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PorFraternidade Rosacruz de Campinas

Shakespeare à Luz dos Ensinamentos Rosacruzes – Leonatus – uma profecia da Era Vindoura

No livro “Conceito Rosacruz do Cosmos, lemos que “Rosacruzes como Paracelso, Commenius, Bacon, Hellmond e outros deram pistas em suas obras e influenciaram outros.

A grande controvérsia sobre a autoria de Shakespeare (que em vão usou tantas penas de ganso e desperdiçou muita tinta boa que poderia servir para fins úteis) nunca teria surgido se os especuladores soubessem que a semelhança entre Shakespeare e Bacon se deve ao fato de ambos terem sido influenciados pelo mesmo Iniciado, que também influenciou Jacob Boehme e um pastor de Ingolstadt, Jacobus Baldus, que viveu depois da morte do Bardo de Avon, e escreveu versos líricos em latim.

Se o primeiro poema de Jacobus Baldus for lido com uma determinada chave vamos verificar que, lendo as linhas para baixo e para cima, aparecerá a seguinte frase: ‘Até agora falei aqui, do outro lado do mar, e por meio do drama; agora vou me exprimir através das letras’”.

Se quiser saber mais sobre esse assunto é só clicar aqui: Shakespeare à Luz dos Ensinamentos Rosacruzes – Leonatus – uma profecia da Era Vindoura

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

Shakespeare à Luz dos Ensinamentos Rosacruzes

As obras de Shakespeare, assim como os dramas musicais de Wagner, o Fausto de Goethe, a Divina Comédia de Dante e muitos outros livros de igual valor são designados Esotéricos, embora de leitura Exotérica. Eles são comunicações diretas dos centros planetários da Divina Sabedoria.

Podemos dizer que a literatura que lida com a vida espiritual e é construída em torno de Mestre e Salvadores do mundo e, além disso, se revestem de uma estrutura baseada nos mistérios, torna-se, em virtude destes vários atributos e elementos, escrituras sagradas. Todas as outras literaturas têm menor classificação.

Voltando à análise da literatura não sagrada, encontraremos, por sua vez, que ela se divide em duas. Na primeira, temos a literatura que é possuidora de um sentido “interno”; na segunda, o “externo” somente. A primeira, como as escrituras sagradas, está fundamentada nos Mistérios e contém, na sua forma externa, um véu de Sabedoria Arcana claramente organizada, enquanto na outra classe tal esoterismo não está presente. Há trabalhos sobre assuntos espirituais, experiência religiosa e mesmo sobre os Mistérios que não possuem este sentido interno. Eles podem ser trabalhos altamente inspirados, contudo somente simplesmente estruturados. Por outro lado, temos trabalhos como os dramas de Shakespeare que o mundo não reconhece como literatura “espiritual”, mas que, em virtude de sua dupla estrutura, cultuam um compêndio de Sabedoria Iniciática só comparável a das sagradas escrituras.

No caso de Shakespeare, a fonte foi os Ensinamentos da Sabedoria Ocidental. Para o esoterista, nenhuma outra evidência disto é necessária senão os trabalhos mesmos. Mas, sinais específicos, ocultamente transmitidos, estão também presentes nos dramas.

Max Heindel é a autoridade para a citação de que as obras que trazem o nome de Shakespeare e aquelas que trazem o nome de Bacon foram influenciadas pelo mesmo Iniciado Rosacruz.

Há 2 meios de você acessar esse Livro:

1.Em formato PDF (para download):

Shakespeare à Luz dos Ensinamentos Rosacruzes – Introdução à Obra de Shakespeare – Um Sonho de Uma Noite de Verão

Shakespeare à Luz dos Ensinamentos Rosacruzes – Introdução à Obra de Shakespeare – Shakespeare e o Casamento Místico

Shakespeare à Luz dos Ensinamentos Rosacruzes – Introdução à Obra de Shakespeare – Shakespeare e a Lei do Renascimento

Shakespeare à Luz dos Ensinamentos Rosacruzes – Introdução à Obra de Shakespeare – Shakespeare e a Ordem Rosacruz

Shakespeare à Luz dos Ensinamentos Rosacruzes – Introdução à Obra de Shakespeare – Leonatus – uma profecia da Era Vindoura

2.Para ler no próprio site:

Shakespeare à Luz dos Ensinamentos Rosacruzes

Introdução à Obra de Shakespeare

Um Sonho de Uma Noite de Verão[1]

É bem conhecido o ditado “não havia fadas na Inglaterra antes de Shakespeare”.

No entanto, mesmo antes que o puritanismo tivesse extinguido a alegria da velha Inglaterra, essa era o próprio recreio das “pessoas pequenas”. Apareciam das sebes e provocavam os viandantes, faziam travessuras com os jovens e as donzelas nos caminhos dos amantes; todos os bosques e prados mostravam “anéis de fadas” onde realizavam os seus bailes; tinham pontos de encontro nos pântanos de Yorkshire e nas planícies de Devon; as sereias penteavam-se nas falésias de Dover; e o alegre e brincalhão Robin Bom-camarada era uma palavra corrente em todo o país.

Sim, os contos de fadas existiam, mas a crença neles era irregular e casual. Para algumas pessoas, eram realidades que faziam parte do seu quotidiano; para outras, eram apenas histórias bonitas ou assustadoras que se contava nas noites de verão ao luar ou à volta da lareira nas longas noites de inverno. Foi necessária a mão divinamente guiada do poeta para reunir todos os fios confusos, tecê-los em uma obra-prima e apresentá-la à Humanidade: aqui está o Mundo das Fadas das vossas chamadas “fantasias”; ele está vivo, é verdadeiro e real; é uma parte muito importante da vida no nosso globo!

No entanto, a grande lei da evolução funciona em espiral por toda parte. Há mais de 300 anos que os críticos tentam rebaixar o nível do Um Sonho de uma Noite de Verão de Shakespeare mediante interpretações tão cheias de equívocos que chegam a ser um sacrilégio. Essa obra foi escrita em 1590, aproximadamente. Mas só por volta de 1910 ela foi erguida na espiral do pensamento avançado. Não havia fadas antes da obra Um Sonho de uma Noite de Verão. Shakespeare nos deu o Mundo das Fadas; no entanto, apenas quando a grande Luz Branca dos Ensinamentos Rosacruzes foi derramada sobre ele é que esse Mundo das Fadas apareceu na sua pureza e dignidade como parte integrante e sagrada da casa de Deus na Terra. Que a palavra sagrada penetre profundamente nos nossos corações. Um Sonho de uma Noite de Verão, apesar de borbulhar de riso, alegria, diversão, travessuras e truques, é uma peça sagrada e como tal foi citada por Max Heindel no texto do Ritual do Serviço Devocional do Solstício de Junho e em outros livros da Fraternidade Rosacruz.

A Noite de Natal e a Noite do Solstício de Junho são os dois polos da atividade divina que se manifesta na Terra durante o ciclo do ano. No meio do inverno (em dezembro para o hemisfério norte), sob os raios oblíquos do Sol, a atividade espiritual atinge o seu pico, a Natureza é abafada em uma grande quietude, uma expetativa de escuta, e na noite mais longa, a noite mais escura, a Estrela do Espírito brilha mais intensamente e o Cristo nasce na Terra.

Mas, como lemos no livro “Conceito Rosacruz do Cosmos: “A evolução é a história da progressão do Espírito no tempo”. E o tempo está indissoluvelmente ligado à matéria. Enquanto a nossa Onda de Vida passa por esta Terra em Involução e Evolução, a existência material, a forma corporal e a manifestação física são necessárias e, a menos que o polo oposto, o da atividade física, seja mantido, o Espírito não pode continuar o seu caminho de “progressão no tempo”. Todos nós, o nosso Planeta e tudo o que nele existe de vida mineral, vegetal, animal e humana, temos de recolher essa experiência da existência física para podermos evoluir de centelhas Divinas a seres Divinos autoconscientes, cocriadores junto às Hierarquias Criadoras e copossuidores da Glória de Deus. Assim, no Solstício de Junho, sob os raios perpendiculares do Sol, as atividades físicas atingem o seu auge e, durante a noite mais curta e luminosa do ano, a de 24 de junho, as mil vozes da Natureza juntam-se em cânticos, risos e murmúrios alegres e os Espíritos da Natureza realizam o seu festival anual, uma festa de regozijo porque fizeram bem o seu trabalho e a vida física na Terra está assegurada por mais um ano.

O Mundo das Fadas de Shakespeare inclui todos os Espíritos da Natureza mencionados nos Ensinamentos Rosacruzes; esses Espíritos — sejamos muito claros sobre isso — são servos de Deus, agentes de Deus, que trabalham sob a direção das Hierarquias Criadoras que guiam nossa evolução. As ações dos Espíritos da Natureza, muitas vezes, parecem incoerentes e irresponsáveis para nós. Por quê? Porque ainda compreendemos mal o funcionamento das Leis da Natureza. Quando o ser humano está em harmonia com as Leis da Natureza e os Espíritos da Natureza lhe são simpáticos, ele os chama de “bons”. Quando ele está em desarmonia com as Leis da Natureza e elas parecem antagonizá-lo, ele as chama de “más”. Porém, todos trabalham juntos para o bem, a serviço da evolução. Os Espíritos precisam de corpos para adquirir experiência. Os Espíritos da Natureza são trabalhadores que constroem corpos, são criadores de forma. É por isso que no Fausto, de Goethe, eles aparecem à chamada de Mefistófeles que, em um dos seus muitos aspectos, é Satanás ou Saturno, o construtor da forma.

Ora, “Um Sonho de uma Noite de Verão” não é apenas o relato da Festival das Fadas no auge das suas atividades bem-sucedidas, mas também se preocupa muito com os males e as provações dos amantes e com a sua feliz união no final. Alguns críticos interpretam a peça como um espetáculo de amor inspirado nos perfumes de uma noite de verão, “Maluquice de uma noite de verão”. Essa é a interpretação mais triste de todas. E aqui, em particular, recordemos que Um Sonho de uma Noite de Verão é uma peça sagrada, apesar de muitos absurdos que são aparentes. Uma “peça” sim, mas apresentada para nós por um grande Iniciado para que possamos ver com ele as Forças da Natureza “brincando” no mundo.

Os Espíritos da Natureza estão sempre e particularmente interessados nos amantes e nos seus assuntos; eles gostam de provocar o jovem e a donzela enamorados, mas apenas durante algum tempo; depois, esses Espíritos os consolam e aproximam; ao final, eles pedem para serem convidados para o casamento e concedem ao casal feliz três desejos no dia do casamento. Os Espíritos da Natureza são construtores da forma e, como tal, precisam da atração entre os sexos para providenciar corpos para as almas que chegam. Um Sonho de uma Noite de Verão é uma Festa de Casamento regida por uma grande característica cósmica: a atração entre os sexos é um fator necessário em certos estágios da evolução em que o Espírito precisa de veículos físicos e densos para acumular experiência e, por isso, devido à sua missão Criadora ao Serviço do plano divino, o Amor entre homem e mulher é sagrado e o Matrimônio é um Sacramento; assim, temos que ter pena das almas mais jovens que o olham de maneira frívola e interpretam Um Sonho de uma Noite de Verão como uma graciosa e espirituosa brincadeira de fazer amor, quando ele é uma Peça Misteriosa realizada nos recintos sagrados do santuário da vida.

Um Casamento Cósmico segundo Shakespeare

Quando o Poeta Iniciado, Goethe, terminou o seu drama místico, Fausto, disse sorrindo: “Nesta peça eu escondi muitos mistérios que manterão os críticos ocupados durante pelo menos cinquenta anos”. “Um Sonho de uma Noite de Verão”, de Shakespeare, manteve-os assim ocupados durante mais de trezentos anos e não estão agora mais perto da solução dos problemas ocultos dessa magistral obra do que em 1° de maio de 1594, quando foi apresentada pela primeira vez nas festividades do casamento de um dos patronos aristocráticos de Shakespeare, na corte da Rainha Isabel; então as pessoas se perguntavam por que uma peça de maio[1] se chamava “Um sonho de uma noite de verão”.

Muitos diziam naquela época, como dizem hoje, que as passagens que se referem ao primeiro de maio como a data do casamento do Duque Teseu foram inseridas na peça escrita por volta de 1590 como um elogio ao casal recém-casado perto do trono de Isabel. Essa é a forma mais fácil de evitar o fato embaraçoso de o poeta, no seu grande e misterioso drama nupcial, identificar o 1° de maio com o 25 de junho. A maioria dos expoentes ainda se contenta com essa solução, embora ela pareça bastante incompatível com a dignidade de um Shakespeare.

Alguns o desculpam com base em “erros ortográficos”; outros ainda o acusam de ter feito malabarismos com as datas, assim como o acusam frequentemente de ignorância ou de descuido em relação a fatos históricos, mitológicos ou geográficos. Ele, o Iniciado que sabia tudo o que aqueles que tentam em vão minimizar a sua grandeza não sabem! Gostam de acentuar a sua ignorância em geografia, por exemplo, porque na sua outra peça de mistério, a Tempestade, os navios singram para a Boêmia, que fica longe do oceano.

Sim, hoje em dia! Mas, no século XII, a Boêmia era um poderoso império que se estendia até ao Mar Adriático. Shakespeare, como é óbvio, conhecia esse fato e sabia bem “do que se tratava”, ao nos dizer que, quando o Duque Teseu de Atenas se casou com Hipólita, a sábia rainha das Amazonas, a data do Dia de Solstício de Verão era 1° de maio.

Vemos o grande iniciado sorrindo com o seu sorriso gentil, como um pai sorri para os filhos que não podem ferir a sua dignidade quando, com razões superficiais e infantis, explicam seus ditos e feitos que ultrapassam a sua compreensão.

Não se confia às crianças a guarda da chama luminosa; — só quando um número suficiente de pessoas que vivem no ocidente atingiu a fase adulta é que se acenderam para elas as velas tão poderosas como temos, por exemplo, nos livros “Conceito Rosacruz do Cosmos” e “A Mensagem das Estrelas” – só para citar dois exemplos –, ambos do Iniciado Max Heindel. Esses livros não são meros manuais da Filosofia Rosacruz ou Astrologia Rosacruz, mas poderosos portadores de luz que levam a iluminação para todos os caminhos da vida. Não podemos compreender as obras dos grandes poetas, músicos, pintores e escultores sem a sua ajuda; e a razão para isso é facilmente encontrada. As pessoas que conhecemos como gênias que estavam muito à frente do seu tempo e, em muitos casos, foram iniciados da Ordem Rosacruz, nos deram a Religião Cristã Esotérica por meio de símbolos e parábolas, pois toda grande Arte é basicamente religiosa e a sua missão evolutiva é afirmada naquelas famosas palavras de Richard Wagner, frequentemente citadas por Max Heindel: “Onde a Religião se torna artificial está reservado à Arte salvar o espírito da Religião”. Max Heindel, como porta-voz dos Irmãos Maiores da Ordem Rosacruz, deu à Humanidade o conhecer a Religião Cristão Esotérica em uma linguagem simples e por meio dos livros que contêm os Ensinamentos Rosacruzes que são lições completas que temos que consultar e estudar a fundo, se quisermos compreender a beleza misteriosa dos roteiros imortais escritos pelos nossos mestres-artistas em cores, palavras ou tons.

Uma biblioteca inteira de obras eruditas sobre Shakespeare não pode ajudar a resolver o problema do “Sonho de uma Noite de Verão”, pois a informação valiosa que contêm é exotérica e ignora o potente fator da Astrologia Rosacruz. Mas se, com ajuda dos Ensinamentos Rosacruzes focarmos nossa atenção no fato de o “Sonho de uma Noite de Verão” ser um grande desfile do Sol e depois seguirmos a pista dada na sua explicação dos ciclos evolutivos ligados à Precessão dos Equinócios, a perplexidade se transforma em compreensão e a discrepância, em concórdia.

Como vimos anteriormente, o “Sonho de uma Noite de Verão” é uma apoteose das Forças da Natureza no auge das suas atividades, o grande “Festival das Fadas”, ou dos construtores da forma, que se regozijam porque fizeram bem o seu trabalho e asseguraram a vida física na Terra por mais um ano, para que o Espírito, em seu Caminho de Evolução, possa se manifestar através dos Corpos e dos veículos. Esse ponto culminante das forças físicas estimuladas pelo Sol ocorre todo ano entre 21 e 25 de junho, no polo oposto ao ponto culminante das forças espirituais, que ocorre entre 21 e 25 de dezembro, também todo ano.

Se a data do casamento na peça foi 1° de maio, o drama está aparentemente desequilibrado em relação ao Natal, afastado do caminho do Sol. — Sabemos que decorrem exatamente quatro dias entre o início da peça e o triplo casamento no final, pois o Duque Teseu abre-a com as palavras “Quatro dias felizes trazem outra Lua[2] e a Rainha Hipólita acrescenta:

Mergulharão depressa quatro dias na negra noite;

Quatro noites, presto, farão escoar o tempo como em sonhos.

E então a lua que, como arco argênteo,

no céu ora se encurva, verá a noite solene do esposório.

Depois, no final do Ato IV, na Cena I, nesse maravilhoso discurso referente aos seus cães de caça, que soa como uma marcha triunfante composta por harmonias majestosas, informa os seus ouvintes de que “agora a nossa observação está feita” e elucida a ocasião para essa observação, que se realizou em bosques e florestas e não no templo, acrescentando a respeito dos amantes: “Decerto madrugaram, para os ritos observarem de maio”. Esse Dia de Maio é o dia do casamento.

Ouvimos de novo o duque Teseu:

no templo, agora mesmo,

estes dois pares vão se unir para sempre.

Mais tarde, os bons artesãos não-gramaticais dizem: “Mestres, o duque vem vindo do templo, onde se casaram, juntamente com ele, mais três senhores e três senhoras.[3]. Depois, a companhia festiva será recebida no palácio, até que Teseu lembra:

Com a língua de ferro a meia-noite já deu doze batidas.

Para a cama, namorados! É quase hora das Fadas.

E agora a cena é inteiramente entregue às Fadas que cumprem o que no dia anterior Oberon, o rei das Fadas, anunciou à sua rainha, Titânia:

Já que nossa discórdia mal sofrida em harmonia se mudou garrida,

iremos amanhã, solenemente, dançar, à meia-noite,

bem em frente do quarto de Teseu.

Solstício de Junho (estação de verão para o hemisfério norte), — o Festival das Fadas! — para as fiéis Forças da Natureza, a grande, alegre e solene ocasião do ano! Os discursos de Titânia estão repletos de alusões ao Solstício de Junho. Mas não precisamos citá-las, pois o espírito do drama fala por si só. A peça está impregnada de Solstício de Junho, respira Solstício de Junho, canta e dança Solstício de Junho…, mas é mais rica em mistério e mais profunda em promessa do que um simples Solstício de Junho possa dar. Lembremo-nos do que Max Heindel ensina sobre os ciclos menores contidos nos maiores. Os ciclos diurno, anual e precessional são os ciclos do Sol. Uma nova vida é prometida a nós no Solstício de Junho através de Hermia e Lysander, Helena e Demetrius, os dois casais humanos cujo amor é abençoado pelas Fadas; vida abundante é prometida a toda a natureza pela reunião de Titânia e Oberon, o rei e a rainha das Fadas que, após um período de discórdia, celebram de novo o seu casamento e prometem abençoar a Terra com fecundidade. Mas, uma nova vida de um significado muito mais elevado e ampliado é prometida por meio do casamento de Teseu e Hipólita, esses dois seres exaltados que não são humanos nem Fadas, mas representantes cósmicos.

Shakespeare conhecia a mitologia e o seu simbolismo cósmico! Não acidentalmente, mas de forma muito deliberada, escolheu a Grécia como cenário para o seu drama. As Fadas, tipicamente do noroeste, em seu aspeto cosmopolita de Forças da Natureza, podiam ser facilmente transferidas para a Grécia; a sua rainha e o seu rei, Titânia e Oberon, são originários da Índia; assim, os arianos orientais e ocidentais contribuem a partir da sua tradição. Mas, nos mitos gregos foi encontrado o maravilhoso simbolismo dos “cães do céu” — a hoste estrelada — que acompanham a carruagem do deus Sol em uma corrida alegre “com a boca cheia de sinos, um debaixo do outro” e o saúdam com “gritos afináveis” — a música das esferas — aos quais a Terra ecoante responde.

vai minha amada apreciar a orquestra de meus fortes lebréis. (…)

Tão galante barulheira jamais havia ouvido;

o bosque, o céu, as fontes, tudo, tudo, era em torno uma crebra gritaria.

Em parte alguma nunca ouvira música tão discorde, trovão tão agradável.

Ouvimos uma voz calma no livro “Conceito Rosacruz do Cosmos” confirmando as rapsódias do mito e da poesia: “Pitágoras não fantasiava quando falou da música das esferas, porque cada um dos Corpos celestiais tem seu tom definido e, juntos, formam a sinfonia celestial”[4].

Finalmente, na mitologia grega este deus Sol, em uma de suas fases de Precessão, é representado por Teseu, o herói forte que matou o touro “devorador de homens”, o Minotauro. Esse terrível monstro tinha a sua fortaleza no Labirinto da ilha de Creta. Os atenienses tinham de oferecer todos os anos sete jovens e sete donzelas às mandíbulas cruéis desse touro. Ele representa o espírito do Ciclo Taurino e da Era de adoração ao touro[5] — o espírito da mais extrema crueldade e do mais cru materialismo ao qual os filhos e filhas da Humanidade eram sacrificados.

O espírito da Era de Touro foi morto por Teseu, o Sol. Isso significa que a Era de Touro terminou porque o Sol, por Precessão dos Equinócios, estava prestes a deixar a constelação de Touro e entrar em Áries. Max Heindel nos informa que em 498 d.C. o Sol cruzou o equador celeste no Equinócio de Março em 21 de março, a 0 grau de Áries. O Sol leva em torno de 2.156 anos para percorrer, pelo movimento da Terra Precessão dos Equinócios, os 30 graus de uma constelação. Ele entrou no 30° grau de Áries, o carneiro ou cordeiro, em 1658 a.C. e, portanto, 1659 a.C. é o último ano da Era de Touro.

Para nós, Áries é um Signo masculino; na astrologia grega era considerado um Signo feminino e o seu regente, o Planeta Marte, era representado não por um deus, mas por uma deusa, nomeadamente Palas Athena, a deusa da guerra e da sabedoria. A analogia entre Palas Athena e Hipolyta, a sábia rainha-guerreira, é evidente. Assim, 1659 a.C., o último ano da Era antiga ou de Touro, é o ano do casamento de Teseu, o Sol, com Hipólita, o Espírito Guardião da nova Era ou a Era de Áries, para que no próximo Equinócio de Março, 1658 a.C., ele pudesse entrar em sua nova casa, Áries, junto à parceira da sua exaltação.

Assim temos o ano; como é que obtemos a data? No que diz respeito à contagem do calendário, as nações antigas seguiam o exemplo da Babilônia ou da Caldeia, que eram seus mestres em todos os assuntos relacionados com a astrologia e a astronomia.

O calendário de Caldeia, que os egípcios, os gregos e os romanos, até ao tempo de César, copiaram, seguia de perto a trajetória do Sol e baseava-se em dois acontecimentos cíclicos: o menor e relativo ao Equinócio de Março e o maior, relativo à Precessão dos Equinócios. Assim, em 1659 a. C. o mês do “Equinócio de Março” foi janeiro e o mês do “Solstício de Junho” foi abril.

A Era de Touro dominou de 3814 a 1659 a.C. Na nossa Era de Peixes – em que nos encontramos atualmente –, estamos afastados de Touro por duas constelações e cada constelação através da qual o Sol passa por Precessão dos Equinócios coloca o ponto do Equinócio de Março um mês à frente. Os caldeus tinham meses lunares de 29 dias e, em certos intervalos, um mês bissexto, em vez do nosso ano bissexto. Se contarmos 91 dias entre o Equinócio de Março e o “Solstício de Junho” e tivermos em conta os meses mais curtos, então veremos que o 23 de abril do nosso calendário equivale ao 26 de abril do calendário caldeu da Era de Touro. Assim, o “Solstício de Junho” na Era de Touro aconteceu entre 26 de abril e 1° de maio; o Casamento Cósmico teve lugar em um dia de “Solstício de Junho”, 1° de maio de 1659 a.C.


[1] N.T.: já que a estação de verão do hemisfério norte se inicia em junho.

[2] N.T.: Ato I – Cena I

[3] N.T.: Ato IV – Cena II

[4] N.T.: Capítulo III – O Ser Humano e o Método de Evolução – O Primeiro Céu

[5] N.T.: A Era de Touro na Época Atlante.

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[1] N.T.: Anexamos aqui a obra completa (domínio público) do Um Sonho de uma Noite de Verão.

Sonho de uma Noite de Verão

William Shakespeare

Edição Ridendo Castigat Mores

Fonte Digital

SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO

(A Midsummer-Nigth´s Dream)

William Shakespeare

ÍNDICE

ATO I

Cena I — 7

Cena II — 18

ATO II

Cena I — 24

Cena II — 36

ATO III

Cena I — 43

Cena II — 53

ATO IV

Cena I — 74

Cena II — 85

ATO V

Cena I — 88

Cena II — 105

PERSONAGENS

TESEU, Duque de Atenas.

EGEU, pai de Hérmia.

LISANDRO, apaixonado de Hérmia. DEMÉTRIO, apaixonado de Hérmia. FILÓSTRATO, diretor de festas na corte de Teseu.

QUINCE, carpinteiro.

SNUG, marceneiro. BOTTOM, tecelão. FLAUTA, remenda-foles. SNOUT, caldeireiro.

STARVELING, alfaiate.

HIPÓLITA, rainha das amazonas, noiva de Teseu. HÉRMIA, filha de Egeu, apaixonada de Lisandro. HELENA, apaixonada de Demétrio.

OBERON, rei dos elfos. TITÂNIA, rainha dos elfos. PUCK, ou o Bom Robim.

FLOR-DE-ERVILHA, elfo.

TEIA-DE-ARANHA, elfo.

TRAÇA, elfo.

SEMENTE-DE-MOSTARDA, elfo.

Outros elfos do séquito de Oberon e Titânia. Séquito de Teseu e Hipólita.

ATO I

Cena I

Atenas. O palácio de Teseu. Entram Teseu, Hipólita, Filóstrato e pessoas do séquito.

TESEU — Depressa, bela Hipólita, aproxima- se a hora de nossas núpcias. Quatro dias felizes nos trarão uma outra lua. Mas, para mim, como esta lua velha se extingue lentamente! Ela retarda meus anelos, tal como o faz madrasta ou viúva que retém os bens do herdeiro.

HIPÓLITA — Mergulharão depressa quatro dias na negra noite; quatro noites, presto, farão escoar o tempo como em sonhos. E então a lua que, como arco argênteo. no céu ora se encurva, verá a noite solene do esposório.

TESEU — Vai, Filóstrato, concita os atenienses para a festa, desperta o alegre e buliçoso espírito da alegria, despacha para os ritos fúnebres a tristeza, que essa pálida hóspede não vai bem em nossas pompas. (Sai Filóstrato.) De  espada  em  mão  te  fiz  a  corte,  Hipólita; o  coração te conquistei à custa de violência; mas quero desposar-te com música de tom mais auspicioso, com pompas, com triunfos, com festejos.

(Entram Egeu, Hérmia, Lisandro e Demétrio.) EGEU — Salve, Teseu, nosso famoso duque!

TESEU — Bom Egeu, obrigado. Que há de novo?

EGEU — Cheio de dor, venho fazer-te queixa de minha própria filha, Hérmia querida. Vem para cá, Demétrio. Nobre lorde, tem este homem o meu consentimento para casar com ela. Agora avança. Lisandro. E este, meu príncipe gracioso, o peito de Hérmia traz enfeitiçado. Sim, Lisandro, tu mesmo, com tuas rimas! Prendas de amor com ela tu trocaste; sob a sua janela, à luz da lua, cantaste-lhe canções com voz fingida, versos de amor fingido, e cativaste as impressões de sua fantasia com cachos de cabelo, anéis, brinquedos, ramalhetes, docinhos, ninharias, mensageiros de efeito decisivo nas jovens ainda brandas. Com astúcia, à minha filha o coração furtaste, mudaste-lhe a filial obediência em dura teimosia. Por tudo isso, meu mui gracioso duque, se ela, agora. diante de Vossa Graça, com Demétrio não quiser se casar, eu me reporto à antiga lei de Atenas que confere aos pais direito de dispor dos filhos.  É  minha  filha,  posso  dispor  dela.  Ou  a entregarei para este cavalheiro, ou para a morte, o que, sem mais delongas, segundo nossa lei, deve ser feito.

TESEU — Hérmia, que respondeis? Sede prudente, bela menina. Como a um deus devíeis ver sempre vosso pai, um deus que vossa formosura plasmou, pois sois apenas a cera a que ele conferiu a forma, restando-lhe o poder de con- servá-la, ou de esfazer a imagem. É Demétrio cavalheiro mui digno.

HÉRMIA — E assim Lisandro.

TESEU — Sim, em si mesmo; mas uma vez que ele com vosso pai não conta, deveríeis o outro considerar como o mais digno.

HÉRMIA — Ah, se meu pai o visse com meus olhos!

TESEU — Com o juízo dele é que razoável fora que vossos olhos vissem.

HÉRMIA — Vossa Graça me perdoe, mas não sei que força oculta me dá tanta ousadia, nem compreendo como a minha modéstia me consente defender minha causa em tal presença. Suplico a Vossa Graça declarar-me o que de pior me tocará por sorte, se eu me negar a desposar Demétrio.

TESEU — Ou morrer morte crua, ou, para sempre, sair da sociedade. Por tudo isso, formosa Hérmia, falai com vossas próprias aspirações, pensai na mocidade, examinai a fundo vosso sangue e vede se é possível suportardes um hábito de freira, para o caso de recusardes a paterna escolha, ficar encarcerada para sempre num convento sombrio, como estéril irmã passar a vida, hinos dolentes cantar à lua infrutuosa e fria. Abençoados três vezes os que podem, dessa maneira, dominar o sangue e a peregrinação fazer virgínea. Mas muito mais feliz na terra é a rosa que destilar se deixa do que quantas no espinho virgem crescem, vivem, morrem em sua solitária beatitude.

HÉRMIA — Assim crescer prefiro, meu bom lorde. viver e perecer, a ver os sacros privilégios de minha mocidade em poder de um senhor, cujo aborrido jugo minha alma do íntimo repele.

TESEU — Refleti mais um pouco. Na outra lua quando tiver de ser selado o liame sempiterno entre mim e a minha amada — nesse dia tereis de decidir-vos ou a morrer por desacato franco à vontade paterna, ou a ser esposa de Demétrio, ou a fazer no altar de Diana juramento de eterna austeridade num viver virginal e solitário.

DEMÉTRIO — Hérmia, concorda; e tu, Lisandro, deixa da pretensão de opor teus fracos títulos ao meu direito certo e indiscutível.

LISANDRO — Do pai de Hérmia, Demétrio, o afeto tendes; casai com ele, então; seja ela minha.

EGEU — Lisandro zombador, é bem verdade que o meu amor é dele, e pois vai dar-lhe tudo quanto possuo: Hérmia pertence-me; todo o direito que sobre ela tenho a Demétrio o transfiro.

LISANDRO — Eu sou, milorde. de família tão nobre quanto a dele; de patrimônio igual somos herdeiros; maior é o meu amor. Quanto aos favores da fortuna, mimoso sou como ele, se não mais. Finalmente, o que suplanta todas essas vanglórias: sou amado da irresistível Hérmia. Por que causa não me bater em prol do meu direito? Demétrio — ao rosto lanço-lhe isto — a filha de Nedar namorou e a alma ganhou-lhe, e ela, coitada, piamente o adora, adora até quase à loucura a este homem volúvel e culpado.

TESEU — Sim, já ouvira falar por alto nisso e pretendia conversar com Demétrio a esse respeito; mas por excesso de negócios próprios não me lembrou fazê-lo. Mas, Demétrio, vinde comigo; e vós, também, Egeu. Tenho de vos dizer duas palavras muito em particular. No que respeita vossa pessoa, irresistível Hérmia, fazei esforço para que os caprichos deixeis de acordo com o querer paterno; se não, será forçoso vos dobrardes às leis de Atenas que, de nenhum modo, podemos atenuar: ou morte crua, ou o juramento de viver solteira. Minha Hipólita, vamos. Que se passa contigo. meu amor? Vinde conosco, Demétrio e Egeu; necessidade tenho de ambos vós, não somente para a festa, como também para tratar convosco de algo que aos dois de perto diz respeito.

EGEU — Alegres e obedientes vos seguimos. (Saem Teseu, Hipólita, Egeu, Demétrio e séquito.)

LISANDRO — Então, minha querida, por que as faces tão pálidas assim? Qual o motivo de murcharem tão rápido essas rosas?

HÉRMIA — Talvez por falta da água que lhes viesse da tempestade dos meus próprios olhos.

LISANDRO — Oh Deus! Por tudo quanto tenho lido ou das lendas e histórias escutado, em tempo algum teve um tranqüilo curso o verdadeiro amor. Ou era grande do sangue a diferença…

HÉRMIA — Oh sofrimento! Nascer no alto e aceitar o cativeiro!

LISANDRO — … ou mui disparatadas as idades…

HÉRMIA — Oh dor! Unir-se a mocidade às

cãs!

LISANDRO — … ou tudo os pais, sozinhos, decidiam…

HÉRMIA — Não há maior inferno: estranhos olhos para escolher o amor!

LISANDRO — … ou, quando havia simpatia na escolha, a guerra, as doenças, e a morte, conjuradas, o assaltavam, qual simples som dei- xando-o, transitório, tão curto corno um sonho, movediço como uma sombra instável, tão ligeiro como raio de noite tempestuosa que, de súbito, rasga o céu e a terra, mas que antes de podermos dizer “Vede!” pelas fauces das trevas é tragado. Tudo o que brilha, assim, em ruína acaba.

