Muitas das fábulas da antiguidade são baseadas nos Mistérios Secretos. Assim canta o pequeno Alecrim, a flor da lembrança, para todos aqueles que farão uma pausa e ficarão quietos por um tempo suficiente para ouvir sua canção. “Só aquele que encontrou as lágrimas que brilham no coração por cada júbilo e êxtase e que medita à luz de cada dor é sábio o suficiente para ouvir o canto do Alecrim e recordar”. Assim, os Anjos cantam enquanto exalam uma bênção perfumada sobre suas pétalas estreladas. Mais detalhes? Leia aqui: A Lembrança da Alma – A Lenda do Alecrim
À medida que a beleza e pureza da mensagem que essa pequena flor retém na fragrância roxa de seu coração, torna-se mais profundamente implantada na alma da mulher, e à medida que a sagrada concepção da qual nasceu, derrama sua bênção por todo o mundo, essa pequenina mensageira dos Anjos, a mais etérea de todas as flores, gradativamente, perderá sua tênue fragilidade e alegrará por mais tempo os corações daqueles que aprenderam a ler seu significado na beleza perfeita de seu desabrochar. Mais detalhes? Leia aqui: Uma Lenda do Heliotrópio
Muitas das fábulas da antiguidade são baseadas nos Mistérios Secretos. Leiamos o caso de Narciso. E depois vamos entender essa expectativa de poder ser uma mãe, aquele atributo que atende a um Ego, novamente, que aguarda ansiosamente o retorno à Terra. Mais detalhes? Leia aqui: O Idílio de Narciso – Um Prelúdio para aquelas que esperam ser Mamães
A anêmona, flor da transformação, está envolta em todo o mistério do período inicial, quando os Anjos caminhavam com os seres humanos e os instruíam na tradição das ciências celestiais. Adônis, de acordo com a antiga lenda, era o amado da deusa Vênus. Mesmo morto, o sangue fluiu de suas feridas e, ao tocar a terra, misturou-se com as lágrimas de luto de Vênus, e vejam! Lá surgiu em milagre a anêmona, a adorável e frágil flor dos ventos. No sangue está o mistério dos processos de transformação do ser humano, cuja tônica é a pureza. O corpo de um ser Iluminado é sempre adornado com flores ou estrelas interiores. Esses são centros de luz ou ímãs de força espiritual. Assim, a anêmona é a representação daquela força formada dentro do próprio templo sagrado do ser humano por meio do poder redentor do amor, ou a deusa Vênus da antiga lenda. Mais detalhes? Leia aqui: A Anêmona – A Alma dos Ventos.
Os Anjos conversam entre si e com os mortais por meio da cor. Uma reunião de Anjos, quando envolvidos em orações de cura para a concessão de bênçãos sobre à humanidade, aparecem como uma glória de nuvens matizadas, que salpicam o céu nas horas do amanhecer ou no pôr do Sol. A brancura nevada da flor de Jasmim reflete a paz divina; sua fragrância, as orações dos Anjos. Do coração dessa flor oriunda de uma semente, flâmulas de boa vontade irradiam para todo o mundo; de suas pétalas são transmitidos os poderes. Mais detalhes? Leia aqui: A Flor da Paz – A Lenda do Jasmim.
Tudo que se manifestou durante a curva descendente da involução subsiste até alcançar o ponto correspondente do arco ascendente da evolução.
Os atuais órgãos de geração degenerarão e se atrofiarão.
Os órgãos femininos foram os primeiros a existir como unidade separada. De acordo com a lei que diz que “o primeiro será o último”, serão os órgãos femininos os últimos a atrofiar-se.
Os órgãos masculinos começaram a diferenciar-se depois e, já agora, começam a separar-se do Corpo.
Agora vamos ver a razão de ter que ser assim:
Quando em meados da Época Lemúrica se efetuou a separação dos sexos (na qual trabalharam Jeová e seus Anjos), o Ego começou a agir ligeiramente em seu Corpo Denso, criando órgãos internos. Naquele tempo, o ser humano não tinha plena consciência de vigília, tal como possui hoje, mas com metade da força sexual, construiu o cérebro para expressão de pensamento, na forma já indicada. Estava mais desperto no Mundo Espiritual do que no Físico, mal podia ver seu Corpo e era inconsciente do ato de propagação. A afirmação da Bíblia de que Jeová adormeceu o ser humano, nesse ato é correta. Não havia nem dor nem perturbação alguma relacionada com o parto. Sua obscura consciência do ambiente não o inteirava, ao morrer, da perda do Corpo nem, ao renascer, da entrada noutro Corpo Denso.
Recorde-se: os Espíritos Lucíferos eram uma parte da humanidade do Período Lunar, os atrasados da onda de vida dos Anjos. Eram demasiado avançados para tomarem um Corpo Denso físico, mas necessitando de um “órgão interno” para aquisição de conhecimento podiam trabalhar por meio deum cérebro físico, coisa fora do poder dos Anjos ou de Jeová.
Esses espíritos entraram na coluna espinhal e no cérebro e falaram à mulher, cuja imaginação, conforme já se explicou, tinha sido despertada pelas práticas da Raça Lemúrica. Sendo a consciência predominantemente interna, pictórica, e porque tinham entrado em seu cérebro por meio da medula espinhal serpentina, a mulher viu aqueles espíritos como serpentes.
No preparo da mulher estava incluído assistir e observar as perigosas lutas e feitos dos seres humanos que se exercitavam no desenvolvimento da vontade. Muito frequentemente os Corpos morriam nas lutas.
A mulher surpreendia-se ao ver essas coisas tão raras e tinha obscura consciência de que algo estranho acontecia. Embora consciente dos espíritos que perdiam seus Corpos, a imperfeita percepção do Mundo Físico não lhe dava poder para revelar aos amigos que seus Corpos físicos tinham sido destruídos.
Os Espíritos Lucíferos resolveram o problema “abrindo-lhe os olhos”. Fizeram-na ciente dos Corpos, o seu e o do homem, e ensinaram-na como podiam conquistar a morte, criando Corpos novos. A morte não poderia mais dominá-los porque, como Jeová, teriam o poder de criar à vontade.
Assim, Lúcifer abriu os olhos da mulher, e ela, vendo, ajudou o homem a abrir o seu. Desta maneira, de forma real, se bem que obscura, começaram a “conhecer” ou a perceberem-se uns aos outros e, também, ao Mundo Físico. Fizeram-se conscientes da morte e da dor, aprendendo a diferenciar o ser humano interno da roupagem que usava e renovava cada vez que era preciso dar um novo passo na evolução. O ser humano deixou de ser um autômato. Converteu-se num ser que podia pensar livremente, à custa de sua imunidade à dor, às enfermidades e à morte.
Como vimos, o ser humano obteve o conhecimento por via cerebral, com o concomitante egoísmo, à custa do poder de criar sozinho, e a vontade livre à custa da dor e da morte. Quando aprender a empregar a inteligência para o bem da humanidade, adquirirá poder espiritual sobre a vida, e guiar-se-á por um conhecimento inato muito superior à atual consciência manifestada por via cerebral, tão superior a esta como a sua consciência de hoje é superior à consciência animal.
A queda na geração foi necessária à construção do cérebro, que é um meio indireto de adquirir conhecimento. Será sucedido pelo contato direto com a Sabedoria da Natureza. Então, sem cooperação alguma, o ser humano poderá utilizar esta Sabedoria na geração de novos Corpos. A laringe falará novamente a “Palavra perdida”, ou “Fiat Criador”, outrora empregada pelos antigos lemurianos sob a direção dos grandes instrutores, para criar vegetais e animais.
Será um criador de verdade e não na forma relativa e convencional do presente. Empregando a palavra apropriada ou a fórmula mágica poderá criar um Corpo novo.
(Quer saber mais? Faça os Cursos de Filosofia Rosacruz (todos gratuitos) e/ou consulte o Livro Conceito Rosacruz do Cosmos – Max Heindel)
Que as rosas floresçam em vossa cruz
Julho de 1918
De tempos em tempos, Estudantes de ocultismo de diversas partes do mundo nos perguntam qual deveria ser a atitude deles perante a guerra[1] e qual o propósito dela sob o ponto de vista espiritual. Já indicamos a posição dos Ensinamentos Rosacruzes referentes ao objetivo da guerra em vários artigos nossos, qual seja: para as pessoas se voltarem para Deus pela consolação devido à profunda angústia, tristeza e arrependimento delas, e para romper o véu que existe entre os Mundos visível e invisíveis, ajudando um considerável número de pessoas a adquirir a visão espiritual e a capacidade de se comunicar com aqueles que já passaram para o além. Mas, embora as explicações fornecidas satisfaçam a maioria dos Estudantes de ocultismo em até certo ponto, outros há que não se convenceram ainda; eles procuram algo mais diretamente relacionado com as condições estabelecidas. Para eles, nós sugerimos a leitura da Conferência No. 13 – “Os Anjos como Fatores de Evolução”[2] – mostrando como os assuntos humanos são guiados pelos Anjos e Arcanjos que atuam como Espíritos de família e de Raça causando a ascensão e queda de nações, conforme seja necessário para a evolução dos diversos grupos de espíritos que estão sob sua tutela.
Como uma tentativa final de satisfazer nossos Estudantes sobre esse assunto de vital importância, enviamos junto uma lição intitulada “A Filosofia da Guerra”[3], mostrando sua aplicação às condições atuais. Confiamos que todos encontrem nela os esclarecimentos necessários que os ajudará a compreender o que está em envolvido nisso, para que possam prestar sua sincera cooperação para o encerramento, o mais rápido possível, dessa luta e assegurar a paz que todos tanto almejamos.
Mas, devemos perceber que não haverá paz que valha a pena enquanto o militarismo não sofrer um golpe de tal proporção, que não volte a levantar a cabeça novamente e por muito tempo. Muitas pessoas têm esperança de que essa será a última guerra e desejamos, ardentemente, pudéssemos acreditar nisso. As pessoas pensavam da mesma maneira quando Napoleão e suas hordas invadiram a Europa há cem anos atrás, mas o tempo provou que tais esperanças eram vãs. A paz é uma questão de educação e é impossível alcançá-la até que tenhamos aprendido a lidar de maneira caridosa, justa e aberta uns com os outros – tanto como nações quanto como indivíduos. Enquanto continuamos a fabricarmos armas, a paz não poderá se estabelecer. Deve se tornar a nossa principal finalidade e objetivo fazer de tudo o que seja possível para abolir o militarismo em todos os países e estabelecer o princípio da arbitragem de dificuldades.
(Carta nº 92 do Livro “Cartas aos Estudantes” – de Max Heindel – Fraternidade Rosacruz)
[1] N.T.: Refere-se à Primeira Guerra Mundial.
[2] N.T.: Replicamos, abaixo, esse texto que se encontra no Livro: Cristianismo Rosacruz – Fraternidade Rosacruz – de Max Heindel: Quando falamos de evolução, a ideia disso no ocidente é, principalmente, focada no materialismo. Acostumamo-nos a olhar a matéria pelo ponto de vista puramente científico: que o nosso Sistema Solar procede daquilo que, uma vez, foi uma incandescente nebulosa, cujas correntes foram geradas e postas em um movimento a partir de um movimento espontâneo. Essa nebulosa assumiu a forma esférica e lançou de si anéis conforme se contraía. Esses anéis se romperam e formaram, assim, os Planetas que se esfriaram e se solidificaram. Pelo menos um Planeta – nossa Terra – espontaneamente gerou organismos simples que mais tarde, pelo processo evolutivo, se tornaram cada vez mais complexos, elevando-se na escala através dos Radiados (ouriços, estrelas do mar, etc.), depois pelos Moluscos (ostras, mexilhões, etc.) e daí pelos Articulados (caranguejos, lagostas, etc.) até as espécies vertebradas. Após percorrer as quatro classes de vertebrados – Peixes, Répteis, Aves e Mamíferos – esse impulso evolutivo espontâneo alcançou o seu mais elevado estágio no ser humano, que é considerado a fina flor da evolução – a mais elevada inteligência do Cosmos.
O cientista materialista expressará desprezo ou impaciência com tudo aquilo que sugere a existência de um Deus, ou mesmo de qualquer outro agente externo, como totalmente desnecessária para explicar o universo. Em apoio a essa sua posição, ele pega uma vasilha com água e despeja nela um pouco de óleo. A água representa o espaço, e o óleo a nebulosa incandescente. A seguir, ele começa a mexer o óleo, girando-o na vasilha até formar uma “bola” no centro, e essa vai engrossando mais nas bordas, formando um anel, até se desprender desse anel. Isto formará uma esfera menor e revolve sobre a massa central como um Astro em volta do Sol. Então, o cientista pode, triunfalmente, se voltar e indagar com um sorriso compassivo: “Agora, você viu quão natural é isso, como é supérfluo o seu Deus?”.
Na verdade, é de causar pasmo a constatação de quão obtusas podem ser as mais brilhantes inteligências quando influenciadas por noções preconcebidas. É de pasmar também que alguém, capaz de idealizar essa excelente demonstração, seja ao mesmo tempo incapaz de ver que ele próprio representa, em sua experiência, o Autor do nosso sistema a quem chamamos Deus, porque a experiência jamais teria sido imaginada, nem o óleo jamais teria sido posto a girar sobre a água, formando algo semelhante a um sistema planetário, não fora o pensamento e a ação atuarem sobre a matéria. Por isso, ao invés de provar a “superficialidade” da existência de Deus, sua demonstração da teoria nebular prova, no sentido mais amplo, a absoluta necessidade de uma Causa Primeira – seja ela chamada Deus ou tenha qualquer outro nome. Percebendo isto foi que Herbert Spencer, o grande pensador do século XIX, rejeitou esta teoria. Contudo, foi por sua vez incapaz de explicar satisfatoriamente a origem do sistema solar independentemente da mesma, que considerou falha. A ciência, pois, embora não queira reconhecê-lo, também apoia a teoria da origem do mundo que requer a ação inteligente de um ser ou seres estranhos à matéria do universo: um Criador ou Criadores.
Propriamente compreendida, essa teoria está em perfeita harmonia com a Bíblia que nos fala de um certo número de diferentes Seres que tomam parte ativa na evolução da Terra e das criaturas que nela vivem. Ouvimos falar de Anjos, Arcanjos, Querubins, Serafins, Tronos, Principados, Poder das Trevas, Poder dos Ares, etc., de modo que a Mente indagadora não pode deixar de perguntar: “Quem são todos eles? que papel desempenharam no passado? e qual o seu trabalho no presente?” Porque a Mente indagadora não pode acreditar que os Anjos sejam seres humanos transformados pela morte em entidades espirituais cujo único prazer e única tarefa consiste em soprar uma trombeta e dedilhar uma harpa, quando na vida terrena eram incapazes até de distinguir uma nota de outra. Tal suposição contraria a razão e está em desacordo com todos os métodos da Natureza, que exige que nos esforcemos para desenvolver nossas faculdades.
Os ensinamentos ocultos – em harmonia com a Bíblia e com as modernas teorias científicas – e que se encontram no Capítulo “Análise Oculta do Gênesis” de “O Conceito Rosacruz do Cosmos” dizem que o corpo que agora é a Terra nem sempre foi tão denso e sólido como no presente, mas que já passou por três Períodos de desenvolvimento antes de chegar ao atual Período Terrestre, e que, “após este, haverá ainda mais outros três antes de completar-se nossa evolução”.
Durante os três Períodos precedentes à nossa atual condição, isto que agora é a Terra, juntamente com o ser humano sobre ela, foram ambos gradativamente solidificados a partir de um sutil estado etéreo até outro de densidade muito maior do que é presentemente. Enquanto a “Involução” – o processo de consolidação – prosseguia, o Espírito que agora é o Ego humano construía um corpo ou um veículo para cada grau de densidade. Trabalhava inconscientemente, mas nisso era ajudado por diferentes Hierarquias espirituais, tais como os Tronos, os Querubins e os Serafins.
Quando o máximo de densidade foi alcançado, o Espírito teve a consciência despertada para si mesmo como um Ego separado no Mundo material. Este foi o ponto decisivo para o retorno, pois, uma vez consciente, o Espírito não pode continuar submergindo-se na matéria. Assim, à medida que sua consciência espiritual paulatinamente desponta, ele também aos poucos espiritualiza seus corpos, deles extraindo a alma que é a essência do poder de cada um.
Deste modo, ele se elevará gradativamente das regiões materiais mais densas, juntamente com a Terra, durante o resto do Período Terrestre e nos três Períodos subsequentes.
Nos primórdios da evolução, o tríplice “Espírito Virginal” estava “desnudo” e era inexperiente. Sua Involução implicava na construção de corpos, o que ele conseguiu inconscientemente com a ajuda de poderes superiores. Quando seus corpos foram concluídos e o Espírito tornou-se consciente, então a Evolução teve início. Mas esta exige crescimento anímico, que só pode ser alcançado mediante os esforços individuais do espírito no ser humano, o Ego, que ao final desta fase possuirá poder anímico como fruto de sua peregrinação através da matéria. E será daí uma Inteligência Criadora.
Os Rosacruzes deram aos sete Períodos de desenvolvimento os nomes dos Astros que regem os dias da semana porque, usando o termo em seu sentido mais amplo, tais Períodos são os Sete Dias da Criação. Significam também metamorfoses da Terra, nada tendo a ver com os Astros no céu, exceto que as condições que eles representam aproximam-se das dos Astros de mesmo nome, como segue: 1) Período de Saturno; 2) Período Solar; 3) Período Lunar; 4) Período Terrestre (cuja primeira metade é chamada “Marciana” e a segunda “Mercurial”, segundo o exposto no “Conceito Rosacruz do Cosmos”); 5) Período de Júpiter; 6) Período de Vênus; 7) Período de Vulcano.
Nossa evolução começou na Terra como ela era no quente e escuro Período de Saturno, em que a matéria era constituída de uma substância gasosa extraída da Região do Pensamento Concreto. Ali, o Espírito Divino (que é o mais elevado aspecto do tríplice “Espírito Virginal”, feito à semelhança de Deus) foi despertado pelos Senhores da Chama, também chamados Tronos no esoterismo cristão, os quais irradiaram de si próprios o germe do pensamento-forma como contraparte material do Espírito Divino. Este pensamento-forma foi mais tarde aperfeiçoado e consolidado na forma do Corpo Denso do ser humano, pelo que o seu mais elevado Espírito e o mais inferior dos seus corpos são frutos do Período de Saturno.
No Período Solar, a Terra alcançou a densidade do Mundo do Desejo, convertendo-se em algo assim como um nevoeiro incandescente de brilhante luminosidade. Então, os Querubins despertaram o segundo aspecto do Espírito Virginal tríplice: o Espírito de Vida. Sua contraparte – o Corpo Vital – nasceu aí como pensamento-forma e foi feito para interpenetrar o Corpo Denso germinal que se tinha consolidado e alcançado a mesma densidade da Terra. Foi, portanto, formado de matéria de desejos.
Ao fim das condições a que chamamos Período Solar, o ser humano possuía um duplo espírito e um duplo corpo.
No Período Lunar, a densidade da Terra aumentou a tal ponto que alcançou o estado de matéria que constitui a chamada Região Etérica. Era então um núcleo ígneo envolto em vapor e recoberto por uma atmosfera de nevoeiro quente ou de gás também vaporoso e quente. Quando a água esquentava pela proximidade com o núcleo ígneo, dele se afastava evaporando-se para o exterior; e quando resfriada pelo contato com o espaço externo, o vapor tornava a descer em direção ao núcleo ígneo.
Dessa substância úmida é que se formou o corpo mais denso dos “homens aquáticos”. O pensamento-forma do Corpo Denso havia se consolidado em um gás úmido; o pensamento-forma do nosso atual Corpo Vital havia descido até o Mundo do Desejo, pois da matéria desse Mundo foi formado, conforme vimos anteriormente. O pensamento-forma do nosso atual Corpo de Desejos foi acrescentado a esse duplo corpo no Período Lunar, tendo sido os Serafins que despertaram aí o terceiro aspecto do Espírito Virginal: o Espírito Humano. Foi então que o Espírito Virginal se tornou um “Ego”, de modo que, ao fim do Período Lunar, o ser humano nascente possuía um Tríplice Espírito e um Tríplice Corpo, a saber:
1) o Espírito Divino e sua contraparte – o Corpo Denso;
2) o Espírito de Vida e sua contraparte – o Corpo Vital;
3) o Espírito Humano e sua contraparte – o Corpo de Desejos.
