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PorFraternidade Rosacruz de Campinas

O Orgulho: nada nos torna mais duro e mais cego; nada nos é mais funesto ao nosso progresso espiritual

Dissemos que o tripé em que fundamos a verdadeira renúncia é a: sobriedade, humildade e castidade. Abordemos a questão da humildade que, por associação, atrai seu antônimo: o orgulho.

Paralelamente à gula, o que mais é de recear em nós é o orgulho e a sede das riquezas. Nada nos torna mais duros e mais cegos do que exagerar em nosso valor pessoal. Nada nos é mais funesto ao nosso progresso espiritual e à saúde do que estar de posse de grandes riquezas, a menos que seja um caráter excepcional, capaz de usá-las como quem administra os “bens do Senhor”.

Nada torna mais impróprio de triunfar numa provação do que viver no luxo e na adulação. Os grandes que possuem riquezas materiais deste mundo não imaginam quanto mais perto estão do abismo do que os humildes. O poder mundano e terrestre deles os embriaga. Uma vez nas alturas, eles não procuram mais do que aumentar o seu campo de domínio, em lugar de se esforçarem unicamente em praticar o bem em face dos pequenos. Mas que quedas estrondosas, quando se realiza a palavra da Escritura: “Depôs do trono os poderosos e elevou os humildes” (Lc 1:52).

Quem julgas tu que é o maior no Reino dos Céus? “, perguntava a Cristo-Jesus os seus Discípulos. E, chamando um menino, o pôs no meio deles e disse: “Na verdade vos digo, que, se vos não converterdes, e vos não fizerdes como meninos, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 18:1-3).

Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas… Ai de vós condutores cegos, porque sois semelhantes aos sepulcros branqueados que, parecem por fora formosos aos homens, e por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda a espécie de podridão… Aquele que se elevar, será humilhado e aquele que se humilhar, será elevado” (Mt 23:27).

Aquele que quiser ser o maior entre vós esse seja o que vos sirva. E o que entre vós quiser ser o primeiro seja esse vosso servo. Assim como o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir.” (Mt 20:26-28).

Mas ai de vós, os que sois ricos, porque tendes a vossa consolação. Ai de vós, os que estais fartos, porque vireis a ter fome. Ai de vós, os que rides, porque gemereis e chorareis” (Lc 4:24-25).

É mais fácil passar um camelo pelo fundo duma agulha do que entrar um rico no Reino dos Céus” (Mt 19:24).

De que serve ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma?” (Mt 16:26).

Amontoai para vós tesouros no céu, onde não os consome a ferrugem nem a traça e onde os ladrões não os desenterram nem roubam. Porque onde estiver o teu tesouro, estará também o teu coração.” (Mt 6:20-21).

E para que seus Discípulos compreendessem bem a onipotência da pobreza e o exemplo divino que se deve dar, Cristo Jesus dizia-lhe: “As raposas têm covis e as aves do céu ninhos, mas o Filho do homem não tem onde pousar a cabeça” (Mt 8:20).

Depois, quando Ele os enviou a cumprir a sua missão evangélica, fez-lhes a seguinte recomendação: “Dai de graça o que de graça recebestes. Não possuais ouro, nem prata, nem dinheiro nos vossos cintos. Nem alforjes para o caminho, nem duas túnicas, nem calçado, nem bordão; porque digno é o trabalhador do seu alimento” (Mt 10:9-10).

Aqueles que erram por orgulho, os que gozam egoisticamente as suas riquezas mundanas, preparam para si as piores atribulações e os mais duros sofrimentos.

E quando se trata para eles de vencer uma provação, raro percebem o remédio, isto é, o renunciamento a aplicar, porque o orgulho com os seus satélites: a vaidade, a sede de consideração, a pretensão, o desdém se introduzem no mais profundo do ser e a cegueira sobre as suas taras de caráter, as suas responsabilidades e os seus erros. Quantas pessoas caem no insucesso e na desgraça, porque entende não deverem reduzir, em coisa alguma as suas ambições e os seus gozos! Como são raras as pessoas, suficientemente esclarecidas na espiritualidade, que se tornam pequenas diante da provação, que examinam a extensão das suas ignorâncias, de suas incapacidades, numa palavra: que façam ato de humildade!

Depois do amor ao próximo, a humildade é a virtude Cristã fundamental.

Assim não nos devemos admirar de ver que a humilhação é o grande remédio que a providência emprega para pôr à prova os orgulhosos e os ricos, demonstrando-lhes a vaidade de suas vantagens e de seus bens materiais, para conservar a saúde do Corpo e a paz da Alma. Com efeito, para que servem o dinheiro e a celebridade, quando se avilta o organismo humano e conspurca o Espírito?

O Senhor guarda aqueles que são simples: fui humilhado, por ele fui salvo” (Sl 114). “Foi bom para mim que vós me tivésseis humilhado para assim conhecer a Vossa justiça.” (Sl 118).

A humildade é grande fonte de felicidade, poderoso meio de progresso, remédio heroico contra todos os sofrimentos corporais e as feridas de amor-próprio. A humildade é o unguento que faz fechar todas as feridas. A humildade é, juntamente com a oração, o meio mais firme de ser exaltado.

Ser humilde é primeiramente nos tornarmos muito pequenos, até chegarmos a zero, considerando a insuficiência da nossa inteligência, as lacunas de nosso saber, as faltas que cometemos. É darmos conta em seguida que tudo a que podemos realizar de bem, foi Deus que o realizou por nós e que o nosso papel está limitado a nos apresentarmos no estado de dóceis instrumentos, porque nada temos de bom que seja nosso e nenhum bem praticamos que o não tenhamos recebido de Deus! Sim, é uma grande verdade que nada temos de bom que seja nosso, e que a miséria, o nada, são o nosso quinhão. Aquele que isto ignora, caminha na mentira.

Ser humilde é não procurar quaisquer honras deste mundo, é se esforçar por passar despercebido, é ficar em último lugar, é se conduzir como Cristo pediu: “Quando fores convidado para alguma boda, não vás ocupar o primeiro lugar, porque pode ser que esteja ali outra pessoa mais considerada do que tu, convidada pelo dono da casa. E que, vindo este, que te convidou a ti e a ele, te diga: ‘Dá o teu lugar a este’; e tu envergonhado vás ocupar o último lugar. Mas, quando fores convidado, ocupa o último lugar, para que, quando vier o que te convidou, te diga: ‘Amigo, assenta-te mais acima’. Servir-te-á isto, então, de glória na presença dos que estiverem juntamente assentados a mesa. Porque todo o que se exalta será humilhado, e todo aquele se humilha será exaltado” (Lc 14:8-12).

Ser humilde é se abster de enumerar os seus méritos e não pensar senão em se colocar na atitude do pobre pecador: “subiram dois homens ao templo para orar, um fariseu e o outro publicano. O fariseu, de pé, orava assim: ‘Graças te dou, meu Deus, porque não sou como os outros homens, que são uns ladrões, uns injustos, uns adúlteros, como é também este publicano. Jejuo duas vezes por semana; pago o dízimo de tudo o que possuo’. E o publicano, pelo contrário conservando-se afastado, não ousava mesmo levantar os olhos para o Céu; mas batia no peito dizendo: ‘Ó Deus, tende piedade de mim, que sou um pecador’. Digo-vos que este voltou para casa justificado e não o outro; porque todo o que se exalta será humilhado, e todo aquele que se humilha será exaltado.” (Lc 18:10-15).

Ser humilde é cumprir o seu dever, sem esperança de recompensa, é ajudar os fracos, os ingratos, os pobres, numa palavra: todas as pessoas que são incapazes de dar-vos valor, de recompensar-vos ou de agradecer-vos. “Evitai fazer as vossas boas obras diante dos homens com o fim de serdes vistos por eles; doutro modo, não tereis recompensa de vosso Pai, que está nos Céus.” (Mt 6:1). “Quando deres algum banquete, convide os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos. E serás bem-aventurado porque esses não têm com que te retribuir, mas ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos.” (Lc 14:13-14).

