, encontramos algumas das leis básicas da evolução. Quando Lúcifer pede a Fausto que assine o pacto estabelecido entre ambos com “uma gota de sangue”, surge uma dessas evidências.

Constitui um trabalho fascinante descobrir as várias facetas desse grande espírito. Vamos a algumas delas.

É nesta altura que nos são abertas, pelas ideias de Goethe, perspectivas completamente novas. Goethe não era apenas o grande poeta lírico e dramático, autor do ‘Werther’[2], ‘Iphigenie’[3] e ‘Fausto[4], mas um cientista e filósofo tão profundo e original que ele mesmo considerava sua obra científica superior à sua obra poética. Várias descobertas lhe asseguram um lugar de destaque na história das ciências.

Mas não é como cientista ‘de métier’ que Goethe nos interessa aqui. Tampouco valeria a pena determo-nos demoradamente em suas ideias, se fossem apenas opiniões ou teorias divergentes, em certos detalhes, das de seus predecessores e contemporâneos. Goethe representa muito mais do que isso: sua cosmovisão é uma alternativa, totalmente diferente, para toda maneira de ser e de pensar dos séculos XIX ao XXI. Para quem acompanha, com preocupação cada vez maior, o enfoque da vida e a escala de valores adotados pela humanidade sob a influência do materialismo científico e do pragmatismo utilitarista, o “goetheanismo” constitui uma opção que só não tem merecido atenção maior porque certos conceitos são tão arraigados no ser humano de hoje que ele simplesmente não pode imaginar uma maneira diferente de pensar e de julgar.”

Por esse motivo, analisaremos mais profundamente o “goetheanismo”, sem nos preocuparmos com o que possa ter de inusitado e esdrúxulo para pessoas acostumadas a raciocinar exclusivamente dentro dos moldes e conforme os modelos atualmente aceitos. As ciências têm evoluído por um caminho oposto a Goethe, e o mundo moderno é um fruto dessa evolução.

Para Goethe, as ciências têm a função de explicar ao ser humano os fenômenos com que esse se defronta ao abordar a Natureza. Nesse ponto, Goethe não diverge dos grandes pioneiros das ciências. Mas, o que significa ‘explicar’? Para Goethe, ‘explicar’ um fato novo e desconhecido significa reduzi-lo, dentro da mesma esfera de observação, a outros fenômenos mais simples, até mostrar que ele se integra no contexto do mundo fenomenal restante, sem que haja divergência entre o fato e as ideias subjacentes a esse mundo. Dentro de cada área há fatos tão simples que não podem ser reduzidos a outros ainda mais simples: são evidentes em si. Goethe os chama de ‘fenômenos primordiais’ (‘Urphônomen’).

Nossa curiosidade científica é satisfeita quando conseguimos explicar um fato pelos ‘fenômenos primordiais’ subjacentes. Tais fenômenos primordiais existem em todas as áreas da Região Química do Mundo Físico: na mecânica, na ótica, na termologia, no magnetismo… A explicação científica deve, portanto, descobrir, dentro da mesma área, os fenômenos primordiais que fazem parte do fenômeno indagado. Não se acrescenta coisa alguma a uma explicação quando se procura encontrar uma ‘causa’ situada em outra área. Explicar o fenômeno ótico por uma ‘causa mecânica’, por exemplo, seria não só inadequado, mas contrário à própria função da ciência. Essa atitude seria totalmente ilícita, se a ‘causa’ invocada fosse algo hipotético como, por exemplo, a aceitação hipotética de ‘ondas’ de luz para explicar certos fenômenos óticos.

O cientista deve sempre ficar dentro do âmbito dos fenômenos, e não pode procurar causas teóricas situadas além desse âmbito. Os fenômenos primordiais podem ser enunciados sob forma de ‘Leis da Natureza’, e sua formulação pode conter elementos matemáticos, desde que o aspecto matemático-quantitativo faça parte desse fenômeno. O que não é permitido é reduzir fenômenos qualitativos a estruturas meramente quantitativas e recorrer a leis mecânicas, matematicamente formuladas, para ‘explicar’ um fenômeno. ‘Explicar’ o fenômeno ‘calor’ pelo movimento browniano das moléculas não significa nada, para Goethe. O fenômeno ‘calor’, que existe na percepção de um ser sensível, paralelamente pode ter, na área do universo molecular, um efeito como o movimento browniano, mas não se acrescenta algo à explicação do fenômeno invocado como sua ‘causa’ o referido movimento, ou pior ainda, afirmando que a ‘realidade objetiva’ do fato se verifica no nível do mundo molecular.

A Natureza nos fala, portanto, por meio de linguagens próprias a cada área. Reduzindo os fenômenos observados, dentro de uma área, a ‘causas’ existentes em outras, é procurar obter uma resposta em uma linguagem imprópria. A resposta perde o seu sentido quando formulada em uma linguagem estranha. Ora, quando se dá uma explicação mecanicista e quantificada para um fenômeno que o organismo sensorial do ser humano vivencia como qualitativo, a linguagem da resposta é imprópria. Por esse motivo, a atitude de Descartes[5] de admitir em um objeto apenas as qualidades ‘primárias’, as qualidades secundárias, implica uma abstração ilícita; pois o objeto não é captado em sua realidade, já que tamanho e movimento não podem ser considerados independentemente do resto. Igualmente, o tamanho e as demais qualidades ‘objetivas’ são revelados por nossos sentidos, ou por aparelhos que os substituem.

Convém fazer, nesta altura, uma ressalva. O “goetheanismo” não significa, de modo algum, que o ser humano deixe de raciocinar; significa apenas a negação de um raciocínio unilateralmente matemático e mecanicista, em áreas onde só um pensar mais amplo é capaz de captar toda a realidade. Não é correto que as verdades matemáticas sejam mais simples ou de compreensão mais fácil do que as outras.

Goethe realça, de certo modo, as qualidades ‘secundárias’, porque são elas que afetam, de forma mais intensa, o maravilhoso organismo sensorial do ser humano, que o cartesianismo tacha desdenhosamente de subjetivo.

Nunca devemos esquecer que é o ser humano (o Ego humano, que é um Espírito Virginal da Onda de Vida humana manifestado aqui) que se encontra, com suas perguntas, diante da Natureza e é como ser humano que deve receber as respostas; e deve recebê-las de forma humana. A inobservância desse princípio básico é a causa da alienação do ser humano em relação às ciências e da alienação das ciências em relação à realidade.

Ao enfrentar um fenômeno da Natureza, o ser humano o faz como ser total (um Tríplice Espírito que trabalha em um Tríplice Corpo e uma Mente, todos veículos construídos por ele mesmo em cada vida que ele vive aqui); ele tem diante de si o fenômeno como algo total. Se o raciocínio abstrato for a única função do observador, e se as únicas qualidades captadas do objeto forem as acessíveis a esse pensar mecânico-matemático, a relação do ser humano-objeto nunca poderá ser completa; será restrita e, portanto, falsa. Para que a pergunta — que sempre envolve o ser humano total — possa ser satisfatoriamente respondida, deve haver uma comunhão total entre ele e a Natureza. Goethe afirma que tal comunhão intuitiva — chama-a também de juízo contemplativo — é possível porque o próprio ser humano emana da Natureza e continua a fazer parte dela. O ser humano contém a Natureza; foi ela que plasmou seus órgãos sensoriais — existe, pois, uma afinidade intrínseca entre o seu ser e o ser da Natureza. O olho não apareceu no ser humano ‘por acaso’, permitindo-lhe, depois, enxergar a luz; foi ela que plasmou o olho (afinal, a luz preexistente criou o olho que a pudesse ver, ou ainda, a Natureza construiu os olhos para receberam a luz, em resposta à função já existente, lá na Época Atlante). Existe, portanto, uma afinidade básica, essencial, entre o órgão da visão e o Mundo visível; isto é, iluminado pela luz. A cognição do mundo pressupõe uma correspondência íntima entre o modo de ser da Natureza e o modo de conhecer do observador; de outro lado, essa correspondência é suficiente para se ter a verdadeira contemplação ou intuição, que permite vislumbrar na ‘realidade’ a ideia do que nela se ‘realiza’.

Em sua ‘Teoria das Cores’[6], Goethe dirigiu uma forte crítica a Newton. Não poderemos julgar equitativamente essa polêmica se não tivermos em mente que a maneira de ambos abordarem a Natureza é totalmente diversa. Não há medida comum possível; eles falam, de certa forma, línguas diferentes.

Compreendemos a Natureza nos compenetrando por meio de uma investigação intuitiva junto às leis intrínsecas de cada um dos seus reinos e setores. Captar essas ideias não significa viver uma atitude de misticismo sonhador, mas, sim, de penetrar até os últimos segredos da Natureza.

Em cada setor ou reino, essas ideias se realizam através de graus de intensidade que a vivência íntima do observador permite captar. A Natureza brinca, de certo modo, com formas primordiais, e produz a multiplicidade das suas formas visíveis por meio de uma atividade criadora, que é afim com o impulso criador do artista. E assim como mergulhamos dentro de uma obra de arte sem dissecá-la, identificamo-nos também com a essência dessas formas através de uma atitude de contemplação ativa; ou seja, uma identificação que é, ao mesmo tempo, inteligente e intuitiva, e que nos faz chegar às ideias mestras que se expressam em um fenômeno da Natureza; isso é o que Goethe chama de ser realista e objetivo.