HÉRMIA — Se sempre contrariados foram todos os amantes sinceros, é que o próprio destino o determina desse modo. Que nos ensine, pois, a ser pacientes a nossa provação, já que é desdita fatal dos namorados, como os sonhos, pensamentos, suspiros, dores, lágrimas, do pobre amor são companheiros certos.

LISANDRO — Isso consola. Porém, Hérmia, escuta-me: a sete léguas, só, de Atenas mora minha tia, uma viúva muito rica que, por filhos não ter, me considera seu herdeiro exclusivo. Em casa dela, minha Hérmia encantadora, poderemos casar-nos, por ficarmos, então, fora das rigorosas leis dos atenienses. Se me amas, foge da mansão paterna na noite de amanhã. No bosquezinho a uma légua distante da cidade deverás encontrar-me, justamente onde uma vez te vi em companhia de Helena a realizar os sacros ritos de uma manhã de maio.

HÉRMIA — Meu bondoso Lisandro, eu juro pelo mais potente arco do deus Cupido, por sua seta melhor de penas de ouro, pelas meigas pombas de Vênus, pelo que une as almas e confere ao amor virentes palmas, pelas chamas em que se abrasou Dido após abandoná-la o Teucro infido, pelas juras que a todos os instantes violado têm os homens inconstantes, mais do que numerosas, infinitas, do que as que foram por mulheres ditas: amanhã, sem faltar, no grato abrigo de que falamos, estarei contigo.

LISANDRO — Não faltes à palavra. Ai vem Helena.

(Entra Helena.)

HÉRMIA — Formosa Helena, por que tanta pressa?

HELENA — Eu, formosa? Desmente-te depressa. Ama Demétrio a tua formosura; nesses olhos encontra a luz mais pura; acha ele em tua voz mais melodia do que o pastor na doce cotovia, quando o trigo nos campos enverdece e o pilritei- ro de botões se tece. Se, como as doenças, fosse contagiosa também a formosura, eu, jubilosa, me fizera infectar, ó Hérmia bela! de teus encantos, sem maior cautela; com tua voz ficara nos ouvidos; teu olhar, nestes olhos combalidos; tua fala de música esquisita consolidar viria a minha dita. Se o mundo fosse meu, ficando fora Demétrio, de todo ele, sem demora, me desfizera, caso conseguisse tua beleza obter, tua meiguice, porque sendo, como és, o meu contraste, seu coração bondoso conquistaste.

HÉRMIA — Faço-lhe cara feia, ele me adora.

HELENA —          Tivesse eu risos feios desde agora!

HÉRMIA — Digo-lhe doestos, e ele amor me vota.

HELENA — Quem me dera na voz tão doce nota!

HÉRMIA — Vai de par seu ardor com o meu desdém.

HELENA — Com o seu desprezo o meu amor também.

HÉRMIA —         De      tal        loucura a culpa              não é minha.

HELENA — É de tua beleza. Fosse a minha!

HÉRMIA — Coragem! Por mais tempo ele não há de fazer juras com tal tenacidade, que eu e Lisandro, há um momento, apenas, resolvemos fugir, sem mais, de Atenas. Para mim era Atenas o paraíso, quando não me encantara o seu sorriso. Como é terrível este fogo interno para, assim, transformar o céu no inferno!

LISANDRO — Não queremos, Helena, ocultar nada: amanhã, quando Febe a luz prateada nas águas refletir, cobrindo a relva de pérolas e encanto dando à selva, hora mais que propícia para a fuga de quem, como nós dois, o amor conjuga, eu e Hérmia combinamos da cidade deixar as portas, rumo à liberdade.

HÉRMIA — Naquele bosque em que, sobre canteiros de primavera, instantes tão fagueiros passamos tantas vezes, atenuando com nossas confissões este ardor brando, eu e Lisandro, que minha alma adora, nos reuniremos ao raiar da aurora. Se em Atenas não temos pouso amigo, alhures acharemos grato abrigo. Reza por nós, minha querida Helena, e com Demétrio encontres vida amena. Cumpre, Lisandro, agora o prometido por mais que te angustie o dolorido coração: do alimento dos amantes privaremos a vista alguns instantes.

LISANDRO — O voto hei de cumprir, minha Hérmia  bela.  (Sai  Hérmia.)  Formosa  Helena, adeus. Como eu a ela, possa Demétrio ser-te dedicado, transformando em ventura o teu cuidado. (Sai.)

HELENA — Como é possível que a felicidade possa reinar em tal desigualdade! Em toda Atenas sou considerada tão formosa quanto Hérmia; mas a nada quer Demétrio atender. Ele, somente, ver não pode o que enxerga toda a gente. Erra ele ao se deixar pender do lindo semblante de Hérmia, tal como eu, caindo em igual erro, prendo o coração na sua compostura sem senão. As coisas baixas, sem valia alguma, de crassas deixa o Amor leves qual pluma. O Amor não vê com os olhos, mas com a mente; por isso é alado, e cego, e tão potente. Nunca deu provas de apurado gosto; cego e de asas: emblema de desgosto. Eterna criança: eis como é apelidado, por ser sempre na escolha malogrado. Como os meninos quebram juramentos, perjura o Amor a todos os momentos. Assim Demétrio, quando Hérmia não via, me granizava juras noite e dia; mas ao calor do seu formoso riso dissolveu-se de súbito o granizo. Da formosa Hérmia vou contar-lhe a fuga. É certeza: no bosque ele madruga, para segui-la. A mim essa notícia vai ensejar de vê-lo a hora propícia. Se o vir na ida e na volta, de corrida, feliz me considero e enriquecida. (Sai.)

Cena II

O mesmo. Um quarto em casa de Quince. Entram Quince, Snug, Bottom, Flauta, Snout e Starveling.

QUINCE — Está aqui toda a nossa companhia?

BOTTOM — Será melhor chamardes um por um, de acordo com a lista.

QUINCE — Aqui está o papel com a indicação do nome de todos os que em Atenas foram considerados capazes de representar o nosso interlúdio, diante do duque e da duquesa, na tarde do dia do seu casamento.

BOTTOM — Primeiro, Peter Quince, conta- nos o enredo da peça; depois, lê o nome dos atores, para entrarmos logo no assunto.

QUINCE — Ora bem, a nossa peça se intitula: A mais lamentável comédia, a mais cruel morte de Píramo e Tisbe.

BOTTOM — Uma bela peça, é o que vos digo, e divertida. E agora, meu bom Peter Quince, fazei a      chamada         dos      atores, pela         lista.    Mestres, espalhai-vos!

QUINCE — Respondei à medida que eu for chamando. Nick Bottom, tecelão!

BOTTOM — Presente. Dizei qual seja a minha parte e prossegui.

QUINCE — Vós, Nick Bottom, estais inscrito para o papel de Píramo.

BOTTOM — Quem é Píramo? Amante ou tirano?

QUINCE — Amante, que se mata galantemen- te por questões de amor.

BOTTOM — Para sua execução será forçoso derramar algumas lágrimas. Se me toca esse papel, a assistência que tome conta dos olhos; provocarei tempestades, saberei de algum modo lamentar-me. Vamos aos outros. Contudo, ficaria melhor no papel de tirano; daria um Hércules de mão cheia, um rompe-e-rasga de partir um gato em dois. O pico furioso no mar estrondoso já vem tormentoso romper a prisão. O carro nitente de Fibo esplendente vencer não consente o fado bufão. Grandioso! Nomeai agora os outros comediantes. Essa é a verdadeira disposição de Ercles, a disposição de um tirano. Um apaixonado é mais sentimental.

QUINCE — Francisco Flauta, remenda-foles.

FLAUTA — Presente, Peter Quince.

QUINCE — Tereis de ficar com Tisbe.

FLAUTA — Quem é Tisbe? Cavaleiro andante?

QUINCE — É a mulher que Píramo deve amar.

FLAUTA — Ora, por minha fé, não me deis papel de mulheres; a barba já me está a apontar.

QUINCE — Pouco importa; representareis de máscara, ficando ao vosso arbítrio falar com voz tão fina quanto quiserdes.

BOTTOM — Se eu puder ocultar o rosto, dai- me também o papel de Tisbe; falarei com uma vozinha monstruosa: Tisne! Tisne! Ah, Píramo, meu grande amor! A tua querida Tisbe, a tua esposa idolatrada!

QUINCE — Não! Não! Representareis Píramo, e vós, Flauta, Tisbe.

BOTTOM — Está bem; prossegui. QUINCE — Robim Starveling, alfaiate. STARVELING — Presente, Peter Quince.

QUINCE — Robim Starveling, tereis de fazer o papel da mãe de Tisbe. Tom Snout, caldeireiro.

SNOUT — Presente, Peter Quince.

QUINCE — Vós, o pai de Píramo; eu, o pai de Tisbe; a Snug, marceneiro, tocará o papel do leão. Penso que desse modo fica bem arranjada a comédia.

SNUG — Já está escrita a parte do leão? Se a tiverdes aí, dai-ma logo, por obséquio, que eu sou um tanto lerdo para aprender as coisas.

QUINCE — Tereis de representá-la ex tempore, por consistir tudo apenas em rugir.

BOTTOM — Dai-me, também, o papel de leão. Hei de rugir de maneira que ficarão comovidos os corações; hei de rugir de modo tal, que o duque exclamará: Que ruja outra vez! Que ruja outra vez!

QUINCE — Se o fizerdes por maneira muito terrível, incutireis pavor na duquesa e nas demais senhoras, a ponto de soltarem gritos, o que seria mais que suficiente para nos enforcarem a todos.

TODOS — Para nos enforcarem. As nossas mães perderiam os filhos.

BOTTOM — Concordo, amigos, que, se de susto fizerdes as senhoras perder o juízo, só lhes restará a discrição de nos enforcar. Mas no meu caso agravarei de tal modo a voz, até rugir tão do- cemente como uma pombinha mamante; rugirei como um rouxinol.

QUINCE — Para vós só ficará bem o papel de Píramo, por ser Píramo indivíduo de fisionomia agradável, um tipo bem apessoado, próprio para ser visto em dias de verão, um cavalheiro encan- tador, em suma. Por isso, tereis de representar Píramo.

BOTTOM — Está bem; representarei Píramo.

Que barba ficará melhor nesse papel?

QUINCE — Ora, a que quiserdes.

BOTTOM — Hei de desincumbir-me dele ou seja com a barba cor de palha, ou com a cor de laranja bronzeada, ou com a de púrpura legítima, ou com a da cor da coroa da França, vosso amarelo perfeito.

QUINCE — Algumas das vossas coroas francesas são desprovidas de pelos, motivo por que tereis de representar sem barba. Mas, senhores, aqui tendes os papéis. Suplico-vos, peço-vos e concito-vos a aprendê-los para amanhã à noite. Procurai-me no bosque do palácio, a uma milha da cidade, logo que a lua sair. Aí ensaiaremos; porque se nos reunirmos na cidade não faltaria quem nos farejasse, ficando conhecido todo o nosso plano. Nesse meio tempo farei uma relação dos artigos necessários para a nossa representação. Peço-vos que não falteis.

BOTTOM — Lá estaremos para ensaiarmos a peça por maneira obscena e corajosa. Esforçai- vos; sede perfeitos. Adeus.

QUINCE — O encontro é junto do carvalho do duque.

BOTTOM — É quanto basta. Ou vai ou racha! (Saem.)

ATO II

Cena I

Um bosque perto de Atenas. Uma ƒada e Puck entram por lados diƒerentes.

PUCK — Olá, espírito! Para onde vais?

FADA — Nos densos cerrados, no bosque fa- gueiro, nos belos gramados por tudo me esgueiro mais apressada que a lua quando na mata flutua. Contente, sirvo à rainha das fadas, senhora minha e sobre o relvado faço de seus círculos o traço. As altivas primaveras ela as adora deveras; em seu doirado vestido de traçado mui garrido, há rubis, muito perfume, de que as fadas têm ciúme. Ora sacudo as pétalas das rosas à procura das pérolas donosas porque às orelhas ponha re- dolentes das primaveras lúcidos pingentes. Adeus, espírito travesso; é hora; já vem a fada e os elfos; vou-me embora.

PUCK — Para este ponto o rei já se encaminha. Cuidado! Não se encontre com a rainha,  pois  Oberon  se  mostra  estomagado deveras por lhe haver ela roubado o gracioso menino da Índia oriundo. Na opinião dela é o pajem sem segundo. O ciumento Oberon deseja- ria em seu séquito vê-lo noite e dia, para, juntos, passearem na floresta. Ela, porém, de nada se molesta; retém o lindo pajem, venturosa, e grinaldas lhe tece cor-de-rosa. Nos olhos dele encontra a luz mais pura. Assim, quando nas fontes, porventura, os dois se vêem, num vergel umbroso, à luz do luar, num bosque nemoroso, a tal ponto discutem, que, de medo, nas bolotas os elfos ficam quedos.

FADA — Se esquecida de todo não pareço, tu és aquele espírito travesso de nome Bom Robim. És tu que enleias de noite as raparigas das aldeias, tiras do leite a nata e, de mansinho, desajustas as peças do moinho; fazes que a batedora de manteiga se esbofe sem proveito e que a taleiga de cerveja, por vezes, não fermente; que ris às gargalhadas, de inclemente, do viajante noturno exausto e lasso, pós o teres transviado um bom pedaço. Mas quem de meigo Puck e de trasguinho te chama, a esse auxilias com carinho, fazes que refloresça quanto é dele, lhe dás suma ventura. Dize: és ele?

PUCK — Fada, acertaste. Eu sou, realmente, o ledo vagabundo noturno que brinquedo faço de tudo, porque a todo instante alegre de Oberon deixe o semblante. Como ele ri gostoso, ao ver o efeito, sobre um cavalo gordo, do meu jeito de relinchar qual égua calorosa. Às vezes ponho tudo em polvorosa, quando me escondo, qual maçã cozida, no jarro de uma velha delambida: tropeço-lhe nos beiços, sem que o veja, e no regaço entorno-lhe a cerveja. A sábia tia, às vezes, numa história de enredo triste e perenal memória, pensa me ter, qual um banquinho, à mão; então me afasto e, bum! vai ela ao chão, e enxertando na história um disparate reclama em altas vozes o alfaiate, sem parar de tossir. Em gargalhadas as comadres rebentam, de malvadas, saltam de gozo e juram, da janela, não terem visto uma hora como aquela. Retira-te; Oberon vem com o seu bando.

FADA —      E a senhora também. Fosse ele andando!

(Entra, por um lado, Oberon com o seu séquito: por outro, Titânia com o dela.)

OBERON — Orgulhosa Titânia, é mau indício assim nos encontrarmos ao luar.

TITÂNIA — O ciumento Oberon! Fadas, partamos; abjurei do seu leito e companhia.

OBERON — Detém-te, presunçosa; acata as ordens de teu senhor.

TITÂNIA — Então, senhora eu sou. No entanto eu sei que do país das fadas vieste furti- vamente, após a forma tomares de Corino, e o dia inteiro na avena rude versos amorosos a Fílida cantavas. Por que causa vieste aqui ter, deixando a Índia longínqua? Certamente tão-só pela imperiosa Amazonas de botas elegantes, vossa guerreira amada, que está a ponto de casar com Teseu.

OBERON — Não te envergonhas, Titânia, de atirar-me esses remoques pelo interesse que eu dedico a Hipólita, se eu não ignoro que amas a Teseu? Com tua ajuda, numa noite fosca, não pode ele fugir de Perigônia, que ele próprio raptara? Quem não sabe que o fizeste violar os juramentos feitos a Egle formosa, a Ariadne, a Antíopa?

TITÂNIA — Tudo isso é o ciúme que a inventar vos leva. Desde aquele verão, nunca podemos nos reunir na floresta, pelos prados, nas colinas, nos bosques, junto às fontes em que os juncos vicejam, pelas praias sonorosas do mar, para dançarmos em coro ao som dos ventos sibilantes, sem que em nossa alegria não nos víssemos perturbadas por tuas invectivas. Por isso os ventos, como em represália de em vão nos assobiarem, do mar vasto aspiraram vapores con- tagiantes, e estes, pelo país se derramando, tanto deixaram  túmidos  os  rios,  que  as  margens inundaram, de orgulhosos. Em vão os bois no jugo se cansaram; perdeu o suor o lavrador; o verde trigo podre ficou antes de a barba juvenil lhe nascer; os currais se acham vazios nas campinas alagadas; cevam-se os corvos no pestoso gado: as quadras de pelota estão desertas e cobertas de lama; quase esfeitos na verde relva os belos labirintos, porque ora já ninguém neles transita. Falta aos homens mortais o frio inverno; com hinos e canções, as noites claras já não são abençoadas como outrora. E assim, a lua, que o mar vasto impera, pálida de rancor, todo o ar deixa úmido, abundando os catarros. Em tamanha desordem vemos as sazões trocadas: do seio brando da virente rosa sacode a geada a cândida cabeça, enquanto sobre o queixo e nos cabelos brancos do velho inverno, por escárnio, brotam grinaldas de botões odoros do agradável estio. A primavera, o estio, o outono procriador, o inverno furioso as vestes habituais trocaram, de forma tal que o mundo, de assombrado, para identificá-los não tem meios. Pois bem; toda essa prole de infortúnios de nossas dissenções, tão-só, provêm; geradores e pais somos de todos.

OBERON — Dai o remédio, então; tendes os meios. Por que há de contrariar, sempre, Titânia seu Oberon? Não peço muito, apenas uma criança perdida, para dela fazer meu pajenzinho.

TITÂNIA — Tal cuidado tirai do coração. Nem todo o reino das fadas me comprara este menino. Ao meu culto sua mãe era votada, Muitas e muitas vezes, na atmosfera perfumada das Índias, me aprazia ouvi-la discretear, tê-la ao meu lado nas amarelas praias de Netuno a admirar os cargueiros balouçantes sobre as ondas inquietas. Como ríamos, ao ver as velas enfunar-se, grávidas ao parecer, sob os lascivos beijos dos ventos buliçosos! Imitando-as, a andar com irresistível gaiatice — grávida, então, do meu donoso pajem — por terra a velejar se punha, em busca de ninharias mil para ofertar-me, voltando após, como de viagem longa, de sua gentil carga mui vaidosa. Mas, porque era mortal, morreu no parto deste menino que, por amor dela, recolhi para criar. Por isso, agora, pela mesma razão dele não largo.

OBERON — Neste bosque morar é vosso intento?

TITÂNIA — Até o dia, talvez, do casamento de Hipólita e Teseu. Se com tratável disposição quiserdes tomar parte de nossa alegre ronda e ver os ludos à clara luz da lua, sois bem-vindo. Se não poupai-me, que eu terei cuidado de evitar vossos sítios preferidos.

OBERON — Dá-me o menino e eu seguirei contigo.

TITÂNIA — Nem por todo o teu reino. Vamos, duendes! A ser da paz amigo nunca aprendes.

(Sai Titânia com seu séquito.)

OBERON — Bem; segue o teu caminho; deste bosque não sairás sem que por esta injúria te venha a atormentar. Vem para perto, meu gentil Puck. Certo ainda te lembras de quando eu me sentei num promontório, a ouvir uma sereia que se achava no dorso de um golfinho e que tão doces melodias cantava, que o mar bravo deixava apaziguado com seu canto, tendo várias estrelas loucamente suas órbitas deixado só com o fito de escutar a canção. Ainda te lembras?

PUCK — Perfeitamente.

OBERON — Nesse mesmo instante pude ver, o que a ti fora impossível, como Cupido, inteira- mente armado, se atirava entre a terra e a lua fria. A mira havia posto numa bela vestal que o trono tinha no ocidente; com energia e decisão dispara do arco a flecha amorosa, parecendo que cem mil corações ferir quisesse. No entanto eu pude ver a ardente flecha do menino esfriar-se sob a influência da aquosa lua e de seus castos raios, continuando a imperial sacerdotisa seu virginal passeio, inteiramente livre de pensamen- tos amorosos. Vi bem o ponto em que caiu a flecha do travesso Cupido: uma florzinha do ocidente,   antes   branca   como   leite,   agora purpurina, da ferida que do amor lhe proveio. “Amor ardente” é o nome que lhe dão as raparigas. Vai buscar-me essa flor; já de uma feita te mostrei essa planta. Se deitarmos um pouco de seu suco sobre as pálpebras de homem ou de mulher entregue ao sono, ficará loucamen- te apaixonado por quem primeiro vir, quando desperto. Vai buscar-me essa planta; mas retorna antes de duas léguas no mar vasto nadar o leviatã.

PUCK — Porei um cinto na terra em quatro vezes dez minutos. (Sai.)

OBERON — De posse desse suco, hei de achar meio de surpreender Titânia adormecida, para nos olhos lhe deitar o liquido Ao despertar, o que enxergar primeiro, seja leão, urso, lobo, touro, mono buliçoso ou irrequieto orangotango, perseguirá com alma enamorada. E antes de eu lhe tirar da vista o encanto, o que farei com o suco de uma outra erva, obrigá-la-ei a me entregar o pajem. Mas quem vem vindo aí? Sendo invisível, poderei escutar-lhes a conversa.

(Entra Demétrio, seguido de Helena.)

DEMÉTRIO — Não te dedico amor; não me persigas, Onde Lisandro se acha e Hérmia formosa? Quero matá-lo e ser por ela morto. Disseste que ambos nesta selva estavam; como selvagem,  no  entretanto,  eu  corro  desesperado seus recantos todos sem poder encontrar Hérmia adorada. Vai-te! Fora daqui! Não me persigas!

HELENA — imã de coração endurecido, sou por vós atraída, mas de ferro não tenho o coração; como o aço é puro. Cessai de me aliciar e, incontinenti, deixarei de seguir-vos.

DEMÉTRIO — Alicio-vos? Acaso já vos disse galanteios? Ou com franqueza não vos falo sempre que não vos amo nem vos posso amar?

HELENA — Por isso mesmo é que vos amo tanto. Vosso cãozinho sou. Demétrio altivo, quanto mais me baterdes, mais afável hei de me revelar. Como cãozinho me tratai; repeli-me, dai- me golpes, não vos lembreis de mim, deixai-me à toa; mas por mais que de tudo eu seja indigna, permiti que vos siga. Mais modesto lugar em vosso amor não me é possível. Mas para mim será título honroso como vosso cãozinho ser tratada.

DEMÉTRIO — Não me forceis a repugnância da alma; sinto-me mal só de vos ver o rosto.

HELENA — E eu doente fico, quando não vos vejo.

DEMÉTRIO — Comprometeis demais vosso recato saindo da cidade, dessa forma, para vos entregardes indefesa a um homem que faz timbre em desprezar-vos, e assim confiando às tentações da      noite e aos maus conselhos de um lugar deserto o tesouro de vossa virgindade.

HELENA — Vossa virtude é a minha segurança. Quando o rosto vos vejo, deixa a noite de ser noite; por isso, não presumo que seja noite agora. Nem me faltam mundos de companhia nestes bosques, por serdes para mim o mundo todo. Como, pois, se dirá que eu estou sozinha, se o mundo todo agora me contempla?

DEMÉTRIO — Vou deixar-te, esconder-me pelas brenhas e às feras impiedosas entregar-te.

HELENA — Qualquer fera selvagem tem mais brando coração do que vós. Fugi, embora, que a história mudareis: Apoio corre e Dafne lhe dá caça; a meiga pomba persegue o abutre; a tímida gazela corre apressada empós do imano tigre, esforço inútil, quando o valor foge e no seu rasto segue a covardia.

DEMÉTRIO — Não quero discutir contigo; deixa-me. Mas se me acompanhares, fica certa de que no bosque te farei violência.

HELENA — Ofendes-me no templo, na cidade, no campo, em toda parte. Ora, Demétrio! Tua atitude o sexo nos humilha. Lutas de amor não são para mulheres; no entanto a corte me fazer não queres. (Sai Demétrio.) Vou te seguir e um céu fazer do inferno; morta por ti, ganho terei eterno. (Sai.)

OBERON — Adeus, ninfa! Este bosque ele não deixa sem que de lhe fugires tenha queixa. (Puck torna a entrar.) Trouxeste a flor? Sê, pois, bem-vindo, espírito vagueante.

PUCK — Ei-la aqui.

OBERON — Agradecido. Sei o lugar onde há belo canteiro que o ar embalsama de agradável cheiro do tomilho selvagem, da sincera violeta e da graciosa primavera, onde há latada de fragrantes rosas e madressilvas nímio dulçorosas. Titânia ai parte da noite dorme sob gracioso dossel petaliforme, por danças e canções acalentada. A serpe ai deixa a pele variegada, grande bastante para de vestido a uma fada servir, fino e comprido. Pôr-lhe-ei nos olhos este suco brando, de odiosas fantasias lhe deixando cheia a imaginação. Toma uma parte dele também, e do poder comparte que com ele te confio. Na floresta te cumpre achar uma ateniense mesta que, desprezada, de paixão se fina por altivo rapaz de alma ferina. Quando a dormir o achares, de mansinho nas pálpebras lhe deita um bocadinho do suco. Mas cuidado! É indispensável que, ao despertar, tenha ele à vista a amável dama que ora despreza. Muito fácil te será  conhecê-lo,  que  ele  o  grácil  traje  dos  atenienses apresenta. Sendo tu cuidadoso, ele violenta paixão há de sentir, mais acendrada do que revela a jovem namorada. Volta antes que primeiro cante o galo.

PUCK — Ficai tranqüilo; saberei achá-lo. (Saem.)

Cena II

Outra parte do bosque. Entra Titânia, com seu séquito.

TITÂNIA — Vamos à ronda! Urna canção de fadas! E, após um terço de minuto, fora! Umas, para matar nos botões róseos as lagartas nocivas; outras, para fazer guerra aos morcegos e tirar- lhes as asas, porque couro não nos falte para os casacos dos pequenos elfos; espantareis vós outras as corujas que piam toda a noite e o nosso bando caprichoso contemplam espantadas. Cantai até que eu durma e retirai-vos a trabalhar, deixando-me em repouso.

(As ƒadas cantam.)

I

Serpes manchadas, feios ouriços sapos nojentos, fugi asinha; que nossas vozes vos dêem sumiço enquanto dorme nossa rainha. Canta conosco, em porfia, rouxinol, a melodia: lula-lula- lulabia, lula-lula-lulabia. Que nossa orquestra de nossa mestra afaste qualquer magia. Boa noite com lulabia.

II

Aranhas feias não fiqueis perto, correi com vossas patas peludas; fugi, besouros, para o deserto, deixai-nos quietas nas matas mudas. Canta conosco, em porfia, rouxinol, a melodia: lula.lula-lulabia, lula-iula-lulabia. Que nossa orquestra de nossa mestra afaste qualquer magia. Boa noite com lulabia.

FADAS — Saiamos com bem cautela; fique uma de sentinela.

(Saem as ƒadas; Titânia dorme.)

(Entra Oberon e espreme a planta nas pálpebras de Titânia.)

OBERON — O primeiro que enxergares quando daqui despertares, de gesto e formas alvares, amarás de coração, seja urso, gato ou leão. Farás dele o teu querido; terás o peito rendido como às setas de Cupido. (Sai.)

(Entram Lisandro e Hérmia.)

LISANDRO — De tanto andar, querida, estás cansada. Para ser franco, erramos o caminho. Hérmia, repousarás, se isso te agrada; o escuro poderá te ser daninho.

HÉRMIA — Um leito, então, ajeita em qualquer ponto, que neste banco o meu já se acha pronto.

LISANDRO — De um punhado de relva, travesseiro poderemos fazer. O verdadeiro amor nunca divide: uma lealdade, dois corações num leito, sem maldade.

HÉRMIA — Não, Lisandro; nem mesmo num deserto convirá que de mim tu durmas perto.

LISANDRO — O querida, ofender-te não queria com o que propus. É fruto da alegria quanto avancei. Só disse que no peito me bate um coração, a ti sujeito; e que eles, juntos, formam neste instante um coração apenas, muito amante. Se nossas almas o amor forte as liga, a vivermos unidos nos obriga. Em teu leito, portanto, me consente, porque contigo sempre estou presente.

HÉRMIA — Lisandro se mostrou muito eloqüente. Padecerá demais minha altivez, se eu disser que ele fala com dobrez. No entanto, amigo, prova o teu carinho. Não falo em tom zangado ou de escarninho. Por cortesia e amor de mim te afasta. Fala eloqüente, apenas, não nos basta; mas neste instante, de o dizer não coro, exige o imperativo do decoro que entre um rapaz virtuoso  e  sua  amada  barreira  se  interponha adiamantada. Por isso, adeus; que dure quanto a vida a lealdade de tua alma estremecida.

LISANDRO — Amém; eis como encerro essa oração. Sem teu amor, me pare o coração. (Aƒasta-se.) Eis meu leito; que o sono te acalente.

HÉRMIA — E te conceda um sonho sorridente.

(Dormem.) (Entra Puck.)

PUCK — Todo o bosque hei percorrido, sem que ateniense garrido pudesse achar, porque o amor transmudasse com esta flor. Noite e silêncio. Que vejo? Traje ateniense a varejo? Eis o homem de que meu mestre falou, de peito silvestre, que de todo não se agrada da ateniense apaixonada. Coitadinha! Está tão longe deste bruto e frio monge! (Espreme a ƒlor nas pálpebras de Lisandro.) Ora nos olhos, maluco, desta flor te deito o suco porque, com sua magia, não te consinta, de dia nem de noite, o meigo sono desses olhos ficar dono. Acorda logo; já vou, porque Oberon me chamou. (Sai.)

(Entram Demétrio e Helena, a correr.)

HELENA — para! Ainda mesmo que me dês a morte.

DEMÉTRIO — Fora! Não me persigas desta sorte.

HELENA — Deixas-me neste escuro e vais sozinho?

DEMÉTRIO — Para trás! Não me cortes o caminho.

(Sai Demétrio)

HELENA — Esta caça amorosa me fez lassa; aumento com os pedidos a desgraça. Hérmia é feliz, esteja onde estiver; olhos assim não os possui mulher. Como pode ter olhos tão brilhantes? Não de chorar; que a todos os instantes, chorando como choro, eu deveria ter nos olhos mais luz que o claro dia. Sim, é certo: sou feia como um urso. Para feiúra tal não há recurso. As próprias feras que me vêem, de medo afundam mais e mais pelo arvoredo. Que muito, pois, que, em frente de tal monstro, fuja Demé- trio, quando amor demonstro? Qual infernal e enganador espelho me disse que ao de Hérmia era semelho meu deformado rosto? Mas, que vejo? Lisandro aqui? Não pode ser gracejo. Está dormindo ou morto? Nem ferida percebo, nem qualquer arma homicida. Lisandro, despertai! Estais doente?

LISANDRO (despertando) — Ó transparente Helena! Incontinenti me atirarei por ti no próprio fogo. A natureza mostra, neste afôgo, sua arte sublimada, permitindo que através desse peito casto e lindo teu coração eu veja. Dize-me: onde Demétrio, aquele vil, ora se esconde? Oh, que nome vilíssimo! De nada vale, senão para cortá-lo a espada.

HELENA — Não, bom Lisandro; não digais tal coisa. Somente porque a Hérmia amar ele ousa? Ela vos tem amor; ficai contente.

LISANDRO — Com o amor de Hérmia? Não, não sou demente. Como lastimo as horas que ao seu lado passei, cheias de tédio, a meu mau grado! Amo a Helena; a tal Hérmia me era estorvo. Quem não troca uma rola por um corvo? O homem pela razão é conduzido; e esta me deixa ao teu valor rendido. Amadurece tudo em tempo certo. Eu era muito moço; ora liberto me acho da inexperiência e da ilusão. Homem feito, dirige-me a razão, que em teus olhos um livro me oferece onde leio do amor a ardente prece.

HELENA — Por que nasci para tamanha afronta? Que vos fiz? Essa fala me amedronta. Não basta, jovem, nunca eu ter podido prender Demétrio ao meu coração fido, para que com tão grande inconveniência venhais zombar de minha insuficiência? Depõe contra vossa honra, sobremodo, a corte me fazerdes desse modo. Passai  bem,  confessar  ser-me-á  forçoso  que nunca vos julguei tão desgracioso. Porque um moço despreza uma donzela, não se conclui que um outro abuse dela. (Sai.)

LISANDRO — A Hérmia não percebeu. Dorme até o dia, que em mim não tem poder tua magia. Pois, como a mais violenta indigestão nos vem dos doces que mais gratos são, e as heresias com maior fereza odeia quem já delas se viu presa: tu, minha indigestão, minha heresia, serás por mim odiada noite e dia. No amor vou revelar-me verdadeiro, sendo de Helena bela o cavaleiro (Sai.)

HÉRMIA (despertando) — Lisandro, acode! Tira-me a serpente que no seio me causa dor pungente. Só em ti, meu Lisandro, acho guarida; vê como o medo me deixou transida. Quis parecer-me que uma serpe o peito me devorava, e tu tão satisfeito! Lisandro! Fala! Já te foste embora? Não me respondes? Fala sem demora. Tremo de susto. Onde te ocultas? Onde? Por todos os amores me responde. Sinto que não te encontras ao meu lado; pois vou te achar e dar remate ao fado. (Sai.)

ATO III

Cena I

Um bosque. Titânia está deitada, a dormir. Entram Quince, Snug, Bottom, Flauta, Snout e Starveling.

BOTTOM — Estamos todos reunidos?

QUINCE — Sem faltar um. Aqui temos um lugar maravilhosamente conveniente para ensaiarmos. Este pedaço de chão verde servirá de palco; esta sebe de madressilvas, de camarim. Vamos representar como se estivéssemos diante do duque.

BOTTOM — Peter Quince…

QUINCE — Que estás a dizer, valente Bottom?