O Tríplice Corpo é a “sombra” do Tríplice Espírito, lançada na Região do Pensamento Concreto nos três Períodos que precederam o atual Período Terrestre. Desde ali, todos esses pensamentos-forma condensaram-se: 1 grau o Corpo de Desejos, 2 graus o Corpo Vital e 3 graus o Corpo Denso, antes de alcançarem sua presente densidade.
Os Senhores da Chama (Tronos), os Querubins e os Serafins trabalharam para o ser humano voluntariamente e por puro Amor. De uma evolução como a nossa, eles nada podiam aprender. Agora que já se retiraram no atual Período Terrestre, os “Poderes” (Exusiai) do Cristianismo Esotérico – chamados Senhores da Forma pelos Rosacruzes – assumiram um encargo especial, porque este é um Período eminentemente da “Forma” e foi esta Hierarquia espiritual quem deu a todas as coisas suas atuais, definidas e nítidas formas concretas, as quais eram incipientes e indistintas nos Períodos anteriores.
Além das Hierarquias espirituais mencionadas, houve outros que ajudaram, mas vamos ater-nos somente aos seres que alcançaram no desenvolvimento a condição de humanos nos três Períodos precedentes. Esses seres avançaram naturalmente, de modo que os homens do Período de Saturno estão agora três passos à frente dos humanos atuais, sendo conhecidos como “Senhores da Mente”. A humanidade do Período Solar encontra-se dois passos adiante de nós e são chamados “Arcanjos”. E a humanidade do Período Lunar acha-se apenas um passo à nossa frente: são os “Anjos”.
Os Períodos são dias da Criação e, entre cada dois Períodos, há um intervalo de repouso ou atividade subjetiva – uma Noite Cósmica, análoga à noite de sono restaurador que desfrutamos entre um dia e outro de nossa vida terrena. Quando a vida evoluinte emerge do “Caos” na aurora de um novo Período, efetua-se em primeiro lugar uma recapitulação um grau à frente do trabalho realizado nos Períodos anteriores, antes de iniciar-se a obra do novo Período. Assim é alcançado o apogeu da perfeição capaz de ser atingida.
Portanto, a evolução do ser humano sobre a Terra, tal como se acha agora constituída, divide-se em “Épocas”, nas quais ele primeiro recapitula o seu passado, indo depois em frente às condições que prefiguram desenvolvimento e que só alcançarão expressão plena em Períodos futuros.
Na primeira – ou Época Polar – “Adão” – ou humanidade – foi formado de “terra”. Atravessava ele aquela fase puramente mineral do Período de Saturno em que possuía somente o Corpo Denso, modelado por ele próprio sob a orientação dos Senhores da Forma. Estava submerso no então escuro e gasoso Astro que acabava de emergir do caos, “sem forma e vazio”, como diz a Bíblia. Pois, do mesmo modo que as framboesas são formadas de pequenas bagas, assim foi a nossa “mãe Terra” formada da multidão de corpos densos parecidos com minerais de todos os reinos, e as correntes de vida que se expressavam como minerais, animais e homens, trabalhavam para libertá-los.
Na segunda – ou Época Hiperbórea – disse Deus: “Haja luz”, e o calor transformou-se em uma nuvem incandescente idêntica àquela do Período Solar. Nessa Época, foi o Corpo Denso do ser humano interpenetrado por um Corpo Vital, ficando a flutuar de um lado para outro sobre a Terra ígnea como uma enorme coisa em forma de saco. O ser humano era então como as plantas porque dispunha dos mesmos veículos que estas possuem agora, enquanto os Anjos o auxiliavam a organizar seu Corpo Vital, conforme continuam fazendo até o presente.
Isso pode parecer uma anomalia, já que os Anjos são a humanidade do Período Lunar, no qual o ser humano obteve seu Corpo de Desejos. Mas não é, porque somente no Período Lunar a Terra evoluinte condensou-se em Éter, tal como o que agora forma a substância de nosso Corpo Vital. A humanidade de então (os atuais Anjos) aprenderam ali a construir seus corpos mais densos de matéria etérea, assim como aprendemos a construir os nossos com matéria sólida, líquida e gasosa da Região Química. E nisso os Anjos tornaram-se peritos, conforme seremos também na construção de nossos corpos densos ao fim do Período Terrestre.
Eles estão, portanto, especialmente preparados para ajudar as outras ondas de vida em funções que digam respeito às importantes expressões do Corpo Vital. Ajudam assim na formação e manutenção das plantas, dos animais e do ser humano, relacionando-se muito de perto com a assimilação, crescimento e propagação desses reinos. Os Anjos anunciaram o nascimento de Isaac ao fiel Abraão, mas foram também os arautos da destruição de Sodoma por abusar-se ali das funções criadoras. O Anjo Gabriel (não Arcanjo, de acordo com a Bíblia) predisse os nascimentos de Jesus e João. Outros Anjos já haviam anunciado os nascimentos de Samuel e Sansão.
Os Anjos atuam particularmente nos corpos vitais dos vegetais porque a corrente de vida que anima esse reino iniciou sua evolução no Período Lunar, quando os Anjos eram humanos e trabalhavam com os vegetais do mesmo modo que agora trabalhamos com os minerais. Há, portanto, uma afinidade especial entre o Anjo e o Espírito-Grupo das plantas. Pode-se assim explicar a enorme assimilação, crescimento e fecundidade das plantas. O ser humano também alcançou enorme estatura na segunda Época – ou Época Hiperbórea – que estava principalmente a cargo dos Anjos. A mesma coisa se dá com a criança em sua segunda Época setenária de vida, porque então os Anjos podem trabalhar mais amplamente sobre ela de maneira que, ao fim dessa Época, aos quatorze anos, a criança alcança a puberdade e torna-se apta a reproduzir sua espécie – também com a ajuda dos Anjos.
A terceira – ou Época Lemúrica – apresentava condições análogas ao Período Lunar, embora mais densas. O núcleo ígneo da Terra ficava ao centro. Envolvendo-o, havia uma fervilhante camada de água em ebulição que, por sua vez, era envolvida na parte mais externa por uma atmosfera vaporosa de “neblina ardente”, pois assim “havia Deus dividido a terra das águas”, segundo o Gênese. Com a umidade mais densa do vapor, podia o ser humano viver em ilhas com crostas sólidas em formação espalhadas num mar de águas ferventes. Sua forma era então completamente firme e sólida, possuía tronco e membros e a cabeça começava a formar-se. O Corpo de Desejos foi acrescentado e aí o ser humano passou ao encargo dos Arcanjos.
Temos aqui outra vez o que se parece com uma anomalia, pois os Arcanjos foram a humanidade do Período Solar, Período em que nasceu o Corpo Vital, quando o ser humano não possuía ainda Corpo de Desejos. A dificuldade, porém, se desvanece quando recordamos que cada veículo nosso é a sombra de um dos aspectos do Espírito, conforme dissemos anteriormente, e que tais veículos não foram dados por essas Hierarquias. Estas simplesmente ajudam o ser humano no aperfeiçoamento de determinado veículo, dada a sua especial aptidão para trabalhar com a matéria dele. Os Arcanjos são educadores do nosso Corpo de Desejos, pois se fizeram peritos na construção e uso de tal veículo quando eram humanos no Período Solar. Neste Período, eles construíram o seu corpo mais denso com “matéria de Desejos”, da mesma forma que agora construímos nosso corpo mais denso com matéria química mineral.
Os Arcanjos são também o principal apoio do Espírito-Grupo animal, porque os atuais animais começaram como minerais no Período Solar. Na Época Lemúrica, o ser humano encontrava-se em idêntica situação à daqueles na Época atual: o Espírito estava fora do corpo que tinha de dirigir, ainda que os corpos de todos já estivessem sido impregnados com o germe da personalidade individual, conforme esclareceremos a seguir. Deste modo, os homens não eram tão fáceis de guiar como os animais do presente, pois o espírito separado de cada um destes ainda está inconsciente. O desejo então predominava, necessitando por isso de uma forte sujeição. Isto foi feito em alguns dos mais dóceis entre a nascente humanidade da Época Lemúrica, sendo que estes, no devido tempo, vieram a ser instrutores dos demais. A grande maioria, contudo, não recebeu tal vantagem.
Na quarta – ou Época Atlante – teve início o verdadeiro trabalho do Período Terrestre. O Tríplice Espírito estava destinado a entrar no Tríplice Corpo e converter-se num Espírito interno para alcançar pleno domínio sobre seus veículos, mas faltava ainda o elo da Mente. Tal elo, nós o devemos aos Senhores da Mente que haviam antes impregnado os corpos com a sensação de personalidade separada. Esta preponderou sobre a primitiva sensação de unidade com o todo, possibilitando a cada um colher experiências individuais de condições semelhantes.
Os Senhores da Mente alcançaram o estado humano no Período de Saturno. Não eram “deuses” vindos de uma evolução anterior como os Querubins e os Serafins. Daí a tradição oriental de os chamar de “A-suras” – “Não-deuses” – e a Bíblia os denominar “Poderes das Trevas”, em parte porque procederam do escuro Período de Saturno e em parte porque os considera como o mal. Paulo apóstolo fala do nosso dever de lutar contra eles.
Paulo estava certo, mas é bom compreendermos que não existe nada absolutamente de mal, e que no passado eles foram os benfeitores do gênero humano. O mal não é outra coisa senão o bem mal colocado ou não desenvolvido. Por exemplo: suponhamos um especialista em fabricação de órgãos que construa um, todo especial – sua obra-prima. Neste caso, ele é uma encarnação do bem. Mas se ele leva o órgão até a igreja e, mesmo não sendo músico, insiste em tocá-lo substituindo o organista, então ele representa o mal.
Quando os Senhores da Mente eram humanos no Período de Saturno e a Terra era constituída de substância da Região do Pensamento Concreto, aí começamos nossa evolução como minerais. Então, os Senhores da Mente aprenderam a construir seus corpos mais densos com esses minerais, do mesmo modo que agora construímos nossos corpos dos presentes minerais. Assim, especializaram-se no uso dessa “matéria mental”, estabelecendo também, portanto, uma relação extraordinariamente íntima conosco.
Chegado o tempo em que o Tríplice Corpo estava pronto para que o Espírito nele habitasse, o ser humano precisou da Mente para servir como elo entre o Espírito e o corpo. Mas isto os deuses não lhe podiam dar. Era demasiado para eles. Os Arcanjos e os Anjos ainda não podiam criar, mas os Senhores da Mente já haviam alcançado o terceiro Período além daquele em que tinham sido humanos, tornando-se, pois, Inteligências Criadoras. Assim, puderam naturalmente preencher a lacuna irradiando de si a substância de que está formada a nossa Mente.
Procedendo de tal forma, nossa Mente tinha de ser, como é de fato, naturalmente separatista e inclinada a ressentir-se da autoridade. Devia ser o instrumento do infante Espírito no governo do Tríplice Corpo e um freio ao desejo imoderado. Contudo, ela veio acrescentar ao desejo a poderosa astúcia, depois paixão e malvadez, sendo por si mesma mais difícil de domar que um potro selvagem. À Mente, agrada mais dominar o inferior do que obedecer ao superior. Por conseguinte, a paixão e a perversidade predominaram na Época Atlante. A raça degenerou e então tornou-se imperiosa a criação de outra e sob diferentes condições.
Entretanto, a atmosfera quente e vaporosa da Lemúria havia-se esfriado e condensado, convertendo-se em espesso nevoeiro na Época Atlante. Ali viveram os “niebelungen” (“filhos da névoa”) das velhas lendas, que foram os atlantes. Então, Deus ordenou que “as águas se juntassem em um lugar e que aparecesse a terra seca”. A névoa condensou-se gradualmente, caindo em torrentes e inundando os vales da Atlântida. A raça perversa pereceu, com exceção de uns poucos, conhecidos depois como “o povo eleito”, e escolhidos para serem o núcleo da atual raça ariana e herdarem a terra prometida: a Terra como é agora constituída. Estes poucos foram salvos conforme relatado diversamente nas histórias de Noé e Moisés, este tirando o povo de Deus do Egito (Atlântida) e guiando-o através do Mar Vermelho (o dilúvio ou inundação atlântica), onde o Faraó (o malvado rei atlante) pereceu com todos os seus seguidores.
As Hierarquias espirituais têm sido seriamente embaraçadas em seus esforços para ajudar o ser humano desde a Época em que este recebeu a luz da razão e se lhe abriu o entendimento, porque então tinha de lidar com assuntos dos quais não possuía o menor conhecimento, como por exemplo a propagação da espécie. Por ignorar as Leis Cósmicas que a regiam, o parto tornou-se doloroso e a morte converteu-se na experiência mais frequente e desagradável. Severas medidas impuseram-se, portanto, para controlar a natureza inferior. Isto foi feito por Jeová, o mais alto Iniciado do Período Lunar e regente dos Anjos, auxiliado nessa tarefa pelos Arcanjos, que são os Espíritos de Raça (Dn 12:1).
Jeová ajudou o ser humano a controlar a Mente e a dominar o Corpo de Desejos impondo leis e decretando castigos para as transgressões. O temor de Deus opôs-se então aos desejos da carne, e assim foi o pecado manifestado ao mundo.
Os Arcanjos, como Espíritos de Raça, lutavam a favor ou contra uma nação por intermédio de outra para castigar aquela em que houvesse pecado (Dn 10:20).
Eram os Anjos que faziam vicejar ou secar os trigais e vinhedos; os que aumentavam ou diminuíam os rebanhos; os que multiplicavam ou reduziam a família, conforme fosse necessário recompensar ou punir o ser humano por sua obediência ou transgressão às leis do Chefe dos Espíritos de Raça – Jeová. Sob o reinado deste, todas as religiões de raça – Confucionismo, Taoísmo, Budismo, Judaísmo, etc. – floresceram e atuaram no Corpo de Desejos como Religiões do Espírito Santo. Jeová ajudou o ser humano a dominar o Corpo de Desejos porque este foi obtido no Período Lunar.
Mas a Lei conduz ao pecado, pois é separatista. Além disso, o ser humano deve aprender a agir bem independentemente do medo. Portanto, Cristo, o mais alto Iniciado do Período Solar, veio para ensinar a Religião do Filho, que atua sobre o Corpo Vital, obtido no Período Solar. Ele ensinou que o Amor é superior à Lei. O amor perfeito lança fora o temor e liberta a humanidade do racismo, da casta e do nacionalismo, conduzindo-o à Fraternidade Universal, que será um fato quando o cristianismo for vivenciado.
Quando o cristianismo haja espiritualizado plenamente o Corpo Vital, um passo ainda mais elevado será dado com a Religião do Pai, o qual, como o mais alto Iniciado do Período de Saturno, ajudará o ser humano a espiritualizar o corpo que obteve nesse Período: o Corpo Denso. Então, até a Fraternidade Universal será superada. Não haverá mais eu ou tu, porque todos serão conscientemente Um em Deus, e o ser humano terá sido emancipado da tutela dos Anjos, dos Arcanjos e dos Poderes ainda maiores.
[3] N.T.: Replicamos, abaixo, esse texto que se encontra na Pergunta nº 163 do Livro Filosofia Rosacruz por Perguntas e Respostas Vol. II – Fraternidade Rosacruz – de Max Heindel: Pergunta: Do ponto de vista Rosacruz, a guerra é justa e necessária? Qual deveria ser a posição do Estudante Rosacruz no atual conflito? (Primeira Guerra Mundial).
Resposta: Nas grandes crises da vida, somos levados a enfrentar certos acontecimentos e a tomar decisões de tal importância que elas requerem frequentemente uma reformulação de ideias e ideais, até mesmo dos nossos princípios mais firmes até então concebidos.
Quando chega tal crise, seria simplesmente um suicídio mental, moral e espiritual esquivar-nos ou fugir do problema, não importa o quanto custe. Diz-se que a consistência é uma joia, mas se fôssemos verdadeiramente sábios, deveríamos estar prontos a mudar ou a rever nossas ideias sempre que a ocasião realmente o exigisse.
Os Ensinamentos Rosacruzes sempre concordaram com o ditado bíblico: “Não matarás”. Nenhuma qualificação foi feita a respeito, e alguns chegam ao extremo de não matar nem mesmo uma mosca. Mas a maioria interpreta corretamente que a injunção não pretendia se estender aos insetos e micro-organismos que afetam e tiram tantas vidas humanas. Esses seres, sendo manifestações de pensamentos maus, estão fora dessa regra. Certamente, essas pessoas não desejam que seus corpos ou os corpos de seus filhos sejam infestados por parasitas ou insetos nocivos, e todos concordam que a exterminação de insetos (entre eles o mosquito transmissor da malária), foi o fator decisivo para o sucesso da América no Panamá, no sentido de que transformou o fracasso em sucesso, e este princípio deveria ser aplicado sempre que necessário. Essas pessoas sentem que seria: absurdo aplicar o mandamento: “Não matarás” ao ponto de permitir que animais de rapina e os répteis venenosos circulassem entre nós, pondo em perigo as nossas vidas. Com certeza todos se empenhariam em eliminar tal ameaça da comunidade. Em seu código de ética, o mandamento envolve unicamente a ideia de que é errado matar para obter alimento, por esporte ou por lucro. Matar um ser humano parece uma possibilidade tão remota para a maioria de nós, que não é considerado nem mesmo como uma eventualidade. Sempre condenamos a pena capital, tanto porque é basicamente errada, como por ser inútil e prejudicial, pois, quando libertamos o Espírito de um assassino do seu corpo, nós o libertamos nos Mundos espirituais, onde ele pode e frequentemente trabalha sobre outros, influenciando-os a praticar crimes semelhantes aos seus.
Por essa razão, é preferível confiná-lo numa prisão, envidando esforços para reformá-lo, pois, mesmo que ele não recupere a sua liberdade nesta vida, em futuras existências respeitará a santidade da vida alheia.
Embora seja assim possível lidar com o assassino individual, o caso é diferente quando uma nação inteira investe furiosamente contra outra, perpetrando assassinatos, incêndios, destruição e pilhagem. Torna-se impossível aprisionar uma nação inteira e devemos encontrar meios mais drásticos de autodefesa.
Na vida civil, reconhecemos como válida a lei da legítima defesa que confere à futura vítima de um suposto assassino, o direito de matar antes de ser morta, e seria uma ilusão afirmar que esse direito deixa de existir simplesmente porque um milhão de assassinos enverga uniformes, porque eles atacam imprudente e descaradamente proclamando sua intenção de matar, ou ainda porque investem em grupos ao invés de agirem isoladamente. Sendo os agressores, eles são assassinos, e suas futuras vítimas têm um direito moral inquestionável de defender suas próprias vidas matando esses assassinos. Além disso, repousa sobre o mais forte o dever sagrado de proteger as vidas daqueles que são fracos demais para se protegerem sozinhos, mesmo que isso envolva a matança dos assassinos.
Do ponto de vista espiritual, o fato da guerra ser certa ou errada depende da pergunta: quem é o agressor e quem é a vítima?
Esta pergunta é facilmente respondida quando a guerra é iniciada com o propósito de conquista, ou quando é travada com fins altruísticos, tal como a emancipação de um povo oprimido para libertá-lo da escravidão física, industrial e religiosa. Não é necessário nenhum argumento para demonstrar que, em tais casos, o opressor é também o agressor e que o libertador é o defensor dos direitos humanos inalienáveis. Ele está cumprindo um dever sagrado como o “protetor de seu irmão”.
Uma vez entendido isto, não podemos ser enganados pelo fogo-fátuo da diplomacia, pois temos uma luz verdadeira, um critério simples do que é certo ou errado.
Tendo tomado uma decisão a respeito, conclui-se que é muito mais nobre e heroico enfrentar um pelotão de fuzilamento por recusarmo-nos a ingressar no exército agressor, ou fugir da nossa pátria, ou mesmo juntarmo-nos às tropas dos defensores na posição mais humilde do que ocuparmos um cargo dos mais elevados entre os agressores.
Por outro lado, lutar ao lado dos defensores é um dever sagrado, de acordo com os princípios espirituais mais elevados e nobres. Quanto maior o sacrifício, maior o mérito, e aquele que foge deste dever sagrado de defender a família e o lar, parentes e pátria, ou que deixa de lutar pelos oprimidos, está abaixo da crítica. Além disso, quanto maior a emergência, maior o sacrifício exigido.
E o privilégio deste sacrifício não se restringe àqueles que possuem ombros largos e musculosos. Eles não estão apenas comprometidos com o dever; o trabalho por detrás das linhas é, talvez, mais importante e dele todos podem participar de acordo com seu talento e suas habilidades – mental, física e financeira.