As ideias ativas dentro da Natureza se realizam segundo os princípios da polaridade e da intensificação. Cada ideia produz, em dado momento, uma multiplicidade dentro da unidade. Sem ter a rigidez formal da dialética hegeliana[7], esse princípio da polaridade explica a diversidade das formas. Além disso, cada força pode atuar com um maior ou menor grau de intensidade. Esses dois princípios — o da polaridade acoplado ao da intensidade (‘Polaritât und Steigerung’) — produzem uma quase ilimitada riqueza de formas e fenômenos. São energias intrínsecas que o observador pode e deve vivenciar como tais. Se ele quer analisar um fenômeno, aplicando-lhe um critério exterior — em outras palavras, se o ‘mede’ com um metro proveniente de outro setor (medir é comparar uma grandeza com um ‘metro’ que não lhe é estranho) — ele não capta a realidade intrínseca, mas apenas aquelas qualidades que o fenômeno possa ter em comum com o setor do qual foi tirado o metro.

Também no campo da Natureza orgânica existem formas básicas, que podem servir de critério para a compreensão de qualquer forma particular. Goethe os chama de ‘tipos’, e todas as suas concepções botânicas e zoológicas têm por objetivo a metamorfose desses tipos básicos, que causa a diversidade das formas e fenômenos concretos. Segundo ele, os fenômenos da vida só podem ser compreendidos dessa forma, e nunca por uma análise químico-física que usa exclusivamente parâmetros da Natureza inorgânica. O cientista age também incorretamente quando transpõe os critérios de ‘um’ setor da Natureza inorgânica para a ‘explicação’ de um fenômeno observado em outro setor, também da Natureza inorgânica.

Segundo Goethe, o objetivo das ciências não é a “dissolução” de um fenômeno em uma fórmula (com a perda de todas as suas características individuais), mas sua integração no resto dos fenômenos da mesma área.

Cabe aqui, mais uma vez, uma observação a respeito do uso da matemática nas ciências. Leibniz[8] tinha afirmado que uma ciência é ciência só na medida em que contém matemática. Goethe diverge fundamentalmente dessa opinião — embora negue peremptoriamente ser um inimigo da matemática. Ele lhe reconhece os grandes méritos, dentro de uma determinada área: o objetivo da matemática são as grandezas; ora, há muita coisa no mundo que não é grandeza, ou que é mais do que simples grandeza.

Igualmente, a matemática abrange princípios formais que não são meras ‘grandezas’. Encontramos também em Goethe um profundo respeito perante esse tipo de matemática, que se aproxima do pitagorismo[9].

Sem estar ligado a qualquer dogma, Goethe era um homem profundamente religioso. Para ele, a Natureza é obra divina, e revela a existência e a atuação de forças divinas.


[1] N.R.: Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) foi um polímata, autor e estadista alemão do Sacro Império Romano-Germânico que também fez incursões pelo campo da ciência natural. Como escritor, Goethe foi uma das mais importantes figuras da literatura alemã e do Romantismo europeu, nos finais do século XVIII e inícios do século XIX.

[2] N.R.: Iphigenia in Tauris (alemão: Iphigenie auf Tauris) é uma reformulação de Johann Wolfgang von Goethe da antiga tragédia grega Iphigeneia en Taurois de Eurípides. O título de Eurípides significa “Iphigenia entre os taurinos”, enquanto o título de Goethe significa “Iphigenia in Taurica”, o país dos tauri.  Aqui um resumo da obra: Os sofrimentos do jovem Werther ou no original em língua alemã Die Leiden des jungen Werthers (1774) é um romance de Johann Wolfgang von Goethe. Marco inicial do romantismo, considerado por muitos como uma obra-prima da literatura mundial, é uma das primeiras obras do autor, de tom autobiográfico — ainda que Goethe tenha cuidado para que nomes e lugares fossem trocados e, naturalmente, algumas partes fictícias acrescentadas, como o final. Neste livro, o suposto Werther envia, por um longo período, cartas ao narrador, que, em notas de rodapé, afirma que nomes e lugares foram trocados. O romance é escrito em primeira pessoa e com poucas personagens. Após a sua primeira publicação, em 1774, teria ocorrido, na Europa, uma onda de suicídios, atribuída à influência do personagem de Goethe, que foi chamada “efeito Werther”. No entanto, esse impacto do romance sobre o número de suicídios nunca foi demonstrado. Apenas mais recentemente foram realizadas tentativas científicas de examinar a existência desse possível efeito de Werther.

[3] N.R.: Amado pelos deuses por sua sabedoria, o semideus Tântalo uma vez foi convidado para sua comunhão. Tornando-se turbulento enquanto celebrava com eles, ele começou a se gabar e roubou o néctar e a ambrosia dos deuses, seu alimento de imortalidade. Quando os deuses vieram ver Tântalo, por sua vez, ele testou sua onisciência oferecendo seu próprio filho Pélope a eles como refeição. Ofendido pelo engano, os deuses baniram Tântalo de sua comunidade para o Tártaro e amaldiçoaram ele e sua família, a Casa de Atreus. Isso ficou conhecido como a maldição dos tântalo, na qual os descendentes de Tântalo em todas as gerações subsequentes foram levados por vingança e ódio ao assassinato de seus próprios familiares. Assim Agamenon, comandante do exército e bisneto de Tântalo, ofereceu sua filha mais velha Ifigênia à deusa Diana (em grego conhecida como Ártemis) para garantir ventos favoráveis ​​para a viagem de Áulis, moderna Avlida, a Tróia, onde pretendia travar a guerra. contra Tróia. Na crença equivocada de que seu marido Agamenon havia assassinado sua filha Ifigênia, Clitemnestra então matou Agamenon após seu retorno da Guerra de Tróia. Como resultado, Orestes e Electra, irmão e irmã de Ifigênia, guardaram rancor contra a mãe pelo assassinato de seu pai, e Orestes, com a ajuda de Electra, assassinou sua mãe Clitemnestra. Sendo agora culpado de um assassinato, ele também caiu sob a maldição da família. Em uma tentativa de fugir de seu destino iminente de ser vítima de vingança e de ser morto por seu crime, ele fugiu. Consultando o Oráculo de Delfos de Apolo, ele foi instruído a trazer “a irmã” para Atenas e que essa seria a única maneira de acabar com a maldição. Como supunha que sua irmã Ifigênia já estava morta, Orestes supôs que o oráculo devia significar a irmã gêmea de Apolo, a deusa Diana. Ele, portanto, planejou roubar a estátua de Diana do templo em Tauris e partiu com seu velho amigo Pílades para a costa de Tauris.

[4] N.R.: Fausto (em alemão: Faust) é um poema trágico do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe, dividido em duas partes. Está redigido como uma peça de teatro com diálogos rimados, pensado mais para ser lido que para ser encenado. É considerado uma das grandes obras-primas da literatura alemã. A criação da obra ocupou toda a vida de Goethe, ainda que não de maneira contínua. A primeira versão foi composta em 1775, mas era apenas um esboço conhecido como Urfaust (Proto-Fausto). Outro esboço foi feito em 1791, intitulado Faust, ein Fragment (Fausto, um fragmento) e, também, não chegou a ser publicado. A versão definitiva só seria escrita e publicada por Goethe no ano de 1808, sob o título Faust, eine Tragödie (Fausto, uma tragédia). A problemática humana expressada no Fausto foi retomada a partir de 1826, quando ele começou a escrever uma segunda parte. Esta foi publicada postumamente sob o título de Faust. Der Tragödie zweiter Teil in fünf Akten (Fausto. Segunda parte da tragédia, em cinco atos) em 1832.

[5] N.R.: René Descartes (1596-1650) foi um filósofo, físico e matemático francês.

[6] N.R.: Teoria das Cores é um livro do alemão Johann Wolfgang von Goethe publicado em 1810. Contém uma descrição do fenômeno das cores que veio influenciar fortemente os artistas pré-rafaelistas.

[7] N.R.: O pensamento filosófico de Hegel é um sistema complexo de unidades no qual a mesma estrutura processa-se em áreas diferentes do conhecimento. Hegel, como um grande filósofo sistemático, aplica as mesmas categorias aos mais variados problemas. Sua dialética tríade domina sua forma de apresentar e superar os mesmos.

[8] N.R.: Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) foi um proeminente polímata e filósofo alemão e figura central na história da matemática e na história da filosofia. Sua realização mais notável foi conceber as ideias de cálculo diferencial e integral, independentemente dos desenvolvimentos contemporâneos de Isaac Newton

[9] N.R.: A Escola Pitagórica, fundada por Pitágoras, foi uma influente corrente da filosofia grega à qual pertenciam alguns dos mais antigos filósofos pré-socráticos. Os pitagóricos foram muito importantes no desenvolvimento da matemática grega. A própria palavra “matemática” surgiu com os pitagóricos (mathematikós, em grego), com a concepção de um sistema de pensamento em bases dedutíveis, e deles advêm o conhecido aforisma de que “a matemática é o alfabeto com o qual os deuses escreveram o universo”. Até então, a geometria e a aritmética tinham um caráter utilitário, intuitivo, fulcrado em problemas práticos, sendo fruto dos pitagóricos a classificação dos números em pares, ímpares, primos e racionais (estes são todos os números que podem ser representados na forma de fração). Também dos pitagóricos advêm estudos sistematizados de alguns poliedros e polígonos regulares, sobre proporções, números decimais e a seção áurea ou divina. A sua vez, a matemática influenciou sua posição filosófica concebendo que os números são os princípios de todas as coisas.