Ser humilde é tratar de se contentar com coisas simples, no que diz respeito a conforto, a alimentação e a vestuário. Por amor de Nosso Senhor, eu vos suplico, minhas irmãs e meus irmãos, evitai sempre as casas grandes e suntuosas. Como é comovente construir grandes casas, com os bens dos pobres. Procure sempre se contentar com o que há de mais simples, tanto para o vestuário como para a alimentação. De outra forma, teremos muito que sofrer, porque Deus não proveria as nossas necessidades e perderíamos a alegria do coração. E nos tornamos senhores de todos os bens deste mundo, desprezando-os.

Ser humilde é se recusar a submeter à justiça dos seres humanos aqueles que vos perseguem. Se nos humilhamos e se renunciamos a nós mesmos, fazendo o sacrifício da reparação terrestre – ou seja, praticamos o arrependimento e a reforma íntima, base de um Exercício Esotérico noturno de Retrospecção para quando fazemos o mal durante um dia recém-finco –, maior será a reparação espiritual e mais eficaz será a proteção de que se beneficiará, porque Deus pune duramente os ataques de que os justos são o objeto. “Se for possível e se isso depender de vós, conservai-vos em paz com todos os seres humanos. Não vos vingueis vós mesmos, meus muito amados, mas deixai atuar a justiça de Deus, porque está escrito: ‘Para mim o julgamento; sou eu quem retribuirá’, disse o Senhor. Mas, se o teu inimigo tem fome, dá-lhe de comer; e se tiver sede, dá-lhe de beber; porque procedendo assim são carvões ardentes que tu amontoarás sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem.” (Rm 12:18-21).

Ser humilde é, numa palavra, matar dentro de nós mesmos todo o germe de satisfação orgulhosa e sensual, de forma a chegar a uma perfeita indiferença perante os elogios ou as calúnias. É assim que adquirimos a liberdade interior e que não nos importamos mais ouvir falar de nós, tanto em mal como em bem, como se tal coisa não nos dissesse respeito. Um ponto pode nos aborrecer muito, se não nos acautelamos. É o dos louvores, elogios, fama mundana. Nesse caso, nos dizem que somos santos, beneméritos e até filantropos, e se servem de expressões exageradas, que se diriam sugeridas por um tentador. Nunca nos deixemos passar semelhantes palavras sem declarar a nós mesmos uma guerra interna. Lembremo-nos de que maneira o mundo tratou Cristo-Jesus, Nosso Senhor, depois de tanto O terem exaltado no conhecido como “Dia de Ramos” ou, popularmente, “Domingo de Ramos”. Pensemos na estima que se concedia a S. João Batista, a ponto de considerá-lo o Messias e vejamos, em seguida, como e por que motivo lhe cortaram a cabeça. O mundo nunca exalta, senão para rebaixar, quando aqueles que exaltam são “filhos de Deus”. Lembremo-nos dos nossos pecados e supondo que sobre qualquer ponto de vista se diz verdadeiro, pensemos que é um bem que não nos pertence, e que somos obrigados a muito mais. Excitamo-nos o receio em nosso interior, a fim de impedirmos de receber com tranquilidade este “beijo de falsa paz” que o mundo constantemente nos oferece.

Quando somos humildes, sofremos por ouvir o nosso próprio elogio. Para sermos verdadeiramente humildes, é necessário ainda destruir em nós qualquer ambição, limitando-nos ao cumprimento rigoroso do dever presente, e abandonando o resto aos cuidados da Providência, de Deus. É Ele quem decidirá da utilidade do nosso bom êxito presente e quem fixará a hora da nossa recompensa aqui ou nos Céus. E graças a este estado de espírito intimamente vivido que tantas pessoas realizaram e realizam obras prodigiosas antes e depois da morte delas. Assim, não devemos ficar surpreendidos em ver os grandes Místicos e Ocultistas serem atormentados pela necessidade de humilhação e a paixão do renunciamento. Desprezemo-nos a nós mesmos e desejemo-nos que os outros nos desprezem. Não foquemos na fama mundana. Para chegarmos a possuir tudo, tratemos de nada possuirmos. Administremos, somente. Para chegarmos a ser tudo, procuremos nada sermos. Já que ser aqui é aparência, é ilusão, é a Personalidade. Porque para alcançar o Todo devemos renunciar completamente a tudo. Para que possamos construir o Corpo-Alma. Neste desprendimento encontramos a nossa tranquilidade e o nosso repouso, para nos dedicarmos dia a dia ao nosso desenvolvimento espiritual. Profundamente estabelecido no centro do nosso nada, não poderíamos ser oprimidos por aquilo que vem debaixo e, nada mais desejando, o que vem de cima não nos fatigará; porque os nossos desejos, sentimentos e emoções que construímos e insistimos em manter baseados nas matérias das três Regiões inferiores do Mundo do Desejo são a única causa dos nossos sofrimentos.

Na prática, a extinção de todo desejo, sentimento e toda emoção que construímos e insistimos em manter baseados nas matérias das três Regiões inferiores do Mundo do Desejo deve se compreender como a restrição do esforço ao cumprimento do dever cotidiano. Passar uma vida regrada, simples, reta e útil sem se preocupar nem com o passado, nem tão pouco com o futuro; abandonando-se humildemente a direção de Deus quanto ao restante, tal é a verdadeira concepção mística da vida.

A humildade, na vida presente, poderá ser exercida suportando com paciência as desavenças, as injúrias e os sofrimentos, se comportando a respeito de todos com benevolência e doçura sem limites. Esforcemo-nos para realizar o melhor que podemos, seguindo o grande exemplo de Cristo. “Pois eu estou no meio de vós outros assim como o que serve.” (Lc 22:27). “Eu sou manso e humilde de coração.” (Mt 11:28).

Da humildade decorre ainda outro renunciamento: é aquele que consiste em nos recusarmos a julgar os outros. O melhor meio de nos exercitarmos é, primeiramente, nos obrigarmos a nunca falar mal do próximo. “Não julgueis, e não sereis julgados; nada condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados. Dai e dar-se-vos-á; no vosso seio vos meterão uma boa medida de que vós vos servirdes para os outros, tal será a que servirá para nós.” (Lc 5:37-38).

Depois, em presença da nossa indignidade, das nossas fraquezas pessoais e da infinita bondade de Deus, é preciso subjugar a nossa Personalidade e destruirmos em nós todo o germe de ódio, rancor, vingança. Para obtermos o próprio perdão, é necessário começarmos por concedê-lo aos outros. Todas as vezes que a nossa vida está em perigo duma maneira assustadora, é preciso deixarmos a Deus o cuidado de nos proteger e orarmos pelos perseguidores, porque a injúria feita a um justo é sempre motivo para terríveis sanções. Todas as vezes que cometemos um erro, é preciso repará-lo e nos impormos a humilhação de o pagarmos. Todas as vezes que quem ofende sinceramente se arrepende, devemos lhe perdoar sem hesitar.

Vós tendes ouvido o que se disse: olho por olho, e dente por dente. EU, porém, digo-vos que não resistais ao que vos fizer mal… E ao que quer demandar-te em juízo e tirar-te a túnica, larga também a tua capa. Dá a quem te pede… Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos têm ódio, e orai pelos que vos perseguem e vos caluniam. Para serdes filhos de vosso Pai que estais nos Céu, que faz nascer o Sol sobre os bons e maus. Sede, então, perfeitos, como também o vosso Pai celestial é perfeito.” (Mt 5:38-48).

Mas quando vos levantardes para orar, se tendes alguma coisa contra alguém, perdoai-lhe, para que também vosso Pai, que estais nos Céus, vos perdoe vossos pecados.” (Mc 11:25).

Se teu irmão pecou contra ti, repreende-o; e se ele se arrepender perdoa-lhe. Se ele pecar sete vezes no dia contra ti, e que sete vezes no dia te vier buscar dizendo: eu me arrependo; perdoa-lhe.” (Lc17:3-4).

