As “Escrituras” apresentam as várias seções da Oração do Senhor na ordem adequada a nós, operando em seu nível mais alto, que está em contato com Deus. Na discussão que se segue, que parte do ponto de vista de nós focados em nosso nível mais inferior, na Região Química do Mundo Físico, a ordem das seções foi alterada para enfatizar nossos níveis graduados de aplicação.
A Oração do Senhor pode ser interpretada de vários pontos de vista diferentes, todos válidos. No nível mais baixo ou exotérico, é pura e simplesmente uma oração de pedido contendo um conjunto de reivindicações a Deus. Uma indicação clara de que essa oração se aplica a outros níveis também é o fato de que, como pedidos, certas partes da oração soam incongruentes ou são enganosas.
Provavelmente, a frase mais chocante e incongruente é o pedido a Deus para “não nos deixeis cair em tentação”, pois certamente Deus sabe o que faz. Pedir a Deus pelo nosso pão diário é incerto, pois isso não faz “o maná cair do céu”. Há um processo social complicado de produção e distribuição de alimentos. Aqueles que estão diretamente envolvidos na produção de alimentos fazem um excedente para a comunidade distribuir para aqueles que ajudam de outras maneiras. Em outras palavras, o pão diário tem que ser ganho pelo serviço à comunidade.
Todas essas dificuldades são esclarecidas quando a prece é interpretada de níveis progressivamente mais altos ou esotéricos. De um ponto de vista um pouco mais elevado, que é direcionado para dentro de nós, a Oração do Pai-Nosso se torna um manual de instruções para o cuidado e manutenção dos nossos vários veículos que nós, Espírito, possuímos. Quando assim considerada, a Oração revela a complexidade desses veículos. Primeiramente, recebemos um Corpo Denso e o “manual de instruções” diz: “Dê-lhe comida, diariamente”. “Perdão” é o bálsamo para o próximo veículo, o Corpo Vital que permeia o Corpo Denso e produz vitalidade ou a falta dela.
A matéria física, por exemplo, o cálcio, nunca fica doente; é a força vital e organizadora que, quando funciona mal, produz, nesse caso, as doenças ósseas. Isso se deve ao “pecado” ou transgressão das Leis de Deus. Em um nível óbvio, a raiva e a irritabilidade são fontes bem conhecidas de doenças. Em um nível mais sutil, todas as doenças são causadas por emoções, sentimentos e desejos em desarmonia (ou seja, criados a parte do uso de material das três Regiões inferiores do Mundo do Desejo). Quando a harmonia mental e espiritual é restaurada, a força vital funciona em harmonia e ficamos sadios e não doentes. “Tentação” é o problema dos nossos desejos, sentimentos e das nossas emoções, mostrando a necessidade de controlá-los. Somos nós que devemos controlar nossos desejos para não cair nas tentações.
“Livrai-nos do mal” é uma diretriz para a Mente, pois a razão pode ser usada objetivamente e sem emoção para planejar atos bons ou ruins.
É somente no nível do pedido que a oração é passiva. Em qualquer grau mais elevado, ela é dinâmica, pois requer uma ação definida nossa. Como um “manual de instruções”, a Oração não apenas mostra a complexidade dos nossos veículos (Corpo Denso, Corpo Vital, Corpo de Desejos e a Mente), mas também a responsabilidade dada por Deus em reação a eles, por isso temos que cuidar dos nossos veículos e usá-los sabiamente.
No próximo nível mais alto, um direcionado para fora, a Oração do Senhor é um manual ambiental que define as nossas relações com um ambiente complexo que inclui nossos semelhantes. No nível físico, a Terra deve ser mantida como uma fonte contínua de alimento (o “pão diário”) e temos que cuidar e zelar do nosso ambiente físico para mantê-lo como fonte renovável de vida e energia, que são a base da ciência da ecologia. Assim como podemos poluir a Terra física e torná-la um deserto, também podemos poluir as atmosferas vitais, emocionais e mentais ao nosso redor. Certas áreas podem se tornar salubres ou irritantes; certas atmosferas podem gerar raiva e violência ou promover tranquilidade; e certos grupos podem fomentar o pensamento maligno, egoísta ou o planejamento altruísta. Assim, a Oração indica que o nosso ambiente também é deixado sob nossos cuidados e custódia e temos que trabalhar ativamente para mantê-lo bem, porque somos tão responsáveis pelas condições ao nosso redor quanto pelas condições dentro de nós.