(Publicado na Revista Serviço Rosacruz de abril/1977-Fraternidade Rosacruz-SP)

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

Carta de Max Heindel: A Lei do Êxito para os Assuntos Espirituais

Janeiro de 1919

Parece apropriado iniciar nossa correspondência para 1919 desejando a você um Feliz e Próspero Ano Novo. Mas, como diz o provérbio: “Se querer fosse poder”. É necessário algo mais para garantir o êxito e a felicidade do que meros desejos e, talvez, os meus possam resultar em melhores frutos se eu explicar a você a Lei do Êxito.

Os Estudantes Rosacruzes estão familiarizados com o fato de que não existe “sorte” e estão bem de acordo com Mefistófeles em Fausto quando diz:

O quão intimamente a sorte está ligada ao mérito,

Nunca ocorre ao tolo.

Eu juro, ele tinha a pedra do sábio,

Não tinha a Pedra Filosofal.

Porém, aqui uma pergunta surgirá imediatamente à Mente de muitos: “É possível reduzir o êxito a uma lei?”

Sim, existe uma Lei do Êxito, tão certa e imutável como qualquer outras das grandes Leis Cósmicas. E, embora eu deva aplicá-la somente aos assuntos espirituais, certamente, não posso ocultar de vocês que ela também trará certa prosperidade nos assuntos materiais. Mas antes de aplicá-la nessa direção, considere cuidadosamente que, ao fazer isso implicará suicídio espiritual, pois “não podeis servir a Deus e a Mamon[1]. É preferível que “buscai primeiro o Reino de Deus e Sua justiça; e todas as outras coisas vos serão dadas por acréscimo[2]. Eu posso dar testemunho da veracidade dessa promessa, por estar vivendo-a há muitos anos.

Portanto, a Lei do Êxito pode ser enunciada da seguinte forma:

Primeiro, determine e defina claramente o que você deseja – desenvolvimento do poder de cura, aumento da visão espiritual, ser um Auxiliar Invisível, possuir a habilidade em se comunicar e disseminar a mensagem Rosacruz a outras pessoas, etc.

Segundo, ao estabelecer a sua meta, jamais admita, nem por uma momento, um pensamento de medo ou de fracasso, mas cultive uma atitude de determinação invencível para realizar seu objetivo, apesar de todos os obstáculos. Mantenha constantemente o pensamento: “Eu posso e farei”.

Não comece a fazer planos sobre como alcançar tal meta até que tenha adquirido o estado de absoluta confiança em si mesmo e na capacidade de fazer o que almeja, porque uma Mente influenciável pelo mais leve temor de fracasso não pode fazer planos que terão pleno êxito. Portanto, seja paciente e se certifique primeiro de cultivar uma fé absoluta em si mesmo e na sua capacidade de obter êxito, apesar de todas as adversidades.

Quando você atingir esse ponto, no qual estará totalmente convencido de que poderá ter êxito e positivamente determinado no sucesso da sua busca, não haverá poder na terra ou no céu que poderá resistir a você nesse desenvolvimento em particular; e você poderá, então, planejar como irá alcançar o desejo do seu coração com certeza de êxito.

Espero que você aplique essa lei fervorosamente na realização pelo crescimento da alma, não apenas durante o próximo ano, mas em todos os anos futuros.

(Carta nº 97 do Livro Cartas aos Estudantes – Max Heindel – Fraternidade Rosacruz)


[1] N.T.: Mt 6:24

[2] N.T.: Mt 6:33

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

“O Cego vê e o Surdo ouve”

Por Max Heindel

Enquanto a incapacidade física causada pela cegueira é, sem dúvida, uma grande aflição, há uma cegueira que apresenta efeito mais prejudicial sobre aqueles que dela sofrem: a cegueira do coração. Um velho provérbio diz: “Ninguém é tão cego quanto aquele que não quer ver”[1]. Toda grande Religião trouxe ao povo a quem foi dada certas verdades vitais e necessárias para o seu desenvolvimento, e o próprio Cristo nos disse que a Verdade nos libertaria. Muitas das sublimes verdades contidas nos ensinamentos Cristãos foram, no entanto, obscurecidas por credos e dogmas com os quais as várias seitas e denominações se contentaram. Contrata-se um ministro ou um pastor para uma igreja protestante e o encarregam de expor a verdade da Bíblia, mas sua língua está atada ao credo de sua denominação específica; ele é proibido, sob pena de desgraça pública e dispensa, de publicar ou pregar algo que não esteja em estrito acordo com o tipo particular de Religião desejado por aqueles que lhe pagam o salário. Cada ministro ou pastor recebe “um par de óculos que são coloridos” de acordo com o credo específico que ele representa, e ai dele se ousar enxergar a Bíblia com outros óculos sobre o nariz: fazer isso significa sua ruína financeira e ostracismo social, que poucos são corajosos o suficiente para enfrentar.

Enquanto o ministro ou pastor mantiver seus óculos denominacionais, não haverá perigo; contudo, às vezes algum ministro ou pastor retira os óculos, porque planejou ou por acidente. Ele pode ser de natureza aventureira e, de alguma forma, tem a sensação de que há alguma coisa fora da sua esfera de visão particular, ou pode ter acidentalmente perdido seus óculos. Mas, em ambos os casos, se ele tropeça na verdade nua da palavra de Deus, torna-se infeliz. Esse escritor falou com vários ministros e pastores que confessaram ter a ciência de certas verdades, mas não ousavam pregá-las porque isso jogaria a fúria de sua congregação sobre eles, por perturbar as condições estabelecidas. E isso não é de se admirar; mesmo o Rei Jaime[2], um monarca e autocrata, advertiu os tradutores da Bíblia para não a traduzirem de maneira que a nova versão perturbasse as ideias estabelecidas, porque ele sabia que, no momento em que novos pontos fossem introduzidos, haveria uma controvérsia entre os defensores da antiga visão religiosa e os da nova, o que provavelmente resultaria em uma guerra civil. A maioria das pessoas sempre está pronta para sacrificar a verdade pelo bem da paz; portanto, hoje estamos presos, apesar de nossa liberdade vangloriada, e não importa o quanto seja aguçada a nossa visão física, um grande número entre nós está cego por uma escama tão opaca que quase obscurece completamente sua visão espiritual.

No entanto, apesar de tudo, a verdade surge e, às vezes, nos lugares mais inesperados, como mostra o recorte a seguir. Isso soa mais como as reflexões de um Místico do que os escritos de um ministro ou pastor presbiteriano, anotações ligadas à terrível doutrina da predestinação e ao compromisso das almas com o fogo eterno do inferno, onde torturas terríveis são suportadas pela eternidade, mesmo por bebês que foram predestinados a sofrer para sempre pelo seu criador. Foi escrito por J. R. Miller, um conhecido pastor de igreja da Filadélfia, e é apenas outra indicação do fato de que um sexto sentido está sendo desenvolvido lentamente e, frequentemente, como dito, nos lugares mais inesperados, esmagando o credo com evidências e conhecimentos Místicos. O reverendo Miller diz:

“Todos nós projetamos uma sombra. Há sobre nós uma espécie de penumbra — algo estranho e indefinível — que chamamos de influência pessoal e tem efeito em todas as outras vidas que ela toca. Vai conosco onde quer que vamos. Não é algo que possamos ter ou retirar quando quisermos, como uma roupa. É uma coisa que sempre brota da nossa vida, como a luz de uma lâmpada, o calor de uma chama, o perfume de uma flor.”.

Certa vez, quando Cristo estava sozinho com seus Discípulos, Ele lhes perguntou: “Quem dizem os homens que Eu, o Filho do Homem, sou?”. E eles responderam e disseram: “Alguns dizem que Tu és Elias; outros, Jeremias; e outros dizem que és um dos profetas”. E Cristo respondeu e disse: “Mas quem dizeis que Eu sou?”. E São Pedro disse em resposta a essa pergunta: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Ele havia descoberto a verdade, tinha visto o Cristo. E a resposta de Cristo veio rapidamente: “Bendito és tu, Simão, filho de Jonas, porque a carne e o sangue não te revelaram isso, mas meu Pai que está no Céu; a ti darei as chaves do Reino dos Céus e do Inferno[3].

Aqui, a Religião dita Cristianismo popular, que tantas vezes desvalorizou a Arte a seu serviço, pode ver apenas uma chave material e, portanto, encontramos fotos em que São Pedro está com uma chave enorme na mão; porém o Místico descobre nesse incidente que os Discípulos receberam o ensinamento de uma grande verdade da natureza: o Renascimento! Pela chave da Iniciação, esse mistério foi descoberto, as portas do Céu e do Inferno foram abertas para mostrar a imortalidade do Espírito e nossa volta a esta esfera de ação para aprender novas e maiores lições vida após vida, como uma criança aprende suas lições na escola, dia após dia.