BOTTOM — Nesta comédia de Píramo e Tísbe há coisas que jamais poderão agradar. Primeiro: Píramo terá de sacar da espada para se matar, espetáculo insuportável para as senhoras. Que respondeis a isso?

NOUT — Por Nossa Senhora! É perigoso!

STARVELING — A meu ver, será conveniente suprimirmos a mortandade.

BOTTOM — De forma alguma. Tenho uma idéia que reporá as coisas em seus eixos. Escreve-me um prólogo, de forma que o prólogo pareça dizer que não ocasionamos nenhum mal com as espadas e que Píramo não morre realmen- te. E para maior tranqüilidade, dizei-lhes que eu, Píramo, não sou Píramo, mas Bottom, o tecelão. Isso os deixará sem medo de todo.

QUINCE — Muito bem; havemos de ter esse prólogo, que deverá ser escrito em versos de seis sílabas e de oito.

BOTTOM — Não! Acrescenta mais duas sílabas e escreve-o em versos de oito e oito.

SNOUT — O leão não causará medo às senhoras?

STARVELING — Eu também já pensei nisso.

BOTTOM — Mestres, será conveniente refletir sobre o caso. Trazer um leão — Deus nos acuda!

— para o meio de senhoras, é uma coisa pavorosa, pois não há fera volátil mais terrível do que um leão com vida. É isso que precisamos considerar.

SNOUT — Nesse caso será conveniente que outro prólogo declare ao público que não se trata de um leão de verdade.

BOTTOM — Nada disso; bastará dizerdes o nome de quem o representar e arranjar modo para que se lhe veja o rosto através do pescoço do leão, por onde ele próprio falará, mais ou menos com este defeito: “Senhoras”, ou “lindas senhoras”, “desejara”, ou “suplicara” ou “vos concito a não terdes medo e a não tremer. Minha vida pela vossa. Se pensais que eu venho aqui como um leão, não daria nada pela minha vida. Não, longe de mim tal coisa; sou um homem como os demais”. Nessa altura ele declinará seu verdadeiro nome, dizendo francamente que é Snug, o marceneiro.

QUINCE — Muito bem; faremos desse modo. Mas ainda temos duas outras coisas difíceis, a saber: trazer o luar para dentro do quarto, porque, como o sabeis, Píramo e Tisbe se encontram à luz da lua.

SNUG — Haverá lua na noite de nossa representação?

BOTTOM — Um calendário! Um calendário! Vede no almanaque! Procurai o luar! Procurai o luar!

QUINCE — Há lua, realmente, nessa noite.

BOTTOM — Nesse caso, bastará deixardes aberto um dos lados do janelão do quarto em que representarmos, para que o luar penetre por ele.

QUINCE — Assim ficará bem; mas será melhor se alguém entrar em cena com uma lanterna e um feixe de espinhos, declarando que vem para desfigurar ou para representar a pessoa do luar. Mas há outro ponto: precisamos de um muro no salão, porque a história diz que Píramo e Tisbe conversavam através de uma frincha do muro.

SNUG — Não será possível trazer um muro.

Que dizeis, Bottom?

BOTTOM — Alguém terá de fazer o papel de muro, com um pouco de greda, gesso ou argamassa na roupa, a fim de significar o muro, devendo colocar os dedos deste modo, para que Píramo e Tisbe falem através da fresta.

QUINCE — Desse jeito ficará bem. Agora, quem tiver mãe que se sente para ensaiar o seu papel. Píramo, dai início; depois de recitardes a vossa parte, acolhei-vos à sebe; o mesmo farão os outros, de acordo com as respectivas deixas.

(Entra Puck, no ƒundo.)

PUCK — Quem são os cascas-grossas que assim gritam tão perto do lugar em que repousa nossa rainha excelsa? Oh, novidade! Um ensaio teatral! Ótimo. Ouvinte vou ser da peça, e ator, conforme o caso.

QUINCE — Fala, Píramo! Tisbe, vem para a frente!

BOTTOM — “Tisbe, tal como as flores horrorosas…”

QUINCE — Odorosas! Odorosas!

BOTTOM — “… as flores odorosas, tens o hálito, querida, perfumado. Mas ouço vozes; um momento espera-me: depressa voltarei para o teu lado.” (Sai.)

PUCK — Nunca se viu um Píramo como este. (Sai.)

FLAUTA — Sou eu que falo agora?

QUINCE — Certo! Certo! Porque precisais compreender que ele saiu somente para verificar que barulho era aquele; mas, não demora, tornará a entrar.

FLAUTA — “Ó Píramo radiante, ao branco lírio igual, tão rubro quanto a rosa em cândida roseira, esperto juvenil, judeu sacerdotal, fiel qual potro altivo em rápida carreira. No túmulo de Nico eu devo te encontrar.”

QUINCE — “Túmulo de Nino”, homem! Mas ainda não é hora de dizerdes isso. Só quando ti- verdes de responder a Píramo. Dizeis de uma só vez todo o vosso papel, com deixa e tudo. Píramo, entrai. Vossa deixa já passou; é “em rápida carreira”.

FLAUTA — Oh! “Fiel qual potro altivo em rápida carreira.”

(Torna a entrar Puck, seguido de Bottom, com cabeça de burro.)

BOTTOM — “Tudo isso, ó bela Tisbe, em teu regaço eu ponho…”

QUINCE — Oh! Terrível! Monstruoso! Estamos enfeitiçados! Fugi, mestres! Socorro!

(Saem os comediantes.)

PUCK — Vou perseguir-vos sem vos dar sossego, por vales, montes, pela mata espessa; ora como corcel, ora morcego, ou sapo, ou chama, ou urso sem cabeça; como cavalo, ou leão, macaco, ou burro, relincho forte e rujo, guincho e zurro. (Sai.)

BOTTOM — Por que terão corrido? Decerto imaginaram alguma maroteira para me meter medo.

(Volta Snout.)

SNOUT — O Bottom, estás mudado! Que vejo em tua cabeça?

BOTTOM — Que vedes? Vedes uma cabeça de burro, a vossa; não será isso?

(Sai Snout.) (Volta Quince.)

QUINCE — Deus te abençoe, Bottom! Deus te abençoe. Estás transformado. (Sai.)

BOTTOM — Compreendo a brincadeira. Querem fazer-me de asno, para eu me amedrontar, como se fosse possível semelhante coisa. Mas façam o que fizerem, não arredarei o pé daqui. Passearei de um lado para o outro, e pôr-me-ei a cantar, para que eles percebam que não estou com medo. O melro negro e catita de biquinho alaranjado, o tordo de voz bonita, o carricinho espantado…

TITÂNIA (acordando) — Que anjo me desperta do meu leito de flores?

BOTTOM — O pardal, a cotovia, a rolinha, o tentilhão, o cuco a cantar de dia sem que os homens digam “Não”, porque, em verdade, quem se poria a raciocinar com um pássaro tão estúpido? Quem diria a um pássaro que ele men- te, por mais que repita: “Cuco”?

TITÂNIA — Canta outra vez, gentil mortal, te peço. Tua voz os ouvidos me enamora, como o teu corpo os olhos me arrebata. E de tal modo a tua formosura me enleva e me comove, que eu proclamo, sem mais desculpas procurar, que te amo.

BOTTOM — Quer parecer-me, senhora, que para tanto vos assiste razão muito minguada. No entanto, para dizer a verdade, hoje em dia a razão e o amor quase não andam juntos. É pena que alguns vizinhos honestos não se esforcem para deixá-los amigos. Como vedes, eu também posso ser espirituoso, em se oferecendo ocasião.

TITÂNIA — És tão sábio quanto belo.

BOTTOM — Nem tanto assim; se eu tivesse espírito suficiente para sair deste bosque, teria tudo o de que necessito.

TITÂNIA — Não ponhas noutra parte o coração; no bosque ficarás, queiras ou não. Um espírito eu sou, de voz sincera; verão perene em meu país impera, e amor te voto. Por tudo isso, vem; silfos belos vais ter, como eu, também, que jóias te trarão do mar profundo, e te farão dormir sempre jucundo. Da mortal grosseria vou livrar-te e em espírito aéreo transformar-te. Traça! Mostarda! Flor-de-Ervilha! Teia!

(Entram quatro silƒos.)

TRAÇA — Pronto!

SEMENTE-DE-MOSTARDA — Eu também! FLOR-DE-ERVILHA — Aqui!

TODOS QUATRO — Para onde iremos?

TITÂNIA — Sede corteses com este gentil- homem; bailai em torno dele, dando saltos graciosos, porque a vista se lhe agrade. Dai-lhe damascos doces sem demora, uvas rosadas, figo verde e amora. Aliviai as abelhas em pletora. De suas pernas aprestai candeeiro, que acendereis depressa no luzeiro dos vaga-lumes, e amarrai, ligeiro, asas de mariposa transparente, porque os raios da lua impertinente não lhe causem aos olhos dor pungente. Elfos, cumprimentai-o ale- gremente.

FLOR-DE-ERVILHA — Salve, mortal! TEIA-DE-ARANHA — Salve!

TRAÇA — Salve!

BOTTOM — De todo o coração peço perdão a Vossas Senhorias. Como é que Vossa Senhoria se chama?

TEIA-DE-ARANHA — Teia-de-Aranha.

BOTTOM — Desejo ficar vos conhecendo mais de  perto,  meu  bom  mestre  Teia-de-Aranha.

Quando eu me cortar o dedo, terei a ousadia de vos utilizar. Vosso nome, honesto cavalheiro?

FLOR-DE-ERVILHA — Flor-de-Ervilha.

BOTTOM — Peço-vos que me recomendeis à senhora Vagem, vossa mãe, e ao mestre Grão-de- Bico, vosso pai. Caro mestre Flor-de-Ervilha, espero que em futuro próximo estreitemos as relações. Vosso nome, senhor, por obséquio?

SEMENTE-DE-MOSTARDA — Semente-de-Mostarda.

BOTTOM — Caro mestre Semente-de-Mostar- da, conheço perfeitamente vossa paciência. O covarde e agigantado Rosbife já devorou muitos cavaleiros de vossa casa. Podeis ficar certo de que os vossos parentes já me deixaram muitas vezes com os olhos cheios de lágrimas. Desejo travar conhecimento mais íntimo convosco, caro mestre Semente-de-Mostarda.

TITÂNIA — Levai-o para o quarto de boninas. Úmida, a lua espalha a claridade. Quando ela chora, as flores pequeninas a perda choram de uma virgindade. A língua lhe amarrai, mas com bondade.

(Saem.)

Cena II

Outra parte do bosque. Entra Oberon.

OBERON — Saber eu desejara se Titânia já despertou, e mais: o que primeiro lhe caiu sob os olhos, de que esteja perdida de paixão. Mas eis que chega meu mensageiro. (Entra Puck.) Então, travesso espírito, qual foi a brincadeira mais estranha que aparelhaste neste bosque mágico?

PUCK — A rainha se encontra loucamente de um monstro apaixonada. Quase em frente do sagrado lugar em que ela a sono mui tranqüilo se achava em abandono, unia tropa de artífices de Atenas, capazes de trabalho rude, apenas, para ganhar o pão com o suor do rosto, ensaiava uma peça de mau gosto, para o dia solene do himeneu da Amazona garbosa e o grão Teseu. O casca- grossa de mais rude engenho de todos eles, que, com muito empenho, de Píramo fazia, a cena deixa por um momento, à espera de sua deixa. Eu, então, da ocasião me aproveitando para em um monstro o transformar, infando, sobre os ombros lhe pus, sem mais demora, de burro uma cabeça. Eis chegada a hora da resposta de Tisbe, o instante azado para na peça eu por o meu bocado. Ao vê-lo, os outros, tal como bulhento bando de patos bravos, no momento em que percebem caçador matreiro que para eles se arrasta sorrateiro, ou como gralhas de pés rubros, quando a um tiro súbito, a gritar, voando, se espalham pelo céu — cheios de medo também se afundam logo no arvoredo. Para mais assustá- los, sapateio sem parar, deles todos pelo meio: uns sobre os outros caem, por socorro gritando, em desespero: Atenas! Morro! Minguando-lhes o senso na medida que aumenta o medo, quanto não tem vida lhes causa dano, que, pelos caminhos vão deixando nas pontas dos espinhos aqueles membros do teatro imbele parte das roupas, dos chapéus, da pele. Dominados, assim, todos do medo, deixei-os ir. Só fica no brinquedo nosso Píramo, em burro transformado. Nesse instante, porém, tendo acordado. Titânia, apaixonou-se loucamente do belo monstro que lhe estava em frente.

OBERON — Eu próprio melhor plano não teria podido excogitar. Mas a magia da planta no ateniense já puseste, conforme te falei, de peito agreste?

PUCK — A dormir o encontrei, Já liquidado ficou também esse negócio. Ao lado dele estava a ateniense desprezada que por ele vai ser alcançada.

(Entram Demétrio e Hérmia)

OBERON — Põe-te de lado; eis o ateniense duro.

PUCK — Ela é a mesma; mas que este é outro eu juro.

DEMÉTRIO — Por que tais expressões gastais comigo? Deixai rigores para o vosso inimigo.

HÉRMIA — Com censuras agora me contento, mas sobejas razões teu ardimento num crescendo me dá de amaldiçoar-te. Se de Lisandro a vida, em qualquer parte, no sono tu tiraste, e já manchado de sangue tens o pé, nenhum cuidado te cause prosseguir na furibunda devastação: a perna inteira afunda,.. Oh! mata-me, também! O sol não era tão fiel ao dia, como ele a mim. Possível lhe seria fugir de mim, para fazer-me guerra? Mais fácil fora acreditar que a terra se deixasse furar por uma pua e que emitisse através dela a lua sua luz clara para, do outro lado, deixar o irmão ao meio-dia enfiado. Dúvida já não tenho: és assassino; esse rosto o proclama, o olhar ferino.

DEMÉTRIO — O aspecto devo ter de assassinado,   não de assassino, porque transpassado me deixou tua insólita crueldade. Mas brilhas com tão grande claridade, apesar da feição dura e severa, como a luzente Vênus na alta esfera.

HÉRMIA — A que vem isso com Lisandro, agora? Ah, bom Demétrio, dá-mo sem demora.

DEMÉTRIO — Antes eu dera aos cães sua carcaça.

HÉRMIA — Sai, monstro! Cão! Desfaçatez tão crassa minha paciência virginal esgota. Já não tenho esperança nem remota. Sei que o mataste; mas, como um bargante, dos homens fugir deves de ora em diante. Oh! Por amor de mim, conta-me tudo, que em minha grande dor encontro escudo. De frente a olhá-lo sempre te abstiveste, e, no sono, o mataste? Oh peito agreste! Poderia algum verme, alguma cobra, tão depressa causar tão hedionda obra? Víbora, disse, que ela mais pungente picada do que tu não dá, serpente!

DEMÉTRIO — Funda-se nalgum erro o teu cuidado. Se Lisandro está mal, não sou culpado, nem sei que morto esteja ele, também.

HÉRMIA — Dize, então, por favor, que ele está bem.

DEMÉTRIO — Se o disser, que vantagem me vem disso?

HÉRMIA — A de jamais me ver; maior serviço possível não será, como ora o faço, sejas ou não culpado em seu trespasso. (Sai.)

DEMÉTRIO — Nessa disposição não há segui- la. Vou esperar que fique mais tranqüila e procurar dormir. Quando em falência se acha o sono, menor é a resistência ao peso da tristeza. Desta sorte talvez melhor esse ônus eu suporte. (Deita-se e dorme.)

OBERON — Que fizeste? Houve engano manifesto; foi posto o suco em um amante honesto; deixaste falso um fido namorado, sem que o remisso fosse castigado.

PUCK — O fado o quis; para um sincero amante, mil falsos há de haver a cada instante.

OBERON — Percorre a mata, mais veloz que o vento, e acha Helena de Atenas num momento. De aqui trazê-la ficas incumbido, enquanto o peito eu mudo ao moço infido.

PUCK — Já vou! Já vou! Vê como eu vou ligeiro, tal qual seta de Tártaro guerreiro. (Sai.)

OBERON — Botão de rosa ferido pela flecha de Cupido, (Espreme a ƒlor nos olhos de Demétrio.) no espírito entra vencido deste moço adormecido. Ao despertar, ao ruído que ela fizer, que rendido se lhe torne o peito fido.

(Volta Puck.)

PUCK — Capitão do nosso bando de duendes, já vem andando para cá Helena bela e o jovem da tal querela por mim causada, também. Ora dizei se convém prosseguir na brincadeira, porque a tenhamos inteira. Oh mestre! Como são loucos os mortais! De senso há poucos.

OBERON — Retira-te; ao vir o par vai Demétrio despertar.

PUCK — Dois namorados para uma só mulher! Não há nenhuma brincadeira que me agrade, como ciúme de verdade.

(Entram Helena e Lisandro.)

LISANDRO — Por que dizes que tudo é só ironia? Se assim fosse, tão fundo eu não chorara. No meu pranto comprova-se a magia que exerce em mim tua figura rara. Como haveria em meu amor suspeita, se minha fé se encontra a ti sujeita?

HELENA — Vossa ousadia aumenta; é uma querela santa e infernal matar o amor com juras. Vossa fé é só de Hérmia; abris mão dela? Vossas juras são falsas e inseguras. Como conto falaz é o juramento que a ela e a mim fazeis num só mo- mento.

LISANDRO — Ao lhe jurar amor, não tinha eu senso.

HELENA — E ao deixarde-la, menos; é o que eu penso.

LISANDRO — Demétrio a Hérmia idolatra e vos detesta.

DEMÉTRIO (despertando) — Ó Helena, deu- sa, ninfa sublimada, que há de mais fascinante que a alvorada desses olhos tão lindos? Tosco e baço é o cristal junto deles; um pedaço de cereja esses lábios tentadores que a toda hora me falam só de amores. A neve virginal do Tauro altivo, sempre apagada pelo vento estivo, em corvo se transforma, horrente e feio, quando agitas a mão, num galanteio. Oh! Vou beijar a sede da ventura, essa princesa feita de luz pura!

HELENA — Oh dor! Vejo que estais de acordo, acinte, para de mim zombar com tal requinte. Se em vós houvesse sombra de respeito, jamais me ofenderíeis desse jeito. Odiar-me não vos basta; a zombaria nesta farsa a vosso ódio se associa. Se fôsseis homens, como a forma o mostra, não daríeis de vós tão triste mostra, zom- bando assim de mim, com tantas juras, porque me causem tão-somente agruras. Sois rivais, porque tendes amor a Hérmia, e ainda rivais para zombar de Helena. Oh feito altivo! Oh sublimada empresa!  Fazer  chorar  quem  se  acha  ora  indefesa. Cavalheiro nenhum ofenderia uma virgem qualquer, nem tiraria a paciência dela, por folia.

LISANDRO — Demétrio, sois cruel; tenho certeza de que a Hérmia amais. Usemos de franqueza: de todo o coração te cedo a parte que eu ter pudesse em seu amor; desta arte me cedereis também vosso quinhão do amor de Helena, a quem estendo a mão.

HELENA — Jamais se ouviu tão vã declaração.

DEMÉTRIO — Lisandro, não me causas alegria; de Hérmia saber não quero. Se algum dia lhe tive amor, está tudo acabado. Tal amor foi um simples convidado que em seu peito morou, mas que, ao presente, para Helena retorna alegremen- te.

LISANDRO — Não creias nisso, Helena.

DEMÉTRIO — Não permito que menoscabes o meu peito aflito. Se insistes, provarás a minha espada. Mas eis que vem chegando a tua amada.

(Entra Hérmia.)

HÉRMIA — A noite que da vista tira tudo deixa o ouvido dez vezes mais agudo. Quanto parece a vista ter perdido, em agudeza ganha o outro  sentido.  Bom  Lisandro,  não  foste  ora  encontrado com o auxílio da vista. Se ao teu lado me vejo, é que tua voz estremecida de guia me serviu nesta corrida. Por que me abandonaste tão sozinha?

LISANDRO — Para ir ver meu amor, minha rainha.

HÉRMIA — Que rainha ou amor de mim te aliena?

LISANDRO — A amada de Lisandro, a bela Helena, que ao teu lado ficar não me deixava e que brilha, com sua coma flava, por tudo ilumi- nando a noite escura mais do que esses luzeiros de luz pura. Por que me buscas? Pois não viste ainda que por ti sinto antipatia infinda?

HÉRMIA — Não dizes o que pensas; é impossível.

HELENA — Hérmia está ao lado deles; será crível? Vejo que os três estão, de igual maneira, mancomunados nesta brincadeira, para rirem de mim. Ó ingrata Hérmia, jovem maldosa, de comum acordo vos pusestes com estes dois mancebos. para tamanho escárnio me atirardes? As confidências que fazer soíamos, nossos votos de irmã, tantos momentos de conversa amigável, quando o tempo de passadas velozes nós culpávamos por nos vir separar: tudo esquecestes? A amizade dos bancos escolares? A inocência da infância? Hérmia, nós duas como deusas prendadas, muitas vezes a mesma flor tecemos com agulhas, de um modelo valendo- nos, sentadas numa almofada só, cantarolando sempre no mesmo tom iguais cantigas, como se corpos, mãos, almas e vozes em comum nós tivéssemos. Desta arte crescemos juntas, aparen- temente separadas, mas, ainda assim, unidas; dois frutos amorosos num só talo, um coração apenas em dois corpos ao parecer, tal como dois escudos encimados por uma crista apenas. Quereis romper uma amizade dessas, para ao lado vos pordes desses moços que escarnecem de vossa pobre amiga? Não é procedimento de amizade, nem é conduta feminil, tampouco. Por mim, todo o meu sexo te condena, muito embora eu, somente, a injúria sinta.

HÉRMIA — De espanto me enche esse discurso insólito. De vós não zombo; o que suponho certo, é que alvo sou de vossa zombaria.

HELENA — Instigado por vós não foi Lisandro a me seguir e me fazer encômios por pura zomba- ria, enaltecendo-me os olhos e a figura? Não fizestes que este outro vosso admirador, Demétrio

— que, até há pouco, com o pé me repelia — me chamasse de ninfa, deusa, rara, preciosa, celestial, irresistível? Por que fala desta arte a quem detesta? Por que razão Lisandro ora se mostra  perjuro  ao  vosso  amor  que  a  alma  lhe adorna, e afeição me protesta formalmente, se instigado por vós não se encontrasse? Por ser destituída dos encantos que vos são próprios e não ter nenhuma sorte no amor, amando como o faço, sem ser correspondida? Isso piedade despertar deveria, não desprezo.

HÉRMIA — De vossa fala o nexo não percebo.

HELENA — Continuai a fingir olhares tristes e, quando eu me virar, fazei caretas; um para o outro piscai; levai avante vossa pilhéria fina; a brincadeira bem planejada vai passar à história. Se de moral, piedade, ou sentimento fosseis dotados, não me escolheríeis para objeto de vosso passatempo. Mas passai bem; em parte é minha a culpa; a ausência ou a morte ensejará o remédio.

LISANDRO — Não vás, gentil Helena; ouve- me os votos, amor, vida, minha alma, Helena linda!

HELENA — Admirável!

HÉRMIA — Meu bem, não troces dela.

DEMÉTRIO — Se com seus rogos Hérmia o não convence a força empregarei.

LISANDRO — Tuas ameaças me obrigam tanto quanto o seu pedido. Amo-te, Helena. Sim, por minha vida, por esta vida que por ti arrisco, juro provar que falsidade afirma quem se atreva a dizer que eu não te adoro.

DEMÉTRIO — Maior  que o  dele é o meu amor. afirmo-o.

LISANDRO — Então vinde comigo. DEMÉTRIO — Neste instante.

HÉRMIA — A que tende, Lisandro, a brincadeira?

LISANDRO — Para trás, negra etíope! DEMÉTRIO — Ele finge que está furioso mas, realmente, abstém-se de me seguir. Homem pacato, vamos!

LISANDRO (a Hérmia) — Gata, vai te enforcar! Bardana! Monstro! Se não, serás tratada como víbora.

HÉRMIA — Por que tão rude assim ficais de súbito? Qual a causa, meu bem, dessa mudança?

LISANDRO — Teu bem, Tártara escura? Para trás, vomitório! Veneno odioso, fora!

HÉRMIA — Estais brincando? HELENA — Sim, e vós com ele.

LISANDRO — Demétrio, manterei  minha palavra.

DEMÉTRIO — Quisera ter a obrigação escrita por vossa própria mão, pois estou vendo que obrigação mui fraca ora vos prende. Vossa palavra para mim não vale.

LISANDRO — Como! Devo bater-lhe? Assassiná-la? Embora a odeie, mal não lhe desejo.

HÉRMIA — Como! É possível maior mal do que isso de me odiardes assim? Ódio votardes- me? Por quê? Por quê? Oh Deus! Amor, que houve? Hérmia não sou e vós não sois Lisandro? Sou tão formosa agora quanto era antes. Amáveis-me esta noite, e nesta mesma noite me rejeitais. Serei forçada, pois, a pensar — oh! Deus tal não permita! — que de caso pensado me deixastes. Dizei: é isso?

LISANDRO — Sim, por minha vida, e não te quero ver nunca jamais. Perde, pois, a esperança; não te iludas, não me faças perguntas sem sentido. Não é pilhéria, podes estar certa; nada há mais verdadeiro; tenho-te ódio e apaixonada- mente a Helena adoro.

HÉRMIA — Ai de mim! Feiticeira! Vil gusano, ladra de amor! Durante a noite viestes para roubar o coração do peito do meu amado?

HELENA —Fina, realmente! Pudor não tendes virginal, modéstia, resquício de vergonha? Será crível? Quereis forçar-me a gentil boca a dar-vos respostas impacientes? Oh! Que opróbrio! Fora, boneca falsa!

HÉRMIA — É assim: boneca! Esclarece-se agora a brincadeira. Começo a perceber que ela o confronto fez de nossas alturas, insistindo no seu porte mais alto, na aparência mais elevada, em sua alta compostura, e desse modo pode seduzi- lo. Subistes tanto em sua estima, apenas por eu ser anãzinha e diminuta? Qual é minha estatura? Vamos, fala, varapau rebocado. Sou pequena, não é verdade? Mas não tanto, ainda, que com as unhas os olhos não te alcance.

HELENA — Senhores, muito embora estejais todos de mim fazendo troça, por obséquio não consintais que mal ela me cause. Nunca fui má, nem queda jamais tive para essas discussões; mulher me sinto até mesmo na minha covardia. Não deixeis que me bata, pois decerto não pensais que por ela ser mais baixa do que eu, serei capaz de dominá-la.

HÉRMIA — Baixa, baixa outra vez.

HELENA — Hérmia bondosa, não vos mostreis zangada assim comigo. Sempre vos tive amor; ofensa alguma jamais vos fiz e sempre fui discreta com relação a vossas confidências. Sim, por amor, apenas, de Demétrio, lhe revelei que havíeis combinado fugir para este bosque; ele seguiu-vos; eu o segui, também, por amor dele, mas fui por ele repelida, sobre me ver ameaçada de pancada e até mesmo de morte. Mas agora, se deixardes que em paz eu me retire, não mais vos seguirei; torno com a minha loucura para Atenas. Sim, deixai-me; bem vedes como eu sou simples e dócil.

HÉRMIA — Voltai logo; quem é que vos retém?

HELENA — O louco coração que atrás eu deixo.

HÉRMIA — Com Lisandro, não é? HELENA — Não, com Demétrio.

LISANDRO — Não tenhas medo, Helena; nenhum dano ela te causará.

DEMÉTRIO — De nenhum modo, senhor, ainda mesmo que do lado dela vos coloqueis.

HELENA — Quando zangada, sarcástica ela fica e arrebatada. Verdadeira raposa era na escola; apesar de pequena, é perigosa.

HÉRMIA — “Pequena”, sempre; é só “pequena”  e  “baixa”.  Permitis  que  me  insulte desse modo? Deixai-me segurá-la um só momen- to.

LISANDRO — Para trás, anãzinha! Dedo mínimo, ser composto de grama retardante, se- mente, conta de rosário, fora!

DEMÉTRIO — Insistis por demais junto a uma dama que não desce a aceitar-vos os serviços. Deixai-a só; não mais faleis de Helena, nem tomeis seu partido, pois se a mínima demonstração de amor lhe revelardes, pagareis caro.

LISANDRO — Ela já não me prende. Se tens coragem, segue-me; vejamos qual de nós dois a Helena tem direito.

DEMÉTRIO — Seguir-te? Não! Irei junto contigo, rosto com rosto.

(Saem Lisandro e Demétrio.)

HÉRMIA — Vós, senhora, a causa sois dessa briga; não convém sairdes.

HELENA — Em vós eu não confio; não me agrada ficar em companhia amaldiçoada. Se dessas mãos me podem vir feridas, para correr tenho eu pernas compridas. (Sai.)

HÉRMIA — Não sei o que pensar dessas mexidas. (Sai.)

OBERON — Tudo provém de tua negligência. Sempre te enganas, caso não se trate de alguma brincadeira voluntária.

PUCK — Ó rei das sombras, podeis crer-me: houve erro. Não disseste que fácil me seria reconhecer o moço, pelas vestes de modelo ateniense? Não mereço censura desta vez, pois encantado deixei de Atenas jovem namorado. Mas alegra-me ver tudo assim torto, que para mim não há melhor desporto.

OBERON — Viste que os dois rivais foram em busca de uma clareira para duelo. Embrusca depressa a noite, bom Robim; defronte deles espalha as trevas do Aqueronte; aparta um do outro os moços namorados e os faze andar por diferentes lados. Imita de Lisandro a voz aguda, porque mais a Demétrio o ódio sacuda; ou de Demétrio finge a voz, de modo que não se encontrem nunca e, sobremodo cansados, possa o sono, irmão da morte, surpreendê-los com seu pesado porte, infundindo-lhes plácido sossego com suas tenras asas de morcego. Depois, nos olhos de Lisandro espreme desta outra plantazinha o suco estreme, que apresenta a virtuosa propriedade de lhes restituir a claridade, da ilusão lhes deixando inteiramente liberta a vista, o coração e a mente. Despertos, pensarão que esta balbúrdia tivesse sido, tão-somente, estúrdia visão, talvez um simples sonho, apenas.

Voltarão, desse modo, para Atenas os dois casais de fidos namorados, em laços sempiternos amarrados. Enquanto isso fizeres com carinho, pedirei a Titânia o pajenzinho, da vista logo lhe ti- rando o encanto que a faz de um monstro apaixonar-se tanto.

PUCK — Meu rei dos duendes, isso vai ser, feito com toda a pressa, como o pede o pleito, que os velozes dragões da noite escura não cessam de apartar com a viatura aquelas nuvens negras. Não demora, vai nos surgir o anunciar da aurora, ante o qual os espíritos nefandos procuram logo o cemitério, aos bandos; os espectros de quantos pelas ondas, ou nas encruzilhadas, as hediondas sepulturas tiveram, para os leitos de vermes já se foram, com trejeitos; de medo de mostrar suas vergonhas, escondem da luz clara as caranto- nhas, ocultando de grado o aspecto impuro na negra noite de sobrolho escuro.

OBERON — Nossa essência, porém, é diferente. Com o amante da Aurora, no nascente rubicundo costumo divertir-me; às vezes, como caçador, a firme terra me apraz cortar, até que a rubra porta ecoa a Netuno nos descubra, com amarelo de ouro colorindo a verde superfície do mar lindo. Mas apressa-te; a mágica abrevia; urge fazer tudo isso antes do dia.

(Sai Oberon.)

PUCK — Com toda a velocidade vou trazê-los. Nenhum há de me escapar. Minha vontade nas choupanas, na cidade, por tudo tem validade. Trazê-los vou, sem maldade, com toda a velocidade. Lá vem um.

(Entra Lisandro.)

LISANDRO — Tua fúria, Demétrio, deu em nada?

PUCK — Aqui, vilão! Arranca logo a espada! LISANDRO — Já vou! Já vou!

PUCK — Então, para a clareira me acompanha.

(Sai Lisandro, na direção da voz.) (Volta Demétrio.)

DEMÉTRIO — Lisandro, essa carreira de veloz gamo impede que eu conheça em que buraco escondes a cabeça.

PUCK — Covarde, com as estrelas é tua briga? Ou com as árvores? Mandas que te siga, e te escondes de mim? Bonito duelo! Vem, menino; uma vara de marmelo tenho aqui, pois vergonha fora, imensa, com ferro te punir por esta ofensa.

DEMÉTRIO — Já vais ver. Onde estás?

PUCK — É muito fácil seguir-me a voz tua figura grácil.

(Saem.)

(Volta Lisandro.)

LISANDRO — Sempre me vai à frente em meu caminho; mas, ao querer pegá-lo, estou sozinho. Corro a valer, mas ele é mais veloz; só tem forças nas pernas e na voz. Exausto estou de tanta correria. Vou descansar. (Deita-se.) Vem, abenço- ado dia! Se eu vir de novo a tua luz risonha, me pagará Demétrio esta vergonha. (Dorme.)

(Voltam Puck e Demétrio.)

PUCK — Olá, covarde! Em que lugar te escondes?

DEMÉTRIO — para, se tens coragem. Não respondes? Por tudo corres, a mudar de posto, sem que jamais eu possa ver-te o rosto. Onde estás?

PUCK — Aqui mesmo; não me fujas.

DEMÉTRIO — Vamos brigar no claro; só corujas podem ver em tamanha escuridão. Se eu te pegar de dia… A lassidão me constrange a medir a compostura em qualquer parte…nesta pedra dura. (Deita-se e dorme.)

(Volta Helena.)

HELENA — Ó noite tediosa e cansativa, passa depressa! Vem, radiante aurora! porque a Atenas eu possa chegar viva, livre de quem minha alma em vão implora. Sono, que esquecer fazes a agonia, liberta-me da minha companhia. (Deita-se e dorme.)