Outro passo para cima eleva a oração a níveis espirituais onde define claramente as nossas qualidades espirituais e nosso relacionamento com Deus. A oração é dirigida a “nosso Pai” nos “Céus”. Nosso Pai é conhecido somente através de Sua Vontade, um Princípio abstrato — razão pela qual Cristo não pôde “mostrar” o Pai aos seus Discípulos como solicitado por eles (Jo 14:1). O que podia ser visto era Cristo fazendo a Vontade do Pai (Jo 14:8-11). Similarmente, o princípio abstrato da justiça não pode ser mostrado, exceto através de pessoas praticando as Leis de Deus. A frase de abertura nos lembra que é em prol da Vontade de Deus que estamos aqui na Terra e a tarefa a ser cumprida é dada por este pedido: “Seja feita a Tua Vontade assim na Terra como no Céu”. “Céu” é onde Deus governa e Sua Vontade é feita; Cristo indicou que o “Céu” está entre nós (Lc 17:21). Esta fase da oração ensina que a Vontade de Deus, que é o Princípio espiritual do Amor dentro de nós, deve ser manifestado na Terra.
O poder energizante que torna possível a manifestação da Vontade de Deus é o “nome” de Deus usado em um sentido similar ao “nome da lei” que motiva a conduta dos oficiais da lei, ou o “nome da caridade, misericórdia, piedade” e assim por diante, usado como força motivadora. Quando Adão – nós, como Humanidade, na Época Polar – “nomeou” os animais (Gn 2:19), ele deu força à forma; isto é, ele energizou “modelos de argila” (terra). Na realidade são níveis de matéria energizante. Forças energizantes podem ser usadas para o bem ou para o mal, de maneira altruísta ou egoísta; portanto, a Oração insiste que o “nome” de Deus, que é uma força criadora, seja “santificado”; isto é, usado reverente e responsavelmente para criar apenas o bem em todos os níveis (físico, vital, emocional e mental).
“Venha a nós o vosso Reino” relaciona-se diretamente com a missão do Cristo de despertar Deus ou o Bem em nós, quando este governar a Terra, mas não como um Reino dividido onde as obras de Deus e do diabo correspondem a direções conflitantes do nosso Eu superior e “eu inferior”; mas como um reino imaculado, unificado e inspirado por Cristo sob a direção do nosso “Cristo interior” (Cl 1:27), com seus Eu superior e “eu inferior” combinados em nós.
Por fim, a frase final “porque vosso é o reino, o poder e a glória para sempre” dedicam todo o projeto, depois de concluído, como uma oferta de amor ao nosso Pai, Deus.
À medida que nos desenvolvemos espiritualmente, nos tornamos mais e mais conscientes das forças complexas e maravilhosas que o auxiliam e a Oração se torna uma prece de louvor e ação de graças. Percebemos que somos Ego, um Espírito Virginal da Onda de Vida humana, manifestado aqui como um Tríplice Espírito feitos à imagem de um Deus Trino (Pai, Filho e Espírito Santo) e estamos desenvolvendo os três aspectos espirituais (Espírito Divino, Espírito de Vida e Espírito Humano) em nós, usando as contrapartes veiculares deles (Corpo Denso, Corpo Vital e Corpo de Desejos, respectivamente). As várias partes da Oração mostram as ligações e dependências de nossos veículos com nosso Tríplice Espírito e, finalmente, com nosso Deus Trino. Cada veículo é uma expressão e está sob cuidado e orientação contínuos de um dos nossos três aspectos. O Corpo Denso, o Corpo Vital e o Corpo de Desejos representam cada uma das qualidades e a Mente é a ponte ou elo. A Oração, neste nível, nos eleva a um estado equilibrado e tranquilo, onde nos tornamos um radiador silencioso de louvor e ação de graças que, por sua vez, exerce um efeito edificante sobre nós mesmos e sobre o nosso ambiente no entorno.