Se o Renascimento não fosse um fato natural, o retorno de espíritos que partiram, como Jeremias, Elias e outros, para então ocupar o corpo de Jesus, seria um absurdo e teria sido o dever de Jesus, como Mestre dos Discípulos, explicar que tais ideias fossem ridículas. Em vez disso, Ele mantém o assunto para descobrir a profundidade do seu discernimento e pergunta — “Quem então você diz que Eu sou?”. E quando a resposta chega, mostrando que eles percebem n’Ele alguém acima dos profetas e da Onda de Vida humana, o Cristo, o Filho do Deus vivo, Ele nota que estão prontos para a Iniciação que resolve, na Mente dos Discípulos, o problema do Renascimento para além de qualquer disputa. Nenhuma quantidade de leitura de livros, conversas ou explicações pode solucionar esse ponto para além de qualquer possibilidade de confusão. O candidato deve saber por si mesmo. Portanto, nas atuais Escolas de Mistérios, após a primeira Iniciação abrir-lhe os Mundos invisíveis, ele tem a oportunidade de se satisfazer com o Renascimento e lhe é mostrada uma criança que recentemente saiu do Corpo Denso. Por causa de seus poucos anos, ela renasce rapidamente, provavelmente dentro de um ano após a morte. O recém-Iniciado observa essa criança até que, finalmente, ela entra no útero da mãe para emergir como um bebê recém-nascido de novo. A razão pela qual ele assiste a uma criança e não a um adulto é porque esse fica fora da vida física aqui por aproximadamente mil anos, enquanto um bebê renasce em poucos anos; alguns chegam a encontrar um novo ambiente depois de alguns meses e renascem dentro de um ano. Durante esse período, o Iniciado também tem oportunidades de estudar a vida e as ações daqueles que estão no Purgatório e no Primeiro Céu, que são o Céu e o Inferno mencionados na Bíblia. Foi isso que Cristo ajudou seus Discípulos a fazer: ver e saber. Sobre a rocha dessa verdade a Igreja foi fundada, pois se não houvesse Renascimento, não haveria progresso evolutivo e, consequentemente, todo avanço seria uma impossibilidade.

Mas qual é o caminho para a realização? Eis a grandíssima questão e para isso há e pode haver apenas uma resposta — o desenvolvimento do sexto sentido por meio do qual o Místico descobre essa sombra imortal da qual o reverendo Miller fala. O Céu e o Inferno são relativos a nós: nossas vidas passadas e as vidas de nossos contemporâneos foram jogadas na tela do tempo e estão prontas para serem lidas a qualquer momento, mas devemos construir nossos sentidos para poder ler.

A luz elétrica, quando focada através de uma lente estereóptica, projeta a imagem brilhante de um slide, quando há escuridão; contudo, não deixa marcas visíveis quando os raios do Sol atingem a tela. Nós também, se quisermos ler o pergaminho Místico de nosso passado, devemos aprender a acalmar nossos sentidos para que o mundo externo desapareça nas trevas. Então, pela luz do espírito, veremos as imagens do passado tomarem o lugar do presente.

Tal sombra, vista pelo pastor Miller ao redor do corpo, é análoga à fotosfera, a Aura do Sol e dos Planetas. Cada um desses grandes corpos tem uma sombra invisível; ou melhor, invisível em condições normais. Vemos a fotosfera do Sol quando a esfera física é obscurecida durante um eclipse, mas em nenhum outro momento. O mesmo acontece com a sombra ou fotosfera do ser humano; quando aprendemos a controlar nosso senso de visão para que possamos observar um ser humano sem ver sua forma física, então essa fotosfera ou aura pode ser vista em todo seu esplendor, pois as cores da Terra são opacas em comparação com os fogos vivos e espirituais que envolvem e emanam de cada ser humano.

O fantástico jogo da Aurora Boreal nos dá uma noção de como essa fotosfera, ou sombra, age. Está em movimento incessante; dardos de força e chamas estão constantemente disparando de todas as suas partes, mas particularmente ativos ao redor da cabeça; e as cores e tons dessa atmosfera áurica mudam a cada pensamento ou movimento. Essa sombra é observável apenas para quem fecha os olhos a todas as visões da Terra; quem deixou de se preocupar com o louvor ou a culpa dos seres humanos, mas está concentrado apenas no Pai Celestial; quem está pronto e disposto a defender a verdade e somente ela; quem vê com o coração e no coração dos seres humanos que eles possam descobrir dentro de si mesmos o Cristo, o Filho do Deus vivo.

Tampouco é o que nos rodeia uma sombra que desaparece quando o Sol da vida deixa de brilhar no Corpo Denso. Longe disso, é o vestuário resplandecente do Espírito humano, obscurecido durante a existência material pela roupa opaca feita de carne e sangue. Quando John L. McCreery[4] escreve sobre os amigos que faleceram, que

Eles deixaram cair o manto de barro

Para colocar uma roupa brilhante,

ele está incorreto. Seu traje é realmente “brilhante”; no entanto, eles não o colocam na ocasião da morte. Seria mais correto conceber a nós mesmos como vestindo uma roupa de substância de alma que seja intensamente brilhante, porém escondida por uma “camada de pele” escura e sem brilho: um Corpo Denso. Quando o deixamos de lado, a magnífica Casa do Céu mencionada por São Paulo no quinto capítulo da Segunda Epístola aos Coríntios[5] torna-se nossa habitação normal de Luz. É o Soma Psuchicon ou Corpo-Alma, traduzido de forma incorreta como “corpo natural”, no capítulo 15 da Primeira Epístola aos Coríntios, no quadragésimo quarto versículo, onde encontraremos o Senhor em Sua vinda, mas “carne e sangue”, como usamos atualmente, não podem herdar o Reino de Deus.

Há muita diferença nessas emanações áuricas que foram observadas pelo reverendo Miller; de fato, existem tantos tipos áuricos diferentes quanto pessoas. O jogo das cores nunca é o mesmo. Se assistíssemos ao nascer e ao pôr do Sol por toda a vida, nunca encontraríamos dois exatamente iguais quanto à cor, efeito das nuvens ou tantos outros detalhes. Da mesma forma, quando observamos o jogo das emoções humanas, revelado na aura, há uma variedade incontável inclusive na mesma pessoa, quando em posições e condições idênticas, porém momentos diferentes. Em certo sentido, todos os pores do Sol são iguais; certas pessoas não percebem diferenças, mas para o artista o jogo de cores variado, às vezes, é realmente doloroso em sua intensidade. Alguns também podem não apreciar a importância dessa nuvem áurica e luminosa. Contudo, quando um Cristo vê as lutas difíceis, sofridas e intensas da pobre humanidade cega, que maravilha que Ele grite: “Jerusalém, Jerusalém, quantas vezes Eu lhe teria reunido sob minhas asas![6]. A menos que estejamos preparados para nos tornar “homens de dor”, não devemos desejar a extensão da visão que permite ao seu possuidor penetrar a opacidade do corpo que revela, assim, a Alma, pois a partir de então seremos obrigados a suportar, além das nossas, também as dores dos nossos irmãos e das nossas irmãs. No entanto, quem assim se tornar um “Servo” terá, ao lado de toda essa tristeza, também alegria e paz que ultrapassam qualquer entendimento.

Quando abrirmos os olhos espirituais e aprendemos a ter a visão celestial do Cristo dentro dos corações dos seres humanos, haverá outros passos que nos levarão mais adiante no caminho. Quando aprendemos a fechar nossos ouvidos à multidão que só clama e reclama, às brigas de pessoas sobre isso, aquilo ou qualquer outra coisa que não seja essencial; quando aprendemos que os credos, dogmas e todas as opiniões terrenas não tem valor e que existe apenas uma voz no universo que é digna de ouvirmos, a voz do nosso Deus-Pai que fala sempre aos que buscam o Seu rosto, então seremos capazes de ouvir a Canção das Esferas mencionada no imortal “Fausto[7], nessas inspiradas palavras:

                        O Sol entoa sua velha canção,

                        Entre os cânticos rivais das esferas irmãs,

                        Seu caminho predestinado vai trilhar

                        Através dos anos, em retumbante marchar.

O que ocorre no caso da fotosfera do Sol, que é vista apenas durante um eclipse, quando sua esfera física é obscurecida, também acontece com a Canção das Esferas: ela não é ouvida até que todos os outros sons tenham sido silenciados, pois é a voz do Pai. Nessa sublime harmonia, as notas-chaves de Sabedoria, Força e Beleza reverberam por todo o Universo e nessas vibrações nós vivemos, nós nos movemos e temos o nosso ser. O Amor divino se derrama sobre nós em medida irrestrita através de cada acorde cósmico para animar os desanimados e instigar os retardatários. “Não se vendem dois pardais por um asse? E, no entanto, nenhum deles cai em terra sem o consentimento do vosso Pai![8]Vinde a mim todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo e eu vos darei descanso.[9] Repousem sobre o grande coração cósmico do Pai. Sua voz confortará e fortalecerá a alma.

A cada ano e idade, esse grande Canto Cósmico muda; a cada vida aprendemos a cantar uma nova música. Deus, em todos e através de todos, opera Seus milagres na natureza e no ser humano. Geralmente, estamos surdos à mágica produzida pelo som silencioso da Palavra divina; entretanto, se pudermos aprender a “ouvir”, sentiremos a verdadeira proximidade de nosso Pai, que está mais perto do que as mãos e os pés, e saberemos que nunca estamos sozinhos, nunca fora do Seu cuidado amoroso.

Assim como o Sol e os demais Astros produzem luz e som, o ser humano também tem sua estrutura de luz e som. Na medula queima uma luz como a chama de uma vela, mas não de maneira constante, silenciosa e quieta. Ela pulsa e, ao mesmo tempo, emite um som que varia do nascimento à morte e pode-se dizer que nunca é o mesmo. À medida que muda, também mudamos, pois é a tônica do ser humano. Aí estão expressas nossas esperanças e nossos medos, nossas tristezas e alegrias como foram trabalhadas no Mundo Físico, porque esse fogo é aceso pelo Arquétipo do Corpo Denso. O Arquétipo é uma esfera vazia; contudo, ao soar uma nota específica, atrai para si todas as concreções físicas que vemos aqui como manifestação — o Corpo Denso de um ser humano. Nessa chama sonora o maior número dos nervos do corpo humano tem sua raiz e origem. Esse lugar é o ponto vital do ser humano, a sede da vida, o núcleo da sombra da qual o pastor Miller falou. Quando atingimos esse ponto, quase chegamos ao coração do ser humano.