Quando surgir a ocasião em que a defesa dos outros ou autodefesa se torna inevitável, quanto mais duramente for impulsionada a luta, tanto mais breve e mais bem-sucedida ela será. Portanto, não devemos tolerar meias medidas, e a neutralidade, sob tais circunstâncias, deve ser considerada, pelo menos, como um pecado de omissão.
Os Estudantes do ocultismo sabem que as guerras são instigadas e inspiradas pelas Divinas Hierarquias que usam uma nação para punir a outra por seus pecados.
Mesmo um estudo superficial da Bíblia fornecerá inúmeros exemplos dessas lutas. Isto não significa que a vitória seja sempre inteiramente justificada, mas mostra que a nação vencida agiu mal e merece o castigo infligido, geralmente por causa de sua arrogância e ateísmo. Tampouco é um sinal que, pelo fato de uma nação ser vitoriosa por longo tempo e ter conseguido uma conquista extremamente difícil, esteja desfrutando dos favores divinos – pelo menos até certo ponto. Tal rumo pode ser realizado pelo exército invisível que Sustenta a força do agressor e prolonga a luta com o propósito de tornar a derrota final mais completa e desastrosa e, também, para ensinar aos defensores uma lição que não poderia ser aprendida em uma luta breve e decisiva.
Resumidamente, apresentamos a filosofia da guerra do ponto de vista espiritual, independentemente de quais sejam as nações envolvidas nela. Se aplicarmos esses princípios e critérios a atual guerra (Primeira Guerra Mundial), tornar-se-á evidente para todo aquele que não for preconceituoso e que encara o assunto com uma visão ampla e uma mente aberta, que os militaristas dos Impérios Centrais prepararam-se para esta guerra durante gerações, e a 5 de julho de 1914, na famosa Conferência de Potsdam, que é hoje admitida por todos eles, concordaram em iniciar a guerra algumas semanas depois, durante as quais os banqueiros dessas nações manipularam a bolsa de valores para reunir os maiores recursos financeiros possíveis. Isto caracteriza os componentes do bloco bélico Austríaco-Germânico como os agressores que, sob o chamado dos Espíritos de Raça, conduziram milhões de soldados contra todas as outras nações do mundo. No início do conflito, a França e a Inglaterra, que eram as vizinhas imediatas dos belgas ultrajados, fizeram de sua causa a delas, e agiram assim como protetoras de seu irmão. Mas, não estando preparadas, foram incapazes de levar essa luta a uma conclusão decisiva, Por essa razão, tornou-se necessário que a América entrasse no conflito e mudasse o rumo dos acontecimentos, para que a paz fosse restaurada e a segurança assegurada para aqueles excessivamente fracos para se protegerem sozinhos.
É um motivo de júbilo verificar que sempre que os Estados Unidos foram forçados a entrar numa campanha militar, foi em legítima defesa ou para desempenhar um papel altruísta como defensor e libertador dos fracos.
Fosse essa uma guerra de conquista ou agressão, seria melhor para todas as pessoas espiritualizadas enfrentar um pelotão de fuzilamento, como já foi dito, do que participar em tal guerra injustificada. Por outro lado, vendo o quanto a luta atual, travada com o propósito de esmagar o militarismo da Europa Central, já ceifou de vidas humanas, e o quanto esgotou a força dos defensores aliados, torna-se dever sagrado de todos ajudar ao extremo limite, de acordo com suas capacidades espiritual, mental, moral ou física, seja na frente ou por detrás das linhas, sempre que os dirigentes de combate julguem necessário requerer seus serviços.
Encorajamos todos os Estudantes da Fraternidade Rosacruz, de qualquer que seja o país que agora defende a causa da humanidade contra a facção militarista dos Poderes Centrais, a apoiar ao máximo o seu governo, de acordo com sua capacidade, para que logo possamos ter “Paz na terra e boa vontade entre os homens“.
O amor pelas crianças, combinado com a sensibilidade às profundas verdades da vida, possibilitaram os autores dessas histórias, que foram publicadas há anos na Revista “Rays from the Rose Cross”, a expressar de maneira atraente, muitas fases da sabedoria da Natureza. A esses amigos dedicamos, com gratidão, as Histórias da Era Aquariana para Crianças.
Muitos meninos e meninas estão cientes dos “pequeninos seres” e de outras Forças da Natureza mencionadas nessas histórias. Esperamos que muitas outras crianças fiquem animadas a tomar conhecimento delas, através da leitura deste pequeno volume.
1. Para fazer download ou imprimir:
Histórias da Era Aquariana para Crianças – Volume 4
Histórias da Era Aquariana para Crianças – Volume 5
Histórias da Era Aquariana para Crianças – Volume 6
Histórias da Era Aquariana para Crianças – Volume 7
2. Para estudar no próprio site (para ter as figuras, que tanto ajudam na compreensão, consulte a edição do item 1, acima):
HISTÓRIAS DA ERA AQUARIANA PARA CRIANÇAS
Volume 1
Compilado por um Estudante da
The Rosicrucian Fellowship
Centro Rosacruz de Campinas – SP – Brasil
Avenida Francisco Glicério, 1326 – conj. 82
Centro – 13012-100 – Campinas – SP – Brasil
Revisado de acordo com:
1ª Edição em Inglês, 1951, Aquarian Age Stories for Children, editada por The Rosicrucian Fellowship
1ª Edição em Português, 1990, Histórias da Era Aquariana para Crianças, editada por The Rosicrucian Fellowship
Pelos Irmãos e Irmãs da Fraternidade Rosacruz – Centro Rosacruz de Campinas – SP – Brasil
contato@fraternidaderosacruz.com
fraternidade@fraternidaderosacruz.com
SUMÁRIO
OS ESPÍRITOS DA PRIMAVERA.. 12
CORNÉLIA E AS FADAS DAS CORES. 21
COISAS QUE AS FLORES BRANCO-ROSADAS CONTARAM À ELZA.. 36
A VESTE TECIDA COM OS PENSAMENTOS DE JANE.. 54
PRINCESA QUE APRENDEU A SORRIR.. 60
A PEQUENA TRABALHADORA CANSADA.. 64
OS GÊMEOS TAYLOR NA DANÇA DAS FADAS DAS FLORES. 73
DEUS ESTÁ SEGURANDO SUA MÃO.. 85
O amor pelas crianças, combinado com a sensibilidade às profundas verdades da vida, possibilitaram os autores dessas histórias, que foram publicadas há anos na Revista “Rays from the Rose Cross”, a expressar de maneira atraente, muitas fases da sabedoria da Natureza. A esses amigos dedicamos, com gratidão, as Histórias da Era Aquariana para Crianças.
Muitos meninos e meninas estão cientes dos “pequeninos seres” e de outras Forças da Natureza mencionadas nessas histórias. Esperamos que muitas outras crianças fiquem animadas a tomar conhecimento delas, através da leitura deste pequeno volume.
Fraternidade Rosacruz, 1951
Matilda Fancher
Era uma vez, não há muito tempo atrás, um lugar onde habitava uma menininha cujo nome era Emaline. Seus amigos e as crianças da vizinhança a chamavam de Princesinha Aleijada.
A casa pequenina em que ela morava era cercada de um gramado verde e lindas flores guarneciam o caminho no tempo de verão. Num canto do quintal erguia-se um grande olmo.
Cada dia, Emaline sentava-se ao lado de uma ampla janela de onde ela podia ver as flores no quintal, pessoas passando na rua e observar os pássaros construindo seus ninhos no grande olmo.
Embora essa menininha não pudesse andar, eram muitas as alegrias de que ela desfrutava ao observar as crianças brincarem, ou quando passavam em seu caminho para a escola. Todos a conheciam e a amavam e nunca deixavam de acenar-lhe quando passavam por ela, ou de parar quando tinham tempo para conversar uns minutinhos e dividir com ela suas flores, doces, ou o que tivessem.
Assim, Emaline era muito feliz e grande era sua satisfação quando os pássaros vinham colher as migalhas que ela jogava para eles, no peitoril da janela.
Do lado de fora de sua janela havia uma caixa onde ela plantou pequenas sementes que sua mãe lhe tinha dado e, pelo cuidado amoroso que ela lhes dedicou, eram, agora, uma mistura de lindas cores. Sua fragrância era fonte de contínuo prazer para Emaline. Como ela amava esses amigos amorosos que inclinavam suas cabeças na brisa e pareciam estar sempre sorrindo para ela!
Sobre uma pequena mesa bem a sua mão, encontravam-se livros de contos de fadas e de aventuras. Eram muitas as horas agradáveis que a Princesinha Aleijada passava na Terra das Fadas onde tudo era radiante e adorável.
Ao seu lado, numa cadeira, podia-se quase sempre encontrar um enorme gato amarelo, todo enrolado, dormindo. Ele adorava que Emaline alisasse seu pelo e mostrava sua satisfação ronronando sonoramente, esticando suas garras, empurrando primeiro uma pata, depois a outra, na almofada em que ficava deitado. Emaline explicava que ele estava tocando órgão para ela.
Mas, a despeito de todas essas coisas que tornavam a sua vida feliz, Emaline crescia sem poder mover-se e ansiava intensamente por andar, correr e pular, como via as demais crianças fazerem diariamente. Então, ela ficava triste e perguntava a sua mãe:
– Por que sou assim, Mamãe? Por que Deus me castiga assim?
– Minha querida, você não deve pensar que Deus castiga você, sua mãe respondia, aproximando-se e ajoelhando-se ao seu lado, colocando gentilmente seus braços fortes em torno de seu corpo frágil, para confortá-la. Eu não sei por que você é assim, mas Deus e bom demais para punir e, em Sua grande sabedoria, sabe o que é melhor para nós.
Diante disso a menininha suspirava, desejando ter a fé de sua mãe e que Deus lhe mostrasse o motivo de sua deficiência.
Era um belo dia de junho e Emaline desejou, durante todo o dia, poder andar na grama úmida e verde, poder subir no olmo para ver os passarinhos que sabia estarem lá. Quando a Sol se pôs por detrás das montanhas distantes e as sombras começaram a surgir, ela sentia-se muito agitada e desalentada porque lhe era negado o grande privilégio de poder andar.
Depois que sua mãe a colocou na cama, entre os frescos lençóis, ela permaneceu pensando por um longo tempo. Finalmente, ela rezou pondo toda sua alma na prece, pedindo para ser capaz de andar algum dia. Se pelo menos Deus mostrasse porque era inválida, talvez fosse mais feliz, pensou ela.
Emaline não sabia há quanta tempo estava dormindo quando ouviu uma voz dizer-lhe:
– Vem comigo e eu te mostrarei.
Ela não ficou surpresa quando uma figura vestida de branco a tomou pela mão e flutuaram suavemente sobre os vales e montanhas como se estivessem voando, até que chegaram a um lindo palácio branco, circundado por altos muros de pedras.
– Este é o lugar onde você morou um dia, disse a companheira de Emaline.
– Ela deve saber, pensou Emaline e não disse nada, mas apreciou com admiração o cenário ao seu redor.
Urna garotinha estava brincando nas escadas de mármore que levavam ao palácio e, enquanto elas a observavam e aproximou-se uma empregada que levou a criança para dentro do palácio.
Elas seguiram as duas e parecia estranho a Emaline que ninguém notasse a presença delas. Lá dentro estavam damas e cavalheiros muito distintos e uma tal grandeza no mobiliário como a Princesinha Aleijada nunca vira antes.
Na ocasião, a garotinha estava vestida para sair e, junto com a empregada, dirigiu-se e entrou em uma carruagem que saiu em direção ao portão. O condutor estalou seu chicote e elas foram embora.
– Assim, a garota cresceu e tornou-se uma mulher mimada, caprichosa, explicou a guia de Emaline. Observe-a como mulher!
Ela virou-se e viu uma linda mulher que vinha pelo grande portão desse mesmo palácio, andando altivamente em direção à carruagem que a aguardava, entrou nela e foi embora, exatamente com o fez quando menina.
– Vamos segui-la, murmurou a guia.
Elas observaram a carruagem passando rapidamente pelas ruas, todas as pessoas paravam, contemplando-a num silêncio de temor enquanto ela passava. Na face de alguns Emaline viu o desprezo e estremeceu.
– E assim ela segue na vida, negligenciando os membros que Deus lhe deu para andar. Ela não tem a menor simpatia pelos que trabalham pelo seu pão diário. Isto é muito triste; agora vamos voltar para casa, disse a companheira de Emaline.
Na manhã seguinte, a Princesinha Aleijada surpreendeu sua mãe com esta pergunta:
– Mamãe, a senhora acha que já moramos aqui na Terra, antes?
– Oh, sim, querida. Creio que sim, mas por que você pergunta?
– Um dos mensageiros de Deus mostrou-me na noite passada onde eu morava e porque sou inválida, e tudo e por minha única culpa. Oh, mamãe! Vou ser muito boa de agora em diante, Emaline exclamou.
– Que estranho, pensou sua mãe, mas somente abraçou-a e disse:
– Você sempre foi boa, querida, pois ela estava acostumada as singularidades de sua pequena filha.
Assim, enquanto os dias de verão iam passando, a pequena Emaline sentava-se a sua janela e cantava alegremente, olhando as crianças, os pássaros e as flores.
Ela lia histórias para as crianças, enxugava suas lágrimas, e elas encontravam auxílio e simpatia nas mãos da Princesinha Aleijada.
Lágrimas de simpatia rolaram de seus olhos quando um dia, sentada perto da janela, viu um passarinho com uma asa quebrada cair bem abaixo de sua janela. Sua mãe o salvou e juntas ataram a asa quebrada e cuidaram do passarinho até que ele ficou novamente bom.
Um dia, um médico famoso veio à cidade onde Emaline morava e sabendo da existência da Princesinha Aleijada que possuía um coração terno, veio vê-la. Quando estava sentado numa grande cadeira, de frente para Emaline, perguntou a ela, numa voz cheia de amor e compreensão, o que significaria para ela ser capaz de andar.
– Oh, senhor, ela murmurou, estou muito feliz como sou, mas seria maravilhoso poder andar. Aí eu poderia ir a todos os lugares, ajudando as crianças que necessitassem de ajuda. Há muitas assim, o senhor sabe.
Os olhos do médico estavam muito ternos enquanto olhava para a menininha e ele lhe disse que voltaria pela manhã.
Durante a noite, Emaline abriu seus olhos em admiração para a figura toda de branco que estava ao lado de sua cama.
– Não tenha medo, ele disse, eu sou o médico e vim na qualidade de Auxiliar Invisível, em meu corpo espiritual, para curá-la. Eu posso deixar a meu corpo físico, como você vê, mas devo retornar a ele pela manhã.
Ela adormeceu imediatamente e só acordou na manhã seguinte. Lembrou-se, então, do que vira a noite e, descobrindo-se, colocou suavemente o seu pé no chão e ficou parada alguns minutos, com medo de se mover.
– Eu posse andar! Ela disse.
Parecia haver agulhas e alfinetes picando o seu pé, mas ela prosseguiu valentemente e colocou sua mão nas costas de uma cadeira, para apoiar-se. Deu primeiro um passo, parou, deu outro passe até chegar a sua cadeira que estava perto da janela onde se sentou, tremendo de excitação, e foi lá que sua mãe a encontrou. Admiração, Fé, Alegria estampavam-se no rosto de sua mãe, quando a viu sentada em sua cadeira. Emaline logo a convenceu que podia andar e com a ajuda de sua mãe praticou alguns passos, indo da cama para a cadeira, até que ficou exausta e sua mãe aconselhou-a a descansar até que o médico chegasse.
Foi com um rosto brilhando de amor e gratidão que ela relatou ao médico tudo o que ocorrera desde que ele partira no dia anterior e como ele veio a ela durante a noite.
Grande foi a alegria quando se espalhou a notícia de que a Princesinha Aleijada podia andar.
B. Coursin Black
Tita estava brava. Tita estava muito brava. A ideia da lição de música hoje! Em um sábado, tantas coisas a fazer, e lá fora o Sol, dourado como o coração de uma margarida. Assim, Tita escapou para fora e escondeu-se no pequeno bosque à beira do riacho.
Ela deitou-se na terra úmida. O riacho cantava para ela. A canção do riacho era borbulhante e alegre. Tita sentia-se agora em paz e feliz. Ela olhou fixamente para as nuvens que pareciam de nata e desejou cavalgá-las.
Então, surgiu a música. Tão sútil, tão doce, que ela pensou que fosse uma abelha grande, preguiçosa. Mas não, era diferente. Ela virou a cabeça. Depois, olhou fixamente.
A criatura era minúscula como um minuto. Toda de verde brilhante, com cabelos amarelos como um manto tênue. E ela estava tocando! Tocando um violino de duas menores folhas de grama que já existiram. Tita esfregou seus olhos.
– Ah! Finalmente você pode me ver!
A voz da criatura tilintou como um cubo de gelo num copo que você agita.
Tita olhou mais firmemente. Mas ela estava cheia de admiração.
– Meu nome? Seeba, a menina duende disse, como se estivesse lendo o pensamento de Tita.
– Mas – o que – o que, por quê? – Tita falou finalmente, seus olhos muito abertos.
– Ninguém jamais me vê, Seeba leu seus pensamentos novamente, a menos que esteja em sintonia com o espírito da Primavera.
Tita abriu sua boca para mais perguntas. Mas Seeba sorriu e acenou sua mão.
– Venha, ela disse, eu lhe mostrarei.
Subitamente, Seeba ficou alta, até que se tornou tão alta quanta Tita. Elas estavam numa grande floresta. Havia árvores monstruosas ao redor, colinas e um rio barulhento, apressado, tão largo que não se via a outra margem. Tita olhou em torno, amedrontada.
– Não, disse Seeba, tudo é o mesmo. Você apenas tornou-se do meu tamanho. As árvores são apenas gramas, as colinas são torres de terra. E veja o pequeno riacho.
Ela apontou para o rio rugidor e impetuoso.
Seeba pegou sua mão. Elas andaram pelo estranho lugar até que chegaram a uma caverna. Tita continuou pensando. Tinha tantas perguntas a fazer. Mas estava tão ocupada olhando para as coisas. Um rochedo monstruoso estava perto da caverna. Era azul e brilhante.
– Lembra-se da conta azul que você perdeu? – perguntou Seeba, tocando a rocha gigante e sorrindo diante da expressão de surpresa de Tita.
De repente, Tita gritou. Uma cobra enorme passou contorcendo-se. Seeba disse gentilmente:
– Uma minhoca: Ela leva embora os cascalhos e enriquece a terra de maneira que as flores possam crescer.
Elas chegaram a um tronco que atravessava o túnel.
– A raiz de uma violeta, explicou Seeba.
Ela desdobrou asas sedosas que Tita nunca tinha visto. Juntas elas voaram por cima da raiz.
Tita não podia ver mais nada. Estava escuro como tinta. Então, ela percebeu um leve brilho prateado que se tornou cada vez mais brilhante. Pássaros que voavam pareciam reluzir com a Luz.
– Pirilampos, disse Seeba. Nosso sistema de iluminação.
Depois elas viram uns homenzinhos muito estranhos, vestidos de marrom, com baldes vazios.
– Gnomos, a duende disse a Tita. Eles colhem o orvalho nos baldes e molham as raízes.
Depois apareceu uma fileira de criaturas delicadas como Seeba. Algumas eram cor-de-laranja, outras cor-de-rosa, algumas verdes. Elas traziam baldes cheios de orvalho que derramavam em algumas raízes.
– Espíritos da Primavera; disse Seeba, como uma guia num ônibus de turismo. Hoje elas estão com preguiça e muito atrasadas.
– Você é uma Fada da Primavera? – perguntou Tita.
Ela estava ainda com medo das coisas. E sua voz parecia tão fraca quando ela falou.
– Oh, sim. Eu fui para o Sul, durante todo o inverno.
Voltamos para o Norte num trem de nuvens, poucas semanas atrás,
De repente, ela parou. Ficou pálida e começou a tremer.
– A Rainha, ela disse rapidamente. Irá punir-me.
Se eu pudesse me esconder em algum lugar. Mas é muito tarde.
Um clarão ofuscante de luz amarela brilhou contra os olhos de Tita e, diante delas, estava uma visão encantadora. Ela era mais alta que Seeba e usava um vestido verde brilhante que resplandecia em todas as cores do arco-íris. Seu cabelo era de cor azulada, mas não parecia estranho. Tita pensou que nunca vira um ser tão lindo.