PUCK — Somente três? Falta gente porque o outro par descontente fique completo. Coitada! Como vem triste e cansada, por Cupido transtornada!

(Volta Hérmia.)

HÉRMIA — Jamais tal dor senti, tanto cansa- ço; toda molhada estou, dilacerada; não me é possível dar mais um só passo; os pés não me obedecem quase nada. Aqui esperarei o dia belo;Deus proteja a Lisandro nesse duelo. (Deita- se e dorme.)

PUCK — No solo duro dorme; conjuro de grande efeito transforme o peito também deste namorado. (Deita o suco da planta nos olhos de Lisandro.) Quando acordares com novos ares, fiques rendido do peito fido de que já foste afeiçoado. Cada mulher com um varão, proclama velho rifão com muita boa intenção. Com prosa lhana João pega Joana. Quem boa potranca tem, acha que tudo está bem. (Sai.)

ATO IV

Cena I

Bosque. Lisandro, Demétrio, Helena e Hérmia dormem. Entram Titânia e Bottom, com o séquito de silfos. Oberon, atrás, invisível.

TITÂNIA — Vem sentar-te entre as flores odorosas, porque o rosto eu te alise como dantes, a cabeça te cubra só de rosas e te beije as orelhas elegantes.

BOTTOM — Onde está Flor-de-Ervilha? FLOR-DE-ERVILHA — Presente!

BOTTOM — Flor-de-Ervilha, coça-me a cabeça. Onde está monsieur Teia-de-Aranha?

TEIA-DE-ARANHA — Presente!

BOTTOM — Monsieur Teia-de-Aranha, meu caro monsieur, tomai de vossas armas, matai-me a abelha de ancas vermelhas que se acha naquele cardo e trazei-me, caro monsieur, seu saco de mel.  Não  vos  afobeis  demasiadamente  nessa operação, monsieur, e tende cuidado, meu bom monsieur, para que o saco de mel não venha a se romper. Pesar-me-ia, signior, ver-vos inundado de mel. Onde está monsieur Semente-de-Mostarda?

SEMENTE-DE-MOSTARDA — Presente!

BOTTOM — Dai-me o punho, monsieur Se- mente-de-Mostarda. Por obséquio, deixai esses cumprimentos, meu caro monsieur.

SEMENTE-DE-MOSTARDA — Que ordenais?

BOTTOM — Nada, meu caro monsieur a não ser que queirais ajudar o Cavaleiro Teia-de- Aranha a me coçar. Estou precisando ir ao bar- beiro, monsieur, pois quer parecer-me que estou com o rosto maravilhosamente peludo. Sou um asno tão delicado, que se um pelo, que seja, me faz cócegas, sou obrigado a me arranhar.

TITÂNIA — Amor, desejas ouvir boa música? BOTTOM — Sou dotado de ouvido razoavelmente musical. Que venha, pois, o bombo e os martelos.

TITÂNIA — Ou dize, amor, o que comer preferes.

BOTTOM — Magnífico! Uma quarta de forragem. Mastigaria, também, com muito gosto aveia seca. Parece-me que aceitaria de bom grado um bom feixe de feno. Não há o que se compare ao feno perfumado!

TITÂNIA — Disponho de um travesso e esper- to silfo, capaz de, num momento, trazer nozes do celeiro do esquilo irrequieto.

BOTTOM — Preferira um ou dois punhados de ervilhas secas. Mas, por obséquio, não permitais que vossa gente me perturbe. Sinto-me tomado por uma grande exposição de dormir.

TITÂNIA — Dorme, enquanto estes braços te acalentam. Elfos, parti depressa; dispersai-vos! (Saem os elƒos.) Assim se enlaçam, gentilmente, a rude madressilva e a dos bosques, perfumada; a hera, desta arte, com meiguice, os dedos nodosos do olmo docemente afaga. Quanto te quero! Quanto te idolatro!

(Adormecem.) (Entra Puck.)

OBERON — Bem-vindo, bom Robim. Vê que beleza! Sua loucura, agora, me dá pena. Quando a encontrei, há pouco, atrás do bosque, procu- rando para este odioso lorpa presentes e regalos, repreendi-a, chegando a me zangar, por lhe haver ela as fontes circundado cabeludas com grinalda de flores odorosas. As próprias gotas do mimoso orvalho, que nos róseos botões, por vezes, ficam como redondas pérolas do Oriente, então nos lindos cálices estavam como doridas lágrimas, que a própria desgraça lastimassem. Pós havê-la censurado e haver-me ela em brandos termos impetrado paciência, o pajenzinho lhe requeri, o que ela de boamente me concedeu, mandando que seus elfos para os meus aposentos o levassem, no domínio das fadas. Então vendo-me de posse do menino, vou tirar-lhe dos olhos a cegueira intolerável. Gentil Puck, retira o inadequado capacete da fronte do ateniense, para que, ao despertar, junto com os outros voltem para a cidade, convencidos de que os vários sucessos desta noite não passaram de simples pesadelos num sono atormentado. Mas primeiro desencantar me apraz nossa rainha. (Tocando os olhos de Titânia com uma erva.) Como eras antes, serás; como antes vias, verás; pois o botão de Diana de Cupido esfaz a liana. Titânia, minha flor, desperta logo!

TITÂNIA — Meu Oberon, que pesadelo horrí- vel! Quis parecer-me que eu apaixonada era de um asno.

OBERON — Ali, vede, se encontra vosso amor.

TITÂNIA — Como foi possível isso? Como a vista me ofende essa figura!

OBERON — Silêncio alguns instantes. Sem demora transforma-o, bom Robim. Titânia, agora manda vir música e em profundo sono os sentidos mergulha deles todos.

TITÂNIA — Música, olá! Para encantar o sono!

(Música.)

PUCK — De um bobo, ao despertares, serás dono.

OBERON — Músicos, prossegui! Vamos, querida, as mãos nos demos. Ora esforço envida para que todos quantos na comprida noite sonharam tenham feliz vida. Já que nossa discórdia mal sofrida em harmonia se mudou garrida, iremos amanhã, solenemente, dançar, à meia-noite, bem em frente do quarto de Teseu, porque ridente lhe seja a grande prole e, alegre- mente, compareça ante o altar toda esta gente para cultuar Amor, o deus potente.

PUCK — Rei dos duendes, já anuncia a manhã a cotovia.

OBERON — Então, querida, a ventura sigamos da noite escura; podemos dar volta ao mundo em pouco mais de um segundo.

TITÂNIA — Vamos, amor; em caminho me re- lata com carinho de que modo me encontraste a dormir neste contraste.

(Saem.)

(Ouve-se toque de trompa. Entram Teseu, Hipólita, Egeu e séquito.)

TESEU — Um de vós vá chamar o guarda- caça. Já completamos o ritual sagrado; e uma vez que a manhã vamos ter livre, vai minha amada apreciar a orquestra de meus fortes lebréis. Desa- trelai-os no vale do oeste; corram livremente. Depressa! Ide chamar o guarda-caça. Minha rainha, daquele alto monte ouviremos melhor a conjunção dos ecos, a ladrar em confusão.

HIPÓLITA — Presente eu fui com Hércules e Cadmo, quando, com cães de Esparta, o urso caçavam na floresta de Creta. Tão galante barulheira jamais havia ouvido; o bosque, o céu, as fontes, tudo, tudo, era em torno uma crebra gritaria. Em parte alguma nunca ouvira música tão discorde, trovão tão agradável.

TESEU — Estes meus cães também provêm de Esparta; pelo manchado todos têm, queixada muito larga, as orelhas derrubadas, sempre a varrer o orvalho matutino; de pernas tortas e papada, todos, fazem lembrar os touros da Tessália. Um tanto lerdos são no encalço às feras, é verdade; mas, quando todos ladram, lembram toque de sinos; gritaria mais harmoniosa nunca foi sentida nem provocada pelo som dos cornos ouvidos na Tessália, em Creta e Esparta. Ides julgar vós mesma, após ouvi-los. Mas, devagar! Que ninfas serão estas?

EGEU — Esta, milorde, é minha filha; dorme profundamente; aquele, ali, é Lisandro; aquele outro, Demétrio; Helena, aquela, Helena, filha de Nedar, o velho. Espanta-me encontrá-los aqui juntos.

TESEU — Decerto madrugaram, para os ritos observarem de maio e, tendo ouvido falar de nossas intenções, vieram, para dar maior graça a estes festejos. Mas Egeu, uma coisa eu desejara que me dissesses: hoje não é o dia em que prometeu Hérmia decidir-se sobre a escolha do noivo?

EGEU — Sim, milorde.

TESEU — Mandai que os caçadores os despertem com seus toques de trompa. (No interior, toque de trompa e alaridos. Lisandro, Demétrio, Hérmia e Helena despertam e se levantam.) Então, amigos? Bom dia! Já passou São Valentim; só agora é que estes pássaros se casam?

LISANDRO — Perdão, milorde.

(Lisandro e os demais se ajoelham.)

TESEU — Levantai-vos, peço. Sei que rivais sois ambos e inimigos. Onde se viu no mundo tal concórdia, chegando o ódio a ficar tão sem ciúme, que calmamente durma ao lado do ódio?

LISANDRO — Confuso, meu bom lorde, é que vos falo, meio a dormir, ainda, e mal desperto. Não saberei dizer com segurança como vim ter aqui. Mas se não erro — que é meu desejo ser veraz em tudo… Sim, é isso mesmo; agora me recordo — fugi com Hérmia, sendo intenção nossa ir para algum lugar longe de Atenas, por fugirmos às leis dos atenienses.

EGEU — Basta, basta, milorde! É o suficiente. Exijo que sobre ele a lei recaia. Iam fugir. Demétrio, tencionavam a mim e a ti burlar; a ti, privando-te da esposa; a mim, deixando-me em estado de não poder cumprir o prometido.

DEMÉTRIO — Milorde, revelou-me a linda Helena que eles iam fugir e tencionavam neste bosque ocultar-se. Transtornado como me achava, vim no encalço deles, por amor me seguindo a linda Helena. Mas milorde, não sei por que potência — mas que foi algo superior, é certo

— toda a paixão que a Hérmia eu dedicava se derreteu qual neve, só restando dela a memória como de um brinquedo que na infância me houvesse deleitado. A alegria exclusiva dos meus olhos, a inabalável fé, minha virtude é Helena, simplesmente. Nós, milorde, já éramos noivos antes de eu ver Hérmia; mas, tal como a um doente, repugnava-me esse alimento. Agora, tendo o gosto natural recobrado com a saúde, desejo-a, adoro-a, só por ela anseio, e ser prometo eternamente fido.

TESEU — Belos amantes, como vos achastes no momento preciso! Com mais calma me contareis o resto dessa história. Egeu, vou contrariar tua vontade: no templo, agora mesmo, estes dois pares vão se unir para sempre. E, pois a meio já se encontra a manhã, será forçoso adiarmos nosso plano de caçada. Voltemos para Atenas; três a três, bela festa farão de uma só vez.

(Saem Teseu, Hipólita, Egeu e séquito.)

DEMÉTRIO — Tudo quanto passou se me afigura pequenino e indistinto, como ao longe montanhas que com as nuvens se confundem.

HÉRMIA — Pareço ter a vista perturbada, todas as coisas enxergando em dobro.

HELENA — É o que eu digo, também. Achei Demétrio como jóia que, embora pertencendo-me, parece não ser minha.

DEMÉTRIO — Tens certeza de que estamos despertos? Só parece que ainda dormimos, que tudo isto é sonho. O duque não esteve aqui? Não disse que fôssemos com ele?

HÉRMIA — Esteve, e junto meu pai também se achava.

HELENA — É assim Hipólita.

LISANDRO — Mandou que ao templo todos o seguíssemos.

DEMÉTRIO — Então tudo é verdade; não es- tamos dormindo. Acompanhemos logo o duque e em caminho contemos nossos sonhos.

(Saem.)

BOTTOM (despertando) — Quando chegar a minha vez, chamem-me, que eu responderei. Minha próxima fala é: “Formosíssimo Píramo!” Olá, Peter Quince! Flauta, remenda foles! Snout, caldeireiro! Starveling! Deus do céu! Foram-se todos, e me deixaram a dormir. Tive uma visão extraordinária. Tive um sonho, que não há enten- dimento humano capaz de dizer que sonho foi. Não passará de um grande asno quem quiser explicar esse sonho. Parece-me que eu era… Não há quem seja capaz de dizer o que eu era. Parece- me que eu era… e parece-me que eu tinha… Só um  bufão  maltrapilho  seria  capaz  de  tentar explicar o que me pareceu que eu era. Não há olho de homem que tenha visto, nem orelha de homem que tenha ouvido, nem mãos de homem que tenham gostado, nem língua que haja concebido, nem coração que haja relatado o que foi o meu sonho. Vou pedir a Peter Quince que escreva uma balada a respeito desse sonho, que receberá o título de “O sonho de Bottom”, por ser um sonho embotado, e a cantarei no fim da peça, diante do duque. É possível, até, que, para deixá- la mais graciosa, eu a cante depois da morte de Tisbe. (Sai.)

Cena II

Atenas, um quarto em casa de Quince. Entram Quince, Flauta, Snout e Starveling.

QUINCE — Mandastes alguém à casa de Bottom? Ele já voltou para casa?

STARVELING — Não há notícias dele; decerto foi levado para alguma parte.

FLAUTA — Se ele não voltar, ficará estragada a comédia; não poderá ser representada, não é verdade?

QUINCE — De jeito nenhum; em toda Atenas não tendes ninguém como ele para fazer o papel de Píramo.

FLAUTA — É a pura verdade; ele é simples- mente o maior engenho dos artesãos de Atenas.

QUINCE — E a melhor pessoa, também; quanto à doçura da voz, é um verdadeiro fenício.

FLAUTA — “Fênix”, homem é o que quereis dizer! Fenício — Deus nos acuda! — não é coisa nenhuma.

(Entra Snug.)

SNUG — Mestres, o duque vem vindo do templo, onde casaram, juntamente com ele, mais três senhores e três senhoras. Se nossa peça não houvesse ficado apenas em ensaio, seríamos hoje gente grande.

FLAUTA — Oh, o nosso valente Bottom! Desse modo ele perde uma renda vitalícia de seis pences por dia. Sim, não poderia deixar de ganhar seis pences por dia. Quero que me enforquem, se o duque não lhe desse seis pences diários pela representação de Píramo. É o que ele merecia para representar Píramo: ou seis pences por dia, ou nada.

(Entra Bottom.)

BOTTOM — Onde estão os rapazes? Onde estão esses corações?

QUINCE — Bottom! Oh dia corajoso! Que hora felicíssima!

BOTTOM — Mestres, tenho coisas maravilhosas para vos contar, mas não me pergunteis nada, porque se eu vo-las referisse, não  seria  um  ateniense  da  gema.  Hei  de  vos contar tudo, tintim por tintim, exatamente como se passou.

QUINCE — Conta-nos o que houve, amável Bottom.

BOTTOM — Não direi uma só palavra. Tudo o que vos posso dizer é que o duque já jantou. Ide buscar as roupas, ponde bons atacadores nas barbas e fitas novas nos escarpins. Reunamo-nos no palácio; que todos repassem os seus papéis, porque, para dizer tudo em poucas palavras, a nossa peça foi a preferida. Em todo o caso, que Tisbe se apresente de roupa limpa, o que tiver de fazer o papel de leão não deve cortar as unhas, a fim de parecerem garras. Finalmente, meus caros atores, será conveniente não comerdes alho nem cebola, pois será preciso que exalemos um doce alento, não tendo eu dúvida de que todos vão achar a nossa comédia muito doce. E agora nem mais uma palavra. Adiante! Marchai! Adiante! (Saem.)

ATO V

Cena I

Atenas. Uma sala no palácio de Teseu. Entram Teseu, Hipólita, Filóstrato, ƒidalgos e séquito.

HIPÓLITA — Estranha história, meu Teseu, nos contam todos esses amantes.

TESEU — Mais estranha do que veraz, decer- to. É-me impossível acreditar em fábulas antigas e em histórias de fadas. Os amantes e os loucos são de cérebro tão quente, neles a fantasia é tão criadora, que enxergam o que o frio entendimento jamais pode entender. O namorado, o lunático e o poeta são compostos só de imaginação. Um vê demônios em muito maior número de quantos comportar pode a vastidão do inferno: tal é o caso do louco, O namorado, não menos transtornado do que aquele, enxerga a linda Helena em rosto egípcio. O olho do poeta, num delírio excelso, passa da terra ao céu, do céu à terra, e como a fantasia dá relevo a coisas até então desconhecidas, a pena do poeta lhes dá forma, e a essa coisa nenhuma aérea e vácua empresta nome e fixa lugar certo. É a imaginação tão caprichosa, que para qualquer mostra de alegria logo uma causa inventa de alegria; e se medo lhe vem da noite em curso, transforma um galho à- toa em feroz urso.

HIPÓLITA — Contudo, as ocorrências desta noite, tal como eles as contam, e as mudanças por que todos passaram, testificam algo mais do que simples fantasia, que certa consistência acaba tendo, conquanto seja tudo estranho e raro.

TESEU — Alegres e felizes, os amantes vêm vindo para cá. (Entram Lisandro, Demétrio, Hérmia e Helena.) Muita alegria, gentis amigos; alegria e belos dias de amor vos sejam companheiros dos ternos corações.

LISANDRO — Maior ventura possais achar em vossos reais passeios, no leito nupcial e nos banquetes.

TESEU — Ora bem; que folias ou bailados teremos para encher estas três horas tão longas que medeiam entre a ceia e a hora de ir repousar? Onde se encontra nosso chefe habitual de distrações? Que passatempos há? Não há nenhuma peça teatral para aliviar a angústia desta hora infinda? Ide chamar Filóstrato.

FILÓSTRATO — Presente, grão Teseu.

TESEU — Com o que contamos para nos divertirmos esta noite? Que música? Que peça? De que modo mataremos o tempo preguiçoso, se não tivermos diversão alguma?

FILÓSTRATO — Neste papel vereis em breves linhas o que foi ensaiado. Vossa Alteza dirá o que deseja ver primeiro. (Dá-lhe um papel.)

TESEU — “A luta dos Centauros, ao som de harpa cantada por eunuco ateniense.” Nada disso; não serve, que essa história já foi por mim contada a minha noiva para glorificar meu parente Hércules. “A orgia das Bacantes embria- gadas; como o vate de Trácia estraçalharam.” É peça antiga; foi representada, quando voltei de Tebas, vitorioso. “As nove Musas lastimando a morte da Ciência, falecida na miséria.” Decerto é alguma sátira mordente, que não ficará bem em nossas núpcias “Cena curta e tediosa do mancebo Píramo e sua amada, a bela Tisbe; tragédia divertida.” Ora! Tragédia divertida! Tediosa, a um tempo, e curta! É o mesmo que dizer fogo gelado, neve cor de azeviche. Como acordo poremos em tão grande discordância?

FILÓSTRATO — É uma peça, senhor, de dez palavras. Jamais vi coisa que tão curta fosse. Mas, milorde, ainda assim, com dez palavras, tem palavras demais, por ser tediosa, pois não contém palavra alguma certa, nem ator que vá bem. É muito trágica, sem dúvida, milorde, porque Píramo acaba por matar-se. Ao ver o ensaio, me vieram lágrimas aos olhos, força me será confessar; mas nunca soube que jamais a risada barulhenta tivesse provocado tantas lágrimas.

TESEU — Quais são os comediantes?

FILÓSTRATO — Gente rude, senhor, de mãos calosas, que em Atenas exercem seus ofícios e que nunca haviam trabalhado com o espírito. Pela primeira vez, com esta peça a memória assaz débil martirizam, para brilho de vosso casamento.

TESEU — Então vamos ouvi-la.

FILÓSTRATO — Não, milorde; não é digna de vós; já vi o ensaio; não vale nada, nada em todo o mundo, a menos que possais encontrar causa de distração no zelo doloroso com que se martirizam, tão-somente para vos distrair.

TESEU — Desejo ouvi-los, pois nunca poderá ser ofensivo quanto a simplicidade e o zelo ditam. Fazei-os vir. Senhoras, assentai-vos.

(Sai Filóstrato.)

HIPÓLITA — Tais situações me causam sempre pena, quando a incapacidade se maltrata e o zelo a morrer vem nos seus esforços.

TESEU — Ora, querida, não vereis tal coisa.

HIPÓLITA — Mas se os coitados nada entendem da arte!

TESEU — Tanto mais generosos haveremos de ser, quando por nada os aplaudirmos. Prazer nos causarão seus próprios erros. Quando o pobre dever nada consegue, busca o nobre respeito unicamente a intenção, não o mérito. A minha vinda, sábios eminentes determinaram me saudar com longos discursos estudados. Tive o ensejo de os ver tartamudear e ficar pálidos, interromper uma sentença em meio, o nervoso afogar-lhes a palavra já tão exercitada, até que mudos se tornaram, sem dar-me as boas-vindas. Podeis crer-me, querida: do silêncio tirei a saudação, e li na própria modéstia da lealdade te- merosa mais do que falar pode a língua fácil e a eloqüência audaciosa e petulante. Fala mais o dever, com língua atada, muito mais, quando é mudo e não diz nada.

(Volta Filóstrato.)

FILÓSTRATO — Vossa Graça o permite? Aí vem o Prólogo.

TESEU — Deixai-o vir. (Toque de trombetas.)

(Entra Quince, no papel de Prólogo.)

PRÓLOGO — Se ofendemos, não é porque o queiramos. Deveis pensar que se vos ofendemos é com boa vontade. Ora aqui estamos só com o fim de mostrar o que queremos. O que nos traz é o vosso desagrado; toda nossa intenção será so- mente dar-vos mais alegria e mais enfado. Dei- xando arrependida tanta gente, nosso grupo aqui chega; só em vê-lo, podereis conhecer nosso desvelo.

TESEU — Este camarada não faz muito caso da pontuação.

LISANDRO — Montou no prólogo como num potro xucro, que não para de correr. A moral é boa, milorde: não basta falar, mas saber falar.

HIPÓLITA — Realmente, tocou no prólogo como o fazem as crianças com o flajolé, produzindo apenas sons, que não chegam a fazer música.

TESEU — O discurso dele parece uma cadeia enleada: os elos estão inteiros, mas numa grande desordem. De quem é a vez, agora?

(Entram Píramo e Tisbe, o Muro, o Luar e o Lego, como em uma pantomíma.)

PRÓLOGO — Senhores e senhoras, porventura vos causa espanto a vista desta gente; Vedes aqui de Píramo a figura e da formosa Tisbe; é bem patente. Este homem com caliça, representa o muro que separa os namorados, por cuja fresta sempre pachorrenta eles desabafam seus cuidados. Este outro de lanterna, cão e espinhos, representa o luar, pois é sabido que os amantes trocavam seus carinhos no sepulcro de Nino falecido. Este é o leão de juba atrapalhada, que fez Tisbe fugir apavorada por ter vindo à entrevista antecipada. Mas, ao fugir, deixou cair o manto, que o leão, logo, sujou todo de sangue; Píramo, ao vir, sem ter corrido tanto, vendo ferido o manto, fica exangue. A espada, então, sangrenta, enfia inteira no peito em que fervia o sangue ardente; Tisbe, que estava sob uma amoreira, saca o punhal e morre, O subseqüente vos será relatado pelo Luar, o Muro e o Leão, que ides ouvir falar.

(Saem o Prólogo, Píramo, Tisbe, o Leão e o Luar.)

TESEU — Admiro-me de ouvir falar um leão. DEMÉTRIO — Não há                                  de que               se admirar, milorde; se tantos asnos falam, por que um leão não há de poder fazer a mesma coisa?

MURO — Vê-se neste entremez de enredo obscuro que eu, de nome Snout, represento um muro, um muro, podeis crer — coisa estupenda!

— que apresenta um buraco, frincha ou fenda, por onde Tisbe e Píramo a amargura reclamavam da vida, a sorte dura. Estas pedras e esta áspera argamassa dizem que muro eu sou, muro de raça, e este é o buraco, de um e de outro lado, por onde fala o par enamorado.

TESEU — Pode-se exigir melhor discurso de cal e cabelos?

DEMÉTRIO — O tabique mais espirituoso, milorde, de que já ouvi falar.

TESEU — Píramo se   aproxima do muro. Silêncio!

(Volta Píramo.)

PÍRAMO — O noite de olhar negro, ó noite escura, que sempre estás onde não se acha o dia! Ó noite negra! O minha desventura! Tisbe não chega! A pobre desvaria. E tu, muro querido, ó doce muro, que entre o terreno meu e o do pai dela te levantas cruel, não sejas duro, uma fresta me mostra ou uma janela. (O Muro aƒasta os dedos.) Graças, bom muro; Jove há de amparar- te. Mas, que vejo? Em vão Tisbe ora procuro. Possas, muro, rachar-te em toda parte, por me deixares espiar no escuro.

TESEU — A meu ver, o muro deveria também amaldiçoar, por ser dotado de sensibilidade.

PÍRAMO — Não, senhor; isso ele não faz, posso asseverar-vos. “Espiar no escuro” é a deixa de Tisbe. Está na hora de ela entrar, e eu devo espiá-la através do muro. Aí vem ela.

(Volta Tisbe.)

TISBE — O muro, que meu pranto tens ouvido, por de Píramo doce me afastares, quantas vezes beijei, muro querido, tuas faces de cal, irregulares.

PÍRAMO — Ouço voz; vou correndo para a fresta, porque de Tisbe a bela face eu veja. Tisbe!

TISBE — Amor! Que alegrão tua voz me apresta.

PÍRAMO — Alegre ou não, que amado sempre eu seja e, qual Lisandro, eterno namorado.

TISBE — E eu, outra Helena, até que o queira o fado.

PÍRAM — Como Sáfalo e Procro sou constante.

TISBE — Como Sáfalo e                 Procro eu, fiel amante.

PÍRAMO — Dá-me um beijo através deste vil muro.

TISBE — Não te beijei; beijei o barro duro. PÍRAMO — Ao sepulcro de Nino vais agora?

TISBE — Ou viva ou morta, estarei lá numa hora.

(Saem Píramo e Tisbe.)

MURO — Desta arte eu, muro, minha parte fiz; ora o muro retira-se feliz. (Sai.)

TESEU — Já foi derrubado o muro que separava os dois vizinhos.

DEMÉTRIO — Não há remédio, milorde, uma vez que as paredes se obstinam em ouvir sem aviso prévio.

HIPÓLITA — É a peça mais tola que eu já vi.

TESEU — As melhores produções desta classe não passam de simples sombra, e as piores deixarão de o ser, se a imaginação vier em seu auxílio.

HIPÓLITA — Mas nesse caso é a vossa imaginação que trabalha, não a deles.

TESEU — Se não pensarmos deles mais mal do que eles próprios pensam, poderão passar por excelentes pessoas. Eis que nos chegam dois nobres animais, um homem e um leão.

(Voltam o Leão e o Luar.)

LEÃO — Senhoras minhas que tremeis de medo,  quando  um  ratinho  vedes,  monstruoso; que faríeis, se ouvísseis no arvoredo rugir, de longe embora, o leão raivoso? Sabei, pois, que sou Snug, o marceneiro; nem leão, nem leoa, homem verdadeiro. Se agora eu fosse fera que intimida, nada daria pela minha vida.

TESEU — Eis um animal verdadeiramente cortês e de boa consciência.

DEMÉTRIO — É o melhor animal, milorde, que eu já vi em toda a minha vida.

LISANDRO — Este leão, quanto ao valor, é raposa legítima.

TESEU — E quanto à discrição, um verdadeiro ganso.

DEMÉTRIO — Não é assim, milorde, porque o seu valor não pode carregar a discrição, como o faz a raposa com o ganso.

TESEU — O de que tenho certeza é que sua discrição não pode carregar o seu valor, porque o ganso não carrega a raposa. Muito bem; entreguemo-lo à sua discrição e ouçamos a lua.

LUA — Eis na lanterna a lua com seus chifres…

DEMÉTRIO — O ator devia trazer os chifres na cabeça.

TESEU — Mas é lua cheia; os cornos estão invisíveis na circunferência.

LUA — Eis na lanterna a lua com seus chifres, tal como eu, que pareço o homem da lua.

TESEU — De todos os erros este é o mais aberrante; o homem deveria pôr-se dentro da lanterna; se não, como poderá passar pelo homem da lua?

DEMÉTRIO — Não tem coragem de entrar na lanterna, só de medo da vela; bem vedes que já está inflamado.

HIPÓLITA — Já estou enfarada dessa lua; quem dera que ela se alterasse!

TESEU — Pela pouca luz de sua discrição, podemos concluir que está na fase minguante. Apesar disso, por delicadeza e todas as espécies de razão, teremos de agüentá-la o tempo todo.

LISANDRO — Adiante, lua!

LUA — Tudo o que tenho a vos dizer é comunicar que esta lanterna é a lua; eu, o homem da lua; este feixe de espinhos, meu feixe de espinhos, e este cachorro, meu cachorro.

DEMÉTRIO — Nesse caso, tudo isso deveria estar dentro da lanterna, por se encontrarem na lua. Mas, silêncio! Tisbe vem chegando.

(Volta Tisbe.)

TISBE — Eis a tumba de Nino; onde está Píramo?

LEÃO (rugindo) — R-r-r-ó-ó-ó!!! (Tisbe ƒoge.)

DEMÉTRIO — Bem rugido, leão! TESEU — Bem corrido, Tisbe!

HIPÓLITA — Bem iluminado, lua! Realmente, a lua brilha com bastante graça.

(O Leão estraçalha o manto de Tisbe e sai.) TESEU — Bem rasgado, leão!

DEMÉTRIO — Agora entra Píramo. LISANDRO — E assim desaparece o leão. (Volta Píramo.)

PÍRAMO — Ó lua, brilhas com clarão solar! Eu te agradeço, ó lua, a luz fulgente, porque pretendo Tisbe ora avistar à clara luz de tua áurea corrente. Mas, para! oh dor! Donzel do amor! Oh, visão cruel e horrorosa! Estou desperto? Pode ser certo? Oh, minha franga formosa! Teu rubro manto me aumenta o pranto.

Aproximai-vos, Fúrias! Tudo acabou! Fado, aqui estou! Vem por fim a estas lamúrias!

TESEU — Essa lamentação, motivada pela morte de um ente querido,

quase daria para entristecer a gente.

HIPÓLITA — Por minha alma, faz-me pena o pobre homem.

PÍRAMO — Por que fizestes leões, ó Natureza? Um leão me estraçalhou a namorada, a mais lin- da mulher da redondeza, que vives isto é, viveu sempre adorada. Nada conforta-me. Lâmina; corta-me o coração. Sim, deste lado vai ser varadopor esta mão. (Apunhala-se.) Já tenho calma; ao céu minha alma foi-se a correr. Some- te, língua! Lua, essa míngua me faz morrer, morrer, morrer…

(Sai a Lua.)

DEMÉTRIO — Não teve sorte; tirou um ás, por ter ficado só.

LISANDRO — Menos do que um ás, homem; que ele está morto; agora é nada.

TESEU — Com a ajuda de um cirurgião, po- deria tornar à vida e provar que é um asno.

HIPÓLITA — Por que motivo o Luar foi embora antes de Tisbe voltar e encontrar o amante?

TESEU — Há de achá-lo à luz das estrelas. AI vem ela; suas lamentações põem fim à peça.

(Volta Tisbe.)

HIPÓLITA — Segundo o meu gosto, ela não deveria lastimar a perda de um Píramo como este. Espero que seja breve.

DEMÉTRIO — Se pesássemos Píramo e Tisbe, uma palhinha faria pender a balança. Ele, como homem, Deus nos acuda! Ela, como mulher, Deus nos proteja!

LISANDRO — Seus belos olhos já descobri- ram Píramo.

DEMÉTRIO — Vai começar a se lamentar, videlicet:

TISBE — Dormes, querido? Como! Ferido? Píramo, acorda! Fala, estás mudo? Acabou tudo; da voz rompeu-se-me a corda. Sinto-me louca. A essa tua boca, essa boca açucarada, levou a Morte de negro porte, deixando-me abandonada. Chorei bastante. Parca gigante, de aparência falsa e treda, já lhe cortaste do belo engaste o fio vital de seda. Língua, calada! Vem, bela espada, coloca-me aos pés de Deus. A que foi linda, Tisbe, aqui finda, a todos dizendo adeus, adeus, adeus… (Morre.)

TESEU — O Luar e o Leão ficaram para enterrar os mortos.

DEMÉTRIO — Sim, e o Muro, também.

BOTTOM — Não, posso asseverar-vos; já foi derrubado o muro que separava os pais deles. Desejais agora ver o epílogo, ou preferis uma dança bergamasca, executada por dois homens de nossa companhia?

TESEU — Não, por obséquio; nada de epílogo. Vossa peça não necessita de escusas, porque quando morrem todos os atores, nenhum merece censuras. Por minha fé, se o autor da peça houvesse representado o papel de Píramo e se tivesse enforcado com uma liga de Tisbe, teria feito uma linda tragédia, como de fato o fez, e muito bem representada. Que venha, então, a dança bergamasca, ficando de lado vosso epílogo. (Dança.) Com a língua de ferro a meia-noite já deu doze batidas. Para a cama, namorados! É quase hora das fadas. Receio muito que a manhã passemos dormindo a sono solto, como, espertos, uma parte da noite desfrutamos. Serviu bastante esta grosseira peça para entreter a noite preguiçosa. Caros amigos, todos para o leito. Vamos ter de festejos quinze dias, com representações e outras folias.

(Saem.)

Cena II

Entra Puck.