Para alcançar esse local supremo são necessários outros passos; no entanto, geralmente estamos tão envolvidos com nossos próprios interesses, independentemente dos negócios e cuidados das outras pessoas, que somos egocêntricos. Isso deve ser superado; precisamos aprender a enterrar nossas próprias tristezas e alegrias, a sufocar nossos próprios sentimentos, porque assim como a luz do Sol esconde a fotosfera e o opaco Corpo Denso do ser humano oculta a bela atmosfera áurica, assim também nossos sentimentos, emoções pessoais e interesses nos tornam insensíveis aos sentimentos dos outros. Quando aprendemos a acalmar o sentimento dos nossos próprios corações, a pensar pouco em nossas próprias tristezas e alegrias, começamos a sentir as batidas do grande Coração Cósmico que agora está trabalhando para trazer muitos filhos à glória.

As dores do nascimento do nosso Pai-Mãe no Céu são sentidas apenas pelo Místico em seus momentos mais elevados e sublimes, quando ele sufoca inteiramente os gemidos egoístas de seu próprio coração, pois esse é o inimigo mais forte e mais difícil de superar. No entanto, quando isso é alcançado, ele sente, como foi dito, o Grande Coração do nosso Pai Celestial. Assim, passo a passo, nós nos aproximamos da Luz, até mesmo do Pai das Luzes em quem “não há sombra”. É importante que deixemos o seguinte muito claro:

Pode ser uma marca de conquista ser capaz de ver “a sombra”.

Pode marcar um passo mais alto na conquista poder ouvir “a voz no silêncio”.

Acima de tudo, porém, vamos nos esforçar para sentir as batidas do coração de nossos semelhantes, para tornar nossas as suas tristezas, regozijar-nos em suas realizações e guiá-las ao seio de nosso Pai, por paz e conforto.

(Publicado na Revista Rays from the Rose Cross de outubro/1915 e traduzido pelos irmãos e pelas irmãs da Fraternidade Rosacruz em Campinas-SP-Brasil)


[1] N.T.: de Matthew Henry

[2] N.T.: Rei Jaime VI e I, Rei da Inglaterra, Escócia e Irlanda.

[3] N.T.: Mt 16:13-19

[4] N.T.: John Luckey McCreery (1835-1906) foi um poeta americano mais conhecido pelo poema “A Morte não Existe”:

A morte não existe. Os astros escondem-se

para elevarem-se sobre novas terras.

E sempre brilhando no diadema celeste

espalham seu fulgor incessantemente.

                               A morte não existe. As folhas do bosque

                               converte em vida o ar invisível;

                               as rochas quebram-se para alimentar

                               o musgo faminto que nelas nascem.

A morte não existe. O chão que pisamos

converter-se-á, pelas chuvas do verão,

em grãos dourados ou doces frutos,

ou em flores com as cores do arco-íris.

                               A morte não existe. As folhas caem,

                               as flores murcham e secam;

                               esperam apenas, durante as horas do inverno,

                               pelo hálito morno e suave da primavera.

A morte não existe; embora lamentamos

quando as lindas formas familiares

que aprendemos a amar, sejam afastadas

dos nossos braços

                               Embora com o coração partido,

                               vestido de luto e com passos silenciosos,

                               levemos seus restos a repousar na terra,

                               e digamos que eles morreram.

Eles não morreram. Apenas partiram

para além da névoa que nos cega aqui,

para nova e maior vida

dessa esfera mais serena.

                               Apenas despiram suas vestes de barro,

                               para revestirem-se com traje mais brilhante;

                               não foram para longe,

                               não foram “perdidos”, nem partiram.

Embora invisível aos nossos olhos mortais,

continuam aqui e nos amando;

nunca se esquecem

dos seres amados que deixaram.

                               Por vezes sentimos sobre nossa fronte febril

                               sua carícia, um hálito balsâmico.

                               Nosso espírito os vê, e nossos corações

                               sentem conforto e calma.

Sim, sempre junto a nós, embora invisíveis

continuam nossos queridos espíritos imortais

pois todo o universo infinito de Deus

É VIDA – A MORTE NÃO EXISTE!

[5] N.T.: IICor 5:1

[6] N.T.: Mt 23:37

[7] N.T.: Fausto é um poema trágico do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe, dividido em duas partes.

[8] N.T.: Mt 10:29

[9] N.T.: Mt 11:28

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

Superando a Morte

Por Max Heindel

Algum tempo atrás eu tive o privilégio de falar com vocês sobre o assunto “a nota-chave do Cristianismo” e no decorrer dessa palestra trouxemos à nossa Mente o encontro de Pilatos com Cristo, em que a grande e importante pergunta foi feita: “O que é a verdade?”. Vamos olhar para essa imagem mais uma vez. Lá está Pilatos, o representante de César e, em virtude desse fato, uma encarnação do mais alto poder temporal, um governante de todo o mundo com poder sobre a vida e a morte, um homem diante de quem todos tremem. Diante dele está o Cristo, manso e humilde, mas muito maior, pois enquanto esse homem, Pilatos, tem poder sobre o mundo presente, que é evanescente e temporal, ele mesmo está sujeito à morte. Mas Cristo é o Senhor da Vida, o Príncipe de um Reino espiritual que não passa. Ele não responde à pergunta de Pilatos, “O que é a verdade?”, mas em outra ocasião, ele disse: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida[1]; e “A Verdade vos libertará[2].

Não se pode negar que estamos agora sob a lei do pecado e sujeitos à morte. A grande questão é, portanto: como encontrar a verdade que nos libertará real e verdadeiramente? Com o propósito de encontrar o caminho, vamos dar uma olhada na aurora dos tempos, quando a humanidade infantil veio pela primeira vez à Terra. De acordo com a Bíblia, uma névoa subiu da Terra quando a crosta do Planeta, que esfriava, secou; quando olhamos para essa Época na Memória da Natureza, encontramos um maravilhoso crescimento tropical de tamanho gigantesco cobrindo a bacia da Terra onde agora está o Oceano Atlântico. Realmente, era um verdadeiro jardim, mas a névoa era tão densa que a luz do Sol nunca poderia penetrá-la; então a humanidade infantil vivia nesse paraíso como filhos do Grande Pai. Eles tinham corpos nessa Época como têm agora, mas não tinham consciência deles, embora pudessem usá-los, assim como usamos nosso aparelho digestivo sem estarmos conscientes disso. E embora eles fossem incapazes de ver fisicamente, a visão espiritual era uma faculdade ainda possuída por todos. Assim eles se viam alma-a-alma; não havia malícia nem hipocrisia, mas a verdade estava com todos.

Gradualmente, no entanto, a névoa clareou e se tornou uma enorme nuvem, envolvendo o Planeta. Simultaneamente, esses “filhos da névoa”, os Niebelungos, começaram a se ver vagamente; tornaram-se cada vez mais “internalizados” em seus Corpos Densos e perceberam finalmente que esse veículo é uma parte do ser humano. Contudo, ao mesmo tempo, eles gradualmente perderam contato com os Mundos espirituais; já não viam a alma com clareza e até mesmo a voz das Hierarquias espirituais, que antes os guiavam como um pai guia seus filhos, tornou-se fraca e vaga. Com o passar do tempo, a nuvem que pairava sobre esse vale havia se condensado o suficiente na atmosfera fria, de um tão denso que se liquefez e caiu sobre a Terra em diversos dilúvios que levou esses “filhos da névoa” até as terras altas, onde, na atmosfera clara e sob arco-íris, eles se viram cara-a-cara pela primeira vez. Gradualmente a grande ilusão de que “somos corpos” tomou conta de tudo; a alma não era mais vista, nem podiam eles ouvir a voz do Grande Pai que cuidou deles durante sua infância, naquele estado paradisíaco. A humanidade ficou órfã, à deriva no deserto do mundo. A vida tornou-se uma luta contra a Morte.

Logo, a maioria da humanidade parecia esquecer que havia um estado tão feliz, embora a história vivesse em canções, em lendas, e houvesse, como ainda há, em cada peito humano um profundo e inerente reconhecimento dessa verdade, uma memória de algo que se perdeu, algo mais precioso do que qualquer coisa que o mundo possa dar. E há, portanto, em cada peito humano um profundo anseio por aquela companhia espiritual que perdemos pela identificação com nossas naturezas inferiores. Encontramos uma encarnação desse anseio no Tannhauser[3], que entrou no Monte de Vênus para satisfazer seu desejo inferior. Depois de algum tempo, ele anseia pelo mundo que deixou e implora a Vênus que permita que ele parta para que possa desfrutar novamente do sofrimento, das torturas de um amor não correspondido, pois ele se cansou do que ela lhe deu gratuitamente. Como ele diz:

Um Deus pode amar sem cessar,

Mas sob as leis do alternar,

Nós, mortais, precisamos em medida ter

Nossa parcela de dor, assim como de prazer.