(Publicado na Revista Rays from the Rose Cross de março/2003 e traduzido pelos irmãos e pelas irmãs da Fraternidade Rosacruz em Campinas-SP-Brasil)
Sempre se diz que a inclinação do ser humano para o mal é mais forte do que para o bem. Indubitavelmente, isso é certo no estado presente da sua evolução, pois nesse momento as atividades e tendências animais, no ser humano, são muito fortes.
Quando o Aspirante à vida superior sincero se propõe à reforma de hábitos, sente agudamente a luta entre o espírito e a carne, embate que lhe ruge no peito com aquela violência que São Paulo descreve ao desafogar seus íntimos sentimentos, dizendo como a carne pelejava contra o espírito em seu coração e fazia o mal que ele não queria fazer, omitindo o bem que desejava realizar.
É uma luta gigantesca, a da construção silenciosa do Templo interno. E só com a ajuda da razão podemos vencê-la, como lemos no Evangelho Segundo São João 8:32: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
No ser humano comum, os princípios espirituais não se desenvolveram suficientemente para lhe dar consciência de si e isso mostra que o “conhecer a verdade” equivale a conhecer a si mesmo. Apesar das tendências animais serem proporcionalmente mais fortes do que as inclinações espirituais, há uma Luz divina e eterna dentro de nós, atraindo-nos poderosamente à Sua busca. Se resistirmos a esse íntimo apelo e preferirmos nos dirigir ao mal, essa atração não deixará, contudo, de existir. Mas também nunca poderemos alcançar a razão perfeita das coisas e de nós mesmos, se não nos dirigirmos a essa Chama interna, o Cristo interior. O ser humano só poderá ser completamente livre quando sua razão vibrar uníssona e harmoniosamente com a Razão divina e interna que, por sua vez, vibra com a Razão universal. Portanto, o ser humano só pode ser livre se obedecer à Lei, não por temor, como os antigos, mas pelo conhecimento elevado de que a Razão de Deus seja amorosa e justa. Até que cheguemos lá, estamos plantando em nossa alma um número infinito de sementes do bem e do mal das quais brotarão plantas belas ou disformes.
O calor necessário para o seu crescimento vem do fogo que se chama vontade. Se a vontade for boa, desenvolverá plantas belas; se for má, plantas disformes. Logo, o passo atual do ser humano é a purificação da vontade, cultivando-a para que se converta em potência espiritual e o único meio para purificar a vontade é a ação. Para consegui-lo, as ações têm que ser boas até que o agir bem torne-se um hábito. E o hábito se estabelecerá quando na vontade não houver mais desejo de agir mal.
Cristo nos está ajudando, com Sua descida anual à Terra até a segunda volta, a formar o corpo espiritual, o Corpo-Alma, que nos possibilitará a transição para o ar. Por isso afirmou que aparelhará lugar. E São Paulo completa: os que vivem em Cristo. Essa realmente é a condição. E, se por um lado temos o livre-arbítrio para desleixar tão importante trabalho evolutivo, pois, na medida que evoluímos, influímos em todo o nosso ambiente, ajudando a apressar o novo advento, por outro também podemos nos aplicar conscientemente a esse trabalho, como fazem os autênticos Aspirantes Rosacruzes, os candidatos à classe adiantada da humanidade a que aludiu o versículo 12 do capítulo 11 de Evangelho Segundo São Mateus: “O Reino dos Céus conquista-se pela violência e os valentes o arrebatam”, embora a tradução fiel seja esta: “Invadiram o Reino dos Céus e os invasores tornaram-se donos d’Ele”. Quanto aos demais, que rejeitarem a ajuda dos Senhores do Destino pelos diversos meios, a esses atrasados ficará a advertência contida no Evangelho Segundo São Mateus 24:37: “Pois assim como nos dias de Noé, também será a vinda do Filho do ser humano”.
Não há lugar, portanto, para comodismos, procrastinações, irresponsabilidades e indiferença. A cada um será dado segundo o seu mérito individual e não pelos que os “mestres” externos e humanos possam prometer. A direção é clara: de dentro para fora, de baixo para cima, sempre.
(Publicado na Revista Serviço Rosacruz de março/1964)