Mas os olhos da Rainha estavam lampejando.
– Você não veio para exercitar, disse a Rainha, olhando para Seeba. Você fugiu para brincar. Bem, por esse motivo você ficara na caverna toda a noite e não subirá para as nuvens. E tocará seu violino a noite toda.
Seeba começou a implorar.
– Vai chover esta noite, querida Rainha, ela disse em prantos. Eu adoro cavalgar as gotinhas de chuva, e haverá tantas novas Fadas chegando.
Uma das grandes cobras apareceu. Tita esqueceu-se que se tratava apenas de uma minhoca. Começou a correr cada vez mais rápido. E, de repente, estava fora, ao Sol. Sozinha. Esfregou seus olhos e olhou a sua volta.
Devia ser muito tarde. O Sol já quase se escondia. Nuvens escuras estavam se formando. Tita não esperou.
Correu para casa.
Naquela tarde, Tita tocou seu violino. Sua mãe tocou piano. Papai lia seu jornal e seu irmão Jan estava lustrando uma luva de beisebol.
Então, Tita ouviu a música. Era leve e doce como os sinos das fadas.
– As Fadas da Primavera, ela disse, ansiosamente.
O irmão Jan a olhou e suspirou.
– Ah, ele resmungou, está chovendo. Não poderemos jogar amanhã.
Tita empinou o nariz para ele. Como um garoto podia saber? Mas ela entendeu. As Fadas da Primavera estavam vindo como toda a força. Agora toda a glória da primavera irromperia para fora. As florestas e os campos sentiriam a magia. Ela desejou saber se Seeba estaria cavalgando as gotas de chuva. Ou se ela deveria estar na caverna, exercitando. Tita pegou seu violino e começou a tocar, outra vez. Intensamente.
Esther Tobiason
Betty tinha sido rude e Mamãe lhe ordenara que se sentasse no grande sofá e pensasse se gostaria de ser tratada como havia tratado sua irmãzinha menor. Mas Betty não sossegou até que caiu num sono profundo.
Aliás, uma das razões porque estava mal humorada era que estava cansada e com sono, pois não obedeceu a sua mãe e não foi dormir na noite anterior quando sua mãe mandou.
Subitamente, Betty ouviu algo ressoar, como uma matraca e, ao olhar para cima, o que você acha que ela viu? Um homenzinho, não mais alto que o pé dela e em sua mão segurava um estranho cordão de contas como Betty jamais vira. Ela pensou que as contas tinham uma aparência interessante, mas não pensou que aquele homenzinho engraçado tivesse algum assunto para assim acordá-la e, então, ela lhe disse:
– Você certamente não é um homenzinho educado.
Mas o pequeno homem ao invés de responder-lhe, acrescentou outra conta ao cordão que tinha em suas mãos. Betty notou que essa conta não era muito bonita.
Era de cor avermelhada, mas ao invés de ser clara como eram as outras contas do cordão, era escura e de aparência turva.
Apesar de Betty ter decidido não falar mais com o homenzinho, desejou saber por que ele escolheu uma conta tão feia e perguntou:
– Por que você não escolheu uma conta bonita para juntar ao cordão?
E, então, o que você acha que aconteceu? O homenzinho olhou para cima e ele tinha no rosto uma expressão muito triste quando respondeu:
– Eu gostaria de colocar no cordão só as contas bonitas, mas você não me deixou fazê-lo.
– Eu não deixei? Exclamou Betty com grande surpresa – O que eu tenho a ver com sua escolha de contas?
– Não, respondeu a homenzinho, você não me deixou.
– Mas eu nunca o vi antes, e nem quero essas contas porque você misturou as bonitas com as feias, disse Betty.
O homenzinho olhou novamente para ela, muito triste, e disse:
– Eu sinto muito, senhorita Betty, mas essas são as suas contas. Quer saber como elas se tornaram suas?
– Sim, disse Betty, você quer me contar?
– Bem, começou o homenzinho, é uma longa história, mas já que fui tão rude a ponto de acordá-la, talvez seja melhor contar-lhe. Começarei pelo início do cordão.
Você vê essa linda conta pequenina, uma pérola rosa suave?
Sim, disse Betty, eu a acho muito bonita. Gostaria que todo a cordão fosse assim. Como é que essa pérola se tornou minha?
– Você se lembra de uma vez, quando era bem pequenina, que sua mãe lhe pediu para guardar os brinquedos de sua irmãzinha e você respondeu: “Sim, mamãe querida, eu os guardarei”.
Mas Betty não podia se lembrar. Isso aconteceu quando ela era muito pequena.
Mas a homenzinho disse:
– Não importa se você pode lembrar-se disso ou não, porque essa pequena conta é o registro de sua boa ação e é bonita porque você tornou sua mãe feliz.
Betty sentiu-se contente por ter merecido uma conta tão bonita e com isso ter feito sua mãe feliz. Mas, aí ela percebeu que a conta seguinte era escura, de aparência esverdeada. Outra vez a homenzinho ficou triste e prosseguiu em sua história.
– Uma vez, quando sua tia Edna trouxe um lindo brinquedo para sua irmãzinha, você tirou-o dela porque você o queria só para si, e toda vez que você sentir inveja ou ciúme, você ganha uma conta escura, turva, de cor esverdeada.
Betty sentiu vontade de chorar e estava muito triste por ter tomado de outra pessoa o que não lhe pertencia. Entretanto, não se atreveu a chorar porque teve medo que a homenzinho pudesse juntar mais uma conta feia ao seu cordão. Mas, oh! A pedra seguinte era adorável, uma gema vermelha, clara e tão bonita que Betty sabia tratar-se de um rubi verdadeiro. O homenzinho parecia ter lido seus pensamentos, pois respondeu:
– Sim, com efeito, é um rubi verdadeiro. Uma vez você evitou que um gatinho fosse agredido por um cão enorme. Você também teve medo do cão, mas não deixou que machucasse o gatinho e, então, porque você foi corajosa e tentou proteger o mais fraco, é que você ganhou essa linda conta.
Betty lembrou-se dessa vez. Ela realmente sentiu medo do cachorro grande, mas sabia que o gatinho estava em perigo e, oh, como foi gratificante! Ele se aconchegou em seus braços e ronronou seu agradecimento.
A próxima pedra do cordão era um enorme âmbar cintilante. Betty teve certeza de que devia ser o registro de alguma coisa boa e esperou que a homenzinho lhe falasse sobre ela, pois fê-la sentir-se muito feliz em saber que todas as boas ações que realizou não foram esquecidas.
Desta vez, quando o homenzinho começou sua história, ele sorriu e perguntou a Betty se ela se lembrava de como devia escovar seus dentes todos os dias, respirar profundamente e comer as coisas que a mantinham forte e bem-disposta. Betty lembrou-se, como também se lembrou de que havia decidido surpreender sua mãe por não ter que repetir a mesma coisa diariamente. Então, o homenzinho lhe disse que enquanto ela cuidasse bem de seu corpo, a conta de âmbar se tornaria cada vez mais bela.
E aí aconteceu algo estranho: o homenzinho desapareceu de sua vista, o cordão de contas pareceu espalhar-se de tal forma que todas as cores estavam em volta dela e, então, ela ouviu uma vozinha dizendo:
– Se você quiser só belas contas no cordão de sua vida, lembre-se de dizer todos os dias:
“Hoje bons pensamentos terei,
Farei sempre uma boa ação,
Com todos os seres vivos, gentil serei;
Puro como uma rosa branca será meu coração,
E em todas as coisas, a Deus verei”.
Hasmick Vee
Num agradável dia de verão, a pequena Cornélia brincava com suas bonecas no seu cantinho predileto, debaixo dos frondosos ramos de uma enorme ameixeira que ficava numa extremidade do longo e ajardinado quintal de sua casa. Muitas e espessas moitas de certa planta de cores bastante variadas, assim como as mais diversas flores, tornavam aquele recanto convidativo, e Cornélia gostava de imaginar que as pétalas daquelas flores eram asas de fadas. E cantarolava alegremente enquanto arranjava suas bonecas em torno do robusto tronco da ameixeira amiga. Alguém, contudo, havia abandonado um espelho ali, sobre a grama. Tomando-o entre os dedos Cornélia notou ao longo de seus convexos ou recurvados bordos algo assim como as cintilações das várias cores de um arco-íris.
“Oh!” – exclamou admirada – “O que aconteceu?”.
Movendo, então, o espelho de um para outro lado, para frente e para trás, descobriu que a luz do Sol é que causava aquele efeito multicolorido em seus bordos. Cornélia sentou-se e pôs-se a examinar o seu achado, atônita ainda pela descoberta do pequenino arco-íris, que aparecia e desaparecia ao menor movimento. Nisto uma risada miúda e cristalina flutuou e escorregou pelo ar, e do meio do riso uma vozinha musical falou:
“Diremos tudo se você aceitar uma brincadeira nossa!”.
Cornélia não coube mais em si de espanto ao ouvir aquela vozinha. Sua boca assemelhava-se a um “O”, e seus olhos castanhos a dois “Os”. E olhava e fitava insistentemente a minúscula figura que se postava frente a ela. Sabia tratar-se de uma criaturinha do mundo das fadas, mas dificilmente podia acreditar naquilo que seus olhos viam. Finalmente decidiu falar:
“Quem e você?”
“Eu” – respondeu o pequeno ser – “sou a Rainha das Fadas das Cores”.
E de fato era, pois uma graciosa e elegante coroa podia ser vista sobre a sua cabecinha, e em uma de suas mãos uma varinha de condão dourada.
“Eu não sabia que existiam Fadas para as cores” – disse a menina, sentindo-se agora mais à vontade.
Ah! “sim?” – sorriu a Rainha das Fadas – “Nós somos em grande número, ainda que as pessoas raramente nos vejam. Mas veem o trabalho que fazemos em toda parte e no mundo inteiro”.
“Que tipo de trabalho?” – indagou Cornélia com ansiedade.
A esta altura um invisível coro de argênteas vozes cantou em resposta:
“Nosso afã é divertido,
nosso afã é divertido,
pois nós fazemos o mundo
mais alegre e colorido!”
“Veja” – explicou a Rainha das Fadas – “nós combinamos e distribuímos as cores que existem nas flores, nos frutos, nas folhas, e em tudo o que existe em volta de você. Vamos a toda parte e estamos sempre pensando na melhor maneira de tornar o mundo o lugar mais belo e colorido em que se possa viver. Gostaria de ver alguma coisa desse trabalho?”.
“Oh! adoraria” – respondeu Cornélia, batendo palmas de alegria.
“Ótimo!” – disse a Rainha das Fadas – “Então vamos começar a brincadeira. Mas deixe-me, primeiro explicar-lhe como se forma um arco-íris: a luz do Sol é branca, ou é o branco mais puro que existe em nosso universo, ainda que na realidade ela apareça aos olhos em sete diferentes cores. Quando a luz branca é dividida, conforme aconteceu no seu espelho ou conforme aconteceu nos céus após uma chuva, então você pode ver cada cor separadamente, formando uma faixa de sete cores. Nós combinamos essas sete cores de maneiras as mais diversas para formar uma grande variedade que você pode ver em volta de si, na Natureza”. Aí, então, a Rainha ergueu a sua varinha e ordenou: “Vermelho e Azul, venham. Vamos começar a brincadeira”.
Imediatamente duas pequeninas fadas – uma toda vestida de azul, a outra toda de vermelho – apareceram, inclinando-se gentil e elegantemente para a Rainha e para Cornélia. Então a Vermelho adiantou-se e se postou em frente à Azul, surgindo da união das duas a cor violeta.
“O que você já viu com essa cor?” – indagou a Rainha dirigindo-se à menina.
“Oh! eu sei: uvas, ameixas, uma flor chamada violeta e algumas outras flores”, respondeu a garota prontamente.
“Certo” – confirmou a Rainha das Cores.
“Agora chamarei o Amarelo. Sr. Amarelo! Sr. Amarelo! Esse é um camarada muito engraçado”.
“Eis-me aqui, aqui estou!” respondeu uma alegre voz, enquanto uma figurazinha toda vestida de amarelo aparecia.
“Oh!” – exclamou Cornélia – “você tem ao mesmo tempo a cor da luz do Sol, dos limões maduros e dos botões-de-ouro!”.
“Que combinação engraçada! Mas você tem razão, senhorita Cornélia. Você tem razão” – concluiu com uma sonora risada.
“Ué! como soube meu nome?” – indagou a menina mostrando surpresa.
“Ah! Nós somos sábias, nós somos sábias, ainda que não sejamos grandes em estatura” – respondeu o Sr. Amarelo, rodopiando velozmente na ponta do dedão do seu pezinho direito.
A seguir o gaiato Espírito da Natureza pôs-se em frente ao Vermelho, e dessa junção surgiu a cor: “Laranja!” – gritou Cornélia.
“Você está, agora, da cor de uma laranja!”.
“A cor das cenouras e das morangas também. Agora vou me colocar em frente ao Azul”.
“Agora você ficou verde como a grama!” – disse a menina.
“E as árvores, e as plantas, e muitas verduras que comem os seres humanos são também verdes, conforme você sabe”, acrescentou a Rainha das Fadas. “Espero que você tenha gostado desta brincadeira e ao mesmo tempo aprendido algo a respeito das cores”.
“Sim, sim, gostei e aprendi. Muito obrigado!” – disse Cornélia.
“Vocês poderiam voltar e ensinar-me mais sobre cores?”.
“Voltamos” – respondeu graciosamente a Rainha das Fadas. “Mas por enquanto precisamos dizer “Adeus”, porque temos muitos lugares a visitar e muita coisa a fazer. Preciso ver se todos os meus auxiliares estão trabalhando de acordo. Assim cumpro minha tarefa, a qual, como você já sabe, é fazer do mundo o mais belo e colorido lugar em que as pessoas possam viver e alegrar-se”.
Cornélia ia começar a falar, mas antes que pudesse dizer alguma coisa já as minúsculas criaturinhas haviam desaparecido.
Teria sido aquilo um sonho? Não. Ela estava convencida de não ter dormido. Além disso a Rainha das Fadas havia prometido voltar para ensinar-lhe mais acerca do maravilhoso mundo das cores.
Cornélia, então, olhou em volta, e viu outra vez o espelhinho. E tomando-o mais uma vez entre as mãos pensou:
“Agora sei de onde vêm essas tão lindas cores!”.
Cyril Vernor
Ó, Fada Azul! Ó, Fada Branca!
Diga-me onde todas as noites você vai brincar.
Muitas vezes no vale eu ouço o som
Das muitas fadas que vão lá dançar.
Ó Fada Vermelha! Ó, Fada Verde!
Qual o nome de sua Fada Rainha, por favor.
Eu a vi numa noite, rápida passando,
Num raio de luz e de amor.
Ó, Fada Amarela! Ó, Fada Marrom!
Quando a lua se põe, para onde vocês vão?
Por espaços distantes vocês vão viajar,
E de esconde-esconde na estrela mais próxima vão brincar?
Ó Fada Violeta! Ó, Fada Cinza!
O que vocês pensam durante todo um dia?
Vocês sonham com o esplendor do luar,
Ou com a aldeia verde onde irão brincar?
Grace Evelyn Brown
O jardim estava agradável, naquela ensolarada manhã de primavera quando Florence, mal terminado o café, correu a ver as sementes que plantava. Precisava saber se tinham brotado durante a noite. As sementes de ervilha que foram plantadas quando a neve ainda cobria o chão, essas já haviam brotado, erguendo já seus ramos a boa altura. Os brotos de amor-perfeito também já deviam estar despontando por esse tempo.
Florence procurou-as com ansiedade. Sim, lá estavam! Cada tenra haste projetava duas pequenas folhas, e algumas apenas se divisavam surgindo à superfície.
Quão maravilhoso era tudo aquilo! Florence dava qualquer coisa para poder ver o que se passava debaixo da terra, pois muitos milagres deviam acontecer ali para que essas sementes se transformassem em trepadeiras, arbustos e flores. Debaixo do solo, continua e silenciosamente, as duras sementes tornavam-se macias e se abriam, permitindo nos pequeninos filamentos vicejantes projetarem-se para a luz.
Tudo no jardim estava repleto de vida, uma formosa vida que se mostrava a si mesma na mais variada vegetação que brotava da terra. A grama era verde-amarelada, e as árvores, arbustos, plantinhas e trepadeiras projetavam milhares de delicados apêndices da mesma cor. Olhando mais próximo, Florence podia ver que tudo estava sendo preparado para o maravilhoso florescer que se aproximava naquela mesma primavera. As cerejeiras carregadas de botões, parte rosa, parte brancos, aguardavam o momento para abrir suas flores e, a seguir, exibir seus frutos. As macieiras também já mostravam seus botões. E os pés de morangos, de groselhas e de framboesas igualmente se preparavam para a bela estação das flores, e para a colheita de frutos que se seguiria.
Diariamente Florence pensava sobre as maravilhas da primavera, e ansiava pelos dias em que esses preparativos da Natureza alcançavam seu ponto culminante. Muitas vezes ela voltava a olhar as plantas, a ver se haviam crescido mais um pouco, e de todas as vezes não conseguia notar grandes mudanças.
“Mesmo assim suponho que elas crescem o tempo todo” disse de si para si – “e até pela noite a dentro. Vê-las-ei novamente amanhã de manhã, e talvez descubra que elas tenham crescido um pouco”.
Florence adormeceu naquela noite com esses pensamentos. Despertou a certa altura vendo claridade da lua infiltrando-se pela janela.
“Está tão claro” – pensou. “Acho que é bom ir até ao jardim ver se já cresceram um pouquinho”. Enfiou-se, pois num roupão de banho e calcou os chinelos de feltro. Nunca antes havia saído ao jardim a estas horas, mas agora, de algum modo, ela se sentia diferente. Sentia-se tão cheia de vida que desejava fazer algo.
O jardim estava lindo, com a Lua ao poente e uma tênue luminosidade ao nascente, sugerindo à Florence que a aurora despontava. Primeiro de tudo ela correu a ver os brotos de amor-perfeito. À luz do luar mal podia distinguir aqueles dos outros que havia examinado na tarde anterior; mas percebeu que haviam crescido um pouquinho durante à noite.
Ao se erguer para regressar, porém, a menina ouviu uma vozinha ao seu lado. Olhou, e então percebeu ali uma estranha criaturinha cor verde-claro, usando um pequenino capuz verde que mais parecia uma pétala sobre os seus olhinhos oblíquos e orelhinhas pontudas. Tinha um narizinho arrebitado, e seus lábios sorriam em afável cumprimento. Seu corpo era pequeno, mas maciço e seus braços e pernas muito miúdos eram cobertos por uma película verde muito colante, que mais parecia pétalas de flores.
“Oh” – exclamou Florence. “Você deve ser um elfo! Sempre quis ver um. Tenho visto desenhos de você e de seus amigos em meus livros”.
“Sim” – gargalhou o elfo. “As pessoas nos desenham e escrevem estórias e versos sobre nós, mas na realidade essas pessoas não acreditam que existamos. Para elas somos apenas fantasias”.
“Eu acredito em você!” – afirmou a menina – “Sempre acreditei em sua existência e sempre esperei vê-lo um dia”.
“Creio no que diz” – respondeu o elfo – “Está é a razão porque me tornei visível a você”.
“Agradeço-lhe por isso”.
“Olhe, as crianças creem em nós, e isso permite que elas nos vejam” – explicou o elfo – “mas não há necessidade de aparecermos aos adultos que não acreditam em nós, porque, assim, ainda que eles nos vissem, simplesmente não acreditariam em seus olhos, e diriam isso as crianças, e ficaríamos assim impedidos de aparecer a essas mesmas crianças, porque elas nos negariam igualmente”.
“Creio, também, em fadas e duendes”. – disse Florence.
“E em gnomos? Já viu algum?”
“Não, nunca” – ela admitiu.
“Gostaria de vê-los?”
“Oh! sim, gostaria imensamente! Por favor, mostre-me ao menos um”.
“Os gnomos vivem debaixo da terra, e lá permanecem a maior parte do tempo. Provavelmente esta é a razão porque você ainda não viu nenhum”.
“Como os mineradores?”
“Exatamente. Na verdade, eles são os mineiros do nosso reino”. – esclareceu o elfo. “Eles trabalham com os minerais: o carvão, a terra e as pedras preciosas”.