Esse foi o propósito quando a humanidade foi conduzida da Atlântida[4] para a presente Era do arco-íris[5]; a Lei da Alternância foi dada para que possamos colher como semeamos (Gl 6:7), para que a tristeza e a alegria mudem conforme as estações se sucedem em uma sequência ininterrupta; e, assim, deve continuar até que o sofrimento gerado por nossas transgressões tenha demolido a crisálida que agora mantém a alma agrilhoada, enquanto a natureza inferior se alimenta das cascas da materialidade. A princípio, a humanidade se deleitou com o poder sobre o mundo e nasceu o orgulho da vida; a luxúria dos olhos era grande, mas, embora “os moinhos dos Deuses moam lentamente, eles moem extremamente bem”[6]; mesmo que possamos alcançar o poder, embora a saúde e a prosperidade possam ser nossos servos hoje, chegará um dia em que, como Fausto[7], sentiremos que a vida não tem valor. Então começa a luta de que Fausto fala a seu amigo Wagner com as seguintes palavras:

Tu, por um único impulso, és possuído;

Inconsciente do outro ainda permanece.

Duas almas estão lutando em meu peito

E batalham lá pelo reinado indiviso.

Uma pela terra, com desejo apaixonado,

E a roupa bem colada ainda adere;

Acima da névoa a outra aspira

Com ardor sagrado a esferas mais puras.

São Paulo também descobre que há dentro dele uma natureza inferior, “os desejos da carne[8], que luta contra as ânsias e os desejos do espírito, mas Goethe, com a maravilhosa penetração do Místico, resolve o grande problema para nós. À pergunta “O que devemos fazer para que possamos alcançar a libertação?”, ele responde:

De todo poder que mantém a alma acorrentada,

O homem se liberta quando o autocontrole ele ganha na sua Jornada.

Podemos, como Pilatos, ter autoridade, talvez não tão grande autoridade. Mas, mesmo supondo que fosse possível a qualquer um de nós se tornar um “governante do mundo” e exercer autoridade sobre a vida e a morte de toda a humanidade, de que isso nos serviria, se não fôssemos capazes de conquistar e controlar a nós mesmos? Por meio de agressão física, César, o mestre de Pilatos (a quem ele representa) conquistou o mundo e todos lhe prestaram homenagens; mesmo assim o seu reino durou apenas alguns anos. Então, o sombrio espectro da morte veio para acabar com sua vida e seu domínio no Mundo Físico. Olhe para o outro, o Cristo, que permaneceu manso e humilde, mas capaz de dizer: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida; (…) todo aquele que crê em Mim não perecerá, mas terá a vida eterna[9]. O governante do mundo, apesar de todo o seu poder e pompa aparentes, ainda está sujeito à morte, mas Aquele que aprendeu a ter poder sobre si mesmo, Aquele que conquistou sua natureza inferior, o corpo de morte, assim se fez ele mesmo o Senhor da Vida, com um reino que é eterno nos Céus. E é dever de cada um de nós seguir Seus passos, pois Ele disse: “estas coisas que eu faço vós também as fareis e maiores[10]. Cada um de nós é um Cristo em formação, um vencedor no sinal da cruz.

E quando será isso? Quando o sentimento do egoísmo aprisionou o espírito no corpo, perdemos a alma de vista e a morte se tornou nossa porção. Assim que superarmos esse sentimento de egoísmo pelo altruísmo, assim que abandonarmos e esquecermos de nós mesmos e formos iluminados pelo Espírito Universal, teremos vencido o grande inimigo. Então, estaremos prontos para subir na cruz e voar para as esferas mais altas com aquele glorioso grito de triunfo: “Consummatum est” — foi realizado.

O Caminho é pelo Serviço. A verdade é que pelo serviço servimos a nós mesmos, pois todos somos um em Cristo. A Vida é a Vida do Pai, em Quem nós vivemos, nós nos movemos e existimos, e em Quem, consequentemente, não pode haver morte.

(Publicado na Revista Rays from the Rose Cross de agosto/1917 e traduzido pelos irmãos e irmãs da Fraternidade Rosacruz em Campinas – SP – Brasil)


[1] N.T.: Jo 14:6

[2] N.T.: Jo 8:32

[3] N.T.: Tannhäuser und der Sängerkrieg aus Wartburg (Tannhäuser e o torneio de trovadores de Wartburg, em alemão) é uma ópera em três atos com a música de Richard Wagner, e com o libreto do próprio compositor, de 1845. A ação decorre ao pé de Wartburg, terra de grandes cavaleiros trovadores, onde se realizavam pacíficos concursos de canto, no século XIII. Reza a lenda que ao pé de Wartburg existia o monte de Vênus onde a bela deusa atraía e mantinha cativos no puro deleite, os cavaleiros trovadores. Tannhäuser caiu na quentes garras de Vênus. Essa obra é estudada no Curso Suplementar de Filosofia Rosacruz.

[4] N.T.: na Época Atlante

[5] N.T.: a presente Época Ária

[6] N.T.: antigo provérbio alemão

[7] N.T.: Fausto (em alemão: Faust) é um poema trágico do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe, dividido em duas partes. Está redigido como uma peça de teatro com diálogos rimados, pensado mais para ser lido que para ser encenado. É considerado uma das grandes obras-primas da literatura alemã. Essa obra é estudada no Curso Suplementar de Filosofia Rosacruz.

[8] N.T. Rm 13:14

[9] N.T.: Jo 14:6 e 11:25

[10] N.T.: Jo 14:12

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

Fausto – é um poema trágico do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe

Fausto: (em alemão Faust) é um poema trágico do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe, dividido em duas partes. Está redigido como uma peça de teatro com diálogos rimados, pensado mais para ser lido que para ser encenado. É considerado uma das grandes obras-primas da literatura alemã. A criação da obra ocupou toda a vida de Goethe, ainda que não de maneira contínua. A primeira versão foi composta em 1775, mas era apenas um esboço conhecido como Urfaust (Proto-Fausto). Outro esboço foi feito em 1791, intitulado Faust, ein Fragment (Fausto, um fragmento), e também não chegou a ser publicado. A versão definitiva só seria escrita e publicada por Goethe no ano de 1808, sob o título Faust, eine Tragödie (Fausto, uma tragédia). A problemática humana expressada no Fausto foi retomada a partir de 1826, quando ele começou a escrever uma segunda parte. Esta foi publicada postumamente sob o título de Faust. Der Tragödie zweiter Teil in fünf Akten (Fausto. Segunda parte da tragédia, em cinco atos) em 1832.

Sua simbologia esotérica é estudada nos Cursos de Filosofia Rosacruz.

O mito de Fausto nos diz que há um estado utópico reservado para nós, quando nós tenhamos trabalhado pela nossa salvação usando as forças titânicas internas para nos tornar realmente livres. Que todos nós possamos nos esforçar nas nossas ações diárias para acelerar a chegada desse dia.

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

Mefistófeles: Em Fausto, a imortal obra-prima de Goethe, é um espírito luciférico

Mefistófeles – Em Fausto, a imortal obra-prima de Goethe,  Mefistófeles é um espírito luciférico, declara-se espírito de negação, que embora planejando o mal executa, contudo, o bem.

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

Quem é o “O cego vê e o surdo ouve” e quem não é

Quem é o “O cego vê e o surdo ouve” e quem não é

Enquanto a incapacidade física causada pela cegueira é, sem dúvida, uma grande aflição, há uma cegueira que tenha efeito mais prejudicial sobre aqueles que dela sofrem: a cegueira do coração. Um velho provérbio diz: “Ninguém é tão cego quanto aquele que não quer ver”. Toda grande religião trouxe ao povo a quem foi dada certas verdades vitais e necessárias para o seu desenvolvimento e o próprio Cristo nos disse que a Verdade nos libertaria. Muitas das sublimes verdades contidas nos ensinamentos cristãos foram, no entanto, obscurecidas por credos e dogmas com os quais as várias seitas e denominações se contentaram. Contrata-se um ministro e o encarregam de expor a verdade da Bíblia, mas sua língua está atada ao credo de sua denominação específica; ele é proibido, sob pena de desgraça pública e dispensa, de publicar ou pregar algo que não esteja em estrito acordo com o tipo particular de religião desejado por aqueles que lhe pagam o salário. Cada ministro recebe um par de óculos que são coloridos de acordo com o credo específico que ele representa, e ai dele, se ousar enxergar a Bíblia com outros óculos sobre o nariz: fazer isso significa sua ruína financeira e ostracismo social, que poucos são corajosos o suficiente para enfrentar.

Enquanto o ministro mantiver seus óculos denominacionais, não haverá perigo; contudo, às vezes algum ministro retira os óculos, porque planejou ou por acidente. Ele pode ser de natureza aventureira e, de alguma forma, tem a sensação de que haja alguma coisa fora da sua esfera de visão particular, ou pode ter acidentalmente perdido seus óculos. Mas, em ambos os casos, se ele tropeça na verdade nua da palavra de Deus, torna-se infeliz. Este escritor falou com vários ministros que confessaram ter a ciência de certas verdades, mas não ousavam pregá-las porque isso jogaria a fúria de sua congregação sobre eles, por perturbar as condições estabelecidas. E isso não é de se admirar; mesmo o rei James, um monarca e autocrata, advertiu os tradutores da Bíblia para não a traduzirem de maneira que a nova versão perturbasse as ideias estabelecidas, porque ele sabia que, no momento em que novos pontos fossem introduzidos, haveria uma controvérsia entre os defensores da antiga visão religiosa e os da nova, o que provavelmente resultaria uma guerra civil. A maioria das pessoas sempre está pronta para sacrificar a verdade pelo bem da paz; portanto, hoje estamos presos, apesar de nossa liberdade vangloriada, e não importa o quanto seja aguçada a nossa visão física, um grande número entre nós está cego por uma escama tão opaca que quase obscurece completamente sua visão espiritual.