A subjugação da nossa Personalidade destrói em nós não só o egoísmo, mas nos faz ainda conhecer melhor a fragilidade dos laços que nos ligam neste mundo a todos aqueles a quem amamos. O perfeito desprendimento, com efeito, não dá mais lugar em nós do que a um pensamento dominante; cumprir a vontade de Deus. Isso não significa, de forma alguma, que seja preciso nos confinarmos numa reserva egoísta, nem numa insensível frieza. Pelo contrário, devemos trabalhar com a melhor das vontades por todos, amarmos o próximo de todo o coração e prestarmos a melhor das atenções aos que estão ao nosso redor e com os quais nos relacionamos; com a ideia sempre presente que a afeição, a estima e a vida de todos nos podem ser retiradas a todo o momento. Ou seja, a ninguém se apegar. É preciso chegar, pois, a destruir em nós toda a raiz egoísta de afeição terrestre e aprendermos a amar profundamente com o estado de espírito de renunciamento completo que faz passar os deveres dos Céus, à frente das preocupações terrestres. Foi o que Cristo-Jesus claramente significou quando deixou seus pais para ficar em Jerusalém no Templo, no meio dos doutores, e quando respondeu a sua mãe que se afligia com a sua ausência: “Por que me procurais? Não sabeis que importa ocupar-me das coisas que são do serviço de meu Pai?” (Lc 2:49).

Quando estamos bem compenetrados desta obrigação do sacrifício de todas as afeições terrestres, a perda das consolações mais ternas e dos seres mais caros não causa tanto as crises de abatimento profundo e de violento desespero que tão facilmente nos desequilibram quando estamos presos aos bens deste mundo. Quando se sabe que a morte não é mais do que uma etapa normal para a vida sobrenatural; que a comunhão imaterial dos vivos e dos mortos é uma realidade; que Deus, na sua paternal bondade, nunca nos abandona; que o renascimento aqui, para uma vida nova, é uma certeza, então compreendemos que o melhor meio de honrar os que chamamos de mortos (pois estão mais vivos do que nunca!), de os ajudar ou ainda de receber úteis inspirações, não é passar o tempo em estéreis lamentações; mas, unicamente, orar por eles e, sobretudo trabalhar por realizar em nós e à volta de nós o Reino de Deus. E para alcançarmos o Reino de Deus, não há outra coisa a fazer senão aceitarmos com fé os renunciamento diários e nos ligarmos, sem demora, à execução dos deveres presentes de correção, de bondade e de trabalho, colocando em prática tudo que nós mesmos escolhemos no Terceiro Céu. Nenhuma coisa faz nos desviar desta estrita obrigação de prepararmos o futuro, sem nos demorarmos no passado. Ao discípulo que lhe dizia: “Senhor, permite-me ir primeiramente sepultar meu pai“, Cristo Jesus respondeu: “Segue-me, e deixa que os mortos sepultem os seus mortos.” (Mt 8:21-22).

E tu, vais, e anuncia o Reino de Deus.” (Lc 9:60). Outro lhe disse: “Eu Senhor seguir-te-ei, mas, permite-me, primeiramente, dispor dos bens que tenho em minha casa.”. Cristo-Jesus respondeu-lhe: “Todo aquele que põe a mão ao arado e olha para trás, não está apto para o Reino de Deus.” (Lc 9:61-62).

Então, quando se realizar em nós estas necessárias subjugações da nossa Personalidade, Deus nos poupará as provações e nos acumulará com os seus favores, muitas vezes mesmo já neste Mundo terrestre. Além disso, nos tornamos poderosamente fortes, desde que tomamos o nosso único ponto de apoio em Deus e o nosso único auxílio n’Ele, aceitando o pensamento de ficarmos privados, na desgraça do socorro e das afeições de todos os nossos. Foi por isso que Cristo-Jesus disse ainda: “Aquele que ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim; e aquele que ama seu filho ou sua filha mais do que a mim, não é digno de mim. Aquele que não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim. O que acha a sua Alma perdê-la-á e o que a perder por mim, achá-la-á,” (Mt 10:37).

(Publicado na Revista Serviço Rosacruz de abril/1965 – Fraternidade Rosacruz-SP)

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

A Humildade no Serviço Deve Ser Nosso Principal Objetivo e Meta

O Reino vegetal possui apenas o Corpo Denso e o Corpo Vital. Portanto, as plantas constroem caule e folha; depois outra pequena parte do caule e outra folha… A estrutura do ser humano construída durante o estágio vegetal também mostra um trabalho semelhante de repetição — vértebra após vértebra, até que a coluna esteja completa.

Assim, vemos que a base do Corpo Vital é a repetição e como ele é a contraparte material do Espírito de Vida ou Princípio Crístico no ser humano, é evidente que para alcançar o Espírito Crístico devemos trabalhar por meio do Corpo Vital, em harmonia com sua estrutura: a repetição. Isso se aplica a qualquer linha de estudo ou trabalho que empreendamos.

Portanto, ao iniciar um novo período de estudo, as mesmas linhas de pensamento que estabelecemos no início do período anterior devem ser enfatizadas. O primeiro e mais importante deles é este fato: estamos procurando trazer o Cristo de dentro de nós mesmos para que possamos fazer no mundo as coisas que Ele fez e está constantemente fazendo sem que possamos vê-lo, apressando assim o dia de Sua vinda.

Não devemos reconhecer outra liderança além do Cristo, nem mesmo a liderança dos Irmãos Maiores, pois eles não lideram ou guiam, mas vêm apenas como amigos para aconselhar; devemos ser particularmente cuidadosos para lembrar que todos estão na mesma base. Portanto, ninguém deve colocar Max Heindel e Augusta Foss Heindel em um pedestal; eles não pertencem a um e não têm preeminência sobre ninguém. Todos têm a mesma oportunidade de servir e servir é o único caminho verdadeiro para a grandeza. No entanto, não importa quão eficientemente possamos servir; se nos gloriarmos em nossos serviços, essa auto glória será nossa única recompensa.

Deve ser o nosso objetivo pensar pouco no que fazemos e nos considerarmos nada, pois por melhor que trabalhemos nenhum de nós é capaz de servir a Deus dignamente, mesmo por um único dia. Então a humildade no serviço deve ser o nosso principal objetivo e meta. Quanto mais profundamente pudermos atingir esse ideal, quanto menores formos aos nossos próprios olhos, tanto maior seremos aos olhos de Deus.

Outra coisa: se estamos dispostos a servir apenas no que gostamos, que mérito há nisso? Nenhum! Contudo, se fizermos o que estiver ao nosso alcance, se nos esforçarmos para realizar as tarefas desagradáveis da vida com equanimidade e nos encorajarmos para colocar zelo tanto no trabalho que não gostamos quanto naquele que amamos, se o fizermos para salvar alguém, então seremos dignos seguidores dos Irmãos Maiores e imitadores bem-sucedidos de Cristo, o nosso glorioso Ideal.

(por Max Heindel, publicado no Echoes nº 3 de Mount Ecclesia de 10 de agosto de 1913, traduzido pelos irmãos e pelas irmãs da Fraternidade Rosacruz em Campinas – SP – Brasil)

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

A Renúncia

A renúncia ou renunciamento consiste num esforço de desprendimento progressivo dos laços que ligam o ser humano à vida e à experiência material, tendo em vista ampliar o domínio de sua vida moral e espiritual. É um trabalho de desmaterialização, ou ainda, de abandono dos instintos animais, empreendido para que se efetue a espiritualização, isto é, o acesso mais rápido à vida sobrenatural e feliz do Espírito. É um deslocamento do dinamismo no organismo humano, que se opera reduzindo as exigências sensuais, depois transportando e concentrando as energias vitais, o mais que é possível, sobre as operações espirituais. Pela mesma razão, criam-se relações entre o Corpo e o Espírito que têm por efeito domar a animalidade e fazer triunfar o Espírito.

O renunciamento é, pois, uma espécie de morte, progressiva e antecipada, do ser terrestre que acelera a elevação do Espírito individual e prepara sua união com Deus. “É preciso que vivamos neste mundo”, dizia S. Francisco de Sales, “como se tivéssemos o Espírito no céu e o corpo no túmulo”.

Com efeito; que é que nos pesa neste mundo e retarda o nosso progresso? É a vaga tumultuosa das satisfações concedidas aos desejos egoístas e sensuais. É o livre exercício dos prazeres do orgulho e da sensualidade, essas duas grandes raízes do sofrimento e do embrutecimento.

A vida não é, pois, de alguma forma, mais do que o aprendizado do renunciamento material que se deve realizar sob a ação combinada da Providência diretriz da vontade progressivamente clarividente do indivíduo.