“Posso levá-la a vê-los, mas primeiro você precisa crer que a terra em que você pisa é, como se fosse, um nevoeiro, ou uma espécie de fumaça transparente. Você está, agora, em seu corpo de sonhos, e pode penetrar na terra tão facilmente como se penetrasse num nevoeiro. Pense apenas que a terra é uma enorme nuvem. Olhe para baixo, além do chão, e aí poderá ver tudo o que está acontecendo. Procure as sementes que você plantou, Onde estão?”
“Aqui!” – gritou Florence entusiasmada, voltando-se para o lado em que uma leira de flores havia sido plantada não fazia muito.
“Olhe bem ali embaixo” disse o Elfo apontando em frente – “e você verá um gnomo ocupado, abrindo sementes para que elas possam brotar, e afofando a terra em volta a fim de que o brotinho espiralado possa sair à superfície. A semente vai desaparecer, mas a plantinha sairá à luz. Tudo isso seria impossível de acontecer sem a colaboração dos gnomos”.
Florence olhava o gnomo atentamente. Ele era, de fato, uma criaturinha extraordinária, mais do que engraçada, parecendo-se com um velhinho de longas barbas brancas. Vestia-se de marrom – marrom cor da terra – e usava um pequeno e pontudo capuz, também marrom. Seus dois olhinhos verdes não paravam em suas órbitas, e seus dedinhos igualmente marrons manuseavam as sementes com grande habilidade, virando-as em diferentes posições.
“Para que isso?” – perguntou Florence.
“A maioria das pessoas não sabe plantar: geralmente se esquece de deixar livre (ou fofa) a terra no lugar onde a plantinha vai brotar” – explicou o elfo. “Os gnomos precisam, então, arrumar as sementes na posição correta, assim como algumas vezes fazemos com os ramos das trepadeiras que tomam a direção errada”.
O gnomo mantinha-se ocupado em seu trabalho. Dentre seus ágeis dedinhos as sementes começavam a se abrir e os brotos a despontar rumo à superfície do solo.
“Olhe aquelas palmas-de-santa-rita” – disse o elfo cruzando o caminho para o outro lado do jardim – “Foram plantadas por você no último outono. Veja-as agora!”
Outros gnomos ocupavam-se naquele lado com outras sementes e plantas, preparando-as para o verão, tratando-lhes os brotos ou lhes desimpedindo a saída.
“As pessoas pensam que fazem tudo quando lançam uma semente ao solo, e que a Mãe Natureza apenas faz “o resto”, que creem ser uma pequena parte. Na verdade, é a Natureza que faz quase tudo. E como? Servindo-se de milhões de auxiliares. Olhe só embaixo daquela gleba e veja quantos gnomos são necessários para se fazer um pequeno gramado”.
Florence olhou para baixo e viu muitos gnomos: um exército deles, todos trabalhando com a terra e com as raízes. E trabalhavam todos juntos, no mesmo ritmo, como se fossem um só operário.
“E a isso que chamam equipe, no seu mundo” – observou o elfo.
“É como na escola!” – replicou Florence.
“Sim” – confirmou o elfo. “E tem, também, um professor, um chefe gnomo. Vamos agora naquela árvore ali. Mesmo quando uma árvore está crescida os gnomos precisam trabalhá-la constantemente, esticando suas raízes, ou alongando-as mais dentro da terra, a fim de que sugue dali mais e mais vida”.
Quando haviam alcançado a enorme árvore, nos limites do jardim, Florence olhou para baixo e pode ver suas longas raízes e uma enorme quantidade de homenzinhos marrons, todos ocupados com as raízes e a terra, enquanto próximo a eles, mas na parte superior, uma multidão de elfos fazia a grama crescer.
“Eu nunca soube antes que as coisas foram feitas para crescer. Só sabia que cresciam”. – observou Florence.
“Mas como poderia uma planta crescer – indagou o elfo – se alguém não lhe proporcionasse as condições apropriadas ou não lhe desse o necessário alimento? Os jardineiros não pensam nisso. Daqui a pouco as fadas estarão fazendo seu trabalho nos botões, de modo a desabrocharem dali flores e frutos. Por cores nas flores é um trabalho todo especial, e nesse trabalho as hábeis fadas são ajudadas pelos gnomos, também. Esse trabalho é uma verdadeira obra de arte como, por exemplo, pintar as pétalas dos amores-perfeitos ou das encantadoras linhas das orquídeas”.
“Quão maravilhoso é tudo isso!” – exclamou Florence – “e como eu gostaria de poder ajudá-los!”.
“Você pode ajudá-los” – respondeu o elfo. “Todas as vezes que você irrigar as plantas estará ajudando. Você pode ajudá-los, também, amando-os. Não sabia que o amor faz tudo crescer melhor? Sim, tudo: as plantas, os animais e o ser humano. Mas há ainda outra maneira de você ajudá-los. As chuvas da semana passada levaram de enxurrada bastante terra do jardim. Você pode repor essa terra, pois para os pequeninos gnomos é muito difícil transportar material tão pesado”.
“Será isso a primeira coisa que farei ao amanhecer” – prometeu Florence.
“Você e uma boa menina” – disse o elfo – “Agora desça comigo à lagoa e lhe mostrarei certos bebês d’água”.
Juntos, os dois escorregaram até a lagoa, e ali, ao longo da margem, o elfo mostrou a Florence uma incontável quantidade de pequenos ovos que começavam a se partir. De dentro deles uma multidão de pequeninos seres escuros – que os seres humanos chamam girinos – saía para a luz. Ajudando- os a sair podia se ver algumas criaturinhas muito lindas, cor verde azuladas, que cintilavam na água como peixes, mais parecendo fadas sem asas. Algumas brincavam com as pequenas ondas, enquanto sua roupagem flutuava na corrente. Outros pequenos seres, estes aéreos, sopravam as criaturinhas de cima para baixo, fazendo borrifos e bolhas de ar.
“Que adoráveis!” – exclamou Florence – “Quem são?”
“As que estão na água chamam-se ondinas, e os que estão no ar chamam-se silfos. Estes fazem as brisas que refrescam os dias quentes”.
Naquele momento o sol surgiu no horizonte, lançando luz e calor sobre o jardim e iluminando as árvores, os arbustos, as plantas e as trepadeiras. Tudo parecia tão cheio de vida que Florence não se conteve: “Oh! Nunca pensei antes que tudo isto tinha tanta vida! Exatamente como as pessoas!”.
“De fato, tudo vive” – concordou o elfo – “Agora você precisa ir-se, mas recorde tudo isto quando voltar para o seu mundo”.
“E você me levará outra noite a ver seu mundo outra vez?” – indagou Florence.
“Claro que sim” – respondeu o elfo. “E agora, adeus. Não se esqueça de irrigar o jardim, quando não chover, e de carregar terra para lá depois das enxurradas”.
“Lembrarei isso” – prometeu Florence – “e obrigada por me ter mostrado todas essas coisas maravilhosas”.
Ainda era cedo quando ela acordou. E pensava sobre a maravilhosa aventura quando sua mãe entrou, trazendo três coelhinhos brancos.
“Olhe só para isto, querida” – disse ela. “Chegaram esta noite”.
“Oh! que lindos, mamãe!” exclamou Florence feliz, tomando os coelhinhos um a um e lhes afagando as orelhas, E, então, revelou:
“Mamãe, um elfozinho levou-me a ver os gnomos, os outros elfos, as ondinas e os silfos todos trabalhando. Mas não me levou a ver uma coelheira. Suponho que ele reservou isso para uma surpresa, para esta surpresa! Que foi uma das melhores deste dia!”.
Catherine M. Bloom
Na floresta as fadas vivem,
No pântano elas vivem bem;
Mas eu queria encontrar uma
Na minha cozinha também.
Se uma fosse minha amiga,
E o meu desejo atendesse,
Ela a comida faria
Enquanto o jornal eu lesse
Helen Boyd
Elza adorava sentar-se debaixo da macieira e apreciar as lindas pétalas branco-rosadas. Isto a fazia pensar em belas coisas que ela nunca pensara em nenhum outro lugar.
– Não sei como alguém poderá não amar você, coisa linda – exclamou uma tarde, abraçando a árvore.
– Estamos muito felizes que você nos ame pequena Elza, porque a maioria das garotinhas parecem nem olhar para nós – ouviu alguém dizer.
Ela olhou para cima para ver de onde vinha à voz, e ficou muito surpresa ao ver um Espírito da Natureza olhando através de cada flor branco-rosada.
– Ora, ora! Vocês são fadas – exclamou Elza – Nunca imaginei que vocês morassem aí em cima.
– Moramos onde é belo – respondeu o Espírito da Natureza que falara antes.
– Isso deve ser bonito – suspirou Elza – Gostaria de ser uma fada.
– Mas não é estranho? – Replicou o Espírito da Natureza – Eu estava exatamente desejando ser apenas uma garotinha.
– Oh, você…você gostaria de trocar de lugar comigo? – disse Elza, ansiosamente.
– Teremos que pedir à Princesa das Fadas – replicou o Espírito da Natureza – Aqui está ela! – exclamou, enquanto uma fada, com vestes brilhantes deslizava pelo caminho.
– Princesa das Fadas – disse Elza timidamente – eu desejaria ser fada e há uma fada lá em cima que desejaria ser uma menininha. Você poderia nos trocar, por uma no lugar da outra?
– Você tem certeza de que desejaria ser fada? – perguntou a Fada Princesa, olhando fixamente para Elza.
– Oh, eu adoraria – disse a garotinha com uma expressão de júbilo em sua face.
A Fada Princesa pareceu muito satisfeita e em poucos minutos Elza encontrava-se entre as flores branco-rosadas – uma verdadeira fada- e, em volta dela, estavam outras pequenas fadas ou Espíritos da Natureza.
Elza já se encontrava na madeira há algum tempo quando sentiu sono e começou a se aninhar nas flores para dormir, quando uma fada que estava perto dela sussurrou-lhe:
– Você não pode dormir. Esta é a hora de fazermos o nosso trabalho.
Em poucos momentos, quando todas as estrelas despontavam e a Lua espalhava seus raios prateados sobre a Terra, todos os Espíritos da Natureza saíam das flores e corriam para cá e para lá em tal velocidade que Elza perdeu a respiração só de olhá-las. Ela notou que por onde eles passavam o local irradiava uma nova beleza.
– O que devo fazer Fada Princesa? – ela perguntou – Todos parecem estar ocupados, menos eu.
– Você poderia dar uma chegadinha à casa de campo da velha senhora, na descida da estrada e pôr o lugar em ordem para ela – disse a Fada Princesa com um sorriso.
– Mas, Princesa – protestou Elza – eu quero fazer algo bonito. Limpar uma casa – ora – qualquer um pode fazer isso.
– Bem, Elza – disse a Fada Princesa seriamente – se você vai tornar-se uma fada, deve estar preparada para fazer qualquer coisa que beneficie os outros. Vocês não fazem coisas semelhantes para ajudar uns aos outros no mundo de onde você veio?
– Não exatamente como isso – disse Elza vagarosamente – Sábado eu levei um ramo de lilases a Sra. Medeiros, que tem reumatismo. Eu podia ter lavado os pratos para ela, mas não fiz porque eu…
– Oh, eu entendo – disse a Fada Princesa – Você achou que cumpriu seu dever quando lhe levou as flores.
– Sim – disse Elza – foi exatamente como me senti.
– Bem, tenho certeza que a Sra. Medeiros ficaria muito mais agradecida se você tivesse arrumado a casa para ela – disse a Princesa – Lembre-se, Elza, pequenas coisas como essa são muito mais belas do que fazer coisas que não exigem sacrifício.
– Nunca pensei nisso antes – disse Elza pensativamente – E estou tão feliz, Princesa, que você me mostrou como eu posso ajudar as pessoas corretamente.
– Está ficando tarde, Elza – disse a Fada Princesa – Rápido! Precisamos nos esconder.
Então, ela soprou suavemente uma corneta de prata e imediatamente todos os Espíritos da Natureza começaram a voltar, subindo para dentro das flores branco-rosadas. Pareciam tão engraçados que Elza parou e riu até que lágrimas lhe escorreram pela face.
– Rápido, rápido! – disse a Fada Princesa para Elza – ou vão pegar você.
Mas o aviso chegou muito tarde, pois já vinha em sua direção uma mulher muito velha, apoiando-se numa bengala.
– Quem é a senhora? – perguntou Elza, com muito medo.
– Certamente você me conhece muito bem-disse a velhinha numa voz trêmula – Sou a velha Sra. Medeiros que mora na descida da rua. Aquela a quem você leva flores de vez em quando. Eu sempre desejei que você me ajudasse um pouco nos afazeres da casa.
– Eu nunca soube disso, Sra. Medeiros, nunca – disse Elza honestamente – Não, até que a Fada Princesa me contou; a primeira coisa que farei pela manhã será ajudá-la. Espere para ver.
– Você tem um bom coração, isso você tem realmente – murmurou a velha Sra. Medeiros- enquanto ia embora, apoiada na sua bengala.
Nesse momento, Elza sentiu algo leve em sua face e acordou, encontrando-se deitada ao pé da árvore, coberta pelas flores branco-rosadas.
– Acho que estive sonhando – disse Elza – olhando para a árvore. Mas as flores somente sorriram e balançaram suas lindas cabecinhas.
Florence Barr
Tantas coisas interessantes estavam acontecendo no jardim, e cada dia apareciam mais surpresas agradáveis.
Os lindos narcisos, como sinos dourados à luz do Sol, pareciam tinir suavemente quando Rosália e Ricardo passavam por eles. As borboletas alegres, como crianças do ar, voavam de flor em flor e as abelhas zumbiam jovialmente enquanto cortejavam as belas flores.
– Oh, era tão bom estar vivo! Reconheciam as crianças, à medida que passavam através do portão rústico que conduzia ao pomar. Que lindo panorama as saudava! A macieira era uma massa de flores perfumadas – lindas flores com pétalas brancas macias como a seda, salpicadas de cor-de-rosa e os corações polvilhados de pó dourado.
– Ricardo -sussurrou Rosália – estou certa de que se as árvores pudessem falar aquela adorável macieira diria: “Sou linda porque sou feliz”.
– Bem, eu suponho que elas falam a língua das árvores – respondeu Ricardo – mas nós não as entendemos.
– Oh, Ricardo, olhe – gritou Rosália – os pintarroxos voltaram à macieira. Lá está a esposa do Sr. Rubens; sendo assim o Sr. Rubens deve estar por perto.
Nesse momento, bem a seus pés, chilreava o Sr. Rubens como se estivesse querendo atrair a atenção deles. Quando eles disseram: “Lindo Rubens, lindo Rubens, estamos felizes que você voltou” ele cantou para eles e parecia que sua pequena garganta estava quase estourando de alegria.
A macieira balançou suas perfumadas flores, cheia de prazer por ouvir a doce canção do pintarroxo. Os seus galhos baixos, vigorosos, eram os melhores lugares para se formarem os ninhos e seus ramos cobertos de folhas abrigavam muitas famílias emplumadas.
As crianças olharam e lá, descansando no galho mais baixo da macieira, estava o ninho dos pintarroxos. Parecia uma tigela – a parte de fora coberta com barro, galhos e folhas, todos fixados juntos. Mas, do lado de dentro havia grama e musgo muito macios, de maneira que a esposa do Sr. Rubens ficava muito confortável.
O Sr. Rubens procurava uma minhoca bem gorda para a primeira refeição do dia da sua esposa.
O brilho dourado do Sol inundava a amigável macieira e a árvore estava feliz. Os brotos avermelhados abriam seus corações dourados para o brilho do Sol.
– La vai a esposa do Sr. Rubens – sussurrou Ricardo – Espere aqui, Rosália, enquanto eu verifico se há alguns ovos no ninho.
Um segundo depois, ele disse:
– Sim, há! Quatro preciosos ovinhos azuis-esverdeados!
A esposa do Sr. Rubens voltou voando para o ninho, ralhando e fazendo um grande reboliço. Rapidamente, contou os seus preciosos avos e chamou rispidamente o Sr. Rubens. Como poderia saber que Ricardo não faria mal a seus ovos? Ela tinha passado por experiências tão trágicas que não ousava arriscar-se.
– Anime-se, anime-se – disse o Sr. Rubens – Tudo está bem, ninguém nos fez mal. Eu tenho observado aquele garotinho e ele é amigo de todas as crianças da redondeza. Ele só queria ver nossos preciosos ovos.
Os gritos estridentes e rabugentos da esposa do Sr. Rubens fizeram descer um duende – Elf-kin – dos galhos mais altos da árvore, onde estava trabalhando sobre o grupo mais delicado de botões.
Ricardo estava aborrecido em ver a esposa do Sr. Rubens tão agitada e ficou mais do que feliz ao ver Elf-kin, que era amigo deles e acertaria as coisas com os pintarroxos.
– Bem, bem, vocês crianças criaram uma boa confusão na família dos pintarroxos. Por que tudo isso?
– Oh, Elf-kin, eu não quis cometer mal algum – disse Ricardo – eu só quis ver se havia ovos no ninho.
– Foi o que pensei – disse Elf-kin – Vou apresentá-los à família dos pintarroxos, então vocês se tornarão bons amigos.
Elf-kin falou com o Sr. Rubens e sua esposa e eles entenderam tudo o que ele disse. As crianças do campo e os Espíritos da Natureza se entendem uns com os outros. É muito suave o cordão de amor que os mantém unidos.
Quando a esposa do Sr. Rubens ficou completamente segura de que Ricardo só olhou o ninho por causa de seu amor por ela e na esperança que logo mais os bebês passarinhos pudessem estar saltitando pela relva aveludada, ela gorjeou o mais lindamente que pôde.
Rosália contou ao Sr. Rubens e sua esposa como ela e Ricardo estavam ansiosos esperando por eles, desejando que eles fizessem novamente seu ninho na amiga macieira. Rosália tinha uma natureza tão maternal e sempre dava as boas-vindas aos seus amigos cobertos de penas!
O Sr. Rubens começou a conversar com Elf-kin e confidenciou a ele o motivo pelo qual a sua esposa tinha ficado tão excitada; uma vez, um garoto perverso roubou seus preciosos ovos e ela não sabia o que um garoto sem consciência poderia fazer. Isso fez com que ela se tornasse sempre muito vigilante.
Então, Rosália, Ricardo, Elf-kin e o Sr. Rubens tiveram um ótimo dialogo juntos. O Sr. Rubens disse que ele e sua esposa amavam os meninos e as meninas e sempre cantavam suas mais belas canções para as crianças que os amassem.
– Gostamos de pensar que quando as crianças cantam, muito de nossa alegria vive em suas canções – chilreou o Sr. Rubens – Muitas vezes, quando sabemos que as crianças gostam de nos ter por perto, nós nos tornamos ousados e construímos nossos ninhos bem perto de suas casas. Gostamos de saltitar pelos lindos campos verdes e até mesmo nas soleiras das portas.
O Sr. Rubens, então, gorjeou um gorjeio diferente e Elf-kin o ouviu atentamente.
– Sim – respondeu Elf-kin – estou certo que as crianças gostariam de ouvir a lenda dos pintarroxos de tempos antigos.
– Ha muito, muito tempo atrás – contou o Sr. Rubens – quando o menino Jesus estava aqui na Terra, Ele alimentava os pintarroxos que saltitavam à soleira da porta da casa de sua mãe. Houve um deles que nunca esqueceu a amorosa bondade de Jesus. Os anos passaram e quando o querido Senhor estava na cruz, esse pintarroxo tentou ajudá-Lo e uma gota de sangue de Jesus salpicou-lhe as penas do peito. É por isso que todos os pintarroxos têm, agora, o peito vermelho. O querido Senhor abençoou o pintarroxo e chamou-o “Pássaro de Deus”. Então, a partir desse dia, nós, os pintarroxos, tentamos sempre cumprir nosso dever. Ajudamos as belas árvores eliminando os insetos e as minhocas que podem danificá-las. Nós nunca esperamos gratidão, mas ficamos felizes por contribuir com uma pequena parte, ajudando a Mãe Natureza.
A esposa do Sr. Rubens estava com fome e chilreou docemente para o Sr. Rubens, que se desculpou. Ele disse ao Elf-kin que seria um pássaro amigo e chamaria as crianças a cada manhã: “Acordem, Acordem”.
Rosália e Ricardo, agora muito felizes porque os pássaros eram seus amigos, disseram até logo para eles e voltaram para o velho jardim com suas muitas flores.
Sr. Rubens voou rapidamente até onde estava sua esposa. Seus corações transbordavam de alegria e eles cantavam uma canção de louvor a Deus – pois Ele é o Deus deles, assim como é também o nosso Deus, como vocês sabem.