PUCK — Ruge o leão a cada passo, uiva o lobo para a lua, ressona o campônio lasso, des- lembrado da charrua. Consomem-se na lareira as últimas acendalhas; o pio da ave agoureira fala ao doente em mortalhas. Nesta hora da noite escura as pobres almas andejas se esgueiram da sepul- tura rumando para as igrejas. Nós, os elfos, que a parelha de Hécate sempre seguimos, e da luz do sol, vermelha, como num sonho, fugimos, de guarda estamos agora. Nenhum rato, em qualquer hora, a paz deixe perturbada desta casa abençoada. Com vassoura eu vim na frente para limpar o batente e jogar nesta hora morta todo o pó atrás da porta.

(Entram Oberon, Titânia e séquito.)

OBERON — Por tudo a luz espalhai do quase extinto carvão. Elfos e fadas, dançai, aproveitan- do o clarão, e, seguindo o meu caminho, cantai comigo baixinho.

TITÂNIA — Aprendei, primeiro, a toada com letra bem cadenciada; depois, com graça, dance- mos e esta casa abençoemos.

(Cantam e dançam.)

OBERON — Enquanto a aurora se atrasa, rondai todos esta casa, que ao tálamo principal vou lançar a bênção real. Sua prole numerosa será sempre venturosa. Os três casais que aqui estão em concórdia viverão; seus filhos não serão presa das manchas da Natureza. Beiço de lebre, sinais e outros defeitos que tais, que deixam triste o aleijão, seus filhos nunca terão. Com orvalho consagrado cada elfo cumpra o recado, este palácio abençoando e paz por tudo espalhan- do. Jamais caia em abandono, feliz seja sempre o dono. Mãos à obra, agora, sem mais demora! Ide ver-me antes da aurora.

(Saem Oberon, Titânia e séquito.)

PUCK — Se vos causamos enfado por sermos sombras, azado plano sugiro: é pensar que esti- vestes a sonhar; foi tudo mera visão no correr desta sessão. Senhoras e cavalheiros, não vos mostreis zombeteiros; se me quiserdes perdoar, melhor coisa hei de vos dar. Puck eu sou, honesto e bravo; se eu puder fugir do agravo da língua má da serpente, vereis que Puck não mente. Liberto, assim, dos apodos, eu digo boa-noite a todos. Se a   mão     me derdes, agora,       vai       Robim, alegre, embora. (Sai.)

FIM


Shakespeare e a Lei do Renascimento

Não faz muito tempo um Estudante Rosacruz enviou uma pergunta para aqui, em Mount Ecclesia. Ele perguntou se uma pessoa que deseje, no seu íntimo, não renascer na Terra, jamais renascerá.

Os Ensinamentos Rosacruzes afirmam que uma das principais Leis que guiam a evolução é a Lei do Renascimento, auxiliada pela sua irmã gêmea, a Lei de Consequência. Essas duas grandes Leis devem satisfazer o coração, o intelecto e a vontade. Elas são absolutamente justas e lógicas, mas cheias de esperança e promessa; elas dão um amplo espaço à vontade impetuosa e magistral dos filhos e filhas de Caim, que se recusam a seguir docilmente os líderes e querem trabalhar ativamente em sua própria evolução. Mesmo assim, o coração tenta dobrar a Lei de acordo com a sua impaciência, o intelecto gosta de fazer dela uma base de especulações e a vontade está ansiosa por afirmar a sua superioridade sobre ela. Quando eu me libertarei da Roda de Nascimentos e Mortes? Assim questiona o coração que acredita que a repetição da existência terrena, com as suas tristezas, seus sofrimentos e suas separações dolorosas seja demasiado difícil de suportar e anseia pela felicidade celestial e ininterrupta. Quantas vezes tenho de renascer e em que intervalos cíclicos ou rotações? Em que período da evolução a Lei do Renascimento será substituída por outra mais elevada? Assim pergunta o intelecto que gostaria de reduzir a Lei de Deus a um calendário ou fórmula matemática. E a vontade grita triunfante: assim que eu me recuso a renascer, a Lei deixa de funcionar.

A vontade, como a mais elevada faculdade do ser humano, é o seu direito. Max Heindel ensina no Conceito Rosacruz do Cosmos que o renascimento depende da vontade do Ego. Quando ele já não quer renascer, está livre. Só que esse direito é constituído de tal forma que não pode se recusar a renascer até ter atingido um certo grau no Caminho de Iniciação Rosacruz. Aqui, como nos casos anteriores, ouvimos um grande poeta acompanhando harmoniosamente esse processo. O problema parece complexo e intrincado. Mas o poeta-iniciado, Shakespeare, resolve em 16 palavras: “Os homens devem suportar tanto a sua partida quanto a sua vinda — a maturidade é tudo”. Essas palavras, que se encontram no drama Rei Lear, parecem ao mundo as mais enigmáticas das afirmações de Shakespeare, mas para nós, que as lemos sob a luz dos Ensinamentos Rosacruzes, estão entre as suas maiores verdades!

“Os homens devem suportar tanto a sua partida quanto a sua chegada”. O próprio ritmo das palavras parece transmitir a sequência rítmica de nascimento e morte, morte e nascimento em uma alternância constante e inquieta. Para cima e para baixo, para baixo e para cima o Ego viaja em um movimento cíclico e incessante, descendo à matéria para um período escolar sob a disciplina rigorosa da vida terrena e subindo aos Mundos celestes para um período de férias felizes e atividade intensa. Assimilar a experiência da vida terrena e preparar as condições para a próxima vida — eis o trabalho do Ego nos Mundos celestiais. Depois outro nascimento, mais um dia de escola com mais experiências. E isso se repete em intervalos cíclicos de 1.000 anos, geralmente. Não importa quantas vezes estivemos aqui, pecamos, sofremos e aprendemos, precisamos continuar, continuar… A lei é imutável. “Os homens precisam suportar a sua partida e a sua vinda”. Precisam porque eles próprios assim desejam. A imutabilidade da Lei atua a partir do interior, não do exterior.

No livro Conceito Rosacruz do Cosmos lemos que: “Depois de um tempo (de permanência no Terceiro Céu) vem ao Ego o desejo de novas experiências e a contemplação de um novo nascimento”. Nenhuma força externa o estimula isso, o próprio desejo do Ego confere o estímulo para o renascimento. Pois o Ego, na Região do Pensamento Abstrato, onde fica o Terceiro Céu, onde nenhuma matéria turva a sua percepção, é muito sábio e sabe que um novo mergulho na matéria física, outro período escolar na Terra, é absolutamente necessário para o seu desenvolvimento em direção ao objetivo final, que é a onisciência divina. A consciência total inclui todos os planos de consciência, tanto os mais baixos como os mais elevados, e o Ego compreende a necessidade de acumular experiência nos graus escolares mais baixos na Terra, de modo a estar apto para os mais avançados nos Mundos superiores. O coração insensato, enquanto palpita com a dor e a desilusão da vida terrena, anseia pela felicidade, mas o Ego, que é sábio, prepara-se deliberadamente para deixar a sua morada feliz no Céu e procurar de novo esta mesma existência terrena da qual o coração se ressente, pois ele sabe que “o propósito da vida não é a felicidade, mas sim a experiência” (livro Conceito Rosacruz do Cosmos). Ele deseja voltar até que todas as experiências, que a vida terrena proporciona, sejam reunidas e todas as lições que a vida terrena ensina sejam aprendidas. Só então o Ego estará pronto para experiências e lições em estágios mais elevados da existência. Amadurecimento é tudo!

Mas qual é a prova dessa maturidade, qual é a sua expressão? Como ela se manifesta? — Não é uma maturidade do intelecto que possa ser provada diante de uma banca de examinadores. A bela palavra “amadurecimento” indica um estado de Ser; vemos o grão dourado e o fruto doce, uma perfeição alcançada pelo crescimento natural que expande, suaviza e amacia cada átomo. Desaparecem então a dureza e a aspereza, que são atributos da falta de maturidade, e ganha-se uma bela suavidade! A dureza vem do “eu” que não tem consideração pelo outro; a aspereza surge da paixão que afasta os outros; a suavidade emerge do amor desinteressado. Não há outro teste, não há outra prova. Se o nosso estado de ser se manifesta como amor-próprio e paixão, então não estamos maduros; se ele se manifesta como Serviço amoroso e compaixão, então atingimos a maturidade.

Existem almas mais jovens que julgam demonstrar amadurecimento ao manifestarem desprezo e cansaço pela vida terrena, afirmando que a Terra já não exerce qualquer atração sobre elas, que esperam encontrar em outras esferas a felicidade que aqui não é possível. Felicidade! Aqui está novamente o “eu”, embora disfarçado de saudade dos Mundos celestes. O ser humano aparentemente espiritualizado que denuncia a Terra e deseja o Céu em nome da felicidade está tão enredado nas malhas do “eu” quanto o franco materialista que se agarra à Terra como o campo de caça para suas paixões e não pensa no Além. Os que se rebelam contra as lições da vida terrena amam tanto a si mesmos que não querem amar o outro e o sábio poeta balança tristemente a cabeça para eles: “Como são pobres os que não têm paciência” (Otelo). Porque a derradeira lição a ser aprendida aqui na Terra é perder o “eu” e encontrar o outro. A essência de todas as experiências a serem acumuladas aqui é o amor compassivo. Com o objetivo de ganhar a consciência total, nós temos que carregar cada criatura viva, com suas riquezas e tristezas, para a nossa consciência; isso só pode ser feito através da compaixão.

“Ser ou não ser, eis a questão!” (Hamlet). Quando é que a vontade do Ego decretará que nunca mais precisará “ser” em um Corpo Denso? Quando soubermos preservar a estabilidade da paciência, tanto nas alegrias como nas tristezas da vida, quando a alegria não nos levar ao êxtase nem a tristeza, ao desespero; quando não tivermos tempo a perder com os nossos desejos nem força para as nossas emoções, porque todas as nossas atividades estarão ocupadas de outra forma. O Aspirante à vida superior verdadeiramente maduro, aquele que se aproxima da libertação do nascimento e da morte, não fala nem discute sobre felicidade ou infelicidade, nem usa seu tempo para pensar nisso. Pacientemente, ele faz o seu trabalho diário como Auxiliar Visível ou Invisível, construindo, construindo o tempo todo, construindo estradas que levam para longe de si mesmo, para o fundo do coração, da vida, da necessidade do seu irmão e da sua irmã. E eis como é maravilhosa a lei do amadurecimento! Esse paciente construtor, que ajuda os outros infalivelmente, constrói e amadurece dentro de si mesmo aquilo que o pobre anseia em vão: o Corpo-Alma indestrutível que não pode ser prejudicado pela morte e, portanto, não precisa ser renovado pelo nascimento. — Pois o Ego, quando finalmente se desfizer do Corpo Denso, deverá ter um veículo pronto para funcionar, uma roupa com a qual se vestir.

A morte e o renascimento significam uma interrupção do contato entre este Plano de existência (Região Química do Mundo Físico) e os superiores (Mundos invisíveis à visão física). Enquanto estou nos Céus, estou morto para a Terra. Enquanto estou na Terra, estou morto para os Mundos Celestes. De eras em eras, a beleza celestial brilha, a música celestial soa e as almas vibram umas com as outras em perfeita harmonia.

“Mesmo o menor globo que tu possas contemplar,

No seu movimento canta como um anjo,

Um quieto coro para os querubins de olhos jovens.

Tal harmonia existe nas almas imortais,

Mas enquanto estas vestes decadentes e enlameadas

Grosseiramente as encerrarem, não podemos ouvir”.

(O Mercador de Veneza)

Max Heindel nos diz que “Adão” significa “terra vermelha” e qualifica a matéria terrosa da qual, nos dias lemurianos, o corpo do primeiro Adão foi feito com “lama vulcânica, vermelha e quente”[1]. A Bíblia chama essa “veste lamacenta de decomposição”, pertencente ao primeiro Adão, de “o corpo da nossa humilhação”; mas nos assegura que ela será transformada até se assemelhar ao corpo glorioso do segundo Adão, que é o Cristo. Quando deixarmos de lado, pela última vez, essa veste de lama e imperfeição, então, em nosso Corpo-Alma amadurecido, um corpo de glória e perfeição, teremos um veículo que nos unirá a Terra e ao Céu. Nas asas da nossa dourada veste nupcial nós contataremos tanto o Céu como a Terra, porque seremos capazes de nos mover e funcionar em perfeita liberdade e consciência em Planos que, para nós, estão atual e tristemente separados uns dos outros pelo nascimento e pela morte. Max Heindel diz: “O Reino dos Céus foi invadido (Mt 11:12), há homens e mulheres que já aprenderam, através de uma vida santa e útil, a deixar de lado o corpo de carne e osso, intermitente ou permanentemente, e a caminhar pelos Céus com pés alados, empenhados nos negócios do seu Senhor e vestidos com as etéreas vestes nupciais da nova dispensação”1.

As tendências do “eu” são de contração, de endurecimento, de atração para baixo, de fechamento e de isolamento, correspondendo às qualidades dos dois Éteres inferiores que mantêm o Corpo Denso. A tendência do amor é expandir-se, suavizar-se, unir-se, elevar-nos, em correspondência com as qualidades dos dois Éteres superiores que estão incorporados no Corpo-Alma. O “eu”, junto dos dois Éteres inferiores, é responsável pela cristalização; o amor, junto dos dois Éteres superiores, produz a rarefação. Na linguagem dos alquimistas, os dois Éteres superiores eram chamados de “fogo” e “ar”, enquanto os dois Éteres inferiores eram comparados à “terra” e à “água”. Quando uma vida de serviço amoroso e desinteressado (portanto, o mais anônimo possível), esquecendo os defeitos do irmão ou da irmã ao seu entorno, focado na divina essência oculta em cada um de nós, que é a base da Fraternidade tiver amadurecido, soltado e moldado os dois Éteres superiores, então o Ego, revestido do seu Corpo-Alma, que é rarefeito, glorificado e etéreo, será elevado para sempre acima da necessidade da existência física e, liberto da Lei do Renascimento, poderá exclamar com o poeta: “Eu sou fogo e ar, os meus outros elementos, eu os dou à vida inferior.” (Antônio e Cleópatra).

“O amor será a palavra-chave da próxima Era, do mesmo modo que a Lei é a palavra-chave da presente ordem. A expressão intensa das qualidades mencionadas acima aumenta a luminosidade fosforescente é a densidade dos Éteres em nossos Corpos Vitais; as correntes ígneas cortam a ligação com os cuidados e as preocupações do dia a dia, e o ser humano, uma vez nascido da água em sua emersão da Atlântida (Hamlet) (tal como na Lemúria era nascido da terra), agora nasce do espírito, para o Reino de Deus1.


[1] N.T.: Capítulo X do Livro Coletâneas de um Místico – Max Heindel – Fraternidade Rosacruz: CAPÍTULO X – A PRÓXIMA ERA

Quando falamos da “Próxima Era”, “do Novo Céu e da Nova Terra” mencionados na Bíblia e, também, da “Era de Aquário”, as diferenças entre elas podem não ser claras nas Mentes dos nossos Estudantes Rosacruzes. A confusão dos conceitos é um dos campos mais férteis para a falácia, e os Ensinamentos Rosacruzes procuram evitar isso usando uma nomenclatura ou um conceito particularmente definido. Algumas vezes, um esforço extra se faz necessário para dissipar a confusão ou a distorção gerada por concepções nebulosas engendradas por outros, tão sinceros como o presente escritor, porém, não tão afortunados em ter acesso aos incomparáveis Ensinamentos da Sabedoria Ocidental.

Em nossa literatura aprendemos que quatro grandes Épocas de desenvolvimento gradual precederam a atual ordem das coisas; que a densidade da Terra, suas condições atmosféricas e as Leis da Natureza que prevaleciam numa Época eram tão diferentes das de outras Épocas, como a correspondente constituição fisiológica da Humanidade em uma Época era bem diferente das de outras Épocas.

Os corpos de ADM (o nome significa terra vermelha), a Humanidade da ígnea Lemúria, foram formados do “pó da terra”, da lama vermelha, quente e vulcânica, e estavam adaptados ao meio ambiente deles. A carne e o sangue teriam se atrofiado e se enrugado, especialmente pela perda de umidade, no calor intenso daqueles dias e, embora adaptados às condições presentes, São Paulo nos diz que “eles não podem herdar o Reino de Deus” (ICor 15:50). É evidente, portanto, que antes que uma nova ordem de coisas possa ser inaugurada, a constituição fisiológica da Humanidade precisa ser radicalmente alterada, isto sem mencionar a atitude espiritual. Serão necessários milhões de anos para regenerar toda a Onda de Vida humana e torná-la apta a viver em corpos etéricos (Corpos Vitais).

Por outro lado, nem mesmo um novo ambiente surge de um momento para o outro, mas a terra e os povos vêm evoluindo juntos, desde os menores e mais primitivos primórdios. Quando a neblina da Atlântida começou a assentar, alguns dos nossos antepassados já haviam desenvolvido pulmões embrionários, e foram compelidos a subir para as montanhas muito antes de seus pares ou companheiros. Eles vagaram pelo “deserto” enquanto a “Terra Prometida” estava emergindo das névoas mais tênues e, ao mesmo tempo, seus pulmões em crescimento estavam os preparando e os ajustando para viverem sob as condições atmosféricas atuais.

Mais duas Raças nasceram nas bacias da Terra, antes que uma sucessão de inundações os forçasse a ir para as montanhas; a última inundação aconteceu no momento quando o Sol entrou no Signo aquoso de Câncer, há cerca de dez mil anos atrás, como disseram os sacerdotes egípcios a Platão. Como vimos, não há uma mudança súbita no organismo humano ou no meio-ambiente para toda a Onda de Vida humana, quando uma nova Época é introduzida, mas uma sobreposição de condições que tornam isso possível para a maioria dos seres da Onda de Vida humana, por meio de um ajustamento gradual para entrar na nova condição, embora a mudança possa parecer súbita ao indivíduo que fez toda a mudança preparatória inconscientemente. A metamorfose do girino, de um habitante do elemento aquoso para um habitante do elemento aéreo, fornece uma analogia do passado, e a transformação de uma lagarta em uma borboleta se elevando pelo ar é uma ilustração apropriada da próxima Era. Quando o celestial marcador do tempo entrou em Áries, por Precessão (Movimento de Precessão dos Equinócios), um novo ciclo se iniciou e as “boas-novas” foram pregadas por Cristo. Ele enfatizou que o Novo Céu e a Nova Terra não estavam ainda prontos, quando disse a Seus discípulos: “Não podes seguir-me agora aonde vou, mas me seguirás mais tarde” (..) (Jo 13:36) “vou preparar-vos um lugar, e quando eu me for e vos tiver preparado um lugar, virei novamente e vos levarei comigo” (Jo 14:2-3).

Mais tarde São João viu, numa visão, a Nova Jerusalém procedendo do Céu e São Paulo exortou os Tessalonicenses “pela palavra do Senhor” (ITess 4:15) que aqueles que vivem em Cristo, na Sua próxima vinda, deverão ser arrebatados no ar para se encontrarem com Ele e estar com Ele para a Nova Era.

Porém, durante essa mudança, há pioneiros que entram no Reino de Deus antes de seus irmãos e de suas irmãs em Cristo. Cristo disse, no Evangelho Segundo São Mateus 11:12: “Desde os dias de João Batista até agora, o Reino dos Céus sofre violência, e violentos se apoderam dele”. Essa não é uma tradução correta. A tradução deve ser: “O Reino dos Céus foi invadido (biaxetai) e os invasores se apoderaram dele”. Homens e mulheres já aprenderam, por meio de vidas santas e baseadas na prestação de serviços e auxílios, a deixar de lado o corpo de carne e de sangue, seja intermitente ou permanentemente, e caminhar pelos céus com pés alados, atentos aos assuntos do Senhor deles, vestidos do etérico “Manto Nupcial” (Corpo-Alma) da Nova Dispensação. Essa mudança pode ser conseguida por meio de uma vida de simples serviço, de ajuda, de auxílio e de oração e prece, como a praticada pelos Cristãos devotos, não importando a que igreja estejam afiliados, assim como por meio dos Exercícios Esotéricos específicos fornecidos pela Fraternidade Rosacruz. Esses Exercícios Esotéricos não trarão nenhum resultado, a não ser que sejam acompanhados por frequentes atos de amor, pois o amor será a palavra-chave da próxima Era, do mesmo modo que a Lei é a palavra-chave da presente ordem. A expressão intensa das qualidades mencionadas acima aumenta a luminosidade fosforescente é a densidade dos Éteres em nossos Corpos Vitais; as correntes ígneas cortam a ligação com os cuidados e as preocupações do dia a dia, e o ser humano, uma vez nascido da água em sua emersão da Atlântida, agora nasce do espírito, para o Reino de Deus. A força dinâmica do seu amor abriu um caminho para a terra do amor, e é indescritível o regozijo daqueles que já se encontram lá quando novos invasores chegam, pois cada um que chega apressa a vinda do Senhor e o estabelecimento definitivo do Reino.

Entre os religiosamente inclinados há um clamor definido e incessante: “Quanto tempo, Oh Senhor, quanto tempo?”. E, apesar da afirmação enfática de Cristo de que o dia e a hora são desconhecidos, mesmo para Ele, profetas continuam ganhando credibilidade quando predizem Sua volta para uma determinada data, embora cada um se frustra quando o dia passa e nada acontece. A questão também tem sido debatida entre nossos Estudantes Rosacruzes, e esse capítulo é uma tentativa de mostrar a falsa ou errada ideia de esperarmos pelo Segundo Advento no próximo ano, nos próximos cinquenta ou nos próximos quinhentos anos. Os Irmãos Maiores se recusam a expressar uma opinião e assinalam só o que deve ser realizado primeiramente.

Nos dias de Cristo, o Sol estava ao redor dos sete graus de Áries. Foram necessários quinhentos anos para, por Precessão, chegar ao décimo terceiro grau de Peixes. Durante este tempo, a nova igreja viveu fases de violência ofensiva e defensiva, justificando bem as palavras de Cristo: “Eu não vim trazer a paz, mas uma espada” (Mt 10:34). Passaram-se mais mil e quatrocentos anos sob a influência negativa de Peixes, que tem fomentado o poder da igreja e sujeitado o povo pelo credo e pelo dogma.

Em meados do último século (Século XIX), o Sol entrou na Órbita de Influência do Signo científico de Aquário e, embora ainda leve cerca de seiscentos anos para que a Era de Aquário comece, é altamente instrutivo notar que mudanças o mero contato com esse Signo tem acontecido e disponibilizadas para o uso no mundo. Nosso limitado espaço nos impede de enumerar os maravilhosos avanços realizados desde então; mas não demais dizer que a ciência, as invenções e a indústria decorrente desse desenvolvimento, tem mudado o mundo completamente, tanto na vida social como nas condições econômicas. Os grandes progressos realizados por meio da comunicação, têm contribuído muito para quebrar as barreiras do preconceito racial, nos preparando para as condições da Fraternidade Universal. Os instrumentos de destruição têm sido elaborados tão assustadoramente eficientes, que as nações militantes serão forçadas, dentro de pouco tempo, a “quebrar as suas espadas, transformando-as em arados, e as suas lanças, a fim de fazerem podadeiras” (Is 2:4). A espada tem tido seu reinado durante a Era de Peixes, mas a ciência governará na Era de Aquário.

Na terra do sol poente podemos esperar vislumbrar as condições ideais da Era de Aquário: uma mescla de Religião e ciência, formando uma ciência religiosa e uma Religião científica, que proporcionarão a saúde, a felicidade e o regozijo de uma vida vivida em sua plenitude.

Shakespeare e a Ordem Rosacruz

A infeliz “teoria baconiana” ainda tem alguns seguidores, especialmente nos Estados Unidos, onde as pessoas estão longe da atmosfera convincente de Stratford. Essa pequena cidade no coração da Inglaterra, onde Shakespeare passou a maior parte da sua vida, ainda sonha entre suas sebes e rosas tal como sonhava no tempo de Shakespeare, mas todos os seus sonhos agora estão com ele, cuja grande personalidade deixou a sua poderosa marca na Memória da Natureza e ninguém minimamente sensível a essas vibrações pode ficar diante da velha igreja que narra o seu batismo e o seu enterro, ou passear entre as flores do seu jardim, ou ver as brumas a subir e descer sobre o rio, sem saber, com alegria, não só que William Shakespeare foi um habitante de Stratford, mas que um grande espírito viveu, moveu-se e teve o seu ser ali. “Os passos de um grande homem santificam o solo.” Não se fala de um William Shakespeare que foi um obscuro ator do qual se diz ter vendido o próprio nome para ser usado como máscara por Francis Bacon, “um nobre sem escrúpulos”, como se diz na atmosfera sagrada de Stratford; mas, de William Shakespeare, o poeta imortal, ele próprio um nobre em virtude do seu gênio e amigo próximo de Francis Bacon, o grande cientista e verdadeiro aristocrata do espírito.

Terá Shakespeare pressentido o que a calúnia tentaria fazer com ele, quando escreveu estas linhas em Otelo?

O bom nome no homem e na mulher, meu caro senhor,

É a joia imediata das suas almas:

Quem rouba a minha bolsa, rouba lixo;

É algo que é nada;

Era minha, é dele e foi escrava de milhares;

Mas aquele que me rouba o meu bom nome

Rouba-me o que não o enriquece

E me faz pobre de fato”.

Ele possui também um aspecto no seu horóscopo, desde que o mapa natal esteja correto, que é tanto mais notável quanto, passados trezentos anos, ainda esteja ativo na perseguição da personalidade de William Shakespeare, embora se possa supor com segurança que o grande espírito renasceu mais do que uma vez, talvez desde 1614, para desempenhar importantes missões a serviço da Humanidade. O Aspecto astrológico é o de Netuno em Oposição a Urano, que proporciona influências para a vida que visam a minar a reputação e fazer com que a pessoa sofra escândalo e prejuízo público.

Quem já passeou por Stratford, não junto da multidão tagarela dos turistas, mas com a memória do gênio por companhia sagrada, sente uma profunda gratidão por Max Heindel, ele que, com a voz da autoridade, explica a natureza da ligação entre William Shakespeare e Francis Bacon, refutando de uma vez por todas as invenções tão irreverentes para a memória e a missão desses dois grandes homens.

No livro “Conceito Rosacruz do Cosmos, lemos que “Rosacruzes como Paracelso, Commenius, Bacon, Hellmond e outros deram pistas em suas obras e influenciaram outros. A grande controvérsia sobre a autoria de Shakespeare (que em vão usou tantas penas de ganso e desperdiçou muita tinta boa que poderia servir para fins úteis) nunca teria surgido se os especuladores soubessem que a semelhança entre Shakespeare e Bacon se deve ao fato de ambos terem sido influenciados pelo mesmo Iniciado, que também influenciou Jacob Boehme e um pastor de Ingolstadt, Jacobus Baldus, que viveu depois da morte do Bardo de Avon, e escreveu versos líricos em latim. Se o primeiro poema de Jacobus Baldus for lido com uma determinada chave vamos verificar que, lendo as linhas para baixo e para cima, aparecerá a seguinte frase: ‘Até agora falei aqui, do outro lado do mar, e por meio do drama; agora vou me exprimir através das letras’”.

A controvérsia baconiana foi principalmente suscitada pela presença de uma certa palavra-chave na Cena I do Ato V, na comédia de Shakespeare chamada de Trabalho de Amor Perdido. Essa palavra, que é reivindicada pelos baconianos como o suporte mais forte da sua teoria, é composta por 27 letras: Honorificabilitudinitatibus. A forma como tem sido explorada para provar que Francis Bacon foi o autor das peças de William Shakespeare é um exemplo de alerta para a falácia de um método de investigação que ignora a existência do ocultismo e dos seus guardiões, os Iniciados das Escolas de Mistérios.

A palavra que os baconianos consideram sua propriedade exclusiva era bem conhecida nos tempos medievais e renascentistas, muito antes de Bacon e Shakespeare, entre os Místicos e Alquimistas que estavam ligados à Ordem Rosacruz. Quando ocorria em um livro ou manuscrito, revelava o fato do seu autor ser um Iniciado dessa Ordem ou, pelo menos, o aluno de um Iniciado.

Mediante a alteração de uma ou duas letras, o grau de Iniciação podia ser indicado e eram dadas dicas valiosas que ninguém, exceto os Rosacruzes, podia compreender, pois somente eles sabiam da existência da palavra-chave acima mencionada.

O seu segredo tinha que ser cuidadosamente guardado devido às perseguições da igreja exotérica que punia com tortura e morte na fogueira os “hereges” que acreditavam no Cristianismo esotérico. Mesmo nos tempos de Shakespeare, a inquisição ainda era desenfreada, as “bruxas” e os “feiticeiros” eram queimados, o veneno e o punhal espreitavam por todo lado aquele que não aderisse à letra da Igreja, fosse ela romana ou anglicana, papista, puritana ou protestante; e o filho ilustre de uma Ordem muito mais poderosa do que a Igreja, mais poderosa em espírito, precisava usar uma escrita secreta se quisesse revelar a sua filiação aos contemporâneos e à posteridade. Para tornar o método duplamente seguro, colocava as palavras identificadoras na boca de bobos e palhaços em que, no meio de trocadilhos aparentemente sem sentido, malabarismos com o mau latim e restos mutilados de outras línguas, Honorificabilitudinitatibus não parece mais do que o produto bizarro da fantasia de um tolo, um tilintar dos sinos do bobo.

Para os seus irmãos e suas irmãs Iniciados a presença da palavra por si só já era suficiente, sem qualquer pista ou chave, porque, como já foi dito, era a palavra-chave aceita. Mas, aproximava-se o tempo em que o poder da igreja deveria diminuir e a existência da Ordem que guarda o bem-estar espiritual dos povos que vivem no ocidente deveria ser manifestada. William Shakespeare quis que a posteridade conhecesse a sua ligação com esse grêmio do espírito para que os seus Dramas pudessem ser lidos e compreendidos esotericamente, por isso insere, na conversa dos bobos, algumas dicas que nos chamam a atenção para a palavra e nos permitem lê-la, mesmo que não saibamos que seja uma antiga senha. Mas, aqueles que ignoram a existência das Escolas de Mistério nunca poderão decifrá-la. Um Sr. Dull (“Chato”) que testemunha a conversa é abordado assim no final: “Bom homem Dull, não disse uma única palavra”. Ao que ele responde: “Nem compreendi palavra alguma, senhor”. Este Sr. Dull é um policial. Assim, as revelações do poeta aos que entenderam estão perfeitamente seguras sob os olhos da lei estabelecida pela burrice exotérica, e o seu sentido de humor deleita-se evidentemente com esse fato, que é o pivô da Comédia para nós, os conhecedores. Os críticos exotéricos são unânimes em declarar que Trabalho de Amor Perdido é a mais pobre e “mais chata” das obras de Shakespeare.

A palavra longa representa um criptograma e as palavras escondidas dentro dele são latinas, pois essa era a língua da Religião, da Ciência e do Misticismo durante toda a Idade Média. Mas, o latim clássico foi degenerado, o “latim dos monges” se tornou proverbial e o dos alquimistas, embora bem adaptado aos seus objetivos, não era do melhor tipo. Diz Holofernes, o Pedagogo: “Isso tem cheiro de latim falso”. Fala também dos “patifes da ortografia” que “abreviam” ou introduzem “fantasias fanáticas” na ortografia das palavras. Isso é um indício de que temos de reorganizar as letras e repor as abreviaturas no lugar necessário. O autor menciona ainda “o cesto de esmolas das palavras”, “restos” do “banquete das línguas”. Isto é, fragmentos de palavras foram reunidos sem ordem e é nosso dever juntá-los e desfrutar o nosso achado. A nossa atenção é chamada para a “boa nova”, para a notícia do “homem novo”, o “homem de paz” e o “Cristão” — esse último a ser construído a partir de “Priscian, um pouco riscado, vai servir” e Chirra em vez da saudação habitual: Sirra. A vogal é I e a consoante é S; as duas letras simbolizam a Iniciação e constituem o caduceu ou bastão do Iniciado. Em Holofernes, o pedagogo ou professor, um Iniciado nos fala, pois ele “ensina a partir do livro do chifre”, que é o livro da Iniciação, e é dito que aqueles que recebem esses ensinamentos são os “escolhidos entre os bárbaros”.

Michelangelo, na sua sublime estátua de Moisés, representa o legislador com o atributo dos cornos de carneiro. Desde tempos imemoriais que esses simbolizam a Iniciação do Cordeiro, a Nova Dispensação que começa com a vinda do Cordeiro quando o Sol, por Precessão dos Equinócios, passa pelo Signo de Áries. Os bobos da corte se referem ao Cordeiro e a Áries mencionando o “carneiro” e os “chifres” com a forma do Signo de Áries, um ♈︎. Falam também da “ovelha, o Signo de Áries, com um corno acrescentado”. Chifre em latim é cornu. Se juntarmos essa palavra, ou um traço que a represente, ao ♈︎, o símbolo do Carneiro, obtemos o ♑︎, símbolo de Capricórnio — que é o Signo da porta do Castelo do Graal ou do Templo no cimo da montanha (mons), onde ocorre a Iniciação. Mais adiante, ouvimos falar dos “Nove Dignos” — as Nove Iniciações nos Mistérios Menores, e depois da “Princesa” a quem os “Nove Dignos” devem ser apresentados no “posterior do dia”; ou seja, no final da tarde, período presidido pelo Signo de Libra, o Signo natural da 7ª Casa. A Princesa que vive na 7ª Casa é Vênus, o Regente de Libra, em cujo Signo também está Exaltado o grande iniciador Saturno, o Regente de Capricórnio.