O não-renunciamento cria o sofrimento, forma a doença física e a degradação moral. Não poderá existir verdadeira saúde física e moral sem renunciamento. É por isso que aquele que deseja a saúde material e o progresso espiritual deve recusar-se a entrar na via larga e fácil que o conduz ao “inferno” dos prazeres e da riqueza, do egoísmo, do orgulho e da sensualidade, mas antes procura a via estreita e rude do sacrifício, num esforço permanente de domínio das paixões e da elevação moral. “Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela. E porque estreita é a porta e apertado o caminho que leva à vida e poucos são os que entram por ele!” (Mt 7:13:14).

Antes de Cristo, a renúncia pessoal não existia em parte alguma com tanta caridade, com tanto coração, com tanto sacrifício de si mesmo pelos outros. Muitíssimas vezes contentavam-se com oferecer à divindade uma dádiva material ou a vida dos animais, pensando que a alma animal podia voltar a sua origem criadora e servir de veículo às orações. Só se podia exigir o sacrifício da posse material. Mesmo nas Religiões em que o renunciamento era prescrito, não se tinha observado que o apaziguamento do desejo pessoal deverá ser conduzido mais como obra de altruísmo ativo, isto é, de auxílio mútuo e de resgate. Em suma, não se tinha compreendido que o indivíduo devia, acima de tudo, sacrificar-se por outrem e renunciar a si mesmo pelo amor ao próximo, a fim de se comportar na Terra à imagem de Deus que, por puro amor, se sacrifica, todos os dias, dando a vida às suas criaturas, com o alimento material e espiritual.

O renunciamento pessoal, ativo, constitui, pois, o eixo da vida Cristã.

Assim sua obrigação encontra-se inscrita em termos concordantes nos Evangelhos: “Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz e siga-me” (Mt 16:24). “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo e tome a sua cruz e siga-me” (Mt 8:34). “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo e tome cada dia a sua cruz e siga-me” (Lc 9:23). “Assim, pois qualquer de vós que não renuncie a tudo quanto tem, não pode ser meu discípulo” (Lc 14:33). Se quisermos, então, manter-nos em caminho direito, seguir a verdade e conservar a saúde é necessário termos o cuidado de tomar a cruz dominando as paixões e renunciando a muitos impulsos da Personalidade. E, correlativamente, quando os tormentos morais ou os sofrimentos físicos nos afligem, o verdadeiro remédio, que destruirá o mal na sua origem, será aplicarmo-nos ao renunciamento em certos pontos determinados.

Quantos sofrimentos, na verdade, nos infligimos a nós mesmos por não termos sabido renunciar às ambições exageradas e às vantagens frágeis, por termos estimado demais as nossas capacidades físicas e intelectuais, por teremos bebido e comido em excesso, por termos gastado demasiado forças, em ocupações inúteis ou em excesso de sensualidade, por estarmos agarrados demais aos bens e às afeições deste mundo!

Em lugar, pois, de esperarmos que as pesadas sanções das crises morais e das doenças produzidas pelos pecados do orgulho e da sensualidade se apoderem de nós, quanto se é mais leve das privações voluntárias e consentirmos todos os dias em sacrificarmos um pouco a ambição e sensualidade que permitirão edificar, a pouco e pouco, em nós, os três pilares do renunciamento: a SOBRIEDADE, a HUMILDADE e a CASTIDADE.

(Publicado na Revista: Serviço Rosacruz – maio/1965 – Fraternidade Rosacruz – SP)

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

Sugestão para o seu Exercício Esotérico de Meditação nesse período: Renúncia

A Quaresma, estação na qual o Discípulo se submete a disciplinas restritivas em benefício da vida superior, chega sob o Signo de Peixes. O objetivo supremo que é dado ao ser humano aspirar se alcança somente por meio de uma série progressivas de renúncias. Na etapa do Discipulado a natureza dos pioneiros faz muita falta, tal como indicou Cristo quando disse: “Aquele que ama a seu pai e a sua mãe mais que a Mim, não é digno de Mim; e o que ama a seu filho ou a sua filha mais que a Mim, não é digno de Mim; e o que não toma a sua cruz e Me segue, não é digno de Mim.” (Lc 14:26).

Os laços baseados somente no sangue não podem substituir nunca uma irmandade espiritual, tal e como Cristo veio a estabelecê-la. Recorde quando Ele perguntou: “Quem é minha mãe?” e “Que são meus irmãos”, e quando respondeu à pergunta dos seus: ‘Porque aquele que faz a vontade do meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão e minha mãe‘.” (Mt 12:46-50).

O que é pedido a nós é que abandonemos o inferior pelo superior, alargar o parentesco até que inclua toda a humanidade. Isso só pode ser conseguido quando a personalidade separatista e egocêntrica se torne submetida ao controle do espírito, o qual reconhece sua unidade essencial com todos os espíritos, porque está indissoluvelmente aparentado, por meio da paternidade de Deus.

A humildade é a verdadeira marca da iluminação. Quanto mais sábia é uma pessoa, mais é sensível e modesta. Quanto mais aprende, menos sabe que sabe. Um verdadeiro astrônomo permanece reverente ante as vastas extensões de céus estrelados, sabendo que existem infinitos mundos mais além da sua visão. Um verdadeiro ocultista se inclina, em reverente submissão, ante uma infinitude de sabedoria que excede sua capacidade de compreensão; sente-se como uma criança brincando na areia, à margem de um mar ilimitado e misterioso.

Um magnífico exemplo de humildade pode ser encontrado em São Pedro, o pisciano dos Discípulos. São Pedro considerava sua maior honra em seguir a Cristo e a servir Sua causa. Quando chegou a hora em que São Pedro devia segui-Lo na crucifixão, manifestou sua própria indignidade para ser colocado na cruz de pé, como foi Cristo e pediu para ser crucificado de cabeça para baixo. E isso para um homem cujas emanações espirituais se dizia que eram tão potentes que quando a sua sombra passava pelos enfermos, esses eram curados instantaneamente.

Peixes é um Signo de Água e água está correlacionada com a natureza emocional. Quando alguém obtém o domínio sobre as suas emoções, é porque obteve o controle do elemento Água. Essa é a lição que Cristo ensinava a São Pedro quando lhe ordenou que caminhasse sobre as águas. Naquele momento, no entanto, São Pedro ainda não tinha dominado suas emoções. Se Cristo não o salvasse, ele afundaria. Mais tarde, quando já era regente de suas paixões, São Pedro caminhou sem medo para se reunir com Cristo. Isso é conhecido no esoterismo como Iniciação pela Água. Depois dessa experiência, São Pedro experimentou a mais transcendente beatitude de sua vida.

Pitágoras acostumava levar seus Discípulos mais avançados às margens de um lago e ali, por meio do poder combinado e concentrado de todos, agitar a superfície do lago e, logo, acalmá-la, até que na água se refletisse a formosura do céu. Aconselhava-os a acalmar suas Mentes até que nenhum menor pensamento as alterasse. Quando o Aspirante consegue isso, se revela toda a glória de seu verdadeiro “eu”.

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

A Conquista de Si Mesmo deve ser o Objetivo de Cada Um

Às vezes, em momentos de grande esforço altruísta, quando todas as energias de pensamento são direcionadas para um propósito útil, o olho do basilisco é sentido e suas presas ocultas disparam através do silêncio. Todo o ar parece subitamente vibrar com forças malignas. Esse momento testa nossa fibra — e a força da alma.

Nosso altruísmo pode ter mantido uma nota de fraqueza. Nosso amor pela humanidade pode não ter soado claro e verdadeiro — pois mesmo o amor deve ter poder e sabedoria. Pode ter havido um elemento de fraqueza em nossa própria paciência, nossa ternura, nossa amigável calma. Se for assim, o ataque perceberá nossa debilidade ou vai notar a nossa visão aguçada e, em silêncio, ganharemos um poder adicional.

Todos os ataques maliciosos e sutis, todo ódio ciumento e toda animosidade infundada irão, na própria natureza da Lei eterna, alcançar o sofredor e inocente como bênçãos. Eles conferem mais experiência, discernimento e poder.