A macieira agitou suas belas flores e algumas de suas pétalas delicadas voaram longe, carregadas pela suave brisa.
Matilda Fancher
Era uma vez, há muito, muito tempo atrás, um Rei muito bom e uma encantadora Rainha que reinavam sobre diversas províncias, as quais visitavam anualmente. Foi anunciado pelo mensageiro do Rei, que O Rei e a Rainha visitariam certa província num certo dia e que aquele que desse à Rainha o melhor presente, seria recompensado por ela de uma maneira apropriada.
Foram feitos planos para receber os ilustres hospedes e grandes preparativos foram iniciados pelas pessoas, cada uma tentando superar a outra no preparo do presente para a Rainha. A vinda do casal real era o assunto da província. As pessoas estavam muito agitadas quando finalmente o dia chegou.
Nessa província morava Celestia com sua avó. A mãe de Celestia passou para o mundo invisível quando Celestia nasceu deixando o minúsculo bebê aos cuidados da vovó. Vovó deu-lhe o nome de “Celestia,” porque, disse ela, a pequenina era como uma estrela do céu que veio para iluminar sua velhice. Elas eram muito pobres e quando ouviram as maravilhosas notícias sobre a vinda do Rei e da Rainha, a vovó meneou sua cabeça grisalha e perguntou a si mesma, como elas poderiam presenteá-los.
Celestia, nos seus nove aninhos, nunca tinha visto o Rei e a Rainha; mas ela desejava, com uma intensidade de criança, ver essas pessoas tão distintas e dar-lhes um presente valioso. No dia anterior ao grande evento, ela veio correndo para sua avó:
– Eu o tenho, ela disse excitada, minha pombinha! Minha linda pombinha branca! Vovó, eu quero dar minha pombinha à Rainha!
Mas a vovó balançou sua cabeça.
– Não, minha estrela brilhante, tua pombinha não ficará com a Rainha. Ela voltará para ti. Deves pensar em outra coisa.
Celestia ficou desapontada e triste. Ela sentou-se num banquinho perto da janela, pôs sua cabeça na beirada da janela e começou a pensar. Ela adormeceu, seus cachos amarelos brilhavam como ouro a luz do Sol. Vovó acomodou-se em sua cadeira e também dormiu. Era de tardezinha e vovó sempre tirava uma sonequinha nessa hora. Ela foi acordada por Celestia que puxava seu avental e tocava gentilmente em sua face.
_ Vovó, disse Celestia, suavemente, eu tive um sonho maravilhoso! Eu vi um lindo anjo todo de branco, resplandecente. Sua face parecia um retrato da mamãe. Ela veio e parou em minha frente. Eu me senti tão feliz! Então, ela me disse:
– Dê a Rainha o teu amor, minha filha.
– Eu pisquei os meus olhos, ela foi embora e eu acordei. Não foi um lindo sonho, vovó?
A vovó acariciou os brilhantes cachos de Celestia e respondeu pensativamente:
– Sim, filha, dê à Rainha o teu amor, pois o presente sem a doador é vazio; mas guardarás um pouquinho para a vovozinha, não é?
– Vovó, eu a amo mais que tudo; mas eu preciso escrever a Rainha e contar-lhe como a amo, pois isso é tudo que tenho para dar-lhe. Ela é linda, não é vovó?
Celestia pulou para sua caixa de tesouros onde guardava alguns pedacinhos de papel que eram muito raros e que tinha conservado como um tesouro, por muito tempo. Com uma pena de ganso ela escreveu em rima seu amor e adoração pela linda Rainha. Preencheu algumas pequenas páginas, remexeu novamente sua caixa de tesouros e encontrou um pedaço de fita azul que vovó lhe havia dado e lhe contara que essa fita tinha enfeitado seu primeiro vestido de bebê. Com a fita azul ela amarrou as folhas juntas.
– Amanhã iremos ver a Rainha, ela disse à vovó, mostrando-lhe as páginas escritas.
O nascer do Sol encontrou-as acordadas e prontas para sair. Celestia estava com uma roupa vermelha com remendos pretos (pois vovó não tinha outro material com que remendar seu vestido) e pesados tamancos, mas com uma face rosada e resplandecente e com seus lindos cabelos bem escovados. Vovó colocou o xale sobre seus ombros curvados, pegou sua bengala e saíram. Não muito longe da sua casa, elas foram alcançadas por um velho amigo que ajudou vovó a sentar-se ao lado dele na carroça e colocou Celestia nas costas de um grande boi avermelhado que puxava a carroça. De repente, Celestia assustou-se com um bater de asas, era a sua pombinha de estimação que pousou em seu ombro e permaneceu com ela na viagem.
Perto da província havia um vilarejo onde o povo construiu um grande celeiro. Esse celeiro também servia como uma casa comunitária onde os fazendeiros, algumas vezes, se reuniam para um festival. As pessoas escolheram o celeiro como o lugar mais apropriado para receber o Rei e a Rainha e o dia encontrou-as vindo de todas as partes da província trazendo seus presentes.
O Sol estava alto nos céus quando, subitamente, houve um tocar de trombetas e dois cavaleiros apareceram seguidos por uma carruagem dourada puxada por seis cavalos brancos. A cabeça dos cavalos estava ornamentada com plumas pretas e borlas douradas.
O Rei e a Rainha saíram da carruagem dourada, seguidos por dois pequenos pajens que seguravam a cauda do vestida da Rainha. A comitiva real caminhou até o celeiro e sentaram-se numa plataforma parecida com um trono, onde as pessoas traziam seus presentes e as colocavam para inspeção.
“Certamente,” pensou o homem mais rico da província, “eu irei obter a prêmio, pois quem poderá dar melhor presente do que eu?” E ele caminhou reto e orgulhoso, para colocar um belo tapete oriental aos pés da Rainha. O valor desse tapete era imenso e as cores esplendidas. A Rainha recebeu o presente com um sorriso e uma benção.
“Certamente, eu obterei a recompensa” pensou uma feliz esposa de um fazendeiro, “pois quem pode cozer no forno melhores pães do que esses?” Realmente, eles tinham uma deliciosa cor marrom dourada, redonda e perfeita na forma. A Rainha recebeu o presente com um sorriso e uma benção.
“Certamente, eu receberei o prêmio,” pensou um próspero fazendeiro, “pois não há melhor trigo no país do que este”; e carregou uma braçada de longas espigas amarelas e as colocou próximas aos pães. A Rainha recebeu o presente com um sorriso e uma benção.
Assim, cada um por sua vez, deram a ela os seus melhores presentes. Alguns trouxeram finos trabalhos de agulha. Um homem trouxe um monte de grãos dourados, maiores do que a cabeça de um homem. Outro trouxe um gordo leitãozinho. Um fazendeiro levou seu galo premiado. Uma mulher trouxe flores escolhidas que havia plantado. Um artista, pintor, trouxe sua obra-prima. Todas as artes e habilidades estavam ali representadas. Cada doador tinha certeza que seu presente era o melhor. A cada um, a Rainha deu um sorriso e uma benção.
Celestia, cheia de admiração, temerosa e tremendo, olhava as pessoas seguirem com suas oferendas. Emsua mão, ela segurava sua pombinha e o livreto de versos. Ela observava com olhos ansiosos os magníficos presentes e os trajes dos doadores. Todos vestiram-se no melhor estilo, com suas vestimentas de festa. E ela sabia que estava a mais pobremente trajada de todos. E seu presente? Ah, que presente pequenino comparado com os demais, ela pensou.
O último presente foi ofertado à Rainha. Celestia ficou bem atrás da porta da entrada, indecisa. Ela era tímida, mal vestida e seu presente tão pequeno! Mas, queria tanto dizer à Rainha como a amava! Ela fechou os seus olhos e tentou ganhar coragem. Por instantes ela viu o anjo e lembrou-se de seu sonho. A pombinha fez um movimento em suas mãos. Celestia olhou para seus olhinhos cor-de-rosa e sussurrou em seu ouvido. Ela colocou o livreto em seu bico e abriu sua mão. A pombinha voou diretamente para a Rainha e pousou tão docemente em sua mão que ela nem se assustou. A Rainha pegou o livreto, leu os versos e olhou a sua volta para ver para onde a pombinha tinha voado, em direção à sua dona.
– Você pode vir até aqui, garotinha? Ela perguntou.
Sua voz soou como um sino de prata e seu sorriso era tão convidativo que Celestia perdeu todo o medo e dirigiu-se a Rainha. Ela acariciou seus cachos dourados e disse:
– Que seja anunciado pelo mensageiro do Rei que o maior presente, que é o amor, foi realmente dado e a Rainha dará sua recompensa ao doador. Que venham as pessoas e testemunhem a recompensa.
Quando as pessoas se juntaram dentro do celeiro, a Rainha levantou-se e, colocando sua mão sobre a cabeça de Celestia, declarou em uma voz muito clara:
– Quero levar esta menina ao palácio do Rei onde se tornará uma Princesa.
Celestia ouviu essas palavras como se estivesse num sonho, mas lembrou-se da vovó e apressou-se a explicar a Rainha:
– Não posso ir, adorada Rainha, pois vovó ficaria muito só sem mim. Ela necessita de mim.
– Ah, minha filha, você tem um coração adorável. Não tema, vovó irá também, anunciou a Rainha.
Depois que o povo deu a festa, Celestia partiu na carruagem dourada atrás dos emproados cavalos brancos e a Rainha sentou-se tendo de um lado a menina e do outro lado a vovó. Quando chegaram ao Palácio do Rei, Celestia foi levada para um magnifico quarto onde a vestiram com um traje brilhante de cetim e chinelos dourados foram colocados em seus pés – como uma Cinderela! E como Cinderela ela cresceu e casou-se com um Príncipe muito atraente.
Olga While
Uma vez, uma pequena estrela bebê estava muito, muito triste. Ela não se sentia muito bem e não sabia o que se passava com ela. Então, ela chorou, chorou até que sua mãe, que tinha muito trabalho a fazer, saiu de perto dela.
– Você está projetando escuridão e isso atrapalha o meu trabalho – ela disse, antes de sair. Aprenda sua lição e eu voltarei para você.
Então, a pequenina estrela bebê pensou e pensou.
– Gostaria de saber o que ela quis dizer! – refletiu ela.
Mas, ela aborreceu-se, aborreceu-se e nunca pensou em perguntar a ninguém o que havia de errado consigo. Naturalmente sentiu-se pior depois de ter-se aborrecido. As outras estrelinhas bebê que estavam por perto e pareciam que lhe viravam a cara. Ela estava terrivelmente só.
Sentindo-se desse modo por muito tempo, decidiu que pediria às outras estrelas que lhe mostrassem como ser feliz. Chamou um importante companheiro no céu, perguntou o seu nome e como ser feliz.
– Meu nome é Júpiter – exclamou o importante companheiro – Eu trago saúde, felicidade e fartura para aqueles que me deixam brilhar em seus corações.
– Gostaria de saber como ele consegue isso – refletiu ela. Então, chamou outro.
– Meu nome é Saturno – ele disse. Quando as pessoas me amam, eu as torno resolutas e verdadeiras; se elas não desenvolvem essas qualidades, crescem frias e infelizes.
– Gostaria de saber o que ele quer dizer com isso – pensou a estrelinha e chamou bem alto o nobre Marte.
– O que você faz para brilhar tão intensamente?
– Eu ensino as pessoas a fazerem coisas – respondeu Marte. Quando não me consideram, as pessoas se tornam apáticas.
– E o que você faz? – perguntou a estrelinha para Mercúrio.
– Eu ensino as pessoas a pensar – respondeu Mercúrio. Se não fosse por mim, elas teriam mentes confusas.
– O que você faz? – indagou a Vênus.
– Eu ensino as pessoas a amar – respondeu Vênus. Se não fosse por mim, elas se perderiam no seu caminho e se tornariam egoístas.
Nesse momento apareceu a grandiosa Lua.
– O que você faz? – perguntou-lhe a estrelinha.
– Eu dou as pessoas seus corpos de maneira que possam aprender a encontrar suas almas – disse a Lua. Você já encontrou a sua?
Então, a Lua se retirou de uma maneira majestosa.
– Quem é você? – perguntou a estrelinha a Urano.
– Eu sou a generosidade – respondeu a Urano. Aqueles que me descobrem, descobrem-se a si próprios.
– E qual é o seu nome, e o que você faz? – a estrelinha bebê perguntou a Netuno.
– Eu sou o Amor Divino – respondeu Netuno. Aqueles que me descobrem, descobrem uma pérola de grande valor.
– Todos fazem um trabalho tão valioso – disse a estrelinha.
Ela inclinou sua cabeça, desanimada. E isto, como eu disse a vocês, tomou a estrelinha ainda pior – e ela quase parou de brilhar.
Nesse momento, o grande Sol despontou no horizonte. Então, a pequenina estrela bebê chamou-o com seu último fio de esperança.
– Oh, Sol, diga-me, o que posso fazer?
Então, o grande Sol disse:
– Brilhe estrelinha, brilhe, ou você morrerá!
Assim, a estrelinha emitiu um suspiro profundo e começou a brilhar. Ela formou uma luz tão intensa que o Sol lhe atirou um beijo, Júpiter inclinou-se para ela, e Saturno, Marte, Vênus e Mercúrio acenaram-lhe com as mãos. Também Urano e Netuno pareciam ter entrado direto em seu coração. A pequenina estrela bebê descobriu seu trabalho, finalmente; e ela cresceu tanto que, quando Mamãe voltou novamente, ela estava tão grande e ocupada como a própria Mamãe.
D.D. Arroyo
Jane tem seis anos de idade e sua voz estava estridente, cheia de raiva. Gritava e lágrimas escorriam de seus olhos. Seu irmãozinho tinha tirado as lindas chinelinhas de sua melhor boneca e as estava sujando, tentando calçá-las. Sua mãe correu para a sala e vendo a confusão, tirou de lá o irmãozinho de Jane.
— Mamãe, ele estragou as chinelinhas, disse Jane entre soluços. Elas são da minha melhor boneca, e agora estão todas arruinadas. Ele é mau. Eu o detesto.
Ela batia com seu pé no chão, enquanto olhava para seu irmãozinho que começou a soluçar assustado com a reação dela.
Mamãe sentou-se na cama e dando um biscoito ao menino disse, ternamente:
— Jane, eu sinto muito que ele tenha tirado as chinelinhas de sua boneca, mas ele não as estragou tanto assim. Você está errada ao dizer as coisas que disse.
O irmãozinho, feliz com o biscoito, deixou que sua mãe tirasse as chinelinhas da ponta de seus pés. Ele olhava quietamente enquanto sua mãe limpava as marcas sujas de mãos nas pequenas chinelinhas brancas, mas Jane ainda soluçava.
— Mas, Mamãe, ele as rasgou. Agora minha boneca não ficará bonita.
Mamãe olhava para sua filhinha.
— Jane querida, você não deve ficar nervosa e agitada. Você cria formas de pensamento muito feias quando age assim. São como pequenas flechas caindo por todos os lados que ferem os outros e voltam para ferir você. Você sabe disso, pois já lhe ensinei.
— Mas não posso evitar, Mamãe. É doloroso ver minha boneca estragada. Ela é minha e eu a quero bela, disse Jane, magoada.
Mamãe meneou a cabeça.
— Eu sei que você quer mantê-la bonita, querida, mas seu irmãozinho é muito pequeno para entender isso. Ele não quis fazer-lhe mal. Além do mais, as chinelinhas não estão estragadas. Eu posso consertá-las e elas estão perfeitamente limpas. Está vendo?
Jane olhou hesitante para as chinelinhas e, então, enxugou as lágrimas.
Mamãe continuou:
– Veja Jane é mais fácil reparar o dano físico que foi feito do que reparar o dano que você causou com os seus pensamentos de raiva.
— Mas, Mamãe, protestou Jane, todo mundo fica zangado e diz coisas. Eu não quis dizer que eu — que eu odeio meu irmão, realmente. Eu apenas disse isso.
A menina começou a arrepender-se.
Sua mãe olhou-a gravemente.
— Sim, querida, esse é o grande problema. As pessoas dizem coisas e depois não pretendendo dizer realmente o que disseram, pensam que suas palavras foram esquecidas e que não têm mais importância. Não percebem que nossas palavras criam formas à nossa volta. Quando as palavras são de raiva e significam coisas feias, as formas também são feias. Essas formas não desaparecem como desaparece nossa raiva. Elas sobrevivem e prendem-se a nós. Tornam-se fáceis de serem repetidas e se não pararmos com elas, tornam-se parte de nosso caráter. Pior ainda, essas formas afetam as outras pessoas. Elas as encorajam a fazer coisas más e as tornam infelizes. É errado criar coisas feias quando deveríamos formar modelos de beleza e felicidade.
Jane olhou para sua mãe, envergonhada.
— Sinto muito, Mamãe, de verdade. Tentarei produzir melhor pensamentos-forma — os mais belos!
— Estou certa que sim, querida, disse mamãe, dando a sua filhinha um abraço amoroso.
Naquela noite, depois que Jane foi para a cama, ela teve um sonho que a ajudou a lembrar-se de sua promessa. Em seu sonho ela viu um pequeno anjo, justamente de seu tamanho. O pequeno anjo usava uma longa vestimenta branca e sentou-se numa cadeira. Em sua mão tinha uma roupa. Era um vestido e o anjo estava tecendo desenhos sobre ele. Enquanto ele tecia, muitas coisinhas zumbiam em torno dele.
Algumas dessas coisas possuíam lindas formas e cores, mas outras pareciam-se mais com insetos monstruosos. Eram coisas feias de se olhar. De vez em quando, anjo estendia a mão e escolhia uma das coisas que estava rodopiando em torno dele. Algumas vezes, ele escolhia uma adorável criatura e quando a tecia no vestido, este se tornava muito bonito. Entretanto, outras vezes, ele escolhia uma daquelas coisas muito feias que pareciam insetos e as costurava num lugar ao longo das belas formas que já estavam no vestido.
Em seu sonho, Jane gritava cada vez que via uma forma feia ser costurada no vestido.
— Você está estragando o vestido colocando essas coisas horríveis ao lado daquelas tão belas, ela disse ao anjo.
Para sua surpresa, O anjo inclinou a cabeça e respondeu:
— Sim, e não é uma pena estragar um vestido tão lindo com esses horríveis desenhos?
— Sim, é, concordou rapidamente Jane. Por que você os escolheu para pô-los no vestido? Por que você não coloca somente as belas formas?
O anjo sorriu docemente e disse:
— Isto é o que eu gostaria de fazer. Seria um trabalho muito agradável se somente houvessem belas formas para colocar neste vestido, mas veja, eu tenho que tecê-lo com todas as formas que foram feitas para ele.
— Mas quem o obriga a colocar os feios? Jane perguntou com interesse.
Novamente o anjo sorriu, mas desta vez um tanto tristemente, ao responder:
— Você, Jane. Estes são os seus pensamentos. Esta veste é o símbolo de sua alma. Quando você tem pensamentos amorosos, eu tenho formas maravilhosas para trabalhar. Quando você está com raiva, ou impaciente, diz coisas feias ou faz alguma coisa sem pensar e egoisticamente, então surge uma dessas formas horríveis que devem também ser colocadas no vestido.
Jane estremeceu. Ela estava assustada com a feiura e o número de desenhos monstruosos que estragavam o lindo vestido que o anjo costurava. Ela se sentiu muito infeliz com tudo isso.
— Eu posso me livrar dessas formas feias? perguntou vagarosamente.
O sorriso do anjo era muito luminoso.
— Pode sim, claro, querida Jane. Você pode sempre aprender a controlar seus pensamentos e suas emoções de maneira que eles formem lindas formas e, então, eu poderei tirar esses desenhos tão feios e, em lugar deles, colocar os mais bonitos.
— Então, poderei ter esse lindo vestido para usá-lo como todo meu? perguntou Jane ansiosamente.
O anjo concordou dizendo:
— Você já o tem. É a veste do seu pensamento.
Você o usa através da vida, se você compreender isso realmente. E quando for para o mundo celeste, após ter completado sua vida aqui na Terra, ele vai com você e aquilo que é bom e nobre nele, torna-se parte de você mesma — seu Espírito.
De repente Jane acordou, O sonho ainda bem vivo em sua memória. Como o anjo era lindo e como brilhavam algumas formas de pensamento que estavam colocadas no vestido! Ela pensou nisso por muito tempo e decidiu tentar firmemente controlar no futuro seus pensamentos.