Essa é uma alusão à Iniciação de Vênus, a terceira das quatro Grandes Iniciações – ou Iniciações Maiores ou, ainda, Iniciações Cristãs – para as quais as Iniciações Menores nos preparam. Com a ajuda das alusões que precedem e sucedem a grande palavra, não é difícil encontrar as 7 palavras que ela contém. O primeiro e o último desses sete honorabili e initiatus são quase claros, também ordoni; filius e bis são facilmente encontrados, especialmente se organizarmos as letras em pares. Foi dito que deveríamos encontrar “Christian” e, finalmente, no caso de não termos encontrado Rosicrucis ao agruparmos as letras, a nossa atenção é cuidadosamente chamada para ela, que contém as vogais o e u, além do “repetido” I e S, que precisa ser repetido para representar o caminho em espiral da Involução e da Evolução, em contraste com o caminho reto da Iniciação. O bastão do Iniciado é referido quando ouvimos falar da “entrada” de Hércules (Involução), da sua “saída” (Evolução) e do seu “esmagamento da serpente” (Iniciação). Através da Iniciação, o caminho da espiral, ou serpente, é transformado no caminho reto e estreito — “embora poucos tenham a graça de o percorrer”.

Três das sete palavras terminam em I e quatro, em S, em correspondência com os três veículos superiores e quatro inferiores do homem: “Honorabili Ordoni Christiani Rosicrucis Filius Bis Ininiatus”; ou seja, “Um filho duas vezes Iniciado da honorável Ordem de Christian Rosenkreuz”. As sete palavras contêm 54 letras, o dobro das que formam a palavra grande; mas o valor de 54 corresponde a 27, ou seja, 9 [2 + 7 = 9, 5 + 4 = 9], que é, segundo Max Heindel, “o número-raiz do nosso atual estágio de evolução”.

Leonatus – uma Profecia da Era Vindoura

No drama romântico de Shakespeare, “Cimbelino”[1], ocorre uma estranha profecia: –

“Quando um filhote de leão de si mesmo desconhecido, encontrado sem ser procurado, for abraçado por um pouco de ar fagueiro, e quando de um cedro imponente os ramos amputados reviverem depois de estarem mortos muitos anos e, reunidos ao velho tronco, crescerem com frescor, as misérias de Póstumo chegarão ao seu termo, a Bretanha será feliz e florescerá na paz e na abundância”.

Há uma grande beleza nessas palavras, e um mistério que é reforçado pelo fato de terem sido dadas a Posthumus Leonatus, o herói da peça, pelo próprio Júpiter.

Leonatus está preso, condenado a morrer na madrugada, aparentemente abandonado por todo mundo. Ele cai em um breve sono de exaustão, no qual seus pais e seus dois irmãos, todos mortos há muito tempo, aparecem para ele. Eles vieram de “lugares silenciosos”, de “elevados jardins floridos que nunca murcham”, para confortá-lo e salvá-lo. Numa oração estranha, rítmica e vibrante, eles enviam suas súplicas por seu filho e irmão sofredor até ao trono de Júpiter. “Em trovões e relâmpagos, sentado sobre uma águia”, o deus desce e coloca uma tábua com a inscrição profética no peito de Leonatus que, após sua feliz libertação no final, relata ao Rei Cymbeline como “a chance de ouro” chegou até ele.

“Vosso servo, príncipes.

Vós, meu bom senhor romano, chamai nosso adivinho.

Pareceu-me, quando a dormir estava,

que baixara do céu sentado na águia, o grande Júpiter,

cercado de espectros dos meus mortos.

Ao despertar, no peito deparou-se-me esta pequena placa,

cujo escrito de tal dificuldade é para o espírito, que não posso explicá-la.

Ele que a prova nos dê de sua habilidade nisso”.

“Considerando que um filhote de leão de si mesmo desconhecido, encontrado sem ser procurado, for abraçado por um pouco de ar fagueiro, – há uma promessa de amor nessas poucas palavras, um doce conforto, uma gentileza reconfortante que faz o coração se alegrar antes que o intelecto chegue a uma interpretação da profecia. O Adivinho, como veremos mais adiante, insinua o belo significado dos primeiros versos, mas sua interpretação mística como um todo permanece exotérica e local, confinada aos personagens da peça e da Bretanha na época da invasão Romana. Cabe à posteridade e àqueles que confiam no poeta, por meio dos Ensinamentos Rosacruzes, levantar o véu e olhar para o santuário esotérico que está no centro de cada drama shakespeariano.

Cada uma das suas peças é fiel à missão original do drama, tão tristemente esquecida nestes tempos de vaudeville[2] e comédia musical, que é nomeadamente dar uma “versão do mundo”, como expressa Richard Wagner; isto é, representar de forma simbólica uma fase da evolução humana ou cósmica.

“O passado ficou para trás, – eis que tudo se fez novo!” – O drama Cimbelino não contém apenas uma profecia com um ponto central elevado, e sim uma peça profética da primeira à última cena, representados pelos personagens Leonatus, o herói e a Imogem, a heroína, os quais encenam as novas fases do desenvolvimento individual, nacional e cósmico, mostrando a preparação e a culminação no advento da Era de Aquário. Embora a época marque o início da era Cristã, mesmo antes de os britânicos serem batizados em nome de Cristo, a visão de longo alcance do poeta alcança profundamente os séculos vindouros e, como a linguagem de um profeta, ele revela o futuro homem e a futura mulher.

Shakespeare foi um Mestre Astrólogo. Embora, tivesse que ocultar seu conhecimento da Ciência Divina, a fim de evitar suspeitas de bruxaria e magia negra, suas obras não apenas estão repletas de alusões astrológicas, como cheias de profunda sabedoria procedentes da escrita estrelar. Na juventude de Shakespeare há vários anos que não podem ser contabilizados. Ele trocou sua cidade natal, Stratford-on-Avon, por Londres e, depois de uma curta estada por lá, desapareceu por, aproximadamente, três ou quatro anos. E nesses anos se dedicou ao estudo das ciências ocultas, entre elas a Astrologia e, muito provavelmente na Itália, onde nas Universidades de Bolonha e Pádua as antigas tradições ocultas foram cuidadosamente preservadas. Como Iniciado da Ordem Rosacruz, mais tarde teve acesso a informações astrológicas muito além do alcance do astrólogo mediano de seu tempo, cujos prognósticos eram mais voltados para a adivinhação, e Shakespeare leu nas estrelas os desenvolvimentos nacionais e raciais pertencentes a um futuro distante; ou melhor, ele leu nas estrelas possibilidades de desenvolvimentos! Pois, nas Nações e nas Raças, assim como nas pessoas, o livre arbítrio é mais poderoso que as Leis do Zodíaco.

Na simbologia nacional, o Britânico é representado pelo Leão. Os Leonati são os filhos da Raça Anglo-Saxônica que, seguindo a águia de Júpiter em seu voo em direção ao Ocidente, conquistaram novas terras, fundaram novas nações e deram vida a uma nova Raça. Leonatus significa: Aquele que nasceu de um leão.

“Tu Leonatus és o Filhote do Leão;

A construção provável e adequada do teu nome

Sendo Leo-Natus, por ventura isto importa tanto”.

Posthumus significa, “Aquele que vem depois”. Na época da invasão romana, a Grã-Bretanha estava povoado pelos Celtas; mas, Posthumus é o Anglo-Saxão que “vem depois” do Celta; é a nova Raça Leonina-Aquariana que “vem depois” da Anglo-Saxônica; está ascendendo a Humanidade. A história da evolução humana é a epopeia daquele que “vem depois”.

“Veio a Sugestão, veio a Visão, veio o Poder com a Necessidade,

Até que a Alma que não é a alma do ser humano nos foi emprestada para liderar.

Assim como o cervo se afasta – à medida que o novilho se afasta – do rebanho onde pastam,

Na fé das criancinhas seguimos nossos caminhos,

Siga depois – siga depois! Regamos a raiz,

E o botão floresceu e amadureceu para dar frutos!

Tal como descrito por Kipling[3], no seu grandioso poema “A Canção dos Mortos”[4], os Leonati ou Anglo-Saxões são construtores de impérios. A missão deles era obedecer ao impulso sempre urgente do Signo errante jupteriano, Sagitário, e preparar a Terra para aqueles que virão depois, incluindo novos países no império da Civilização e do Cristianismo, de modo que, num solo mais puro e numa atmosfera mais rarefeita, novas Raças poderiam desenvolver as qualidades mais refinadas e superiores, necessárias para sustentar o império do Espírito em evolução. E a Raça que, embora os seus progenitores tenham surgido do Leão e, apesar de carregar a marca Anglo-Saxónica na sua civilização e fale a língua anglo-saxónica, ainda assim, abrange todas as nações – a Raça escolhida através da qual o princípio Crístico da Unidade se manifestará na Era da Fraternidade Universal, está nascendo naquela nação onde o “filhote de Leão é abraçado por uma atmosfera de ar rarefeito”, nomeadamente nos Estados Unidos da América onde o Signo de Ar, Gêmeos, reina supremo e envolve os filhos do Leão.

A nova Raça na qual a Fraternidade Universal será aperfeiçoada está apenas começando a se formar, mas a Era da Unidade está sendo prenunciada pela participação da América na guerra pelo fim das guerras, e pela orientação da América no movimento para a formação da Liga das Nações[5]. Entre os obstáculos no caminho desta Liga estão dois ramos mortos que foram “cortados” de um “cedro majestoso”. A Humanidade da Época Ária é representada por esta árvore de cedro sempre verde; as nações são os ramos. Há duas nações na Europa intimamente relacionadas com os anglo-saxões e anteriormente seus colegas de trabalho ao serviço da civilização. Os pensamentos de militarismo violento sustentados pelos seus líderes, moldaram um machado para cortar seus ramos irmãos, para que os dois pudessem crescer e verdejar abundantemente. O machado se tornou o machado do destino e se voltou contra os próprios dois ramos em que a seiva secou, ​​a vida murchou. Essas duas grandes Nações Ocidentais dessa Época Ária se tornaram “mortas”, porque o Espírito foi expulso delas, e os esforços para forçá-las a prosperar pela força da matéria permaneceram em vão. Mas, eles voltarão à vida, os ramos regados com muitas lágrimas voltarão a verdejar – o rei Cimbelino tem dois filhos “perdidos”, irmãos de Imogen, cunhados de Leonatus; em sua infância, eles foram roubados por Belarius, cujo nome significa ‘o Guerreiro’, separados de sua espécie e escondidos por muitos anos na escuridão de cavernas e florestas. A família deles pensa que estão mortos; e estranhos se perguntam que “os filhos de um rei deveriam ser tão desprotegidos” a ponto de serem “perdidos”. Mas, pelo fato de serem “filhos de um rei”, não permanecem perdidos; seu sangue real se afirma; depois de anos de isolamento e privação, simplicidade e frugalidade, durante os quais crescem fortes de Corpo, nobres de Mente e puros de Alma e, finalmente saem, voluntariamente, para oferecer suas vidas a serviço da Humanidade, cuja causa ouviu estar em perigo, uma vez que a Grã-Bretanha – o futuro – está envolvida com Roma – o passado – numa luta de vida ou morte. A família dela os reconhece pelo seu valor; “os ramos unidos ao tronco antigo crescem de novo”; e a árvore não apenas está perfeita novamente, mas evoluiu de uma árvore de cedro “imponente” para um cedro “majestoso”.

Só quando a árvore das Nações voltar a ficar verde em todos os seus ramos poderá reinar a paz final e duradoura que “acaba com as misérias de Póstumus”, inaugurando a era da cooperação e da Fraternidade Universal. A batalha em que os parentes perdidos de Leonatus lutam, lado a lado com ele, é travada entre princípios; Roma simbolizando o princípio do passado, ou seja, o poder que separa; a Grã-Bretanha representa o princípio do futuro, nomeadamente, o serviço que une. Os dois irmãos prestam ajuda valente e valiosa, mas a batalha é decidida em favor dos britânicos pelo próprio Leonatus que, após uma longa ausência da Grã-Bretanha, reaparece em trajes humildes de camponês e luta com tal “fúria nobre” que seus “feitos preciosos” inclinam a balança do destino. Não como um “cavaleiro de armadura”, mas como um “homem do povo”, ele luta e vence. As nações da Europa não podem superar a velha ordem das coisas e estabelecer a nova ordem sem a ajuda do povo da América. O país do Ocidente sobre o qual a águia de Júpiter voa “com asas elevadas”, até “desaparecer nos raios do sol”, o país do Ocidente onde o “filhote do Leão” está casado com uma “atmosfera rarefeita” deve liderar as suas Nações irmãs para a Nova Era.

“Não somos irmãos? –

Assim deveriam ser todos!”

Assim fala a gentil Senhora Imogen, como no humilde disfarce de um criado sob o comando de nome Fidele, o Fiel, ela encontra os dois “perdidos” na floresta. Imogen é a esposa de Leonatus, sua companheira e complemento e, como tal, a “atmosfera mais rarefeita?” que o envolve. Ela, ainda, é a representante do Signo nacional da América, Gêmeos, o Signo de Ar que envolve Póstumus em sua terra ocidental. Gêmeos é o Signo dos irmãos e das irmãs. Os Estados Unidos da América admitem homens e mulheres de todos os países na família nacional e, ao lhes conceder a cidadania, os reconhecem- como irmãos e irmãs. A cidadania os torna estrangeiros antes dos membros da família. Imogen fala lindas palavras sobre Fraternidade. E lindo é esse acolhimento familiar, estendido a estranhos por meio da cidadania. Mas, é apenas um preparativo para uma beleza maior que surgirá, um ideal mais elevado que será realizado sob outro Signo de Ar. A Fraternidade expressa por Gêmeos na América ainda está confinada à família nacional e depende do nascimento na pátria nacional ou da adoção nela. Não está muito distante o tempo em que o amor fraternal, que estamos aprendendo com Gêmeos e que gradualmente amplia seus limites, se tornará ilimitado; e a Nova Raça que se desenvolve sob Gêmeos será suficientemente aperfeiçoada para responder ao abraço do novo sinal que nos levará para cima, para a “atmosfera mais rarefeita” da Fraternidade Universal.

Imogen, como “a atmosfera rarefeita (ou tênue)”, tem uma simbologia tripla, assim como a profecia tem um aspecto triplo: individual, nacional, cósmico. Indivíduos e Nações têm propensões cósmicas e, ao progredirem no caminho espiral da sua própria evolução, elevam a Terra a um ponto mais elevado do caminho espiral planetário. A espiral individual, a espiral nacional e a espiral cósmica estão mais intimamente interligadas.

  • “Atmosfera rarefeita”, como explica o vidente, é “brisa suave” em latim. “E brisa suave nós a chamamos de mulier” – Mulher em Latim – “que mulher mais sublime é esta esposa mais constante”. Imogen, a fiel, a casta, a terna, é a Mulher, é o princípio feminino no Homem que nos seus aspectos de intuição e compaixão deve ser desenvolvido, para que a Era de Aquário, a Era da Mulher, possa começar quando toda a Humanidade, unida numa só família, seja envolvida por uma “atmosfera rarefeita”, nomeadamente o Signo de Ar, Aquário.

[1] N.T.: também conhecida como A Tragédia de Cimbelino ou Cimbelino, Rei da Grã-Bretanha, é uma peça de William Shakespeare ambientada na Grã-Bretanha Antiga (sec. 10-14 DC) e baseada em lendas que faziam parte da Matéria da Grã-Bretanha a respeito do início histórico rei celta britânico Cunobeline. Embora seja listado como uma tragédia no Primeiro Fólio, os críticos modernos costumam classificar Cimbelino como um romance ou mesmo uma comédia. Assim como Otelo e The Winter’s Tale, trata dos temas da inocência e do ciúme. Embora a data precisa da composição permaneça desconhecida, a peça certamente foi produzida já em 1611.

[2] N.T.: Vaudeville, uma farsa com música. Nos Estados Unidos, o termo conota um entretenimento leve popular de meados da década de 1890 até o início da década de 1930, que consistia em 10 a 15 atos individuais não relacionados, apresentando mágicos, acrobatas, comediantes, animais treinados, malabaristas, cantores e dançarinos. É a contrapartida do music hall e da variedade na Inglaterra.

O termo vaudeville, adotado nos Estados Unidos a partir do teatro boulevard parisiense, é provavelmente uma corruptela de vaux-de-vire, canções satíricas em dísticos, cantadas em árias populares no século 15 no Val-de-Vire (Vau-de -Vire), Normandia, França. Passou ao uso teatral no início do século XVIII para descrever um dispositivo empregado por atores profissionais para contornar o monopólio dramático detido pela Comédie-Française. Proibidos de representar dramas legítimos, apresentavam suas peças em pantomima, interpretando a ação com letras e refrões de músicas populares. Acabou se desenvolvendo em uma forma de drama musical leve, com diálogos falados intercalados com canções, que era popular em toda a Europa.

[3] N.T.: Joseph Rudyard Kipling (1865-1936) foi um autor e poeta britânico

[4] N.T.: A Canção dos Mortos

Ouça agora a Canção dos Mortos – no Norte, pelas bordas rasgadas do iceberg –

Aqueles que ainda olham para o Polo, adormecidos em seus trenós despidos de couro.

Canção dos Mortos no Sul – ao sol ao lado de seus cavalos esqueletos,

Onde o warrigal choraminga e uiva através da poeira dos cursos dos rios escaldantes.

Canção dos Mortos no Leste – nas cavidades da selva apodrecidas pelo calor,

Onde o macaco-cão late no kloof – no freio dos búfalos.

Canção dos Mortos no Oeste – nos Sertões, o deserto que os traiu,

Onde o carcaju derruba suas mochilas do acampamento e do túmulo que eles fizeram;

 Ouça agora a Canção dos Mortos!

 EU

 Éramos sonhadores, sonhando muito, na cidade sufocada pelo homem;

 Ansiamos além da linha do horizonte, onde as estradas estranhas descem.

 Veio o Sussurro, veio a Visão, veio o Poder com a Necessidade,

 Até que a Alma que não é a alma do homem nos foi emprestada para liderar.

 Assim como o cervo se afasta – como o boi se separa – do rebanho onde pastam,

 Na fé das crianças seguimos o nosso caminho.

 Então a madeira falhou — então a comida falhou — então a última água secou—

 Na fé das crianças, deitamos e morremos.

 Na areia – no lado da savana – no matagal de samambaias nos deitamos,

 Para que nossos filhos possam segui-los pelos ossos no caminho.

 Siga depois – siga depois! Regamos a raiz,

 E o botão floresceu e amadureceu para dar fruto!

 Siga depois – estamos esperando, pelas trilhas que perdemos,

 Pelo som de muitos passos, pelos passos de uma hoste.

 Siga depois – siga depois – pois a colheita está semeada:

 Pelos ossos à beira do caminho, vocês chegarão aos seus!

 Quando Drake desceu para o Horn

 E a Inglaterra foi coroada assim,

 ‘Twixt mares não navegados e costas não exploradas

 Nossa Loja – nossa Loja nasceu

 (E a Inglaterra foi coroada assim!)

 Que nunca mais fechará

 De dia nem de noite,

 Enquanto o homem arriscará sua vida

 Em risco de cardume ou principal

 (De dia nem de noite).

 Mas permanece mesmo assim

 Como agora testemunhamos aqui,

 Enquanto os homens partem, de coração alegre,

 Aventura para conhecer

 (Como agora testemunhe aqui!)

 II

 Alimentamos nosso mar por mil anos

 E ela nos liga, ainda sem comida,

 Embora nunca haja uma onda de todas as suas ondas

 Mas marca nossos ingleses mortos:

 Nós demos o nosso melhor para a agitação da erva daninha

 Ao tubarão e à gaivota.

 Se o sangue for o preço do almirantado,

 Senhor Deus, pagamos integralmente!

 Nunca há uma inundação indo para a costa agora

 Mas levanta uma quilha que tripulamos;

 Nunca há um refluxo em direção ao mar agora

 Mas deixa cair nossos mortos na areia—

 Mas esgueira nossos mortos nas areias,

 Dos Ducados ao Swin.

 Se o sangue for o preço do almirantado,

 Se o sangue for o preço do almirantado,

 Senhor Deus, nós pagamos!

 Devemos alimentar o nosso mar durante mil anos,

 Pois essa é a nossa desgraça e orgulho,

 Como foi quando navegaram com o Golden Hind,

 Ou os destroços que atingiram a última maré—

 Ou os destroços que jazem no recife jorrando

 Onde as horríveis luzes azuis brilham.

 Se o sangue for o preço do almirantado,

 Se o sangue for o preço do almirantado,

 Se o sangue for o preço do almirantado,

 Senhor Deus, compramos justo!

[5] N.T.: semente do que se tornou, depois, a ONU.

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

O Significado da Ressurreição de Lázaro: um marco

Ao contrário do que é costume fazer-se devemos ver o Evangelho Segundo São João como um todo, buscando analisá-lo em seus pontos principais. Desde os primeiros capítulos, vê-se pela composição e pelo estilo, que esta obra é o documento mais completo que existe no mundo. Porém, não é com uma leitura superficial que se verificará essa asserção. É mister compreender-se o que está oculto em suas palavras.

Notemos que o Evangelho enumera sete milagres até a ressurreição de Lázaro:

  1. – As Bodas de Canãa;
  2. – A Cura do Oficial do Rei;
  3. – A Cura do Homem Doente a 38 anos;
  4. – A Multiplicação dos Pães;
  5. – O Milagre de Jesus andando sobre as águas;
  6. – A Cura do Cego de Nascença;
  7. – (O maior de todos os milagres): a Iniciação de Lázaro.

Partamos de um ponto chave, para esboçar o estudo deste último e maravilhoso acontecimento: “Os chefes dos sacerdotes decidiram, então, matar também a Lázaro” (Jo 12:10). Por que matar a Lázaro? Cristo-Jesus havia beneficiado outros e os sacerdotes não procuraram matá-los… Isto nos leva a conclusão de que o ato da ressurreição de Lázaro foi a prova pública, dada por Cristo, de que a Iniciação estava aberta para todo aquele que quisesse. Ora, isso era a derrocada do regime sacerdotal. Só havia, pois, uma solução: matar o autor e também a obra, para que nenhum testemunho ficasse. Mas, façamos um estudo mais detalhado.

Dentre os milagres acima enumerados atribuídos a Cristo-Jesus, devemos dar um significado muito especial à ressurreição de Lázaro. Tudo concorre para dar ao fato aí narrado o lugar principal no Novo Testamento. Lembremo-nos de que esse fato é citado no Evangelho Segundo São João apenas, isto é, o Evangelho que, desde suas palavras iniciais, reclama interpretação precisa de todo o seu conteúdo.

São João começa dizendo: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus (…). E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós; e nós vimos a sua glória, glória que ele tem junto ao Pai como Filho único, cheio de graça e de verdade”. (Jo 1:1 e 14)

Quem inicia um relatório com tais palavras indica claramente que todo o relatório deve ser interpretado em sentido particularmente profundo. Não nos podemos cingir a raciocínios superficiais. Então, que o Apóstolo São João quis dizer com estas palavras de introdução? Disse claramente de algo eterno, que existia desde o começo. Os fatos narrados por São João não se endereçam à vista nem aos ouvidos; reclamam maturidade interior e lógica. O “Verbo” que agiu no princípio está oculto em todos os fatos. Os fatos são, para ele, os veículos nos quais se exprime em sentido superior. Pode-se, pois, supor, que por baixo do fato da ressureição de um homem de entre os mortos (fato difícil de conceber pelos olhos, pelos ouvidos e pela inteligência material) esconde-se um sentido mais profundo.

A isso vem juntar-se outra coisa: não há nenhuma dúvida de que a ressurreição de Lázaro teve influência decisiva sobre a morte de Jesus. Pois, por que o fato de ter Cristo-Jesus ressuscitado um morto, tornou-O tão perigoso aos seus adversários? É preciso admitir, com efeito, que Cristo-Jesus fez algo particularmente importante para justificar palavras como estas: “Então, os chefes dos sacerdotes e os fariseus reuniram o Conselho e disseram: “Que faremos? Esse homem realiza muitos sinais.” (Jo 11:47).

É preciso reconhecer que todo o Evangelho Segundo São João está envolto em um mistério. Verificaremos isto num instante. Se o seu conteúdo fosse tomado ao pé da letra, que sentido teriam estas palavras: “A essa notícia, Jesus disse: ‘Essa doença não é mortal, mas para a glória de Deus, para que, por ela, seja glorificado o Filho de Deus” (Jo 11:4)? E o que dizer ainda destas palavras: “Disse-lhe Jesus: “Eu sou a ressurreição. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá.” (Jo; 11:25). Seria muito fútil acreditar que Cristo-Jesus quisesse significar: “Lázaro adoeceu para dar oportunidade a Jesus de mostrar sua arte”. Seria também muito fútil atribuir a Cristo-Jesus o pensamento de que a fé n’Ele fazia reviver os mortos. E que haveria de extraordinário num homem ressuscitado dentre os mortos e que depois da ressurreição continuasse a ser o mesmo de antes? E como poderíamos atribuir a esse homem o sentido dado pelas palavras: “Eu sou a ressurreição e a vida”? A vida e o sentido entram nas palavras de Cristo-Jesus se as tomarmos simbolicamente e, em seguida, de certo modo literalmente, tal como estão no texto. Cristo-Jesus não disse que Ele personificava a ressurreição havida com Lázaro e que Ele é a Vida que vive em Lázaro? Tome-se ao pé da letra o que é o Cristo no Evangelho de São João: “O Verbo feito carne“. Ele é o eterno que era desde o começo. Ora, se de fato Ele é a ressurreição, é também a vida primordial que foi despertada em Lázaro. Trata se aqui de uma evocação do “Verbo” eterno e este Verbo é a Vida a qual Lazaro foi despertado. Trata-se de uma doença que não leva a morte, mas a “glória de Deus”. Se o Verbo eterno ressurgiu em Lázaro, então, todo esse acontecimento manifesta a glória de Deus, de vez que, por esse processo, Lázaro tornou-se outro. Antes disso, o Verbo, o Espírito, não vivia nele; agora, o Espírito nele vive. Esse espírito foi gerado em sua alma.

É claro que todo nascimento é acompanhado de doença. Ora, essa doença não leva à morte, mas a uma vida nova.

Onde está o túmulo onde nasceu o Verbo? Para responder a esta pergunta basta pensar no iniciado Platão[1], que chama o corpo do ser humano de “o túmulo da alma”. E Platão falou também duma espécie de ressurreição quando fez alusão ao despertar da vida espiritual no corpo. O que Platão chamou de “alma espiritual”, São João o designa por Logos, Verbo ou a Palavra. Platão poderia ter dito “quem se torna espiritual ressuscitou o divino do túmulo de seu corpo”. E para São João a vida de Cristo é essa Ressurreição. Nada de espantoso, pois ele disse de Cristo: “Eu sou a Ressurreição”.

Não há como duvidar de que o episódio de Betânia é uma ressurreição no sentido espiritual. É bastante caracterizar esse fato com as palavras dos que se iniciaram nos mistérios, e seu sentido logo aparece. Que disse Plutarco[2] do propósito desses mistérios? Que eles serviam para desprender a alma da vida corporal e uni-la ao Divino. E eis como Schelling[3] descreve as sensações de um Iniciado: “O Iniciado tornava-se pela Iniciação um membro da cadeia mágica; era recebido num organismo indestrutível e, como exprimem as velhas inscrições, associado ao exército dos deuses superiores. Não se pode designar de modo mais significativo a reviravolta que se produzia na vida do ser humano que recebia a Iniciação, do que pelas palavras de Edésio[4] a seu discípulo, o imperador Constantino: “Um dia, quando tomares parte nos Mistérios, terás vergonha de teres nascido como ser humano”.

Quando nossa alma ficar penetrada por esse sentimento, o acontecimento de Betânia aparecerá em sua verdadeira luz. Então, a narração de São João nos fará viver algo em particular. Mal se entreve a certeza de que não podemos dar nenhuma interpretação, nenhuma explicação racional. Um mistério, no verdadeiro sentido da palavra está diante de nossos olhos. “O Verbo Eterno” penetrou em Lázaro. Ele tornou-se, falando na linguagem dos Mistérios, um verdadeiro Iniciado. E o acontecimento que São João nos conta é um fenômeno de Iniciação.

Imaginemos a cena como sendo uma Iniciação. Cristo Jesus ama Lázaro. Não é uma amizade no sentido vulgar da palavra. Isso seria contrário ao sentido do Evangelho Segundo São João, onde Cristo-Jesus é “O Verbo”. Cristo-Jesus amou Lázaro porque viu que ele estava “maduro”, pronto para despertar do “Verbo” em si. Existiam relações entre Cristo-Jesus e a família de Lázaro. Isso quer dizer que Cristo havia preparado tudo nessa família para o ato final do drama: a ressurreição de Lázaro. Este é o discípulo de Cristo-Jesus. É um discípulo no qual Cristo-Jesus tem a certeza de que a ressureição se completará. O último ato da ressureição consistia em uma ação simbólica. O ser humano não devia compreender apenas as palavras: “morre e volta”; devia justificá-las com um ato. Devia repelir sua parte terrestre, aquela da qual o indivíduo superior, no dizer dos mistérios, deve ter vergonha. O ser humano terrestre devia morrer. Seu corpo era mergulhado durante três dias num sono letárgico. Prodigiosa transformação vital, então, se produzia nele. Mas esse processo dividia a vida do místico em duas partes. Quem não conhece, por experiência própria, o conteúdo superior de semelhante ato, não o pode compreender. Pode apenas ter uma ideia aproximada por meio de uma comparação.

Resumamos, por exemplo, em algumas palavras, a substância da tragédia do Hamlet, de Shakespeare. Quem compreendeu esse resumo, pode dizer que conhece Hamlet, em certa medida. Pela lógica, conhece-o de fato. Outro conhecimento, porém, teria quem assistisse ao desenrolar de toda a tragédia, com toda a sua riqueza. Este teria compreendido sua essência e nenhuma descrição poderia substituir a sensação viva obtida por ter assistido ao desenrolar da tragédia. Para ele, Hamlet tornou-se um acontecimento artístico, uma experiência da alma.

O que se passa na imaginação do expectador durante uma representação dramática passa-se no ser humano, em plano superior da consciência, no acontecimento mágico e significativo da ressurreição que é o coroamento à Iniciação. O ser humano vive simbolicamente em si aquilo que adquiriu espiritualmente. O Corpo Denso está, de fato, morto durante três dias. Do seio da morte brota a nova vida. A alma imortal sobrevive à morte. Ela surge com a consciência de sua imortalidade, pois venceu a morte.

Foi isso que aconteceu com Lázaro. Cristo-Jesus o havia preparado para a ressurreição. A doença de que se fala no Evangelho de São João é, ao mesmo tempo, simbólica e real. É uma prova da Iniciação que deve conduzir o Iniciado, depois de um sono de três dias, a uma vida verdadeiramente nova.

Lázaro estava pronto para sofrer esta metamorfose em si mesmo. Veste a túnica de linho dos místicos, cai na letargia, que é o símbolo da morte. Adoece na cripta. Quando Cristo-Jesus chegou já se haviam passado três dias. Tiraram, pois, a pedra. E Cristo-Jesus, levantando os olhos para o Céu, disse: “Pai graças Te dou, por me haveres ouvido” (Jo 11:41).

O Pai havia ouvido Cristo-Jesus, pois Lázaro chegara ao ato final do grande acontecimento. Tinha reconhecido como chegar a ressureição. Acabava-se de cumprir uma Iniciação aos Mistérios. A Iniciação, como era feita na antiguidade, se havia consumado à luz do dia, publicamente. Cristo-Jesus fora o Iniciador.

As palavras de Cristo-Jesus que se seguiram a esse ato, são significativas: “Eu sabia que sempre me ouves; mas digo isso por causa da multidão que me rodeia, para que creiam que me enviaste.” (Jo 11:42). No fundo, este acontecimento era para Cristo-Jesus o meio e não o fim. Ele o provocou, para que os que não criam na ressurreição, senão como uma cerimônia, acreditassem na Sua palavra. Para Ele, o principal é a ressurreição da alma, da qual a ressurreição do corpo é apenas o símbolo. Conclui-se, portanto, que haveria outra ressurreição e que esta era exatamente a do próprio Cristo. Mas, a ressurreição deveria produzir efeito sobre toda a humanidade. Deveria ser para todos os indivíduos, o que era para os Iniciados, a Iniciação nos mistérios. Lázaro, o ressuscitado, devia ser o testemunho consciente do grande acontecimento histórico da ressurreição de Cristo. Em Cristo-Jesus a tradição personificou-se. E o evangelista assim teve o direito de dizer: “n’Ele o Verbo se fez carne”. Teve o direito de ver em Cristo-Jesus um mistério corporificado. Eis porque o Evangelho Segundo São João é um mistério. É preciso lê-lo pensando que os fatos nele narrados são de natureza espiritual.

Na exclamação de Cristo: “Lázaro, sai para fora” pode-se reconhecer a voz dos Iniciadores antigos, chamando à vida de todos os dias, seus discípulos colocados no túmulo e mergulhados no sono letárgico para morrer para as coisas terrestres e receber o mundo divino num êxtase. Mas Cristo-Jesus havia divulgado o segredo dos mistérios. Havia tornado pública a Iniciação, privilégio de determinada casta.

Compreende-se, pois, que os Judeus quisessem punir tal atitude e buscassem meios de matar, não somente Cristo-Jesus, senão também a Lázaro (Jo 12:10). Mas Cristo-Jesus não dava nenhuma importância ao processo exterior da Iniciação: “ Eu sabia que sempre me ouves; mas digo isso por causa da multidão que me rodeia, para que creiam que me enviaste.” (Jo 11:42).

Na Iniciação antiga provocava-se a convicção da imortalidade da alma por processos sábios e secretos. Antigamente se podia dizer: “Felizes os Iniciados; pois eles viram”. Mas, Cristo-Jesus queria dar essa felicidade a todos. Por isso, Ele fez dizer pela boca do Apóstolo: “Felizes os que não viram, mas que, assim mesmo, creram[5].