Nada pode nos prejudicar, se não encontrar uma nota de malícia ou maldade dentro de nós. No entanto, o mal que nos atinge volta para o coração de quem o enviou e destrói sua vida, sua paz.

Para a alma que anda na luz e no amor, todas as experiências vêm como bênçãos. A flecha enviada para prejudicar ou atrapalhar pode, por um breve período, parecer eficaz. Pode diminuir a estima de alguém por nós; pode nos custar a perda de um amigo; pode estragar um relacionamento sagrado e destruir um vínculo ideal. Mas, isso é apenas temporário e, em nossa tristeza, ganhamos uma grande vitória — porque aprendemos a ver e a conhecer.

Com a perspectiva mais ampla, no plano superior, ganhamos todas as coisas. Crescemos fortes para suportar, fortes em autodomínio e renúncia. Depois de um tempo, nossa reivindicação virá; todas as coisas serão restauradas para nós. Mas não precisaremos mais delas. O “eu pessoal” que tanto sofreu terá se expandido para encontrar o “Eu universal” e teremos aprendido o significado da vida e do amor. Somente quando aprendemos a viver com a perda de todas as coisas, somos dignos de reter todas as coisas. Então, em harmonia com a operação da boa lei, atraímos todas as coisas para nós. O amor flui para nós de todos os lados — porque amamos.

Portanto, todas as nossas experiências são boas — até mesmo as cruéis e amargas —, se mantivermos nossos rostos voltados para a luz e não permitirmos que os pensamentos maus entrem no nosso coração. Sentir-se magoado com uma injúria é um mal, porque isso brota de uma pequena raiz de amor-próprio. Fixemos claramente o pensamento nisto: só o ferimento que nós merecemos nos atinge. Talvez tenhamos adquirido uma dívida no passado, mas ela deve ser cancelada. Se a merecemos, podemos lucrar com as lições que ela ensina. Portanto, podemos formar um caráter nobre por meio de nossos próprios erros.

Poder e domínio sobre todas as forças é o que devemos adquirir, antes de sermos realmente vencedores — antes que nossas vidas sejam totalmente aperfeiçoadas. Isso é o que nossas experiências vão ganhar para nós: se tivermos apenas amor e boa vontade em nossos corações.

O mal-intencionado e o vingativo nunca conquistam coisa alguma. Eles são sempre fracos, sempre fúteis, sempre caóticos. O caráter é construído principalmente por nossos pensamentos e motivos. O ataque nascido do ódio, malícia ou rancor ciumento deve ser enfrentado não apenas com paciência silenciosa, mas com a Mente bem aberta para sua força e possibilidades. Pergunte à alma interior: “O que posso aprender com esta provação? Que fraqueza ainda há para ser vencida? Que parte do ‘eu pessoal’ ainda não foi esfolada?”.

Voltando-se, assim, para a luz interior em silenciosa humildade, com sincero propósito de aprender, crescer e evoluir, essa luz inundará a consciência e a visão ficará clara.

Na hora da vitória, o golpe do inimigo não mais será sentido. Todos os impulsos do plano sensorial e inferior murcharão e voltarão ao nada da irrealidade que são. Somente a alma e Deus — todos somos um em Deus — preencherão a visão e a vida se tornará infinitamente rica e abundante.

Não é isso uma vitória? Qualquer retaliação poderia trazer tal recompensa? Poderia o sentimento de ferimento pessoal obter tais resultados em crescimento e progresso?

A conquista de si mesmo deve ser o objetivo de cada alma. No entanto, e por quaisquer meios que isso seja realizado — inclusive injustiças e injúrias incomparáveis —, deve ser alcançada a todo e qualquer custo. Nossas experiências, assim tomadas, serão transmutadas em poder e sabedoria; nossa influência será então cada vez maior, alcançando a luz infinita.

(Publicado na Revista Rays from the Rose Cross de janeiro/1916 e traduzido pela Fraternidade Rosacruz em Campinas – SP – Brasil)

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

História Aquariana para Crianças e Adolescentes: O Presente Celestial

História Aquariana para Crianças e Adolescentes: O Presente Celestial

Era uma vez, há muito tempo, um rei muito bom e uma rainha muito amorosa. Governavam várias províncias, que visitavam uma vez por ano. Antes da visita, enviavam um mensageiro para avisar sobre a visita. Quem oferecesse à rainha o melhor presente era premiado pela soberana.

Preparava-se o povo de certa localidade para receber o nobre casal. Cada pessoa procurava superar a outra, na preparação do presente a ser oferecido. O povo todo encontrava-se nesse estado de excitação, quando afinal o dia chegou.

Nesta província vivia Celeste com sua vovozinha. A mãe de Celeste tinha ido para o mundo invisível quando ela nasceu. A vovó chamou então aquela menininha para os seus cuidados, como uma estrelinha do céu a brilhar em sua velhice. Elas eram bem pobres e a vovó sacudiu a cabeça, já um tanto branca, preocupada com o que iriam oferecer à rainha. Celeste, com seus nove anos de idade, lutava contra o desejo de ver pessoas tão ilustres, que nunca havia visto. Por isso, queria também oferecer-lhes um presente bem valioso.

Um dia, antes do importante acontecimento, veio correndo a menina até sua avó e disse:

— Vovó, já arranjei! Meu pombo; darei à rainha meu lindo pombo branco!

— Não, minha querida, o pombo não ficaria com a rainha. Voaria de volta para você. Precisamos pensar em outra coisa.

Celeste ficou desapontada. Triste, sentou-se num banquinho perto da janela, encostou a cabeça no batente, pensando e adormeceu. Seus cabelos encaracolados brilhavam à luz do sol como se fossem de ouro. A vovó dormiu também, embalada pela cadeira de balanço onde se encontrava sentada.

Metade da tarde já havia passado, hora em que a vovó sempre tinha seu repouso diário, quando foi despertada pela neta, que puxava seu avental e lhe dava palmadinhas no rosto.

— Vovozinha, tive um sonho muito bonito. Vi um lindo anjo, todo branco e brilhante, com o rosto igual ao do retrato da Mamãe. Ele veio devagar, pousou à minha frente e disse: “Dê o seu amor à rainha, minha filha”. Fechei os olhos e quando os abri de novo aquela figura havia desaparecido. Então acordei. Não foi um sonho lindo, vovozinha?

A vovó, radiante de alegria, afagou a menina com um abraço amoroso, antes de responder:

— Sim, minha criança, ofereça o seu amor à rainha, pois a dádiva sem o doador é vazia; mas, economize um pouquinho dele para sua velha vovozinha, ouviu?

— Eu lhe amo, vovozinha, mais do que tudo. Mas devo escrever à rainha e contar-lhe que a amo muito, porque isso é tudo o que tenho para dar. Ela é linda, não é, vovó?

Celeste logo foi pegar a caixa onde guardava algumas folhas de papel, que eram poucas e por isso guardava como se fossem um tesouro. Com uma pena de pato ela escreveu, em forma de rima, o amor que sentia pela formosa rainha. Depois de escrever várias folhas, prendeu-as com uma fita azul que lhe dera a vovó junto do seu primeiro vestidinho de bebê. Em seguida, disse à avó que no dia seguinte iriam ver a rainha, enquanto lhe mostrava as folhas que escrevera.

Quando o sol nasceu, no dia seguinte, encontrou-as prontas para partir. Celeste vestia um vestido escarlate, com aplicações pretas, e usava sapatos pesados feitos de madeira. As faces estavam rosadas e seus olhinhos, brilhantes de felicidade. Seus cabelos cacheados estavam muito bem penteados. A vovó jogou um chale sobre os ombros, já curvos, pegou a bengala e partiram.

Próximo à província havia uma aldeia onde o povo tinha construído um grande celeiro. Ele servia também como um recinto da comunidade, onde os fazendeiros às vezes se reuniam para festas. Os habitantes da localidade haviam escolhido este lugar para receber o rei e a rainha; o dia começou com a vinda da população de todas as partes da província, trazendo presentes.

O sol estava alto, lá nos céus, quando foi ouvida uma clarinada de trombetas e dois cavaleiros já estavam à vista, seguidos por um coche dourado puxado pôr seis cavalos brancos. Os cavalos estavam com as cabeças decoradas com plumas pretas e frisos dourados.