No entanto, apesar de tudo, a verdade surge e às vezes nos lugares mais inesperados, como mostra o recorte a seguir. Isto soa mais como as reflexões de um místico do que os escritos de um ministro presbiteriano, anotações ligadas à terrível doutrina da predestinação e ao compromisso das almas com o fogo eterno do inferno, onde torturas terríveis são suportadas pela eternidade, mesmo por bebês que foram predestinados a sofrer para sempre pelo seu criador. Foi escrito por J. R. Miller, um conhecido pastor da Filadélfia, e é apenas outra indicação do fato de que um sexto sentido esteja se desenvolvendo lentamente e, frequentemente, como dito, nos lugares mais inesperados, esmagando o credo com evidências e conhecimentos místicos. O reverendo Miller diz:

“Todos nós projetamos uma sombra. Há sobre nós uma espécie de penumbra — algo estranho e indefinível — que chamamos de influência pessoal e tem efeito em todas as outras vidas que ela toca. Vai conosco aonde quer que vamos. Não é algo que possamos ter ou retirar quando quisermos, como uma roupa. É uma coisa que sempre brota da nossa vida, como a luz de uma lâmpada, o calor de uma chama, o perfume de uma flor”.

Certa vez, quando Cristo estava sozinho com seus Discípulos, Ele lhes perguntou: “Que dizem os homens que Eu, o Filho do Homem, sou?”. E eles responderam e disseram: “Alguns dizem que Tu és Elias; outros, Jeremias; e outros dizem que és um dos profetas”. E Cristo respondeu e disse: “Mas quem dizeis que Eu sou?”. E Pedro disse em resposta a essa pergunta: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Ele havia descoberto a verdade, tinha visto o Cristo. E a resposta de Cristo veio rapidamente: “Bendito és tu, Simão, filho de Jonas, porque a carne e o sangue não te revelaram isso, mas meu Pai que está no Céu; a ti darei as chaves do Reino dos Céus e do Inferno”.

Aqui, a religião materialista, que tantas vezes desvalorizou a Arte a seu serviço, pode ver apenas uma chave material e, portanto, encontramos fotos em que Pedro esteja com uma chave enorme na mão; porém o místico descobre nesse incidente que os discípulos receberam o ensinamento de uma grande verdade da natureza: o renascimento! Pela chave da iniciação, esse mistério foi descoberto, as portas do Céu e do Inferno foram abertas para mostrar a imortalidade do Espírito e nossa volta a essa esfera de ação para aprender novas e maiores lições vida após vida, como uma criança aprende suas lições na escola, dia após dia.

Se o renascimento não fosse um fato natural, o retorno de espíritos que partiram, como Jeremias, Elias e outros, para então ocupar o corpo de Jesus, seria um absurdo e teria sido o dever de Jesus, como Mestre dos discípulos, explicar que tais ideias fossem ridículas. Em vez disso, Ele mantém o assunto para descobrir a profundidade do seu discernimento e pergunta — “Quem então você diz que Eu sou?”. E quando a resposta chega, mostrando que eles percebem n’Ele alguém acima dos profetas e da raça humana, o Cristo, o Filho do Deus vivo, Ele nota que estejam prontos à Iniciação que resolve, na Mente dos discípulos, o problema do renascimento para além de qualquer disputa. Nenhuma quantidade de leitura de livros, conversas ou explicações pode solucionar esse ponto para além de qualquer possibilidade de confusão. O candidato deve saber por si mesmo. Portanto, nas atuais Escolas de Mistérios, após a primeira Iniciação abrir-lhe o mundo invisível, ele tem a oportunidade de se satisfazer com o renascimento e lhe é mostrada uma criança que recentemente saiu do corpo físico. Por causa de seus poucos anos, ela renasce rapidamente, provavelmente dentro de um ano após a morte. O recém-iniciado observa essa criança até que finalmente ela entre no útero da mãe para emergir como um bebê recém-nascido de novo. A razão pela qual ele assiste a uma criança e não a um adulto é porque este fica fora da vida física por aproximadamente mil anos, enquanto um bebê renasce em poucos anos; alguns chegam a encontrar um novo ambiente depois de alguns meses e renascem dentro de um ano. Durante esse período, o iniciado também tem oportunidades de estudar a vida e as ações daqueles que estão no Purgatório e no Primeiro Céu, que são o Céu e o Inferno mencionados na Bíblia. Foi isso que Cristo ajudou seus Discípulos a fazer: ver e saber. Sobre a rocha dessa verdade a Igreja foi fundada, pois se não houvesse renascimento, não haveria progresso evolutivo e, consequentemente, todo avanço seria uma impossibilidade.

Contudo, qual é o caminho para a realização? Eis a grandíssima questão e, para isso, existe e pode haver apenas uma resposta — o desenvolvimento do sexto sentido por meio do qual o místico descobre essa sombra imortal da qual o reverendo Miller fala. O Céu e o Inferno são relativos a nós: nossas vidas passadas e as vidas de nossos contemporâneos foram jogadas na tela do tempo e estão prontas para serem lidas a qualquer momento, mas devemos construir nossos sentidos para poder ler.

A luz elétrica, quando focada através de uma lente estereótica, projeta a imagem brilhante de um slide, quando há escuridão; contudo, não deixa marcas visíveis quando os raios do Sol atingem a tela. Nós também, se quisermos ler o pergaminho místico de nosso passado, devemos aprender a acalmar nossos sentidos para que o mundo externo desapareça nas trevas. Então, pela luz do espírito, veremos as imagens do passado tomarem o lugar do presente.

Tal sombra, vista pelo pastor Miller ao redor do corpo, é análoga à fotosfera, a Aura do Sol e dos Planetas. Cada um desses grandes corpos tem uma sombra invisível; ou melhor, invisível em condições normais. Vemos a fotosfera do Sol quando a esfera física é obscurecida durante um eclipse, mas em nenhum outro momento. O mesmo acontece com a sombra ou fotosfera do ser humano; quando aprendemos a controlar nosso senso de visão para que possamos observar um ser humano sem ver sua forma física, então essa fotosfera ou aura pode ser vista em todo seu esplendor, pois as cores da Terra são opacas em comparação com os fogos vivos e espirituais que envolvem e emanam de cada ser humano.

O fantástico jogo da aurora boreal nos dá uma noção de como essa fotosfera, ou sombra, age. Está em movimento incessante; dardos de força e chamas estão constantemente disparando de todas as suas partes, mas particularmente ativos ao redor da cabeça; e as cores e tons dessa atmosfera áurica mudam a cada pensamento ou movimento. Essa sombra é observável apenas para quem fecha os olhos a todas as visões da Terra; quem deixou de se preocupar com o louvor ou a culpa dos seres humanos, mas está concentrado apenas no Pai Celestial; quem está pronto e disposto a defender a verdade e somente ela; quem vê com o coração e no coração dos seres humanos que eles possam descobrir dentro de si mesmos o Cristo, o Filho do Deus vivo.

Tampouco é o que nos rodeia uma sombra que desaparece quando o Sol da vida deixa de brilhar no corpo físico. Longe disso, é o vestuário resplandecente do espírito humano, obscurecido durante a existência material pela roupa opaca feita de carne e sangue. Quando John L. McCreery escreve sobre os amigos que faleceram, que: Eles deixaram cair o manto de barro para colocar uma roupa brilhante, ele está incorreto. Seu traje é realmente “brilhante”; no entanto, eles não o colocam na ocasião da morte. Seria mais correto conceber a nós mesmos como vestindo uma roupa de substância de alma que seja intensamente brilhante, porém escondida por uma “camada de pele” escura e sem brilho: um corpo físico. Quando o deixamos de lado, a magnífica Casa do Céu mencionada por Paulo no quinto capítulo da Segunda Carta aos Coríntios torna-se nossa habitação normal de Luz. É o soma psuchicon ou Corpo-Alma, traduzido de forma incorreta como “corpo natural”, no capítulo 15 da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios, no quadragésimo quarto verso, onde encontraremos o Senhor em Sua vinda, mas “carne e sangue”, como usamos atualmente, não podem herdar o Reino de Deus.

Há muita diferença nessas emanações áuricas que foram observadas pelo reverendo Miller; de fato, existem tantos tipos áuricos diferentes quanto pessoas. O jogo das cores nunca é o mesmo. Se assistíssemos ao nascer e ao pôr do Sol por toda a vida, nunca encontraríamos dois exatamente iguais quanto à cor, efeito das nuvens ou tantos outros detalhes. Da mesma forma, quando observamos o jogo das emoções humanas, revelado na aura, há uma variedade incontável inclusive na mesma pessoa, quando em posições e condições idênticas, porém momentos diferentes. Em certo sentido, todos os pores do Sol são iguais; certas pessoas não percebem diferenças, mas para o artista o jogo de cores variado às vezes é realmente doloroso em sua intensidade. Alguns também podem não apreciar a importância dessa nuvem áurica e luminosa. Contudo, quando um Cristo vê as lutas prometeanas da pobre humanidade cega, que maravilha que Ele grite: “Jerusalém, Jerusalém, quantas vezes Eu lhe teria reunido sob minhas asas!”. A menos que estejamos preparados para nos tornar “homens de dor”, não devemos desejar a extensão da visão que permite ao seu possuidor penetrar a opacidade do corpo que revela, assim, a alma, pois a partir de então seremos obrigados a suportar, além das nossas, também as dores de nossos irmãos. No entanto, quem assim se tornar um “Servo” terá, ao lado de toda essa tristeza, também alegria e paz que ultrapassam qualquer entendimento.