(Publicado na Revista Serviço Rosacruz – outubro/1967 – Fraternidade Rosacruz – SP)


[1] N.R.: filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga, autor de diversos diálogos filosóficos e fundador da Academia em Atenas, a primeira instituição de educação superior do mundo ocidental. Juntamente com seu mentor, Sócrates, e seu pupilo, Aristóteles, Platão ajudou a construir os alicerces da filosofia natural, da ciência e da filosofia ocidental.

[2] N.R.: historiador, biógrafo, ensaísta e filósofo médio platônico grego.

[3] N.R.: Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling foi um filósofo alemão, um dos representantes do idealismo alemão.

[4] N.R. filósofo neoplatônico e místico.

[5] N.R. Jo 20:29

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

“A Imitação é o ‘Elogio’ Mais Sincero”

Desde que o trabalho da Fraternidade Rosacruz foi iniciado, em 14 de novembro de 1908, os movimentos com nome de “Rosacruz” multiplicaram-se rapidamente. Parece haver uma mania perfeita para anexar a palavra Rosacruz aos seus nomes; mas para garantir a distinção do restante, alguns escrevem com “k “— Rosakruz. Outros usam “ae” em vez do “a” — Rosaecrucianismo. Alguns deles fazem grandes reivindicações. Um até mesmo afirma ter seis milhões de membros, entre os quais estão os chefes coroados da Europa e todas as pessoas ilustres de todas as épocas, incluindo Moisés, Elias, os faraós do Egito e outros grandes demais para serem mencionados.

Tampouco é de admirar que essa deslumbrante fantasmagoria cegue alguns de nossos membros mais fracos, que correm para essas ordens com plena fé de que o chamado Grão-Mestre, Imperator ou qualquer outro nome fantasioso, simplesmente vai mover uma varinha mágica sobre eles e suas asas brotarão, imediatamente os tornando oniscientes como os deuses. Aos poucos eles entenderão melhor: o avanço no Caminho da realização espiritual depende, como já dissemos mil vezes, do crescimento da alma (crescimento anímico); ninguém pode assimilar nosso alimento espiritual para nós, nem crescer por nós, assim como não pode comer nosso café da manhã físico e nos entregar o valor alimentar pelo qual podemos crescer fisicamente mais fortes.

Shakespeare fez a pergunta: o que há em um nome? Pode haver pouco e pode haver muito. Todos nós conhecemos o valor comercial de um bom nome para designar uma marca de produtos; contudo, não importa quão bom seja o nome, a menos que os produtos que ele represente sejam de excelente qualidade, o nome por si só não pode torná-los um sucesso permanente e a mesma coisa é válida para um movimento espiritual — deve ter uma base sólida, uma filosofia robusta.

Os hindus receberam os Vedas; os persas receberam o Zend Avesta; os maometanos, o Alcorão; os Cristãos, a Bíblia. Cada grande Religião teve seu próprio livro-texto particular que é o fundamento da sua fé e esse livro-texto tem três pilares: um relato sobre a nossa origem, uma declaração sobre o futuro reservado para nós e um códigode ética. Mesmo nos tempos modernos descobrimos que os Cientistas Cristãos têm seu livro-texto, Ciência e Saúde, e os Teosofistas têm a Doutrina Secreta.

Antes do início da Fraternidade Rosacruz, os Irmãos Maiores da Ordem Rosacruz deram ao escritor os ensinamentos monumentais contidos no Conceito Rosacruz do Cosmos, que supera todas as filosofias anteriores. Esse é agora o livro-texto da Fraternidade Rosacruz e está se espalhando por todo o mundo da maneira mais maravilhosa, pois encontra em todos os lugares, entre as pessoas pensantes, um assentimento incondicional, porque apela ao fórum interno da verdade.

A Filosofia Rosacruz foi oferecida, pela primeira vez, pelos Irmãos Maiores a Max Heindel com a condição de que ele a mantivesse em segredo e só a revelasse a alguns, através do rito e dos mistérios da Iniciação. Mas, sendo ele mesmo, naquela época, uma alma faminta em busca da solução do mistério da vida, recusou a oferta, embora repetidas propostas fossem feitas para que ele se retratasse. Ele pensou que se esse ensinamento fosse bom para ele, seria bom para milhares de outras almas famintas no mundo; finalmente, foi dado a ele na condição inversa, ou seja, que ele fizesse tudo ao seu alcance para promulgar a Filosofia Rosacruz. Ele foi submetido a um teste para ver se a usaria egoisticamente ou se seria firme em seu propósito de dá-la à humanidade; por isso, a Filosofia Rosacruz está sendo difundida publicamente através desse livro-texto para que todo aquele que busca, venha e beba de graça dessa “água da vida”.

Basta pensar o que teria acontecido se os Apóstolos tivessem conspirado, com sucesso, para manter os ensinamentos de Cristo longe do mundo ou se os primeiros Sábios da Índia ou da Pérsia, que receberam os Vedas e o Zend Avesta, respectivamente, tivessem feito isso. Então todo o mundo teria ficado séculos sem o ensino religioso e, certamente, todos sabem que isso teria sido um grande prejuízo para a evolução espiritual de muitos. Tendo isso em mente, basta aplicar os mesmos argumentos de bom senso às alegações dos chamados “Mestres”, que professam iniciar nos mistérios desta ou daquela Ordem qualquer um que tenha recursos financeiros, mas nada oferecem ao público. É fácil pegar um nome e fazer afirmações, mas peça-lhes para produzirem seu livro e compará-lo com a Bíblia ou o Conceito Rosacruz do Cosmos, veja se ele cobre os três pontos essenciais que mencionamos e nenhum outro teste será necessário para mostrar a sua condição de falso Mestre.

A Fraternidade Rosacruz não tem coisa alguma contra essas pessoas, pois, como se diz que a imitação é a forma mais sincera de elogio, supomos que elas reconhecem o mérito e a força do nosso movimento ou não tentariam imitá-lo.

(Publicado na Revista Rays from the Rose Cross de abril/1916 e traduzido pelos irmãos e irmãs da Fraternidade Rosacruz em Campinas-SP-Brasil)

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

A Conscientização e a Cura

A Fraternidade Rosacruz patrocina a emancipação de todos os Aspirante espirituais. Tal autonomia pode ser alcançada por aqueles que, diligentemente, aprimoram a faculdade de OBSERVAR A SI MESMO. Isso implica em conscientizar-se das próprias fraquezas e limitações, bem como das virtudes e potencialidades emergentes.

O exercício da análise própria efetuado de maneira sistemática, sincera e infatigável conduz, insofismavelmente, à iluminação interior.

Gradualmente transmuta a natureza do Aspirante, estimula a humildade, a responsabilidade pessoal, o comprometimento com a Vida. Amplia o Amor pela Verdade.

Na fabulosa obra de Shakespeare, Rei Lear, o personagem Cordelia simboliza a Verdade que é privilégio daqueles que renunciam às barganhas e farisaísmos do mundo. Enquanto a vaidade e o orgulho (Rei Lear) dominarem nossos nervos, Cordelia permanecerá exilada e desterrada de nossa consciência. Seguimos reféns da insanidade mental, dos tormentos emocionais e das deformações físicas.

Cordelia ama a Coroa Espiritual, Lear apega-se à coroa das conveniências humanas.

Não menos eloquente, Richard Wagner, na ópera Siegfried, demonstra as qualidades heroicas da alma francamente desejosa de desposar a Verdade, Brunilde. A saga da alma virtuosa, engajada no Projeto divino, capaz de superar, sem receio ou dúvida, os dragões (provações) que emergem nos momentos mais dramáticos de nossa existência.

Tomar consciência de si mesmo implica uma epopeia inexorável. Contudo, esse é o caminho para o resgate individual. Cristo, anualmente, salva a Terra da destruição. O Cristo Interno, de cada um, salva o Corpo (nosso pequeno Planeta ou microcosmos) da degeneração: “Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida”.

Quanto mais conscientes e lúcidos mantivermos nossos veículos de que somos “Cristos em formação”, maior plenitude alcançaremos tanto na manutenção da saúde física quanto nas esferas emocionais, mentais, morais e espirituais.

(Publicado no Ecos da Fraternidade Rosacruz em São Paulo-SP de setembro-outubro/1999)

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

Ritual do Serviço do Solstício de Junho

FRATERNIDADE ROSACRUZ

Ritual do Serviço do Solstício de Junho

  1. O Oficiante convida os presentes a cantarem, de pé, o Hino Rosacruz de Abertura.
  2. O Oficiante ilumina e descobre o Símbolo Rosacruz e apaga as luzes, exceto a que o ilumina o Símbolo e a que auxilia na leitura
  3. Em seguida, fixa o olhar no Símbolo Rosacruz e fala a saudação Rosacruz:

“Queridos irmãos e irmãs:

Que as rosas floresçam em vossa cruz”

  • Todos respondem: “E na vossa também.
  • Todos se sentam, menos o Oficiante.
  • Em seguida, o Oficiante começa a leitura do texto do Ritual:

Estamos agora no Solstício de Junho, estação durante a qual a manifestação física sobre a Terra atinge o seu máximo.

Todos os anos uma onda espiritual de vitalidade penetra na Terra por ocasião do Solstício de Dezembro para impregnar as sementes adormecidas na Terra e para dar nova vida ao mundo em que vivemos. Esse serviço é feito durante os meses de dezembro, janeiro e fevereiro, enquanto o Sol transita pelos Signos zodiacais de Capricórnio, Aquário e Peixes, respectivamente.

Do ponto de vista cósmico, o Sol nasce quando Virgem, a Virgem Celestial, desponta no horizonte oriental à meia-noite de 24 de dezembro, trazendo consigo a Imaculada Criança. Durante os meses que se seguem, o Sol passa pelo violento Signo de Capricórnio onde, segundo o mito, todos os poderes das trevas se concentram numa frenética tentativa de matar o portador da Luz, o que é uma fase do drama solar, que é representado misticamente na história do rei Herodes e na fuga do menino para o Egito, para escapar da morte.

Quando o Sol entra no Signo de Aquário, o aguador, em Fevereiro, temos o tempo das chuvas e tempestades; e assim como o Batismo misticamente consagra o Salvador à Sua obra de Serviço, assim também as correntes de umidade que descem sobre a Terra a amaciam e a suavizam, para que possa produzir os frutos que preservarão as vidas dos que vivem sobre ela.

Vem, depois, a passagem do Sol pelo Signo de Peixes, os peixes. Nessa ocasião, as reservas do ano precedente estão quase consumidas e o alimento do ser humano é escasso. Temos, então, o longo jejum da Quaresma que representa misticamente, para o Aspirante, o mesmo ideal mostrado cosmicamente pelo Sol. Há, nessa ocasião, o Carnaval, o “carne-vale” dos latinos, que significa o adeus à carne, pois todo aquele que aspira à vida superior deve, em alguma ocasião, dizer adeus à natureza inferior com todos os seus desejos e se preparar para a Páscoa que, então, se aproxima.

Em Abril, quando o Sol CRUZA o Equador Celeste e entra no Signo de Áries, o Cordeiro, a cruz se ergue como um símbolo místico do fato que o candidato à vida superior deve aprender a renunciar ao envoltório mortal e começar a subida ao Gólgota, O LUGAR NO CRÂNIO; e daí atravessar o limiar dos Mundos invisíveis. Finalmente, imitando a ascensão do Sol aos Signos do céu setentrional, para promover com os seus raios quentes o crescimento das sementes no solo que foi revitalizando pela onda Crística durante os meses de dezembro, janeiro e fevereiro, o candidato deve aprender que o seu lugar é com o Pai e que, finalmente, deverá subir até aquele exaltado lugar.

Assim é que, presentemente, durante a estação que culmina em 21 de junho, o Grande Espírito de Cristo alcança o Mundo do Espírito Divino, o Trono do Pai. Durante os meses de julho e agosto, enquanto o Sol está em Câncer e Leão, o Cristo está reconstruindo o Seu Espírito de Vida, veículo que Ele trará ao mundo e com ele rejuvenescerá a Terra e os Reinos de vida que evoluem sobre ela.

Sem essa onda mística anual de energia vital do Cristo Cósmico, a vida física seria uma impossibilidade. Não poderia ter nem “pão nem vinho” físicos, nem a essência espiritual transubstanciada preparada alquimicamente com o sangue do coração do discípulo. A existência física é a escola ou laboratório no qual aprendemos a transmutar o metal básico das nossas naturezas inferiores no brilho esplendoroso da Pedra Filosofal e, dessa forma, tornando possível a nossa libertação para esferas mais elevadas, onde o nosso exaltado Ideal, o Cristo, está presentemente.

Há agentes por trás de todas as manifestações da Natureza – inteligências de diferentes graus de consciência, construtores e destruidores, que desempenham importantes papéis na economia da Natureza. O Solstício de Junho é o tempo de atividade dos duendes da terra e das entidades similares, no que se refere ao desenvolvimento material no nosso Planeta, como mostrado por Shakespeare no seu “Sonho de uma Noite de Verão”.

Pela ação semi-inteligente dos Silfos são elevadas da superfície do mar as partículas extremamente divididas de água evaporada, preparadas pelas Ondinas. Os Silfos transportam-nas tão alto quanto podem antes que sobrevenha a condensação parcial e sejam formadas as nuvens. Eles conservam consigo essas partículas de água até serem forçados a soltá-las pelas Ondinas. Quando dizemos que está havendo um temporal, estão sendo travadas batalhas na superfície do mar e no ar, algumas vezes com a ajuda das Salamandras que acendem as centelhas que unirão os separados hidrogênio e oxigênio e enviam suas setas inspiradoras de medo, em ziguezague, pelos céus escuros acompanhadas dos enormes estrondos de trovão que reboam na atmosfera, enquanto que as Ondinas, triunfalmente, arremessam as gotas de água recuperadas à terra para serem, novamente, devolvidas ao seu elemento materno.

Os pequenos Gnomos são necessários para construir as plantas e as flores. É serviço deles tingi-las com os inúmeros matizes de cores que deleitam nossos olhos. Eles, também, talham os cristais em todos os minerais e modelam as preciosas gemas que brilham nos diademas de ouro. Sem eles não haveria o ferro para nossas máquinas, nem o ouro para comprá-las. Eles estão presentes em toda parte e a proverbial abelha não é mais operosa do que eles. No entanto, à abelha é dado o crédito pelo trabalho que faz, enquanto os pequenos Espíritos da Natureza, que representam tão importante papel no serviço do mundo, são desconhecidos, menos para uns poucos que são chamados de tolos e sonhadores.

No Solstício de Junho as atividades físicas da Natureza estão no seu ápice ou zênite e, por isso, a “Noite de São João” é o grande Festival das Fadas que trabalham na forma para construir o universo material, que alimentam o gado, que cultivam o grão, que saúdam com regozijo e agradecem o pico da onda de força, que é a ferramenta que usam para modelar as flores, nas estonteantes variedades de delicadas formas, conforme seus arquétipos, e as tingem de inúmeras matizes que são o deleito e o desespero dos artistas.

Nessa que é a maior entre todas as noites de regozijo nessa época, todos esses pequenos servidores se reúnem para o Festival das Fadas, vindos dos pântanos e das florestas, dos vales e das clareiras. Realmente eles cozinham e preparam os seus alimentos etéricos e, depois de tudo, dançam em êxtases de regozijo – o regozijo de terem cumprido e servido os importantes propósitos deles na economia da Natureza.

É um axioma científico que a natureza não tolera nada que seja inútil; os parasitas e os zangões são uma abominação; o órgão que se tornou inútil se atrofia e, assim acontece com a perna ou com o olho que não são mais usados. A Natureza tem trabalho a fazer e exige o trabalho de todos para que justifiquem as suas existências e para que continuem fazendo parte dela. Isso se aplica tanto à planta como ao Planeta, tanto ao ser humano como aos animais e, também, às Fadas. Eles têm seu trabalho a cumprir; eles são seres vivos ocupados e suas atividades são a solução para muitos de uma variedade muito grande dos mistérios da Natureza.

Esses são os pontos que devemos nos esforçar para compreender perfeitamente, a fim de que possamos aprender a apreciar essa época do ano com toda a plenitude que se deveria.

Que calamidade cósmica seria se nosso Pai Celestial deixasse de prover os meios para o nosso sustento e para a nossa existência física, todos os anos! O Cristo do ano passado não pode mais nos salvar da fome física, assim como a chuva que caiu no último ano não pode encharcar o solo a fim de fazer eclodir as milhões de sementes que, agora, estão na fase de dormência na terra à espera das atividades germinais da vida do Pai, para começarem a crescer; o Cristo do ano passado não pode acender, novamente, em nossos corações as aspirações espirituais que nos estimulam a avançar no caminho, assim como o calor do último verão não nos pode aquecer agora. O Cristo do ano passado nos deu o Seu amor e a Sua vida até ao último alento, sem medida nem limite; quando Ele nasceu na Terra, no último Natal, Ele imbuiu com vida as sementes adormecidas que cresceram e, agradecidas por isso, encheram os nossos celeiros com o pão da vida física; Ele doou abundante e prodigamente, para nós, o amor que o Pai Lhe deu e quando esgotou totalmente a Sua vida, Ele morreu na Páscoa para novamente ascender ao Pai, como o rio, por evaporação, ascende ao céu.

Mas o amor divino circula interminavelmente; assim um pai ama seus filhos, o nosso Pai Celeste nos ama, pois Ele conhece a nossa dependência e a nossa fraqueza física e espiritual.

Devemos, portanto, aproveitar as oportunidades que são oferecidas a nós durante essa época que hoje se inicia para que a próxima vinda do Espírito de Cristo, novamente no Equinócio de Setembro, nos encontre melhor adaptados para responder, com maior facilidade, às poderosas vibrações espirituais com as quais seremos, então, banhados.

Concentremo-nos agora sobre Amor Divino e Serviço.

7. O período de concentração deve se prolongar por uns 5 minutos

8. Terminada a Concentração, o Oficiante cobre o Símbolo Rosacruz e acende as luzes

9. O Oficiante convida todos a se levantarem e a cantarem o Hino Rosacruz de Encerramento

10. O Oficiante profere a seguinte exortação de despedida:

“E agora, queridos irmãos e irmãs, que vamos partir de volta ao mundo material levemos a firme resolução de expressar, em nossas vidas diárias, os elevados ideais de espiritualidade que aqui recebemos, para que dia a dia nos tornemos melhores homens e mulheres, e mais dignos de sermos utilizados como colaboradores conscientes na obra benfeitora dos Irmãos Maiores, a Serviço da humanidade”.

“QUE AS ROSAS FLORESÇAM EM VOSSA CRUZ”

11. Apaga-se a luz do Templo

(todos devem se retirar do Templo em silêncio)

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

A Purgação por meio da Tragédia

A natureza da tragédia é tal que pode realizar, e frequentemente realiza, uma purgação drástica e poderosa. Os antigos gregos entenderam bem que isso fosse assim. Foi com esse propósito que surgiram as tragédias imortais de Ésquilo, Sófocles e Eurípides. Eles foram espiritualmente gerados pelos Mistérios de Elêusis e compostos à luz da Sabedoria do Iniciado. Em forma de arte nunca antes superada, essas obras foram inspiradas e transmitidas ao público em geral nos teatros abertos aos céus, reflexos da ciência espiritual ensinada a poucos qualificados nos recintos sagrados dos Templos de Mistérios.

Acima de tudo, o objetivo dessas tragédias era a edificação e a purificação. Seu conteúdo e estrutura dramáticos foram projetados para afetar o público de tal forma que ele experimentasse uma espécie de catarse por meio da sublimação das emoções que brotam das profundezas, quando a atenção é fixada intensamente na encenação de situações emocionantes, dolorosas e trágicas. A arte em suas formas mais elevadas pode fazer exatamente isso, pois a beleza é redentora.

Que grande tragédia encenada no teatro do faz-de-conta pode representar para o desenvolvimento espiritual do ser humano, que também ocorre quando acontece na realidade, no palco aberto e expansivo do mundo?

Um exemplo que podemos estudar é o que foi feito com um impacto sem precedentes, em Dallas, TX, EUA, com o assassinato do presidente John Fitzgerald Kennedy e a conclusão no cemitério nacional em Arlington, Washington, D.C., durante o pronunciamento final das solenidades, ao lado do túmulo.

Algo de profundo significado estava acontecendo na vida daquele país durante esse período emocionalmente tenso. Isso penetrou nas profundezas da alma. Impressões de natureza transcendente estavam sendo gravadas profundamente no ser coletivo daquele país. Lá estava e lá permanecerá. Embora já esteja sendo recoberto por impressões e experiências mais superficiais, nada poderá jogar completamente no esquecimento as insinuações que surgiram à medida que os pensamentos despencaram para profundezas desconhecidas, durante a vigília nacional de três dias.

O clima durante esse período inesquecível era de espanto e admiração, de reverência e questionamentos: como o de Jó. Raramente as condições são tão propícias para um diálogo significativo e esclarecedor entre o buscador humano e o divino informador. Quando ocorrem, não é por acidente, mas pela cooperação de inteligências nos planos interno e externo da vida universal.

Esses tempos são de grande importância. Propósitos elevados são servidos. Embora tenha sido apenas por um breve momento histórico, aquele país foi trazido ao seu melhor estado. O clamor exterior cessou. A ocupação usual praticamente parou. Houve um grande silêncio. A voz interior, tão raramente ouvida, era quase audível. A contemplação centrada no mistério da vida, que por um estranho paradoxo, nunca é tão pronunciada como quando estamos na presença da morte. Milhões oraram. Mesmo entre os não religiosos, um grito instintivo se ergueu por luz e orientação, por piedade e perdão. Foi a reação espontânea da alma, expressa antes que a Mente, o membro incrédulo do ser humano, tivesse tempo para reprimir a ação do seu “eu” espiritual e verdadeiramente racional.

Tais eram as condições, o estado de espírito e de coração que tornavam a comunicação entre a hierarquia orientadora, acima, e o nosso ser racional, abaixo, não apenas mais clara e mais forte do que em tempos normais, porém unida e concentrada em objetivos espirituais devido à uma realização e expressão mais amplas nos dias vindouros.

As circunstâncias relacionadas ao assassinato do presidente combinaram-se para criar uma tragédia em sua cúpula. Um portador de poder terreno e aclamação foi silenciado. Um ato de violência foi cometido. Júpiter havia lançado um raio que atingiu a Terra com uma violência que fez o mundo tremer.

Em seu significado mais universal, a estrutura em ruínas, a Torre de Babel bíblica, representa a “queda do homem”, o declínio de uma civilização, o fim de uma era. É também um lembrete pictórico de que orgulho, arrogância, egocentrismo e confiança indevida em realizações materiais de segurança, contentamento e avanço no caminho que a alma deve seguir, conduzem apenas à queda. Nas palavras do salmista, com as quais o presidente deveria ter concluído seu discurso ao povo de Dallas e ao povo americano em geral, no dia fatídico de seu falecimento: “A menos que o Senhor construa a casa, trabalharão em vão para construí-la”.

O choque do relâmpago que atingiu aquele país no dia vinte e dois de novembro estilhaçou uma cobertura que escondia erros, injustiças e males, expondo-os à luz. A condenação lançada ao assassino acusado foi temperada por um sentimento de culpa distribuída. Assim, tornou-se um despertador, dando origem a impulsos de natureza curativa. Isso aconteceu em grande escala. Nenhuma parte do mundo foi deixada totalmente inalterada. Mesmo dos russos veio uma onda de simpatia genuína e amigável em todas as camadas da sociedade soviética. William Walton, da Comissão de Belas Artes dos EUA, chegou a Moscou apenas oito dias após o assassinato de Kennedy. “Todas as reuniões que tive”, disse ele em seu retorno a Washington, “começaram com palavras de horror e tristeza”. Era evidente, continuou ele, que nosso presidente “os havia afetado de maneira surpreendente, como um homem de paz. Eles acreditaram nele… e não são um povo que esconde sua dor. Eles choravam enquanto falavam sobre ele”. Disse ainda o Sr. Walton que eles ficaram horrorizados com as tendências marxistas de Oswald e “lamentaram que ele já tivesse estado na Rússia”.

O coração do mundo foi tocado. Foi tocado por um ato redentor. Todos os ingredientes necessários para isso estiveram presentes na tragédia de Dallas. Houve a morte sacrificial de uma figura mundial e eminente, um cenário dramático e arrebatador, um tempo cosmicamente marcado e o compromisso de um ato diabólico, todos combinados para dar ao mundo o choque de que precisava para detê-lo bruscamente, seguido de uma pausa prolongada para refletir sobre os significados mais profundos da vida. Uma tragédia de partir o coração que havia ocorrido estava acelerando as latências da alma em maior ou menor grau, dependendo da receptividade daqueles que estavam sob a influência do evento.

O que então aconteceu foi a entrega da própria vida, por um único indivíduo, num único golpe e de maneira que serviu para trazer uma medida adicional de luz a todos os seres humanos, em todos os lugares. Foi o que aconteceu em nível divino-humano no Gólgota. É o que acontece periodicamente, em nível humano e inferior, dentro da escala histórica, em tempos de grande crise e alta tensão. Com cada ocorrência desse tipo a humanidade recebe um acréscimo de consciência do seu ser imortal que está em desenvolvimento.

E assim, da escuridão vem a luz; da tristeza e da angústia, a simpatia e a compaixão; da malícia e do ódio, caridade e compreensão. De um ato que brotou de elementos que dividiam os povos, surgiram forças que fizeram sua unidade maior.

O efeito da morte de Kennedy foi, portanto, não apenas de alcance nacional, mas global. Em seu aspecto austero, feio e trágico, transcendeu as barreiras que tendem a manter os seres humanos separados. Por um breve momento histórico, ocorreu uma fusão massiva da humanidade básica de todos os membros da coletividade nacional. O evento atingiu o país com tanto imprevisto e força que retirou o ser humano das massas de dentro do seu pensamento cotidiano a tal ponto que, por pelo menos um tempo, varreu o sentimento de separação — racial, social, política ou religiosa — e o tornou consciente da sua natureza mais profunda e da sua unidade essencial com o todo. Houve um reconhecimento instantâneo e instintivo de uma realidade da qual ele normalmente não tem consciência. Expresso ou não expresso, um grito e uma oração subiram de um corpo unido. Seres humanos de crosta dura, lutando na dura frente da nossa vida política e econômica, choraram sem qualquer vergonha. Os comentaristas falaram em um tom reverencial e não habituado. Igrejas e sinagogas abriram suas portas para acomodar os muitos que buscavam os santuários sagrados para contemplar as profundezas de sua própria natureza e a comunhão com o Divino. O país estava de joelhos.

O que acontece em condições como essas? Os céus se abrem. O ser humano se estende para cima e os deuses, para baixo. Eles se dão as mãos. É um arremate de reconhecimento, de reciprocidade. Há uma aceleração das correntes de vida que conectam a centelha humana com a chama divina. Intimações da identidade divina brilham na consciência. É por meio de experiências desse tipo que o ser humano avança em seu caminho ascendente.

Existem muitos passos na longa jornada evolutiva que leva a Deus. Pouco a pouco, as forças da evolução nos levam adiante, mas quando um país ou um indivíduo chega ao lugar onde a cooperação consciente é oferecida, o progresso é tremendamente acelerado.

Como entidades coletivas, as nações, assim como os indivíduos, são discípulas no Caminho. Da mesma forma, elas dão passos sucessivos de Iniciação, nesse Caminho. Esses são em graus maiores e menores.

Vejamos um exemplo nos Estados Unidos: experimentaram três desses pontos de significado espiritual e inesquecível. O primeiro deles ocorreu com o assassinato de Abraham Lincoln; o segundo, no momento do falecimento de Franklin Roosevelt; e o terceiro, com a retirada, por assassinato, de John Kennedy da vida mortal. Cada um desses eventos trouxe àquele país um período de silêncio relativo de três dias. Pensamentos e sentimentos se uniram em uma dor comum e a consciência penetrou em profundezas incomuns. A intercomunicação entre os planos interno e externo da natureza era, portanto, extraordinariamente favorável.

É nessas horas que os guardiães do destino humano podem derramar mais abundantemente as águas da vida do seu reservatório espiritual sobre um povo momentaneamente mais necessitado e receptivo do que em tempos normais. É então que eles podem imprimir de forma mais eficaz na Mente das massas o plano e o propósito que Deus tem para o desenvolvimento progressivo e o cumprimento do verdadeiro destino da humanidade. É isso que dá a essas ocasiões o impulso para a frente, o novo impulso, o esforço renovado. Essa é a natureza essencial do que se denomina experiência iniciática.

Um governo invisível preside os assuntos das nações. Os fundadores da república dos EUA dirigiram-se a esse “centro superior de direção” e hauriram dele a força, a coragem e a inspiração que tornaram possível o estabelecimento de uma nova nação em uma nova terra dedicada à proposição de que todos os “homens são criados iguais”.

Lincoln estava profundamente consciente desse corpo governante. Ele se referiu a Ele como o “Gabinete Superior”. Com Ele comungou e, a partir daí, recebeu interiormente as impressões que o capacitaram a guiar o curso daquele país através dos perigos que então dividiram aquela nação em um estado de unidade restaurada e a abolição tardia da escravidão.

Em tempos de grande crise, como o presente, os membros do governo invisível aproximam-se muito das preocupações terrenas e exercem sua influência ao máximo para orientar os desenvolvimentos para o resultado mais elevado possível. A influência que exercem nunca pode infringir o sagrado livre arbítrio de uma nação ou de um indivíduo. Mas, com pessoas ocupando posições de influência e buscando orientação superior, gente que desenvolveu uma sensibilidade interior às impressões da alma, o governo interno pode exercer uma poderosa mão orientadora para mover os eventos na direção da intenção divina.

Os líderes que respondem a tal orientação são caracterizados por uma forte consciência do destino. Eles são destemidos. Eles se sentem seguros diante dos desafios mais opressores. Eles têm uma confiança inquestionável nos recursos disponíveis, internos e externos, para realizar a tarefa que escolheram realizar. E assim, por mais pesados que sejam seus fardos, eles os carregam com leveza. Lincoln, com o peso dos anos de guerra sobre os ombros, ainda era capaz de dizer que nenhum dia deveria passar sem uma risada. E a imagem de Kennedy era a de um homem com um sorriso.

E não o fez Cristo Jesus, enquanto pedia a Seus seguidores que pegassem a cruz e O seguissem, para ter “bom ânimo” e não permitir que seus corações se perturbassem? Isso é possível quando o sacrifício resulta não de compulsão ou senso de dever, mas de escolha. Quando a consciência espiritual atinge o nível em que passa a experimentar a doação de si mesma no serviço amoroso e desinteressado aos outros, independentemente do custo para a natureza inferior, o sacrifício torna-se a maior alegria que a alma pode conhecer.

Coragem, também, o presidente havia demonstrado em seu encontro físico com o inimigo, na Segunda Guerra Mundial. E a autoconfiança inconfundível que exibia, a confiança que irradiava, a ausência de qualquer sinal de tensão indevida quando aparecia diante de audiências de televisão, nos debates de campanha com seu oponente, foi um fator importante, senão decisivo, para ganhar a Presidência.

Além disso, quando o ex-presidente Truman implorou a ele para não buscar a indicação presidencial de 1960 em razão da juventude dele, deu uma resposta eloquente que será lembrada pelo espírito amigável e pela autoconfiança com que ele se declarou “pronto”.

Ele rejeitou o chamado teste de maturidade. Disse ele, em parte, “excluir de cargos de confiança e comando todos aqueles com menos de quarenta e quatro anos teria impedido Jefferson de escrever a Declaração da Independência; Washington, de comandar o Exército Continental; Madison, de criar a Constituição; Hamilton, de servir como Secretário do Tesouro; Clay, de ser elevado à Câmara; e Cristóvão Colombo, de descobrir a América”. Kennedy continuou dizendo que não acreditava que o povo americano estivesse disposto a impor tal teste, já que o país ainda fosse jovem, fundado por homens e mulheres jovens e ainda jovem de coração e espírito.

“É hora”, continuou ele, com toda a força do seu ser, “para uma nova geração de liderança administrar os novos problemas e as novas oportunidades. Pois há um novo mundo a ser conquistado — um mundo de paz e boa vontade; um mundo de esperança e abundância. E eu quero que os EUA liderem o caminho para esse mundo”.

Em resposta à pergunta feita por um estadista mais velho, ele declarou que não estava “comprometido levianamente a buscar a presidência; que não era um prêmio ou um objeto normal de ambição… Hoje, digo a vocês e com pleno conhecimento da responsabilidade daquele alto cargo que, se o povo da nação me escolher para ser seu presidente, estou pronto”.

Em frases sonoras, o que ele estava dizendo a seu questionador, que duvidava de suas qualificações para o mais alto cargo do país, por motivo de imaturidade, e para as pessoas cujo apoio ele estava buscando, na verdade era para não julgar a idade da alma pela idade de corpo e reconhecer que, embora os dois estivessem temporariamente ligados um ao outro, eles eram de dimensões diferentes.

E o que poderia ter sido, senão a confiança nascida da consciência interior do caminho do destino que estava percorrendo e que o levou, como católico, a inclusive aspirar à presidência? Essa dificuldade passou a ser considerada virtualmente intransponível. Como cidadão americano, leal e dedicado, Kennedy recusou-se a considerá-lo assim. Com tremenda energia e determinação, ele começou a remover a barreira histórica. Nisso ele teve sucesso. Uma assembleia de ministros protestantes e ortodoxos, reunidos na Filadélfia na época da tragédia de Kennedy, prestou ao presidente martirizado uma homenagem brilhante. Daí em diante, para sempre, declarou com efeito que o caminho para a presidência não estava mais proibido aos católicos por motivos religiosos. Também pode ser notado a esse respeito que foi com uma serena segurança interior que ele estava enfrentando o desafio religioso, quando pediu o privilégio, que lhe foi concedido, de se dirigir a uma assembleia de clérigos em uma cidade do sul, que se opunham veementemente à sua eleição. Sem qualquer traço de amargura ou irritação, mas com espírito de boa vontade, ele declarou sua posição sobre todos os assuntos em controvérsia, sem equívocos, e sua fé religiosa, sem desculpas, em um esforço honesto para trazer o melhor entendimento entre ele, seus compatriotas americanos e seus “irmãos separados” de religião. Após seu discurso, um dos ministros presentes teria observado que parecia que eram eles, e não ele que, naquela ocasião, foram colocados “no local”.