O rei e a rainha desceram do coche, seguidos por dois pequenos pajens, jovens empregados, que seguravam a cauda do manto real. O par real sentou-se em um estrado em forma de trono, onde as pessoas depunham os presentes ofertados, expostos de modo a serem inspecionados.

— Certamente — pensou o homem mais rico da província — eu ganharei a recompensa, pois quem pode dar um presente tão bom quanto o meu? — E ele caminhava todo empolado de orgulho para colocar um lindo tapete oriental aos pés da rainha. O valor do tapete era imenso e suas cores, soberbas. A rainha considerou o presente com um sorriso e uma bênção.

— “Com certeza” — pensou a esposa de um feliz fazendeiro — “eu ganharei a recompensa. Quem pode fazer pães tão finos iguais a estes?” — E eram mesmo tão bem feitos que pareciam de ouro, redondos, em formas perfeitas. A rainha recebeu-a com um sorriso e a abençoou.

— “Certamente eu obterei a recompensa” — pensou um fazendeiro muito rico — “pois não há milho mais abastado do que este aqui” — E levava uma braçada de espigas amarelinhas que colocou junto aos pães. A rainha recebeu a dádiva e abençoou.

E assim, cada um por sua vez dava a melhor mercadoria que possuía. Uns traziam a melhor agulha de trabalho; um homem trouxe uma grande quantidade de grãos dourados, maiores que a cabeça de um homem; outro trouxe um leitão bem gordo; um fazendeiro deu o seu galo premiado; uma mulher presenteou com uma flor rara da qual cuidara; um artista trouxe a melhor pintura… Todas as artes e desenhos eram largamente expostos. Cada doador estava certo de que o seu prêmio seria o maior. A cada um a rainha dirigia um sorriso e uma bênção.

Celeste, cheia de respeito e medo, tremia quando as pessoas se adiantavam com as suas oferendas. Tinha nas mãos o seu pombo de estimação e o caderno de versos. Olhava com excitação a fila de presentes e as vestes dos que os davam. Todos estavam trajados da melhor maneira, com seus adornos de festa, assim como ela estava. Entretanto, sabia que era a mais pobremente vestida de todos. E o seu presente? “Que insignificância, comparado aos demais” — pensou ela.

À vista de tantos presentes caros, Celeste permanecia à entrada, indecisa, tímida, ante seu presente tão pequeno. Mas como desejava dizer à rainha o quanto a adorava! Fechou os olhos e tentou ganhar coragem. Naquele momento viu o anjo e lembrou-se do sonho que tivera. O pombinho fez um movimento em suas mãos. Celeste olhou bem dentro dos olhinhos rosados dele e cochichou-lhe nos ouvidos. Colocou o caderninho no bico do pombo e abriu as mãos.

O pombo voou diretamente na direção da rainha e pousou tão suavemente em suas mãos que ela não se assustou. A rainha pegou o caderninho e leu os versos. Depois, olhou o pombinho, que regressava em direção à sua dona, e disse:

— Quer vir aqui, menina? — Sua voz era tão delicada e seu sorriso, tão convidativo, que Celeste perdeu todo o medo e caminhou, pondo-se de pê, à sua frente. A rainha tocou seus cabelos cacheados e disse ao ministro:

— Que seja anunciado pelo arauto do rei que o maior presente, que é o Amor, acaba de ser dado, e que a rainha vai recompensar o doador. Que se aproxime o povo para testemunhar o prêmio.

Quando o povo se juntou, a rainha levantou-se e, colocando sua mão sobre a cabeça de Celeste, declarou em voz bem clara:

— Levarei esta criança para o palácio do rei, onde ela se tornará uma princesa.

Celeste ouviu estas palavras como se fosse um sonho. Lembrando-se, porém, da sua vovozinha, apressou-se em explicar à rainha:

— Não posso ir, querida rainha, porque minha vovó ficaria sozinha e ela precisa de mim.

— Minha criança, você tem um belo coração. Não receie coisa alguma. Sua vovó também irá — respondeu a rainha.

Após a festa, Celeste e sua vovó se acomodaram na carruagem dourada puxada pelos cavalos brancos. A rainha estava entre as duas. Quando chegaram ao palácio real, Celeste foi levada para um quarto magnífico e ali vestiram-na com cetim; sapatos dourados foram colocados em seus pezinhos. Tornou-se uma moça virtuosa e culta, foi um Anjo inspirador para muitas decisões sábias dos Soberanos, em favor do povo.

(Publicada na Revista Serviço Rosacruz de setembro de 1965 – Fraternidade Rosacruz – São Paulo – SP)

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

O Tipo de Renúncia necessária para trilhar o Caminho de Preparação para a Iniciação Rosacruz

O Tipo de Renúncia necessária para trilhar o Caminho de Preparação para a Iniciação Rosacruz

A renúncia, ou renunciamento, para trilhar o Caminho de Preparação para a Iniciação Rosacruz con­siste em um esforço de desprendimento progressivo dos laços que ligam o indivíduo à vida e à experiência mate­riais, tendo em vista ampliar o do­mínio de sua vida moral e espiritual. É um trabalho de desmaterialização ou abandono dos instintos animais, empreendido para que se efetue a espiritualização; isto é, o acesso mais rápido à vida sobrena­tural e feliz do espírito. É um des­locamento do dinamismo, no organismo humano, que se opera reduzindo as exigências sensuais, depois transportando e concentrando as ener­gias vitais, tanto quanto possível, nas operações espirituais. Pela mesma razão, criam-se relações entre o corpo e o espírito que têm por efeito domar a animalidade e fazer triunfar o espírito.

A renúncia é, pois, uma espécie de morte progressiva e anteci­pada do ser terrestre, um esgotamento dele que acelera a elevação do espírito individual e pre­para sua união com Deus. “É preciso que vivamos neste mundo”, dizia S. Francisco de Sales, “como se tivéssemos o espírito no céu e o corpo no túmulo”.

Com efeito, o que é que nos pesa neste mundo e retarda o pro­gresso? É a vaga tumultuosa das satisfações concedidas aos desejos egoístas e sensuais. É o livre exercício dos prazeres do orgulho e da sensualidade, as duas grandes raí­zes do sofrimento e embruteci­mento.

A vida não é, portanto, mais do que o aprendizado do renunciamento material, que se deve realizar sob a ação combinada da providência diretriz da vontade pouco a pouco clarividente no indivíduo.

O não-renunciamento cria o sofrimento, forma a doença física e a degradação moral. Não pode existir verdadeira saúde física e moral sem a renúncia. É por isso que aque­le que deseja a saúde material e o progresso espiritual deve recusar-se a entrar na via larga e fácil que con­duz ao inferno dos prazeres, da ri­queza, do egoísmo, do orgulho e da sensualidade; entretanto, deve procurar a via estreita e rude do sacrifício, em um esforço permanente de domínio das paixões e da elevação moral. “En­trai pela porta estreita, porque lar­ga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela. E porque es­treita é a porta e apertado o cami­nho que leva à vida e poucos são os que entram por ele” (Mt 7:13-14).

Antes de Cristo, a renúncia pessoal não existia em parte alguma com tanta caridade, coração e sacrifício de si mesmo pelos outros. Muitíssimas vezes contentavam-se em oferecer à Divindade um presente material ou a vida dos animais, supondo que a alma deles pudesse voltar à sua origem cria­dora e servir de veículo às orações. Só se podia exigir o sacrifício da pos­se material. Mesmo nas religiões em que o renunciamento era prescrito, não se tinha observado que o apaziguamento do desejo pessoal devesse ser conduzido mais como obra de al­truísmo ativo; isto é, de auxílio mú­tuo e resgate. Em suma, não se tinha compreendido que o indivíduo devesse, acima de tudo, sacrificar-se por outra pessoa e renunciar a si mesmo pelo amor ao próximo a fim de se com­portar na Terra à imagem de Deus que, por puro amor, sacrifica-Se to­dos os dias, dando vida às Suas criaturas com o alimento material e espiritual.

A renúncia pessoal e ativa constitui, assim, o eixo da vida cristã.

Assim, a sua obrigação encontra-se inscrita em termos concordantes nos evangelhos: “Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz e siga-me” (Mt 16:24). “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mc 8:34). “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a cada dia a sua cruz e siga-me” (Lc 9:23). “Assim, pois, qualquer de vós que não renuncie a tudo quanto tem não po­de ser meu discípulo” (Lc 14:33).