Quando se sentia mal-humorada, egoísta ou com vontade de ter raiva, ela se lembrava do anjo bordando no vestido os seus pensamentos e, imediatamente, tentava ter bons pensamentos. Tentava não ser egoísta e, também ser paciente.
Algumas vezes ela falhava, mas continuava a tentar, pois sua mãe lhe dissera, “O único erro é deixar de tentar”. À medida que o tempo passava, tornava-se cada vez mais fácil para ela ter bons pensamentos e ela se sentia cada vez mais feliz por isso. O pequeno anjo também estava muito feliz, porque a veste dos pensamentos de Jane estava cada vez mais bonita.
Agora, querido amiguinho, você que está lendo esta história, como está a veste de seus pensamentos? É agradável olhar para ela e você acha que o anjo está feliz quando trabalha sobre ela?
Patsey Ellis
Algumas vezes, meus pensamentos são fadas joviais,
Que ao redor de um anel dançam,
E, algumas vezes, são pássaros alegres,
Que cantam, cantam e cantam.
Todos os dias meus pensamentos estão ocupados.
Eles saltitam, vagueiam, sempre pulando,
Mas de volta para casa são por mim chamados,
Quando o crepúsculo vem chegando.
E, quando cada noite vou para a cama repousar,
Eu peço aos anjos imaculados
Que meus pensamentos sob suas asas possam guardar,
E na prece, estejam por eles abrigados.
Everlyn Van Gilder Creekmore
Era uma vez uma princesinha que morava com seu pai, o rei, num belo reino perto do mar. Certamente, a princesinha seria muito bonita se não estivesse sempre aborrecida e mal-humorada. Havia quase sempre um olhar carrancudo em sua face e ela queixava-se e criticava tudo.
De manhã, quando sua boa ama lhe trazia a primeira refeição numa bandeja dourada, ela ficava com raiva, mesmo que houvesse coisas deliciosas para ela comer.
– Leve-a embora! Ela gritava – batendo o pé e empurrando a bandeja – eu não quero aveia. Por que você não me trouxe trigo fervido? E olhe para essa torrada. Não está bem tostada. Eu não gosto do pratinho no qual colocaram o meu ovo. Leve tudo embora e traga o que eu quero.
Durante todo o dia ela dizia coisas desagradáveis para todas as pessoas a sua volta e reclamava de tudo. Mesmo quando o rei lhe dava um presente, em vez de agradecer, ela resmungava e perguntava por que ele não trouxera alguma coisa mais.
No mesmo reino, viviam alguns anõezinhos que gostavam muito do rei. Eles viam o quanto o rei ficava triste pelo mau comportamento da princesa, pois ele amava sua filhinha e queria vê-la feliz. Por isso, os anões decidiram que toda vez que a princesa estivesse mal humorada e hostil, ou tivesse maus pensamentos, eles plantariam uma semente no declive da montanha, não muito longe do acampamento deles.
As sementes cresceram rapidamente e tornaram-se árvores altas e logo a montanha foi coberta por uma vasta floresta.
Um dia a princesa estava muito brava por algo que lhe acontecera e decidiu dar um passeio sozinha. Andou, andou e perdeu-se na densa floresta no declive da montanha. Veio à noite e a princesinha começou a chorar porque não conseguia encontrar o caminho para sair da floresta. Como ela queria agora a sua casa e todas as coisas que sempre desprezou antes! Ela estava com fome, mas nada encontrou para comer na floresta, a não ser algumas frutas amargas em um dos arbustos. Finalmente, sentindo-se muito cansada, ela ajeitou-se no chão duro e dormiu.
Logo cedo, na manhã seguinte, ela foi acordada por alguém que chamava o seu nome. Sentando-se rapidamente, ela olhou à sua volta e viu os anões.
– Princesa, disse o líder dos anões, viemos para dizer-lhe como você pode sair da floresta.
A princesa bateu palmas:
– Oh, diga, ela gritou. Por favor, diga-me como vou encontrar o caminho de minha casa, pois eu não gosto desta floresta e quero voltar para casa o mais rápido possível.
– Essa rapidez dependerá da maneira como você seguir nossas instruções, disse o anão, pois só há um caminho para sair daqui.
-Oh, farei qualquer coisa, respondeu a princesa.
– Bem, então disse o anão, deixe-nos primeiro dizer onde você se encontra. Cada árvore nesta floresta é uma palavra má ou um gesto pouco gentil que você praticou. Essas densas videiras emaranhadas são as reclamações que você fez. Agora, a primeira coisa que você deve fazer é parar de reclamar e elogiar tudo. Você deve aprender a sorrir, procurar o bem em todas as coisas e sentir-se feliz. Tente tornar as outras pessoas felizes e faça algo por elas. À medida que você for fazendo essas coisas, as árvores desaparecerão uma por uma e aí você poderá voltar para o reino, onde fica a sua casa.
Foi muito difícil para a princesa fazer o que os anões lhe recomendaram, mas ela detestava tanto a floresta que resolveu tentar. Parou de reclamar sobre a floresta e principiou a elogiá-la. Começou a elogiar o arbusto que continha as frutas amargas e ela se surpreendeu ao ver que, com suas palavras de carinho, as frutas que antes eram tão amargas transformaram-se em frutas saborosas, diante de seus próprios olhos.
Atônita e feliz com o resultado de sua primeira experiência, ela começou a sorrir.
Lembrou-se das instruções de fazer algo gentil para as outras pessoas e decidiu que já que os anões tinham sido bondosos ensinando-lhe o caminho de volta, ela faria alguma coisa para eles.
Depois de muito pensar, decidiu construir para eles algumas lindas casinhas onde pudessem morar. Juntando pedras e varetas e usando argila para a argamassa, ela construiu as mais atrativas casas de pedra que se possa imaginar e cuidadosamente forrou o interior delas com folhas macias. Do lado de fora, ela criou jardins nas rochas e neles plantou toda a sorte de flores do campo.
A princesa estava tão feliz em seu trabalho de construção, que não notou que muitos dias se tinham passado desde que ela chegou à floresta.
Finalmente, as casas ficaram prontas e eram tão lindas que ela mal conseguia esperar o momento em que os anões chegassem para ver seus novos lares.
Na manhã seguinte, ela acordou com o Sol brilhando intensamente em seus olhos e sentando-se rapidamente olhou à sua volta. Para sua surpresa, a densa floresta tinha desaparecido e os anõezinhos estavam sorrindo diante dela, parecendo muito felizes.
– Olá, Princesa, eles disseram todos, saudando-a. Você dissolveu a floresta. Olhe, poderá ver o palácio na outra colina. Vá, porque o rei está esperando por você.
A princesa levantou-se alegremente e, após agradecer aos anõezinhos pôr a terem ensinado o quanto é mais agradável sorrir do que resmungar, correu rapidamente para casa e estava determinada a nunca mais ser mal-humorada e indelicada.
Dorothy V. Bayrd
– Estou cansada de trabalhar, – disse a Abelhinha de Mel – Vou sair por aí e ver o que posso encontrar.
Assim, com essas palavras, a Abelhinha, que estivera ocupada fabricando mel como as outras abelhas, deixou o agradável trabalho de tirar o doce líquido das flores que a atraíram com perfumes deliciosos e com lindas cores e mergulhou na escuridão do bosque. Debaixo de uma grande folha verde estava um pequeno Botão de Ouro, então, a Abelha parou e bateu um papinho com ele. Com seu rosto redondo e feliz, ele deu as boas-vindas a Abelha e perguntou porque ela não estava trabalhando nesse dia tão bonito.
– Oh, estou exausta. Acho que preciso de um descanso – ela respondeu.
– Isto é mau; você deve descansar quando estiver cansada, tudo bem. Mas, não se aventure para muito longe porque há muitas plantas estranhas nesses bosques. Eu ouço, muitas vezes, os insetos falarem sobre seus entes queridos que se perdesse. Há uma planta muito grande que parece bela, mas é muito má.
– Como é ela? – perguntou a Abelha.
– É uma espécie de verde amarronzada e tem muitos dentes grandes, afiados, e uma boca e um nariz terrivelmente grande. Parece que nunca, nunca está satisfeita, está sempre com fome. Não tem perfume como as outras plantas, logo se você não perceber nenhum perfume suave, tenha cuidado; pode ser a flor má – avisou o Botão de Ouro.
– Terei cuidado e não irei longe demais. Vou só dar uma volta por aí – disse a Abelha e foi voando.
Primeiro, ela desceu por entre frescas samambaias. Suas folhas frágeis fizeram com que ela pensasse em balançar-se. Sentou-se sobre a samambaia e balançou-se para frente e para trás como fazem as crianças num balanço. A brisa suave tornou-se agradável e fresca, fez com que a planta se movesse de tal maneira que a cansada Abelhinha não precisou fazer esforço algum para balançar-se. Ela sentiu-se tão descansada e feliz que adormeceu no seu balanço.
Dormiu por algum tempo e, quando acordou, a chuva tinha começado a cair e ela procurou, em vão, por suas irmãs abelhas, todas tinham ido embora. Ela sentiu medo, voou para lá e para cá e quando já estava muito cansada de voar, pousou na mais bela e mais suave folha que lhe deu proteção da chuva. Suas asas estavam um pouco úmidas, por isso ela ficou parada ali por um minuto e abanou-as até que ficassem secas.
– Preciso dar uma olhada por aí, até que pare de chover – ela disse -Ora, ora, esta é uma flor divertida. E também não tem um perfume agradável.
Naturalmente, ela havia passado por muitas flores que não tinham um perfume agradável, de maneira que isso não a preocupou. Há muito ela já havia esquecido o conselho do pequeno Botão de Ouro.
– Que dentes longos, afiados ela tem e, meu Deus, como é profundo sua garganta. Gostaria de saber o que há lá no fundo e acho que vou até lá para ver – disse a Abelha.
Vagarosamente, ela caminhou até a borda da flor onde estavam os longos dentes e novamente deu uma olhada bem lá no fundo. Viu alguma coisa pequenina se movimentando lá e como estava um pouco escuro no bosque, não pode ver, de início, o que era. Ela olhou durante um longo tempo e distinguiu uma Formiga Vermelha que estava tentando dizer alguma coisa, mas ela não a podia ouvir, pois sua voz era muito fraca.
– O que você disse? – ela perguntou.
– Mmmm mmmm – era tudo que podia entender.
– Fale mais alto, não ouço você – ela gritou mais uma vez.
Muito debilmente, a voz saiu lá de dentro, por entre os dentes longos e afiados.
– Vá embora. Não chegue mais perto ou você não conseguirá mais sair. Nunca mais estarei ao Sol nem andarei mais com meus irmãos e irmãs. Eu estava cansada de trabalhar, então fugi ontem e vim até aqui para ver o que poderia achar. Agora, não posso mais sair.
– Oh, pobrezinha – disse a Abelha.
Então, de repente, ela percebeu – era a flor grande e má que ia pegá-la e nunca mais a soltaria se ela ultrapassasse os seus dentes. Com um pequeno pulo ela conseguiu alcançar a borda externa, mas estava ainda com muito medo e começou a chorar.
– Por que fui embora? Nunca mais abandonarei minhas irmãs. Preferia estar ocupada. Quando fico preguiçosa, arranjo problemas. Oh! Deus, como gostaria de encontrar a Abelha Rainha – ela lamentou.
Sentou-se lá por um longo tempo até que o Sol nasceu novamente e a claridade tomou-se maior. Logo ouviu o zumbido das abelhas enquanto elas carregavam o doce líquido das flores para fazer mel. Ela chamou mais uma vez a pobrezinha Formiga Vermelha, mas ela estava muito quieta e já não podia falar. Então, com uma lágrima de piedade pela formiguinha que, como ela, não quis trabalhar, voltou para sua colmeia. Sentiu-se feliz por poder trabalhar, até que o Sol desapareceu por trás das árvores e as flores sussurraram “Boa Noite”.
Naquela noite, em suas preces, ela lembrou-se da Formiguinha Vermelha que não trabalharia nunca mais e disse que voltaria para agradecer ao pequeno Botão de Ouro por tê-la avisado sobre a flor grande e má que prendia abelhas e formigas que não queriam trabalhar ou ajudar seus irmãos e irmãs.
John Kendrick Bangs
Uma vez eu encontrei um duendezinho,
Lá onde os lírios florescem.
Perguntei-lhe por que era tão pequenininho
E por que os duendes não crescem.
Ele franziu de leve as sobrancelhas
E olhou-me direto, inteiramente.
“Eu sou tão grande para mim”, ele disse,
“Como você é grande para você, naturalmente”.
Peri Amélia Wiliams
– “Mamãe, será que alguma vez teremos asas como os Anjos?” – perguntou pensativamente Jennie, de sete anos, enquanto ela e seu irmão gêmeo, Bennie, viravam as páginas de um novo livro de histórias que ganharam em um recente aniversário.
– Os Anjos na realidade não têm asas, querida, respondeu mamãe, que estava sentada no grande sofá, costurando. Muitos desenhos mostram os Anjos com asas, talvez porque os confundam com outros seres dos mundos invisíveis que tem asas como parte deles, mas aqueles que já viram os Anjos dizem que eles se parecem muito conosco.
– Como eles se movem pelos ares se eles não têm asas? – insistiu Jennie.
– Eles são feitos de material mais leve do que nós, respondeu sua mãe, e podem ir onde quiserem, simplesmente pelo poder do pensamento.
– Eles vivem e age como nós, Mamãe? – perguntou Jennie, com um brilho de interesse em seus olhos espertos.
-Sim, dizem que eles usam roupas, vivem em casas, tem jardins e se ocupam com vários assuntos, exatamente como nós. Alguns são mais bonitos e inteligentes do que outros, exatamente como são as pessoas, há alguns tão brilhantes e tão belos que ofuscam nossos olhos.
– É por isso que não podemos vê-los, Mamãe? – perguntou Jennie.
– Não, não exatamente. Eles são feitos de matéria muito mais leve e mais fina do que nós e, assim, não causam impressão aos nossos olhos. Algum dia, entretanto, quando nos tornarmos mais espiritualizados e tivermos desenvolvido o que chamamos de visão etérica, veremos muitas coisas feitas de éter, que agora não vemos.
– Mas os Anjos moram aqui onde estamos? – perguntou Bennie, de olhos arregalados.
– O lar deles é na Lua, respondeu mamãe, mas eles nos visitam aqui na Terra e nos ajudam de várias maneiras. Eles, com a ajuda dos Espíritos da Natureza, ajudam as plantas a crescer e desenvolver suas lindas flores e frutos, e são particularmente úteis para as crianças porque estão sempre perto, guiando e protegendo vocês.
– Eles realmente nos protegem? – indagou a deliciada Jennie. Gostaria de poder vê-los.
– Quando você estava no mundo celeste, continuou mamãe, eles a ajudaram a encontrar papai e a mim, de maneira que você pode vir viver conosco e crescer no ambiente que fosse melhor para você.
– Aposto que encontraria você de qualquer forma, Mamãe, disse Bennie, abraçando-a com entusiasmo.
Mamãe sorriu, e pegando o livro de histórias mostrou uma figura e continuou:
– Essa figura que você vê aqui é a do Anjo Gabriel dizendo à Maria, a Mãe de Jesus, que dela nasceria um filhinho que se tornaria um homem maravilhoso.
– E ele se tornou, não é? – perguntou Jennie muito interessada.
– Sim, respondeu sua mãe, e quando ele nasceu os Anjos avisaram os pastores das proximidades e, como você vê nesse desenho, os pastores foram visitar o menino Jesus.
– E eles o encontraram num estábulo, não é? – lembrou Bennie..
– Sim, assim foi, respondeu mamãe, e lá também havia Anjos como você vê no desenho.
– E o que eles estão fazendo nessa gravura? – perguntou Bennie, à vista de uma linda gravura colorida na página seguinte.
– Esta gravura mostra os Anjos ensinando o menino Jesus quando ele cresceu, explicou mamãe. Você vê, eles dispensavam uma atenção toda especial ao menino porque ele tinha um trabalho importante a fazer.
– E o que o Anjo está fazendo para esse homem? – perguntou a pequena gêmea.
– É um Anjo confortando Cristo-Jesus, já homem feito, quando Ele estava muito triste, respondeu mamãe. Você vê, os Anjos são muito abnegados. Eles são mais puros e mais sábios do que nós somos, porque eles permaneceram mais tempo no Reino de Deus do que nós e foram mais obedientes a Ele – eles adoram confortar e ajudar os outros. Todas as pessoas tornam-se mais fortes e melhores ajudando os outros e é parte do plano de Deus que todos os Seus filhos sirvam seus irmãos e irmãs, particularmente aos mais jovens e aos menos desenvolvidos.
– Mas os Anjos não são nossos irmãos e irmãs, Mamãe? – perguntou Bennie.
– Não exatamente como você e Jennie são irmão e irmã, explicou mamãe, mas os Anjos, os Espíritos da Natureza, os seres humanos e todas as outras criaturas São filhos de Deus e, nesse sentido, somos todos irmãos e irmãs. Chamamos os animais nossos irmãos mais jovens porque eles não estiveram nesta parte do reino de Deus ao tempo que nós estamos.
– E meu gatinho é meu irmãozinho, então? Exclamou Jennie deliciada.
– Sim, ele é, replicou sua mãe, e sendo boazinha para ele, alimentando-o e tomando bem conta dele, você estará ajudando-o a crescer de acordo com os planos de Deus, da mesma forma que os Anjos nos ajudam.
– Os Anjos cantam Mamãe? – perguntou Bennie, olhando outra ilustração no livro de história.
– Sim, mamãe assegurou-lhe. Sabemos que no tempo da Páscoa, quando o Espírito Cristo se liberta da Terra, uma hoste de Anjos vai ao Seu encontro, cantando as mais belas canções de louvor e gratidão. Esse desenho ilustra isso, como o artista o imaginou.
– Oh, gostaria de ouvi-los, exclamou Jennie.
– Talvez algum dia você os ouça, sorriu sua mãe. Se vivermos como Deus quer que vivamos, seremos capazes de fazer muitas coisas no futuro, que não podemos fazer agora.
– Posso rezar para os Anjos esta noite, quando fizer as minhas preces, Mamãe? – perguntou a garotinha.
– Sim, você pode, concordou sua mãe. E agora é hora das crianças irem para a cama, por isso vamos logo.
– Espero sonhar com os Anjos, disse Jennie, enquanto seguia sua mãe para o quarto.
Maxine V. Grswold
Pedro e Jane Taylor tinham apenas seis anos. Eram gêmeos e estavam sempre juntos pois, quando separados, sentiam-se sozinhos e infelizes.
Os Taylors moravam numa casa muito afastada no campo, onde havia verdes prados para brincar durante o verão e lindas colinas para deslizar quando havia neve, no inverno. Na primavera, quando a chuva refrescante vinha lavar a terra e todas as árvores e todos os seres que vivem nela, as minúsculas flores começavam a desabrochar aqui e acolá. Então, os gêmeos Taylor colhiam grandes ramalhetes e os levavam para casa. As empregadas os colocavam em vasos e sua fragrância espalhava-se pela casa, deixando todos felizes. Na primavera havia flores silvestres que se pareciam com os lírios da Páscoa. Mais tarde, nasciam as delicadas margaridas e as tímidas violetas púrpuras.
Um dia, no começo da Primavera, Pedro e Jane foram para o bosque colher flores. As crianças sentaram-se juntas por uns minutos para observar alguns passarinhos construindo um ninho. De repente, Jane cutucou gentilmente Pedro.
– Está ouvindo isso, Pedro? ela murmurou.
As crianças escutavam atentamente.
– Parece-me um pequeno sino tinindo, Pedro murmurou em resposta.
O som tilintante parecia aumentar e, de repente, uma minúscula fada estava em pé diante deles. Ela inclinou-se graciosamente e foi chegando mais perto.
– Eu sou a Rainha das Flores, ela disse numa voz delicada, e essas fadinhas são as habitantes das flores.
E, sem dúvida, havia pequeninas pessoas com cara de flor. Eram margaridas, bocas-de-leão, violetas e muitas, muitas outras.
– Se vocês prometerem nunca colher as lindas flores até que desabrochem e nunca colher mais do necessitam para tornar mais belo o mundo em que vivem, vocês podem comparecer à nossa dança das flores, disse-lhes a Rainha das Flores.
Pedro e Jane mal podiam acreditar no que viam e ouviam.
– Oh, nós prometemos! declararam ambos ansiosamente.