Quando abrirmos os olhos espirituais e aprendemos a ter a visão celestial do Cristo dentro dos corações dos seres humanos, haverá outros passos que nos levarão mais adiante no caminho. Quando aprendemos a fechar nossos ouvidos à multidão que só clama e reclama, às brigas de indivíduos sobre isto, aquilo ou qualquer outra coisa que não seja essencial; quando aprendemos que os credos, dogmas e todas as opiniões terrenas não tenham valor e que exista apenas uma voz no universo que seja digna de ouvirmos, a voz de nosso Pai que fala sempre aos que buscam o Seu rosto — então seremos capazes de ouvir a Canção das Esferas mencionada no imortal “Fausto”, nestas inspiradas palavras:

                        O Sol entoa sua velha canção,

                        Entre os cânticos rivais das esferas irmãs,

                        Seu caminho predestinado vai trilhar

                        Através dos anos, em retumbante marchar.

O que ocorre no caso da fotosfera do Sol, que é vista apenas durante um eclipse, quando sua esfera física é obscurecida, também acontece com a Canção das Esferas: ela não é ouvida até que todos os outros sons tenham sido silenciados, pois é a voz do Pai. Nesta sublime harmonia, as notas-chaves de Sabedoria, Força e Beleza reverberam por todo o Universo e, nessas vibrações, nós vivemos, nós nos movemos e temos o nosso ser. O Amor divino Se derrama sobre nós em medida irrestrita através de cada acorde cósmico para animar os desanimados e instigar os retardatários. “São vendidos dois pardais por quase nada e nenhum deles cai no chão sem que o Pai saiba; sois mais do que muitos pardais”. “Vinde a mim, vós que sois fracos e carregam peso”. Repousem sobre o grande coração cósmico do Pai. Sua voz confortará e fortalecerá a alma.

A cada ano e idade, esse grande Canto Cósmico muda; a cada vida aprendemos a cantar uma nova música. Deus, em todos e através de todos, opera Seus milagres na natureza e no ser humano. Geralmente, estamos surdos à mágica produzida pelo som silencioso da Palavra divina; entretanto, se pudermos aprender a “ouvir”, sentiremos a verdadeira proximidade de nosso Pai, que está mais perto do que as mãos e os pés, e saberemos que nunca estejamos sozinhos, nunca fora do Seu cuidado amoroso.

Assim como o Sol e os Planetas produzem luz e som, o ser humano também tem sua estrutura de luz e som. Na Medula, queima uma luz como a chama de uma vela, mas não de maneira constante, silenciosa e quieta. Ela pulsa e, ao mesmo tempo, emite um som que varia do nascimento à morte e pode-se dizer que nunca seja o mesmo. À medida que muda, também mudamos, pois é a tônica do ser humano. Aí estão expressas nossas esperanças e medos, nossas tristezas e alegrias como foram trabalhadas no mundo físico, porque esse fogo é aceso pelo arquétipo do Corpo Denso. O arquétipo é uma esfera vazia; contudo, ao soar uma nota específica, atrai para si todas as concreções físicas que vemos aqui como manifestação — o Corpo Denso que chamamos de ser humano. Nessa chama sonora o maior número dos nervos do corpo humano tem sua raiz e origem. Esse lugar é o ponto vital do ser humano, a sede da vida, o núcleo da sombra da qual o pastor Miller falou. Quando atingimos esse ponto, quase chegamos ao coração do ser humano.

Para alcançar esse local supremo são necessários outros passos; no entanto, geralmente estamos tão envolvidos com nossos próprios interesses, independentemente dos negócios e cuidados das outras pessoas, que somos egocêntricos. Isso deve ser superado; precisamos aprender a enterrar nossas próprias tristezas e alegrias, a sufocar nossos próprios sentimentos, porque assim como a luz do Sol esconde a fotosfera e o opaco corpo físico do ser humano oculta a bela atmosfera áurica, assim também nossos sentimentos, emoções pessoais e interesses nos tornam insensíveis aos sentimentos dos outros. Quando aprendemos a acalmar o sentimento de nossos próprios corações, a pensar pouco em nossas próprias tristezas e alegrias, começamos a sentir as batidas do grande Coração Cósmico que agora está trabalhando para trazer muitos filhos à glória.

As dores do nascimento de nosso Pai-Mãe no Céu são sentidas apenas pelo Místico em seus momentos mais altos e sublimes, quando ele sufoca inteiramente os gemidos egoístas de seu próprio coração, pois esse é o inimigo mais forte e mais difícil de superar. No entanto, quando isso é alcançado, ele sente, como foi dito, o Grande Coração do nosso Pai Celestial. Assim, passo a passo, nós nos aproximamos da Luz, até mesmo do Pai das Luzes em quem “não há sombra”. É importante que deixemos o seguinte muito claro, portanto:

Pode ser uma marca de conquista ser capaz de ver “a sombra”.

Pode marcar um passo mais alto na conquista poder ouvir “a voz no silêncio”.

Acima de tudo, porém, vamos nos esforçar para sentir as batidas do coração de nossos semelhantes, para tornar nossas as suas tristezas, regozijar-nos em suas realizações e guiá-las ao seio de nosso Pai, por paz e conforto.

(Publicado na Revista Rays from the Rose Cross de outubro/1915 e traduzido pela Fraternidade Rosacruz em Campinas – SP – Brasil)

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

A tentação como fator na vida superior

A tentação como fator na vida superior

No “Prolog in Heaven”, que precede Fausto, Goethe mostra o propósito interior da tentação. Quando Lúcifer pede permissão para tentar Fausto, Deus responde:

“… O homem é muito propenso a fugir,

Imperturbável, em repouso ele viveria,

Portanto, este companheiro propositalmente eu dou,

Quem agita, excita e deve como o diabo trabalha.”

No livro de Jó, Deus também sanciona a tentação de um homem bom. Quando comparamos a história da Bíblia em que Jeová levou Davi a fazer o recenseamento as pessoas (2Sm 24:1) com ICro 21:1, que diz que Satanás provocou Davi a contar as pessoas, não podemos escapar da confusão de achar que Jeová e Satanás são idênticos e, do ponto de vista comum, veja que parece extremamente injusto que tal punição severa seja aplicada a Davi, por esse ato que foi movido a fazê-lo. Mas, olhando pelo ponto de vista esotérico, todas as dificuldades desaparecem.

Jeová era o líder divino dos Semitas Originais, os antepassados ​​da raça Ária, que estavam destinados a evoluir pela razão, a faculdade pela qual “provamos todas as coisas”, para que possamos “manter firme o que é bom”. Disseram a Davi que confiasse em Jeová, que lutou por Israel quando outras pessoas obedeceram às suas ordens. Existe apenas uma maneira de tentar, quando ele ou qualquer outra pessoa se apegar ao bem – dando-lhes a chance de deixar ir; e é dever dos que são responsáveis em auxiliar que esse Esquema de Evolução prossiga verificar por tentação se aprendemos nossas lições, do mesmo modo que é dever dos professores das escolas que estudamos para a nossa educação durante essa encarnação examinar seus alunos. Cada método traz à tona pontos fracos do aluno para que o professor possa extrair uma base verdadeira para futuros esforços educacionais. Portanto, Davi foi movido por Jeová a fazer o recenseamento de Israel, para que fosse mostrado a ele se confiava na força de combate do número de homens ou no invisível Jeová, que lutou pelo Seu povo escolhido. Com esse ato, Jeová se tornou, momentaneamente, o adversário (Satanás) de Davi.

Independentemente, se esse tentador aparecer em forma corporal ou como uma voz interior, o motivo pelo qual Davi deveria ter lhe dito é que o poderoso braço de Jeová contava com mais de milhões de homens, e ele deveria ter dito a si mesmo ou a seu tentador externo: Qual é a utilidade de contar Israel? Jeová é o nosso escudo! Em vez disso, ele enviou homens para contar Israel, conforme sugerido; ele estava, sem dúvida, inflado com uma sensação de poder; talvez ele se sentiu suficientemente capaz de dispensar Jeová e seguir seus próprios ditames.

Portanto, tornou-se necessário para o Líder divino provar que ele estava enganado diante de todas as pessoas e, como eram uma raça teimosa, propensa a discordar, a lição deve ser salutar para impedir que imitem o exemplo de seu líder. A pestilência diminuiu seu número em poucos dias a tal ponto que ficou evidente, para todos, que Jeová é mais forte do que qualquer número de homens. Assim, a fé e a obediência, sem as quais nenhum líder divino pode promover novas faculdades sob suas acusações, foram fortalecidas, e Israel havia dado um passo distinto no caminho do progresso.

Todo mundo que já encarnou em um Corpo Denso foi tentado; nem mesmo Cristo escapou, e quanto mais evoluídos formos, mais sutis serão as tentações colocadas em nosso caminho. Além disso, essas tentações, frequentemente, surgem por alguém em quem confiamos plenamente, para que possamos aprender a diferenciar quanto ao mérito intrínseco de qualquer sugestão, independentemente de nossa simpatia ou antipatia, seja quem for que a sugere.

(Publicado na: Rays From The Rose Cross – jan. /1916 – Traduzido pela Fraternidade Rosacruz em Campinas – SP – Brasil)

Idiomas