Se queremos então manter-nos no caminho direito do desenvolvimento espiritual (como ensinado pela Fraternidade Rosacruz), seguir a verdade e conservar a saúde, é necessário ter­mos o cuidado de tomar a cruz, domi­nando as paixões e renunciando a muitos impulsos da personalidade. E, correlativamente, quando os tormen­tos morais ou os sofrimentos físicos nos afligirem, o verdadeiro remédio que destruirá o mal na sua origem será aplicarmo-nos ao renunciamento em certos pontos. Quanto sofrimento, na verdade, os seres humanos se afligem por não saberem renunciar às ambições exageradas e às vantagens frágeis; por terem estimado demais as suas capacidades físicas e intelectuais; por terem bebido e comido em excesso; por terem gastado muitas forças em ocupações inúteis ou em excesso de sensualida­de por estarem agarrados demais aos bens e às afeições deste mundo!

Em lugar, portanto, de esperarmos que as pesadas sanções das crises morais e das doenças contraídas amiúde apoderem-se de nós, é mais prudente aceitarmos a cruz mais le­ve das privações voluntárias e todos os dias sacrifi­car um pouco a ambição e a sen­sualidade, o que permitirá edificar pouco a pouco, em nós, os três pilares do renunciamento: SOBRIEDADE, HUMILDADE, CASTIDADE.

(Publicado na Revista Serviço Rosacruz de fevereiro/1965)

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

O Lago Encantado

O Lago Encantado

Uma vez, há muito, muito tempo atrás, havia um rei que estava sempre em guerra. Ele conquistou seus vizinhos, depois partiu para a conquista de terras mais distantes, até que chegou a governar tantos países e tanta gente que foi chamado “O Grande imperador”.

Todo mundo o adulava. Recebia presentes maravilhosos. Diziam-lhe como era nobre, grande, maravilhoso e, de tal forma, que ele acreditou que era tudo isso e frequentemente dizia para si mesmo: “Ninguém na Terra ou nos Céus é maior do que eu!”

Isso era uma afirmação muito forte para um simples ser humano fazer, pois mesmo a pessoa mais sábia e mais importante nesta Terra não pode saber tudo, nem governar sobre tudo na Terra e nos Céus.

Um dia, esse grande e poderoso Imperador saiu para uma caçada com os membros da corte. Todos estavam soberbamente vestidos e montavam seus belos cavalos que dançavam e saltavam. Os cães também pulavam e latiam alto. As cornetas soavam e assim o alegre grupo saiu para o campo e para a floresta.

O Sol brilhava intensamente e, após algumas horas, todos estavam exaustos com a caçada e exauridos com o calor do dia. Então, o grande e poderoso Imperador disse a seus cortesãos para que descansassem debaixo das árvores, enquanto ele iria banhar-se num belo lago ali perto. Os cortesãos ficaram assustados porque o Imperador ia banhar-se nesse lago. Era um lago encantado e as pessoas não se arriscavam a entrar nele e até mesmo se uma simples gota dessa água mágica caísse sobre elas, ficavam aflitas e apreensivas.

Quando foi avisado dos perigos do lago encantado o grande e poderoso Imperador disse orgulhosamente:

-Sou mais poderoso que qualquer encanto.

Imediatamente dirigiu-se para a bonita margem arenosa. Seu cavalo foi amarrado a uma árvore, sua maravilhosa roupa cuidadosamente arrumada à beira do lago. Então, sob suas ordens, seus guardas o deixaram. Ele mergulhou na água e deliciou-se com o seu frescor. Nadou pelo lago e sentiu-se muito bem. Em nenhum momento, entretanto, esqueceu-se que era o grande e poderoso Imperador.

Enquanto divertia-se, surgiu a beira do lago um homem que se parecia muito com o grande e poderoso Imperador. De fato, ele era quase seu sósia, não somente na aparência, mas também na voz e nos modos. Este homem vestiu-se rapidamente com as roupas do Imperador. Os guardas de Sua Majestade estavam dormindo profundamente na sombra refrescante. Nenhum deles viu esse homem vestir as roupas do Imperador, pegar seu belo cavalo e nem mesmo os cães de caça latiram! Acordou todos, ordenando a volta ao palácio.

Descansado e refeito, o grande e poderoso Imperador nadou até o lugar onde suas roupas foram estendidas em ordem, pomposamente. Mal conseguiu acreditar no que estava vendo! Sua roupa não estava mais lá! Seu cavalo não estava mais lá! Nada de roupa! Nada de cavalo! Que ultraje! Alguém seria punido severamente!

– Meus homens, chamou furioso.

Nenhum som em resposta ao chamado do grande e poderoso Imperador!

A essa altura, o Sol já desaparecia por detrás das montanhas. Estava ficando frio. O Imperador andou pelas margens do lago. Logo escureceu. Não via ninguém. Evidentemente os caçadores foram embora e o deixaram – deixaram o grande e poderoso Imperador! Realmente alguém pagaria por isso. Apenas esperassem até que ele chegasse a seu palácio e sentasse em seu trono!

O grande e poderoso Imperador decidiu que a coisa mais importante, agora, era encontrar roupa e abrigo. Ele lembrou-se que não muito longe do lago morava um cavaleiro.

– Não fui eu que o tornei cavaleiro e lhe dei seu esplêndido castelo? Ele ficará, muito feliz em vestir e servir seu Imperador. Irei até ele.

Antes de se dirigir ao cavaleiro, o Imperador teceu, em forma de esteira, algumas das hastes que cresciam à margem do lago. Amarrou a esteira ao redor de seu corpo. Dirigiu-se ao castelo do cavaleiro. Apesar de ser uma curta jornada, foi muito dolorosa. As pedras pontiagudas cortavam seus pés. As raízes espetavam sua carne. Os galhos das árvores atingiam seus longos cabelos, emaranhando-os. Era uma experiência desagradável para um grande e poderoso Imperador! Muitas vezes, ele jurou que alguém pagaria por isso quando ele estivesse novamente em seu palácio e sentasse em seu trono.

O Imperador chegou ao castelo. Bateu nos portões. Chamou o porteiro que finalmente veio e olhando pela janelinha do grande portão, perguntou:

– Quem está aí?

– Abra o portão, ordenou o Imperador, e você verá logo quem eu sou. E ele encheu-se de orgulho.

Quando o portão se abriu e o porteiro colocou sua cabeça para fora, perguntou:

– Quem é você?

Muito desgostoso, o grande e poderoso Imperador gritou:

– Infeliz! Eu sou seu Imperador!

– Oh! Oh! fez o homem, rindo muito.

– Infeliz! Infeliz! Vá ao seu patrão, ordenou o Imperador. Diga-lhe que me traga roupa. Diga-lhe para vir saudar seu grande Imperador!

– Imperador!, zombou o porteiro. O Imperador esteve aqui com meu patrão há uma hora atrás. Veio da caçada com sua corte. Oh, sim! Chamarei o meu patrão. Mostrarei a ele um grande e poderoso Imperador!

O porteiro bateu o portão na cara de Sua Majestade. Em seguida, ele voltou com o cavaleiro e, apontando para o homem nu, disse:

– Lá está o Imperador, olhe para sua Majestade!

O orgulhoso e poderoso Imperador exclamou em seu tom mais orgulhoso e poderoso:

– Chegue perto e ajoelhe-se diante de seu Imperador, senhor cavaleiro.

 

O cavaleiro pareceu surpreso enquanto o Imperador acrescentou:

– Eu – Eu, o Imperador, o tornei cavaleiro. Eu lhe dei este castelo. Agora eu lhe dou a maior graça de poder vestir o seu Imperador com suas vestimentas.

– Mentiroso! Impostor! Saia! gritou o cavaleiro. Saiba que não faz uma hora que o grande e poderoso Imperador sentou-se à minha mesa.

O cavaleiro ficou cada vez mais enraivecido e ordenou:

– Batam nesse homem! Tirem-no daqui!

Como o porteiro riu enquanto os servos batiam no pobre homem!

– Batam bem! ele mandou. Não é todos os dias que se pode dar uma surra em um Imperador.