Finalmente, a consciência do destino estava em alta naquele fatídico dia de novembro, em Dallas. Ele estava em território inimigo, uma cidade que pouco antes havia feito ataques horríveis ao nosso embaixador da ONU, Adiai Stevenson, e tratou Lyndon Johnson de forma tão vergonhosa em sua visita, durante a campanha presidencial de 1960.

E Dallas ainda estava com disposição para uma violência ainda maior. Havia ódio e veneno na imprensa local. Cartazes proclamavam Kennedy um traidor e Washington, um centro de poder sinistro. Obviamente, o presidente estava enfrentando o perigo mais grave. Ninguém poderia saber disso melhor do que ele. Conselheiros de confiança o incentivaram a não ir para o Texas e, definitivamente, para Dallas.

Então o presidente foi. Claramente arriscando a própria vida, ele partiu na esperança de injetar na situação inflamatória um espírito de razoabilidade e boa vontade. Sem dúvida, ele o fez, pelo menos em certa medida, mas não como planejado. Não veio de uma mensagem falada, mas através de um choque terrível, uma tragédia preocupante. As medidas de segurança foram inúteis. Quão proféticas foram as palavras de Davi com as quais ele encerrou seu discurso que não foi proferido: “Se o Senhor não guardar a cidade, o vigia acorda, mas em vão”.

John Kennedy estava novamente “pronto” para qualquer eventualidade que o destino reservasse para ele. Ele teve insinuações do fim que iria conhecer devido a um incidente ocorrido no verão anterior, quando os motins raciais estavam no auge e as paixões explodiram perigosamente, quase gerando uma erupção violenta ainda maior. Ele estava falando a um grupo de representantes de organizações nacionais sobre os muitos problemas enfrentados pela nação em casa e no exterior, quando a certa altura tirou do bolso um papel de onde leu o famoso discurso de Blanch da Espanha, no Rei João (King John) de Shakespeare:

“O sol está escaldante com sangue: belo dia, adeus!

Qual é o lado que devo seguir?

Eu estou com ambos: cada exército tem uma mão;

E em sua fúria, eu tendo os dois;

Eles rodopiam em pedaços e me desmembram”.

No dia da visita a Dallas, sua hora havia chegado. O mesmo ocorreu no momento culminante de um drama encenado no cenário mundial, em que a trágica morte do ator principal afetou tanto o público que, de luto pelo que foi amplamente sentido como uma perda muito pessoal, brotou inesperadamente da alma coletiva da nação, e no mundo em geral, novas fontes de vida espiritual. Assim, de uma perda tridimensional surgiu um ganho quadridimensional. Isso revelou a verdadeira natureza redentora do sacrifício como o preço da realização e a lei básica do progresso evolucionário.

John Kennedy estava se movendo fielmente rumo ao propósito mais elevado que sua alma havia decidido seguir antes mesmo de entrar em seu renascimento atual. Esse propósito era levar o maior bem possível ao seu país e ao mundo, mesmo à custa do martírio. A autoridade para essas declarações está no mapa dos céus no momento do seu nascimento.

Embora a Mente consciente raramente tenha plena lembrança da rota que a alma escolheu seguir antes do renascimento, o “Eu Superior” não se esquece. Pela intuição do coração, ele pode comunicar ao cérebro físico o caminho que escolheu seguir.

E assim, ao ir para Dallas, onde o perigo espreitava, o presidente estava se movendo com uma consciência idêntica àquela a partir da qual falava quando declarou com confiança que estava pronto para assumir a presidência. Foi assim quando ele se aventurou em uma zona de perigo político. Novamente, ele estava interiormente pronto para qualquer eventualidade.

O mesmo aconteceu com Lincoln, quando se aproximou do seu Gólgota. Ainda não era presidente, mas já sob fogo, ele escreveu: “Vejo a tempestade chegando e sei que Sua mão está nela. Se Ele tem lugar e trabalho para mim, acredito que estou pronto”.

Nem poderia o presidente Kennedy ter esquecido o ciclo de vinte anos que começou em 1840, durante o qual nenhum presidente viveu para cumprir seu mandato. William Henry Harrison assumiu a presidência em 1840 e morreu logo depois. O próximo, na linha da sucessão de vinte anos, foi Lincoln, 1860; Garfield, 1880; McKinley, 1880, todos os três destituídos do cargo por assassinato. Em seguida, veio “A Estranha Morte de William Harding”, 1920; Franklin Roosevelt, 1940; e agora, por último, John Kennedy, 1960, o quarto a morrer nas mãos de um assassino.

Certa configuração astrológica se repete nesses intervalos de vinte anos, o que aparentemente entrava nesse padrão presidencial, embora possa haver mais coisas envolvidas que não foram determinadas.

Ciente ou não do que esse ciclo podia haver pressagiado para ele, Kennedy, aparentemente, não fez coisa alguma para restringir sua liberdade de movimento em todos os momentos. Sorridente, ele saiu para encontrar o que quer que o destino reservasse para ele. Subconscientemente, senão conscientemente, ele deve ter tido o pensamento que Hamlet expressou quando se aproximava da sua hora final e fatal: “Se for agora, não virá; se não for para vir, será agora; se não for agora, ainda virá: a prontidão é tudo”.

E assim, misericordiosamente escondido da Mente presa ao cérebro, mas conhecido do “Eu” superconsciente, Kennedy saiu no dia de sua morte para dar sua vida pela terra que amava e pelas pessoas que viera para servir. De acordo com o testemunho estelar, foi um ato de sacrifício que ele escolheu fazer antes de entrar no presente renascimento. Ao longo dos tempos, a exploração e o estabelecimento de novas fronteiras são fortalecidos e alimentados pelo sangue dos mártires.

(Publicado na Revista New Age Interpreter – Corinne Heline – first quarter, 1963 – traduzido pela Fraternidade Rosacruz em Campinas – SP – Brasil)

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

O Solstício de Dezembro e o Poder Curador da Música “Ave Maria” de Schubert

O Solstício de Dezembro e o Poder Curador da Música “Ave Maria” de Schubert

A música é a linguagem dos Mundos celestes, o que a forma é para o Mundo Físico, a cor é para o Mundo do Desejo e o tom é para o plano mais elevado da consciência, no Mundo do Pensamento.

A música tem o poder de chegar mais profundamente ao espírito do ser humano que qualquer outra arte e atraindo sua atenção às lembranças do mundo espiritual, do qual veio, desperta uma “nostalgia espiritual”. “Creio que nunca estou alegre quando escuto uma música doce” disse Jéssica em uma cena pensativa de amor, na qual Lorenzo, seu amante, responde: “A razão é que seus espíritos são galantes”. Nessas sensíveis linhas, Shakespeare destaca um fato esotérico subjacente, uma experiência mais ou menos comum a todos.

 Um toque de tristeza vem a uma pessoa que reflita em nosso estado presente, a luz de insinuações relativas ao mundo real, de onde nosso “Eu eterno” provém, e de onde está exilado temporariamente.

Certos grandes compositores, de vez em quando, têm sido arrebatados a um espírito de exaltação para comunicar-se com reinos mais elevados e escutar o que se conhece como música imortal porque viverá tanto quanto dure a Terra. Muitas das músicas chamadas “músicas de Natal” pertencem a essa mesma categoria.

Várias canções de Natal são transcrições diretas de cantos angélicos. Ainda que transcritos durante o período medieval e do Cristianismo primitivo, sua beleza e inspiração tem durado, e seguramente continuarão assim através dos ciclos que virão.

Vamos ver, por exemplo, o Poder Curador da “Ave Maria” de Schubert: a música angélica pode ser dinâmica curativa. Isto é verdade no caso da “Ave Maria” de Schubert e se evidência em uma oportunidade que ocorreu durante a II Guerra Mundial. Um jovem soldado foi ferido no campo de batalha na Sicília, sua condição era crítica. No momento que chegou a um hospital na Inglaterra sua Mente estava totalmente “escurecida”. Suas inibições pareciam insuperáveis, porém, ainda que muito incerto, alguns médicos e psiquiatras estavam de acordo que poderiam recuperá-lo se conseguissem fazê-lo liberar suas emoções e chorar, mas todos os esforços foram em vão.

Mais tarde em um hospital norte-americano o resultado desejado foi conseguido por meios inesperados. O paciente de mãos dadas com as esposas dos assistentes foi levado a um teatro onde foi submetido a influência de um instrumento que produzia uma combinação de vibrações de tons e cores. Os ajudantes se viram na necessidade de levantar sua cabeça e manter seus olhos abertos, para que visse a apresentação. À medida que o show avançava, seu encanto mágico fez com que a tensão de seus músculos e corpo fosse diminuindo gradualmente. Então uma coisa milagrosa aconteceu.

A versão de belíssimo tom e cor da “Ave Maria” de Schubert inundou a “tela” e o jovem começou a chorar, suas lágrimas rolaram por 20 minutos sem cessar. Depois ele regressou para o quarto onde dormiu calmamente por 9 horas, sem a necessidade de lhe administrar calmantes. Ainda que estivesse quieto, por não poder falar, nem cuidar de si mesmo de nenhum modo desde o acidente, agora estava calmo e racional. Despertou e disse muito naturalmente: “Acabo de despertar”. E ele sabia disso!

A “Ave Maria” de Schubert é uma transição do paradigma da alma musical da “Virgem Bendita”. Vibrar na nota chave daquele Único e Santo cujo ministério ao ser humano está focado na cura e regeneração.

(Extraído do Capítulo: A Cor e a Música para as Quatro Sagradas Estações, do livro: Cor e Música na Nova Era – por Corinne Heline e traduzido pela Fraternidade Rosacruz em Campinas – SP – Brasil)

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

A Ciência Sagrada das Estrelas

A Ciência Sagrada das Estrelas

Deus é um escritor; o Espaço é sua página; as estrelas, Seu alfabeto; os meteoros, Suas vírgulas; os vastos ciclos do Tempo, Suas frases.

— Francis Merchant

A Religião da Sabedoria pode ser encontrada, em sua forma mais elevada e pura, na Ciência das Estrelas. Nos tempos antigos, antes que a humanidade descesse às profundezas atuais do materialismo, a Astronomia e a Astrologia eram uma só. O universo externo era corretamente concebido como a manifestação exterior de um Espírito Criador, interior e todo penetrante que chamamos de Deus. Quando adoravam o Sol, a Lua e as Estrelas, eram os sublimes Espíritos Cósmicos que residiam nos orbes celestes que os povos reverenciavam.

Em nossa época, o estudo das estrelas é realizado, em grande parte, vazio de espírito. Por meio de telescópios cada vez mais poderosos, perscrutamos o espaço incomensurável, mapeando as posições e os cursos de incontáveis corpos celestes. No entanto, como um dos personagens de Shakespeare observa na obra: Trabalhos de amores perdidos.

Esses Padrinhos terrenos das luzes do Céu

Que dão nome às estrelas que fixas são

Não aproveitam suas noites brilhantes mais

Do que aqueles que caminham sem saber o que são.

A Astronomia deveria ter, como uma das suas funções, a de ler a literatura escrita por Deus no Livro do Céu sobre a atividade de todas as criaturas do universo. Não apenas o que aconteceu no passado e o que está acontecendo no presente são expressos aí, mas o que acontecerá no futuro também. Uma vez que dominemos a Astronomia, portanto, Deus terá o prazer de nos contar tudo sobre o mundo.

A Grande Educação de Deus pode ser tocada pelo ser humano através dos fenômenos naturais da Natureza, sempre que ele abre a porta da sua Mente e se une ao Grande Espírito do universo. Vista por essa luz, a vida de todas as criaturas, para não falar da humanidade, deve ser conduzida de acordo com o “espírito sol-lua-estrela”; ou seja, o símbolo de Deus.

A melhor forma de ler a Astronomia é fazer dos céus estrelados um objeto de estudo científico e, então, tentar apreender o espírito de cada um dos corpos celestes que aparecem em seu exterior. De acordo com minha explicação, o mais importante é interpretar de modo espiritual a aparência externa da esfera celestial.

Tal interpretação pode ser facilmente compreendida tomando uma pessoa como exemplo. Mesmo quando a encontramos pela primeira vez, podemos falar sua idade, trabalho, caráter, expectativa de vida, destino e muitas outras coisas, observando sua aparência externa.

Também pode-se buscar o Grande Espírito no órgão ativo do universo por meio de sua aparência externa. Quando se pratica a Astronomia com isso em mente, a pessoa será capaz de perceber claramente que todas as coisas no universo são criadas quando os espíritos duais do Céu e da Terra são combinados. A origem da atividade dos fenômenos naturais produzidos pelo Deus-Natureza é a missão principal atribuída à Astronomia.

Os corpos celestes são, de fato, feitos de matéria física; porém, na realidade, eles nada mais são do que o vaso do espírito. Aqueles interessados em, e que tentam dominar a, Astronomia, portanto, devem se devotar à compreensão do significado da espiritualidade dos corpos celestes. A ciência da Astronomia pode se animar e provar seus méritos, sendo apreendida espiritualmente em sua visão profunda, em vez de ser estudada materialmente por meio de observação e cálculo. Ao fazer isso, a pessoa pode ver o Poder de Deus exibindo sua atividade na Natureza, por meio da qual todas as coisas são criadas pelo Céu e pela Terra, vivendo suas vidas de acordo com ela.

Para alcançar o Mundo de Deus o ser humano deve entrar pela porta da substância nos corpos celestes e, partindo daí, adentrar o íntimo do espírito. Deus exerce Seu Poder de várias maneiras, desde a criação do macrocosmo, que é o maior evento, até a perfeição de uma molécula microscópica, o menor. No Mundo de Deus, porém, não há ideia de tamanho, sendo tudo o mesmo, espiritualmente.

O ser humano é constituído de modo a viver de acordo com a Vontade Divina, centrando-se em Deus Pai, a Quem deve sua vida. O mais significativo para ele é, logo, fazer a Vontade Divina através da Astronomia.

A Ciência da Astronomia deve ser uma derivação do Mundo de Deus, incorporando todos os dados necessários para esse propósito. Ela permite ao ser humano esclarecer o princípio indispensável à vida humana. É por isso que é chamada de rainha das ciências.

É a Religião que estuda a realidade do universo, em aspecto espiritual; é a Astronomia que estuda o número do universo, no lado físico, e tenta apreender seu Grande Espírito. Seguindo caminhos diferentes, as duas chegam ao mesmo cume. Isso explica claramente o fato de que Religião e Astronomia são uma só. A ciência da Astronomia pode muito bem ser considerada um método de exposição da Religião e não apenas um ramo da ciência.

Vemos que o Sol e a Lua podem deixar tudo claro, ao se combinarem. Consequentemente, um calendário é ainda mais valioso, considerando que é composto da força do Sol, da Lua e das estrelas. Um calendário significa não apenas a passagem do tempo, mas também o conhecer a novidade lendo a velhice.

O estudo da aparência mais externa dos corpos celestes nada mais é do que a “Astronomia feita pelo ser humano” e está longe da realidade. E, no entanto, o astrônomo de hoje, sem exceção, parece se dedicar a esse gênero de Astronomia. Os segredos da Astronomia não podem ser dominados apenas pelo conhecimento humano, assim como a misteriosa essência da Religião não pode ser apreendida meramente por seu estudo filosófico. Com o conhecimento humano isolado de Deus, ninguém pode romper sua própria barreira e se comunicar com Ele, não importa o quanto tente.

A Astronomia, como equivalência à Religião, deve conter espiritualidade. O estudo da Astronomia, portanto, deve ser realizado tanto do ponto de vista espiritual quanto do físico para transmitir a Vontade Divina à Terra e traduzir em ação o domínio do Céu: caso contrário, não contribuirá para a elevação espiritual da humanidade.

A simples visão de um calendário mostra claramente as relações entre a Natureza e o ser humano, que são misteriosas demais para a ciência fornecer uma solução clara. Religião e Astronomia formam um par de “contra espelhos”: são espelhos um para o outro. Quando o mundo de hoje é refletido neles, eles mostram vividamente que o poder da “Religião astronômica” não é outro senão o Poder de Deus.

(Publicado na Revista New Age Interpreter – Corinne Heline – second quarter, 1962 – traduzido pela Fraternidade Rosacruz em Campinas – SP – Brasil)

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

Coragem: “aquele que der um começo, já terá feito a metade da coisa”

Coragem: “aquele que der um começo, já terá feito a metade da coisa”

São necessárias cordas durante a descida de algum trecho pequeno, porém escorregadio e rochoso, de superfície escarpada, numa última etapa de um exercício de escalada de montanha.

“Admiro a sua coragem”, observou um espectador ardentemente, quando um dos alpinistas se sentou na relva, descansando um pouco, antes de regressar à sua casa.

O alpinista olhou o seu admirador de forma perturbada e, em seguida, disse-lhe de modo um tanto embaraçado: “Não há de que”. Não conhecia muito bem o seu admirador e mesmo que o conhecesse, seria o caso de lhe dizer que não foi necessário ter coragem alguma para fazer a escalada e a descida? Seria o momento de dizer que isso lhe deu a coragem de adentrar grutas ou qualquer outro espaço reduzido, escuro e fazer a sugestão de que talvez o seu admirador pudesse desempenhar essa exploração de modo igualmente fácil? Muita discussão por um comentário tão simples! Melhor não dizer coisa alguma — pelo menos, nesse instante.

Contudo, chega um momento em que o assunto coragem deve ser explorado muito cuidadosamente pelo aspirante a uma vida superior, caso se considere totalmente zeloso e sincero. Por quê? Mas por que é tão importante a uma vida baseada na Filosofia Rosacruz? Talvez possamos melhor responder a essa indagação após considerarmos a coragem um pouco mais profundamente.

A maioria de nós reconhece de modo vago que o que exige um esforço varia de pessoa a pessoa; mas possivelmente muitos não se detiveram para perceber que a maior parte das pessoas “normais”, existentes atualmente no mundo, realizou, em certa época, esforços enormes. Por exemplo, diz-se que o desejo de locomoção surge antes da capacidade de se movimentar. E as tremendas batalhas que devam ter ocorrido à medida que o ser humano, em sua formação, aprendeu a conduzir os seus veículos de um lugar a outro são vistas de modo telescópico nas primeiras tentativas fracas e desajeitadas de um bebê procurando locomover-se. Do mesmo modo que cada um de nós apresenta melhores rendimentos em certa matéria do que outros, em assuntos escolares, cada qual aprendeu suas lições quanto ao funcionamento nas várias atividades deste mundo de um modo melhor em algumas matérias do que em outras; porém todas as nossas atividades presentes exigiram esforço em certa época — e alguma coragem, quando procurávamos algo novo.

E, se pensarmos um pouco mais, a maioria de nós se apercebe de que uma ação que quase não levamos em consideração em certo momento de nossa vida, ação que até mesmo poderíamos exercer alegremente, poderá, em outros instantes, constituir um supremo ensaio de vontade. Poderá surgir um momento na vida de todos nós em que até mesmo o despertar em uma manhã ou o início de um novo dia poderá exigir muita resistência moral, quando significar a necessidade de encarar novamente problemas ou dores que pareçam difíceis de enfrentar.

No entanto, após reconhecermos que os atos de coragem significam diferentes coisas a pessoas diferentes, ou coisas diversas em tempos diversos para a mesma pessoa, eventualmente encobriremos a verdade de que haja certas lições básicas e gerais quanto à coragem, lições que todos nós deveremos aprender, se formos aspirantes sinceros a uma vida superior, da mesma forma que houve certos atributos físicos que tivemos de desenvolver para podermos viver a nossa atual vida física. Aqui estão algumas dessas lições básicas, sendo que o leitor provavelmente desejará acrescentar outras mais.

1 — A coragem de reconhecer e aceitar os próprios traços indesejáveis e em seguida fazer o máximo para transmutá-los. Cada um de nós tem pelo menos uma tendência indesejável ativa ou abrandada e a mantemos, provocando embaraços de modo sabidamente errado ou, pelo menos, em desarmonia com nossa capacidade mais elevada e, lutando contra essas tendências retrógradas, pode obter fortaleza. Por exemplo, há necessidade de muita coragem para nos dizermos honestamente, algumas vezes, que o que gostamos de apreciar como sendo exteriorização é, na realidade, um mau temperamento e, parcialmente, um ressentimento sepultado. Poderá também ocorrer que haja alguma falta ou área congestionada em nosso caráter que não possamos honestamente perceber. É aqui onde um amigo de confiança, que seja um astrólogo competente, poderá ser muito valioso: mesmo se nós próprios conhecermos a astrologia, poderá ser muito fácil passar por cima de algumas indicações negativas de nossos horóscopos.

Mas após termos erguido as nossas faces, banhadas de lágrimas, dessas questões soluçantes, talvez nos perguntemos qual seria o melhor modo de combater todos os pontos negativos que tenhamos acumulado. A resposta dada por Max Heindel é que não devamos fazer isso diretamente. Em harmonia com o sentimento da velha canção que nos exorta a acentuarmos o positivo, ele nos diz para praticarmos a virtude oposta à falta que desejarmos eliminar. Trata-se de outra aplicação daquilo que aprendemos a respeito do Mundo do Desejo: a atenção de toda espécie, agradável ou desagradável, causa uma grande atividade no sujeito e na coisa agradável ou desagradável. Porém a indiferença mata, de modo que devamos ignorar a falta e procurarmos aumentar a virtude oposta, amando-a e praticando-a. Assim, se percebermos que estejamos inclinados à tristeza, não devemos nos recriminar por não sermos eufóricos, porque assim ficaremos rapidamente muito mais ansiosos e angustiados. Ao contrário, se praticarmos a jovialidade, ela se tornará eventualmente uma parte de nós próprios e sentiremos realmente o otimismo, suas vantagens e os benefícios de nos empenhar duramente nesse método na tradução original, “duramente para encontrar nossas vizinhanças”. Até mesmo nos males físicos esse princípio opera a nosso favor: em uma certa espécie de artrite, um dos melhores medicamentos é a movimentação deliberada das partes enrijecidas e doloridas. Certamente que isso exige esforço! Mas é disso que estamos tratando.

2 — A coragem de apreciar a morte como um princípio. Atualmente não temos a caça às feiticeiras, que culminava na queima dos corpos em praça pública; nem mais se crucifica uma pessoa como nos tempos bíblicos, em virtude de ofensas triviais das quais se pudesse ser acusado, como hoje em dia — falsamente. Não há igreja que nos jogue na prisão para definhar e torturar, pelo menos não neste país. Como então essa espécie de coragem seria, na atualidade, algo que não fosse mais do que mero interesse acadêmico?

Neste século tem havido oportunidades aos que vivem em certos lugares para exercitar este tipo de coragem, manifestando-se contra as injustiças e procurando corrigi-las. A Alemanha nazista constituiu um lugar onde alguém poderia correr risco de vida pela defesa de um princípio; hoje em dia, Espanha e Portugal são outros.

Porém, as Forças Superiores sempre encontram meios de provar os estudantes em certo momento de suas vidas, nesse aspecto de coragem e talvez o meio mais comum em nosso país, atualmente, seja através da enfermidade.

Você talvez tenha estado doente durante longo tempo, acamado na maior parte desse tempo, de modo que se encontre bastante enfraquecido. Os médicos meneiam suas cabeças e mostram suficientemente, pelos seus comportamentos, que acreditem terem feito tudo o que pudessem; os amigos forçam conversações prazenteiras através de semblantes sombrios. Você mesmo está quase resignado quanto à desesperança de seu caso. Então, começa a sugestão. Trata-se de fazer algo que há muito decidiu ser nocivo a seu corpo e sua alma. Mas após tudo isso, dizem seus amigos, experimentou-se tudo mais e imaginam o quanto de bem poderão fazer após conseguirem a cura! O choque mais cruel de todos surge quando até mesmo seus melhores amigos, ligados à Filosofia Rosacruz, induzem-lhe a esse curso de ação errado para salvar a sua vida, conforme dizem.

No entanto, silenciosamente, você diz a si próprio: “Sei que me encontro agora próximo da morte. Todavia, não desejo ir, porque há muita coisa que gostaria de fazer. Porém, se tomar essa atitude que eu saiba ser errada e recuperar a saúde, haverá sempre aquele senso atormentador que assim agi fazendo algo errado e nunca mais estarei em condições de trabalhar, segundo o mais expressivo e o melhor de minhas capacidades, em virtude daquele espectro que fica observando por trás de meus ombros. Tentei tudo o que sabia estar em harmonia com meus princípios. Se tiver de morrer agora, morrerei de qualquer modo, não importa o que eu faça”.

Dessa forma, você se certifica de que os seus negócios se encontrem em ordem e repousa em seus travesseiros para exalar o último alento exausto, porém contente…

Contudo, algo acontece. Alguém chega, pousa as mãos em você e, no dia seguinte, você já se ergue e sai, após ter estado na cama durante meses. Ou você simplesmente melhora gradualmente, embora não faça algo diferente. Mas, em primeiro lugar, você terá de mostrar aquilo que realmente deliberou durante a noite tempestuosa em que tomou a decisão há longo tempo, em um pacífico dia ensolarado.

3 — Coragem para desafiar qualquer elemento físico, quando necessário.

O que você teme neste Mundo Físico? O fogo? As alturas? Inundações? As crianças? As pessoas idosas? A eletricidade? Serpentes? Se houver neste mundo algo que desperte em nós o desejo de nos afastar, eis um problema que deva ser encarado completamente, agora, uma vez que, quanto mais o medo for encoberto, tanto mais se inflama, desenvolve e suas raízes se aprofundam muito mais, no decorrer do tempo.

Familiarize-se, por meio da leitura, com os aspectos da constituição e da estética de tudo aquilo que você teme é adequado, de forma que passe a dispor de uma riqueza de informações alusivas ao assunto, porque muitas vezes tememos mais o que nos é estranho, desconhecido e inominado. Em seguida, familiarize-se de primeira mão. Se você teme a água e não sabe nadar, tome lições de um instrutor competente. Se você teme as alturas, faça caminhadas pelas colinas e depois pelas montanhas. Primeiramente, aprecie a vista da parte baixa de um penhasco. Gradualmente, faça-o cada vez mais próximo do topo. Tire em seguida o seu bacharelado, encabeçando algumas escaladas.

4 — A coragem de arriscar cometer algum engano, quando for necessária alguma ação. Quantas vezes desistimos de realizar até ações mais simples, com receio de dizer ou fazer coisas erradas ou pelo medo de parecer enlouquecidos? E quantas vezes nos mantivemos na retaguarda por não termos feito algo e, assim, perdido uma possível oportunidade de experimentar aquela sensação extraordinária de crescimento e expansão?

“Mas o erro que poderíamos cometer seria monumental”, você poderia dizer. “Poderia”, sim; porém você não tem a certeza disso. E mesmo se você tivesse feito algo radicalmente impróprio, sabemos que as Hierarquias criadoras, bem acima de nós em matéria de evolução, também cometem erros: os cometas são o resultado de uma tentativa de criação no cosmos que, por alguma razão, não “se gelificou” e atingiu a órbita adequada, de forma que eles vêm e vão, malogros divinos perdidos na face da profundidade.

Desse modo, devemos provar a nossa fé através de obras: obras significam experiência concreta e a experiência deve envolver alguns erros.

Max Heindel nos diz que o mundo necessita de seres humanos que façam e não que sonhem ou leiam. Em suma, será feito na terra de nossos corpos o que acontece no Céu de nossos Espíritos.

5 — A coragem de estar só. Nós a temos na mais alta autoridade, a do Próprio Cristo; em certa época de sua carreira esotérica, o estudante de ocultismo sincero deve estar completamente só, fisicamente, para enfrentar sua sorte e seus problemas. Os parentes estão disseminados e não compreenderiam. Os amigos também parecem estar muito longe, física, mental e espiritualmente. Não parece possível receber ajuda de ser vivente algum. Cristo, que é o Precursor em um sentido muito literal, sentiu essa desolação no Jardim do Getsemani, quando perguntou amargamente se nenhum de Seus discípulos adormecidos poderia velar com Ele.

Porém, quando nós bravamente tomarmos a nossa cruz, seja ela pequena ou grande, existirão amigos em ambos os lados do véu prontos para auxiliar-nos a carregá-la. Descobriremos que a solidão, como tudo mais que seja apenas desta vida, foi somente temporária. Goethe, o poeta Iniciado, escreveu:

“Aquele que nunca come o seu pão na amargura

 e jamais passa por horas tenebrosas,

pranteando e aguardando o amanhecer,

não conhece os Poderes Celestiais”.

6 — A coragem de continuar tentando. De acordo com T. S. Eliot, somos “unicamente derrotados porque tentamos”. Isso poderá ser um pequeno consolo para alguém que tenha um pertinaz problema de saúde, que há muito esteja suportando um pesado encargo familiar ou talvez venha tentando há muitos anos romper um mau hábito, como modificar um traço inadequado da personalidade ou do caráter. Mas a Filosofia Rosacruz nos diz que, se persistirmos no rumo certo, mesmo que não possamos ver os resultados, eles ali estarão. Isso porque as imagens de nossas circunvizinhanças incluem as condições que estejam dentro de nossa própria aura. Se tivermos criado em nossas mentes a imagem de uma coisa que desejemos obter e tivermos revestido essas imagens mentais com um intenso desejo de ser bem-sucedido, a mente modificada e o desejo impulsor ativo eventualmente tornarão o Corpo Vital muito mais fixo e resistente, o qual, por sua vez, acarretará quaisquer modificações necessárias no veículo mais sólido a ser modificado, o Corpo Denso. Assim, mesmo se intimamente trabalharmos durante toda uma existência em um problema sem resultados tangíveis no mundo físico, teremos a promessa de que esses resultados se mostrarão na próxima vida, uma vez que os corpos mais elevados desta vida determinam a qualidade dos mais baixos, na outra. E, quem sabe? Poderemos não ter de trabalhar durante toda uma existência nesse problema. Ajuda-nos também a lembrança de que a hora mais obscura é comumente anterior à alvorada.

Existem pelo menos duas coisas que devamos manter em mente, relacionadas com todas as espécies de coragem que mencionamos. A primeira é uma advertência. A coragem sem previsão e discriminação não é coragem, mas, sim, temeridade, insensatez e um trágico desperdício de energia valiosa. Devemos nos lembrar de que as forças negativas estejam sempre prontas para tentar e enredar, particularmente o estudante sincero. Trata-se de um fio de navalha sobre o qual devemos andar. O segundo ponto importante a refletir constitui uma ajuda ao nosso desenvolvimento em matéria de coragem. Trata-se daquilo que João nos diz em sua primeira epístola: “o perfeito amor afasta o temor”. Isto não significa necessariamente que devamos aprender a amar o que tememos, porque o que tememos pode ser verdadeiramente mau. Porém o amor por alguém ou por um princípio e os atos desempenhados a favor desse amor poderão dissolver completamente todos os nossos temores precedentes.

Agora que falamos de algumas das modalidades de coragem que nós, como estudantes de ocultismo, precisaremos desenvolver em alguma época de nossas carreiras, talvez estejamos em posição melhor para compreender por que nós as necessitamos e por que necessitamos de qualquer espécie de coragem, pelo menos. Se não nos esforçarmos e tentarmos transmutar as características indesejáveis em nós próprios, então estaremos simplesmente colocando-nos por detrás do caminho evolutivo lento e laborioso daqueles que aprenderão apenas pela experiência e não estaremos realmente entre os que conquistarão o Céu por assalto. Se não estivermos prontos a lutar por um princípio, então o mesmo não nos terá qualquer significado e não poderemos esperar ser os depositários de verdades e poderes maiores; dessa forma,  até mostrarmos o aspecto de coragem física, faríamos melhor se o desenvolvêssemos, até porque nas expressas palavras de Max Heindel, quando explanava sobre o Tannhauser, o estudante sincero deve “perceber que deva possuir as mesmas virtudes requeridas de um cavalheiro, uma vez que sobre a senda espiritual também existam perigos e lugares onde é necessária a coragem física”. Se não tivermos a coragem de agir quando devemos, mesmo se a ação signifique um possível erro, então não estaremos agarrando as oportunidades de progresso e estaremos provavelmente nos chocando contra as ondas. Se não pudermos, em momento algum, sentirmo-nos plenamente sós, então não estaremos desejosos de partilhar de modo algum da vida do Cristo. Se não tivermos a coragem de continuar tentando, então mostraremos que realmente não temos fé na verdadeira filosofia em que dizemos acreditar, filosofia que explica por que um esforço nunca é desperdiçado. Finalmente, uma coisa muito importante: necessitamos de coragem de todas as espécies a fim de sobrepujarmos o Guardião do Umbral. Se formos estudantes sinceros, deveremos certamente nos encontrar com essa entidade algum dia.

Shakespeare disse em Rei Lear que “a coragem emerge com a ocasião”. Esperemos que assim seja, porque há muitas ocasiões nesse período de nossa história. As condições internas são espelhadas extrinsecamente pelo microcosmo e macrocosmo: o mundo e sua aura estão em agonias de batalhas monumentais, envolvendo todas as espécies de forças. Se você não se sentir necessitado de modo algum, fechará os seus olhos e ouvidos.

De forma que, coragem, caro coração! E relembre-se, com o poeta Horácio, de que aquele que der um começo, já terá feito a metade da coisa.

(Publicado na revista Serviço Rosacruz de fevereiro/1970)

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