O grande e poderoso Imperador saiu coxeando, sentindo-se ferido e sangrando.

– Ingrato! Eu lhe dei tudo o que tem. Veja como ele me retribui! Espere, ah, espere até que eu volte ao meu trono! Ele será severamente punido!

Então, começou a perceber que as circunstâncias eram muito desagradáveis para ele.

– Agora, aonde vou? O que devo fazer? Ah! Irei ao Duque! Eu o conheço há muito tempo. Com ele fui a festas e a caçadas. Sim! O Duque estava na minha comitiva de caça de hoje! Certamente ele reconhecerá o seu Imperador!

Enquanto tropeçava pelo caminho, o Imperador começou a pensar – realmente a pensar. Perguntou-se por que seus súditos não o conheciam. Sua realeza, suas grandezas deveriam ser reconhecidas mesmo se não estivesse em trajes reais.

De repente, ouviu o som de uma voz bem em seu ouvido! O poderoso Imperador assustou-se. Olhou ao seu redor! Não viu ninguém. Mesmo assim a voz lhe dizia:

– A verdadeira grandeza é humilde. Ela não se proclama, mas é como o Sol. Não pode ser coberta. A verdadeira grandeza dá àquele que a possui, uma grande beleza – beleza que nenhum trono, nenhuma coroa, nenhum aparato real pode conferir.

A voz continuou:

Sabedoria e nobreza não podem ser distinguidas pela falta de roupas, nem pela sujeira e ferimentos. Por outro lado, qualquer tolo, com um trono, uma coroa, um palácio e aduladores, pode parecer um príncipe.

O grande e poderoso Imperador dirigiu-se a mansão do Duque. Mas não tinha tanta certeza, como antes teve, de que seria bem recebido quando bateu nos portões. A terceira batida, o portão abriu-se e o porteiro viu um homem vestido somente com uma esteira de galhos, seu cabelo era um emaranhado só e seu corpo estava arranhado e sangrando.

– Chame o Duque, eu lhe rogo. Diga-lhe que o Imperador está aqui. Diga-lhe que roubaram o cavalo e a roupa de seu Imperador. Vá depressa! Eu o ordeno!

O atônito porteiro fechou o portão e correu ao seu patrão.

– Excelência, há um louco nos portões! Ele está nu. Está ferido, sujo e bravo. Ele me ordenou dizer-lhe que é o Imperador.

Os portões se abriram. Sua Excelência, o Duque, não reconheceu o Imperador!

– Você não me conhece? Sou o Imperador. Esta manhã você foi à caça e deve lembrar-se que o deixei para banhar-me no lago. Enquanto eu estava no lago, um miserável roubou minha roupa e meu cavalo. E eu – eu – eu apanhei de um cavaleiro!

Seria possível que a voz do grande e poderoso Imperador estivesse trêmula? Certamente parecia menos soberba do que de costume.

– Ponha esse homem na prisão! Não é seguro deixar livre esse louco, ordenou o Duque ao porteiro e acrescentou: Dê pão, água e um estrado para deitar.

– Estranho, estranho, murmurou o Duque dirigindo-se a seus convidados no grande saguão. Um louco nos portões! Ele deveria estar na floresta esta manhã, enquanto descansávamos, pois disse-me ser o Imperador que nos deixou para banhar-se no lago e que alguém lhe roubou sua roupa e seu cavalo. Mas vocês sabem que o Imperador voltou conosco.

Todos eles falaram sobre esse estranho homem. Alguns murmuraram:

– O lago, o lago encantado!

Ainda assim não parecia possível que algo tivesse acontecido ao Imperador, pois eles o viram há menos de uma hora atrás.

O grande Imperador estava acorrentado numa cela escura. Ele estava magoado e ferido.

– Esperem, esperem, até eu voltar ao meu trono! Darei uma lição a esses velhacos.

No entanto, o poderoso Imperador sequer sonhava que era ele próprio, o grande monarca, que estava aprendendo a mais sublime lição de sua vida.

– Será que estou tão mudado que nem o Duque me conheceu?

Então, seu pensamento dirigiu-se ao palácio.

– Há alguém que me reconhecerá! Vou até ela!

Depois de muito esforço, as correntes afrouxaram-se e o infeliz homem saiu de sua cela e encaminhou-se para o seu próprio palácio. Ao amanhecer, ele estava nos portões do palácio. O grande Imperador ergueu sua mão e bateu – bateu em seus próprios portões!

O porteiro abriu e olhou para aquele homem de aspecto selvagem e que estava nu.

– Quem é você? O que você quer?

– Deixe-me passar! Sou seu Senhor, sou o seu Imperador.

– Você, meu Senhor! Você, o Imperador! Pobre tolo. Olhe ali.

O porteiro abriu os portões e apontou para o saguão. Lá estava o Imperador, sentado no seu trono. A seu lado estava a Rainha – sua amada Rainha! Oh, que agonia ele sofreu!

– Deixe-me ir até ela! Ela me conhecerá!

O barulho feito pelo porteiro e pelo Imperador chegou ao grande saguão onde havia uma festa com muitos convidados. Os nobres vieram ver o que estava acontecendo. Atrás deles vinham a Rainha e o Imperador.

Ao ver aqueles dois, era tanta a sua raiva, medo, ciúme e ansiedade que mal podia falar; mas roucamente gritou:

– Sou seu Senhor e marido, estendendo sua mão para sua amada Rainha. Certamente você me conhece!

A Rainha afastou-se apavorada.

– Senhores, disse o homem que estava com a Rainha, que deve ser feito com esse infeliz?

– Mate-o, disse um.

– Bata-lhe! gritavam outros.

O grande e poderoso Imperador foi escorraçado do palácio; cada um lhe dava uma pancada quando passava. Os portões de seu próprio palácio se fecharam atrás dele. Ele fugiu. Não sabia para onde ir. Vagarosamente dirigiu-se para o lago onde havia se banhado. Tinha frio, fome, estava ferido; queria estar morto. Ajoelhou-se no chão e bateu em seu peito. Colocou sua cabeça no solo e exclamou:

– Eu não sou nenhum grande e poderoso Imperador. Eu não sou nenhum Imperador maravilhoso. Uma vez, pensei que não havia ninguém mais poderoso do que eu na Terra e nos Céus. Agora sei que nada sou – um pobre pecador. Não há ninguém tão pobre, tão humilde quanto eu! Deus me perdoe pelo meu orgulho.

As lágrimas corriam de seus olhos. Ele levantou-se e foi lavar sua face nas águas límpidas do lago encantado. Ele se virou. Lá estavam suas roupas! Lá estava seu belo cavalo, comendo a grama verde e macia!

Sua Majestade vestiu-se rapidamente. Montou seu cavalo e em seguida dirigiu-se ao seu palácio. Quando se aproximou, os portões se abriram de imediato. Os servos chegaram, um segurou seu cavalo, outro ajudou-o a desmontar. O porteiro se curvou, enquanto disse:

– Eu me admiro, Majestade, pois não o vi passar pelos portões.

O grande e Poderoso Imperador entrou. No magnífico saguão, ele viu novamente os nobres, a Rainha com o homem a seu lado, o homem que se intitulara Imperador. Os nobres não olhavam para esse homem, nem a Rainha também. Eles viram apenas o seu Imperador entrar no saguão e foram cumprimentá-lo. O homem também veio. Ele estava vestido de branco, com roupas brilhantes, não em roupas régias.

O Imperador inclinou sua cabeça para esse homem e murmurou:

– Quem é você?

– Sou o seu Anjo da Guarda, respondeu ele. Você era orgulhoso e colocava-se somente nas alturas. Era preciso que você, fosse “trazido para a realidade. Mas o reino, que eu guardei para você, é-lhe devolvido agora, porque aprendeu a ser humilde. Só os humildes são capazes de governar e você, daqui por diante, saberá governar com sabedoria.

O Anjo desapareceu. Ninguém mais ouviu sua voz. O Imperador sentou-se novamente em seu trono, e governou mais sabiamente do que nunca e foi muito amado por seu povo.

(Do Livro Histórias da Era Aquariana para Crianças – Vol. II – Compiladas por um Estudante – Fraternidade Rosacruz)

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