– Muito bem, disse a pequena Rainha. Esta noite vocês devem ir dormir como sempre o fazem e quando estiverem na Terra dos Sonhos, os habitantes das flores virão para vocês.
E quando as crianças prometeram fazer o que lhes foi dito, a Rainha das Flores e seu povo desapareceram num Instante.
Naquela noite, logo após o jantar, os gêmeos sentiram muito sono e quiseram ir para a cama sem demora. Isso deixou surpreendida a Sra. Taylor, porque habitualmente os gêmeos queriam brincar e ouvir muitas histórias antes de irem dormir.
Quando as luzes se apagaram, as crianças fecharam seus olhos bem apertados e logo pegaram no sono. Tão logo chegaram à Terra dos Sonhos, apareceram os habitantes das flores, elegantes senhoritas em longos vestidos de lindas cores e homenzinhos em ternos verdes. Como todos estavam alegres e felizes! Eles se reuniram num círculo em torno dos gêmeos e os conduziram para um lugar esplendidamente verde onde corria um regato tranquilo. Lá, os gêmeos viram que estavam muito, muito mais habitantes das flores. Alguns estavam cantando e outros dançando. Todos sorridentes e felizes. Agora a Fada Rainha levantou sua pequenina mão e todos os habitantes das flores fizeram silêncio. Então, eles vieram e reuniram-se num grande círculo em torno das crianças e as conduziram em direção à beira do regato.
– Para onde vocês estão nos levando? Perguntaram as crianças.
– Nada temam, disse a pequena Rainha. Os habitantes das flores amam vocês e querem torná-los felizes.
Logo as crianças estavam num pequeno barco feito de samambaias. Eles estavam navegando rio abaixo. Como tudo era lindo! Agora, eles estavam em outra terra. O barco foi dirigido para a margem do regato e os habitantes das flores conduziram as crianças para uma maravilhosa cadeira, feita de coisas verdes dos bosques. Havia música. O córrego cantava uma bela canção, havia o tinido da campainha dos jacintos. Alguns pássaros estavam assobiando uma melodia alegre.
Agora, os narcisos estavam juntos. Eles dançavam delicadamente e logo as violetas e as margaridas se juntaram a eles. Todas as flores que as crianças jamais viram estavam ali dançando. Como elas eram doces, brincalhonas e felizes!
– Como é triste quando as crianças, muitas vezes, destroem essas flores, pensou Jane. Elas são tão adoráveis!
Muitos animais estavam também observando quietos a dança das flores. Havia os esquilos, os macaquinhos, as raposas e muitos outros.
Quando a dança terminou, houve uma grande festa. Havia frutas, nozes, e um mel delicioso que as abelhas trouxeram, pois elas também estavam lá.
De repente, apareceu à Rainha das Flores diante de Pedro e Jane.
– É muito tarde, disse ela em sua voz delicada. Vocês devem voltar para a sua terra. Os habitantes das flores levarão vocês.
Assim, as crianças tomaram o barco de samambaia e voltaram para a Terra dos Sonhos, após despedirem-se da Rainha, dos habitantes das flores e de todos os animais.
Na manhã seguinte, quando os gêmeos acordaram, a Sra. Taylor trouxe uma cesta de flores frescas para eles.
– Foram deixadas na soleira da porta, ela disse. É primeiro de Maio. Talvez um de seus amiguinhos as tenha deixado aqui.
Mas Pedro e Jane sabiam que à Rainha das Flores e suas fadinhas é que tinham deixado as flores para eles.
Rowena Greenwood Noyes
Era uma vez, no tempo em que os reis governavam as nações, vivia numa cabana velha, mas, muito limpa, bem no meio da floresta, um pobre cortador de lenha junto com sua filhinha Alice.
Todos os dias esse bom homem saía com sua enxada, logo que os primeiros raios de sol apareciam através das altas árvores, para tirar da madeira o seu sustento e o de sua filhinha. Alice também fazia sua parte, pois, enquanto seu pai se afastava para trabalhar, ela cuidava da casa e das flores de seu pequeno jardim. Ela nunca estava sozinha porque era muito afeiçoada as flores e sempre conversava com elas em termos amorosos. Parecia-lhe que quando a brisa as tocava, elas inclinavam suas cabeças em resposta.
Frequentemente, enquanto fazia o serviço da casa, corria a uma pequena janela para olhar um magnifico palácio que ficava imponente e majestoso, no topo de uma alta colina, a poucas milhas de distância. Muitas vezes sonhava estar nele, mas o que mais desejava era poder ver uma princesinha de verdade.
– Como ficaria feliz se pudesse ver uma princesinha, ela costumava dizer.
Ao pensar em poder ver uma princesinha, ela suspirava, pois sabia que o seu sonho era em vão. Nenhuma princesinha morava no palácio.
Um dia, entretanto, quando a tarde terminava e ela estava ocupada demais para poder passar algum tempo a janela, deu só uma rápida olhada ao palácio. Umaestranha cena chegou ao seu olhar. Estava flutuando de cada torre e de cada janela uma linda bandeira de seda.
– Deve ser algo muito bonito. O palácio está em gala, exclamou Alice excitada. Oh, o que poderá ser? Devo descobrir.
Ela olhou para o Sol. De onde ele brilhava nos céus, sabia que tinha tempo para correr ao pequeno vilarejo que ficava entre sua casa e o palácio, antes de preparar o jantar para seu pai.
Rapidamente, seus pés impacientes correram na trilha da floresta e, em pouco tempo, encontrava-se na estrada principal que levava ao vilarejo. Quando se juntou a multidão, nas ruas movimentadas, outras cenas maravilhosas a surpreenderam. Do topo de cada casa flutuava uma bandeira. O doce e melodioso som de instrumentos de corda, em alegres canções, fazia-se ouvir na delicada brisa de muitos jardins, enquanto as crianças nas ruas riam e brincavam. As ruas calçadas de pedras arredondadas estavam apinhadas de pessoas alegremente vestidas, indo em direção ao palácio. Em seus braços levavam pacotes misteriosos e os animais de carga estavam carregados com arcas e caixas de joias que Alice sabia deviam conter ouro, ricos perfumes e sedas de terras distantes, enquanto o soar dos sinos, colocados ao redor do pescoço dos animais, misturava-se com o riso de seus donos.
Puxando gentilmente a manga de um dos transeuntes, ela perguntou, timidamente:
– Por favor, bondoso amigo, diga-me o que significa tudo isto?
– O que significa? – respondeu o homem, atônito.
Então, gentilmente, ele perguntou:
– Menina, você não sabe que uma princesinha nasceu para o rei e para a rainha no palácio?
Não vendo presente algum, ele acrescentou:
– Você deve trazer a ela um presente. Deve ser o mais precioso que puder encontrar.
Assim dizendo, ele seguiu seu caminho.
Por um momento, Alice ficou atordoada.
– Uma princesinha! Uma princesinha, ela exclamou alegremente. Então existe uma princesinha!
Seu coração pulou de alegria, mas instantaneamente entristeceu-se ante a lembrança de que não tinha qualquer riqueza, como as outras pessoas, para ofertar a sua princesa e nem tinha dinheiro para comprar um presente. Triste, de cabeça baixa, ela virou-se e voltou vagarosamente para casa. Seu coração pesado doía em contraste com os alegres corações que acabara de deixar.
A estrada parecia longa e deserta. Ela ficou muito cansada antes de chegar a seu pequeno jardim. Quando passou através do portão, levantou os seus olhos em direção ao Palácio onde os últimos raios do sol faziam reluzir suas muitas janelas coloridas, com suas bandeiras alegres.
Ela imaginava, mentalmente, a pequenina princesa aninhada em suas roupas de seda e, de seu berço real, admirando os que se ajoelhavam diante dela e depositavam a seus pés seus preciosos presentes. Um soluço sufocou-a. Deprimida, ela prostrou-se num pequeno banco de madeira e recostou sua cabeça próximo aos galhos de jasmim que ficavam atrás do banco, até que o seu perfume acalmou seus pensamentos inquietos. Ela não estava lá há muito tempo, quando uma rosa vermelha, que estava perto de uma pequena lagoa, mexeu-se e abriu suas pétalas. Ou não?
Alice não estava muito segura, pois poderia ter sido somente a brisa movendo as folhas. Mas, outra vez ela fez o mesmo. Desta vez Alice não se confundiu. Ela olhou ao seu redor. Para sua surpresa, alguma coisa tinha mudado no jardim. A noite tinha caído e através das enormes árvores, a Lua prateada espalhava uma luz tremula sobre o local. Lá estavam os heliotrópios, rosas, margaridas e todas as flores que ela conhecia tão bem, mas: oh! Como estavam diferentes! O heliotrópio espalhava suas verdes folhas e soltava miríades de minúsculas ametistas. E, de seu leito, as margaridas brancas como a neve, levantavam suas delicadas pétalas, uma abundância de diamantes em miniatura. Perto da violeta de raios púrpuros, o jacinto amarelo espalhava uma luz dourada nas vestes cor-de-pérola dos Sírios do vale, enquanto as ricas vestes vermelhas que preenchiam o coração da rosa vermelha aumentavam cada vez mais, até que cada pétala refletisse o brilho ígneo do rubi. A grama abaixo dela irradiava estranhas luzes verdes, cada esmeralda inclinando-se gentilmente como se estivesse acompanhando uma música.
De repente, como se tivesse vindo despercebida enquanto as flores estavam se transformando em joias, apareceu a mais encantadora criatura tipo flor, uma pequena Fada Rainha. Ela estava sentada no mais delicado trono das fadas. Suas longas tranças douradas, combinando com seu vestido delicado eram uma visão tão linda que Alice tinha certeza que nunca mais esqueceria.
Na sua cabeça radiante estava uma coroa de flores que brilhava com as luzes das opalas. Em sua mão, uma varinha prateada atraia e refletia os raios da Lua.
Com a chegada de sua Rainha, as flores inclinavam suas cabeças e enchiam a noite com seu perfume. Ao mesmo tempo, de cada botão saíam criaturas minúsculas com asas transparentes e cabelos dourados. Suas roupas, à medida que elas dançavam, cintilavam como pedras preciosas, enquanto a música de suas vozes era como o tinir de sinos prateados. Rodando e rodando, elas dançavam num círculo mágico até que a Rainha levantou sua varinha e todas se inclinaram obedientes, em silêncio.
– Vinde, minhas filhas – ela disse com sua voz musical clara e doce -Vinde até mim, para que eu possa confiar-vos os vossos admiráveis encargos.
A fada dos jacintos deu um passo à frente. A Rainha tocou gentilmente na sua cabeça e disse:
– Oh, filha da doçura e de encanto, eu te encarrego de guardar sempre o espírito doce de encanto.
A seguir, uma fada do amor-perfeito, vestida em suaves safiras e topázios, inclinou sua cabeça perante a Rainha.
– Lembra-te, querida filha, a solicitude é uma virtude sagrada – a Rainha disse sorrindo para ela.
Então, a pequena margarida levantou seus olhos confiantes.
– Bebê das flores – cantarolou suavemente a Rainha – retém sempre tua inocência.
Seguindo, a rosa esplendorosa abaixou sua gloriosa cabeça.
– Formosa flor – a exaltou – conserva tuas pétalas sempre novas na beleza.
Timidamente, a violeta saiu debaixo de seu manto verde-esmeralda e vagarosamente inclinou sua cabeça.
Com gravidade, a Fada lhe deu este encargo:
– A modéstia é o teu encanto. Conserva-a bem, pois, uma vez perdida, ela o é para sempre.
Depois a violeta, a orquídea e a flor da paixão, de mãos dadas, ajoelharam-se diante da sua Rainha.
– Ah – suspirou ela – constância e fé, dois presentes apreciados são confiados à vossa guarda.
Em seguida, o lírio branco como a neve, inclinou-se com graça e simplicidade e a rosa vermelha ruborizou-se ao seu lado. A Rainha beijou-os gentilmente enquanto se levantava e dizia:
-Pureza de pensamento é o presente de Deus e o amor é seu atributo perfeito. Possas tu, casto lírio, manter tua alma muito pura, e tu, querida rosa, manter o teu coração apaixonado sempre resplandecente, a fim de que o mundo possa ver que a pureza e o amor são supremos sobre todas as coisas.
Tão lindos eles estavam quando inclinaram suas cabeças que a menina, sentada no banco, levantou-se para tocá-los. Instantaneamente desapareceram as flores joias, a Rainha e sua corte – Alice ficou sozinha à luz da tarde que desvanecia. Ela esfregou seus olhos, mas, já se fora o mágico encanto. Lá estavam as flores, como antes, quando ela se reclinou no banco, suas cores se diluindo no crepúsculo da tarde.
Por um momento, ela as observou balançando na brisa, depois, batendo palmas, feliz ela exclamou:
– Já sei o que vou fazer. Encontrei o meu presente para a princesinha.
Assim dizendo, foi de flor em flor e pensou.
– Qual delas devia ser?
Cheirando o jacinto, ela murmurou: Sublime amor. O amor-perfeito pensativamente retribuiu sua admiração. A inocente margarida e a modesta violeta se inclinaram timidamente. Um traço de rara beleza a aguardava quando a rosa-damasco abriu suas lindas pétalas rosadas e graciosamente balançou na brisa.
A flor da paixão e a orquídea entrelaçaram seus longos caules e vendo-os assim, ela disse:
– Estou lembrada: Constância e Fé; dois presentes apreciados.
Continuando, ela chegou a uma minúscula lagoa e lá, num branco como a neve, estava o maravilhoso lírio.
Reclinando-se sobre ele, à beira d’agua, a rosa avermelhada acenou sua cabeça.
Juntando sua mão em delicada reverência, ela disse suavemente:
– Pureza e amor. Em todo o mundo, não conheço melhor presente. Levarei essas flores.
Ela parou para colhê-las. Nesse momento, o perfume de todas as outras flores parecia alcançá-la, como se os botões a chamassem. Foi, então, que percebeu que todas as flores eram necessárias para tornar-se um presente perfeito.
Cuidadosamente, foi de flor em flor colhendo, de cada uma, seu botão mais delicado.
Na manhã seguinte, no meio a alegre massa que se apinhava nos corredores do palácio, ninguém tinha o coração mais feliz nem mais humilde do que essa menina que habitava a cabana na floresta. Ajoelhando-se ante o delicado berço real, ela timidamente, ofereceu seu presente:
Uma onda de risadas percorreu a multidão ricamente trajada, mas o sábio e bom Rei silenciou-os.
Pegando o buque variado, ele o contemplou demorada e pensativamente. Havia jacintos, violetas, margaridas e todas suas irmãs adoráveis, mas coroando tudo, bem no meio, estava o símbolo do amor e pureza. Nenhum botão com seu precioso significado passou despercebido para ele. Sorrindo, ele olhou para Alice.
– Querida menininha – ele disse – você superou todos os demais presentes dando à princesinha o presente mais precioso, porque todo o ouro de meu reino não poderia comprá-lo. É um buquê das fadas. E, como o mais feliz dos reis, eu beijo a mão de quem o trouxe.
Assim dizendo, ele inclinou sua cabeça real e trazendo a mão de Alice aos seus lábios, beijou-a. Isso não foi tudo, pois para o espanto de todos, ele levantou o Bebê Real, a princesinha, e colocou-a cuidadosamente nos braços de Alice. Alice, que viu seu sonho finalmente realizado, admirou com felicidade a pequena Princesa Real, enquanto as flores colocadas na coberta de seda acenavam suas cabeças e enchiam a sala com a fragrância delas.
Clara E. Huffman
O Sol da manhã mostrou o horário da escola, no céu. Ele enviou seus mensageiros às crianças da Terra. Um raio brilhante entrou no quarto de Margy Lou, iluminando sua face e a acordou. Quando ela vagarosamente abriu seus olhos, notou um raio de Sol vindo através de uma fresta da janela, como se fosse uma escada dourada para o céu.
– Margy Lou, Margy Lou! É hora de levantar.
Era sua mãe chamando. Margy não respondeu. Ela estava absorvida olhando as partículas que dançavam no raio de luz.
Poucos minutos depois, sua mãe tornou a chamar:
– Margy Lou, Margy Lou! É melhor levantar ou chegará atrasada na escola.
Quando ouviu a palavra: escola o coração de Margy bateu apressadamente. Ela lembrou-se que era o dia em que recitariam o poema, A Hora da Criança. Ela gostava de poesia e especialmente dos poemas de Longfellow, mas tinha medo de recitar em frente de meninos e meninas.
Sua garganta apertou quando pensou nisso. Começou a doer. Diria à sua mãe que não estava sentindo-se bem. Talvez ela a deixasse ficar em casa. Aí não teria que recitar o poema.
A Sra. Bond entrou no quarto. Margy não se moveu. Sua mãe aproximou-se da cama.
– Oque houve Margy? Por que você não se levanta?
– Oh, Mamãe, estou com dor de garganta.
Margy segurou com sua mão a garganta. A Sra. Bond examinou-a e encontrou volumosos caroços de cada lado. Embora sendo uma mãe cuidadosa, ela decidiu que era melhor ignorar os sintomas dessa vez. Ela disse:
– Não acho que seja algo sério. Estará tudo bem quando chegar à escola. Levante-se e prepare-se. Aprontarei o seu café em poucos minutos.
Então, saiu do quarto.
Margy levantou-se; ela sabia que sua mãe não deixaria que o problema da garganta fosse desculpa para ela ficar em casa. Logo se vestiu e estava pronta para tomar o café. Mas, o chocolate quente com torradas de que tanto gostava não tinha sabor quando pensava no que a aguardava. Comeu um pouco para deixar sua mãe despreocupada, mas não tocou no cereal.
Depois, pegou seus livros e foi para a escola. Normalmente gostava de andar, mas hoje, cada passo a trazia para mais perto da hora da recitação. Por fim, inclinou sua cabeça e orou, enquanto andava.
– Querido Deus, ajude-me a dizer o poema. Ajude-me a não ter medo.
Pedindo a Deus que a ajudasse sentiu-se melhor e, quando levantou a cabeça, viu algo redondo, escuro e brilhante no chão, em sua frente. Parou e pegou-o. Era um fruto da castanheira. Margy sabia o que o fazia tão brilhante. Alguém a carregou em seu bolso por um bom tempo provavelmente para evitar reumatismo, como ouvira o Tio Jim dizer.
Ela segurou-a em sua mão e olhou-a. Como poderia isso evitar reumatismo? Devia ser pela crença da pessoa. Viu Thelma e Lucille fazendo sinal para que ela se apressasse, então, colocou a castanha no bolso de seu vestido e correu para alcançá-las. Finalmente, chegou a hora da poesia. Thelma foi a primeira a recitar. Ela declamou sem o menor sinal de medo. Margy sabia o poema tão bem quanto Thelma. Dois garotos foram os seguintes, depois de Thelma. Margy começou a ficar apavorada, pois sua vez estava próxima. Finalmente a professora sorriu e disse:
– Você é a próxima, Margy Lou.
Margy andou hesitante para frente da sala. Ela não ousava olhar para as crianças, assim, mantinha seu alhar fixo no chão. Tentou falar. Seus lábios se moveram, mas nenhum som saiu. Sua garganta doía. Seus joelhos tremiam. Inconscientemente pôs a mão no bolso. O que era aquela coisa dura que seus dedos tocavam? Ah, sim, a castanha que apanhou no chão. Ela apertou-a fortemente em sua mão, e tentou falar novamente. Para sua surpresa, as palavras ·saíram com clareza. Ela levantou sua cabeça e olhou para as crianças. Recitou a poema sem erro.
Margy voltou para sua carteira muito feliz, mas a causa de sua felicidade não era pelo elogio da professora. Algo tinha acontecido com ela. Ela não sentira medo de recitar, enquanto segurava a castanha em sua mão. Talvez, realmente, ela afastasse reumatismo, pensou. De qualquer forma conservaria a castanha com ela e da próxima vez que tivesse que recitar’ veria se ela a ajudaria.
Assim, por muitos meses, Margy não teve mais dor de garganta. Toda vez que tinha uma lição difícil, segurava o mágico objeto em sua mão e recitava bem. Mas nunca disse nada a ninguém sobre a castanha. Sempre tomava o cuidado de escondê-la quando voltava da escola.
Então, veio o teste de história. Margy nunca aprendera história com facilidade. Ela deveria ter certeza de carregar consigo a castanha para ajudá-la durante o teste. Um pouco antes de ir para a aula procurou-a na gaveta, no seu esconderijo habitual. Não estava lá. Procurou pelo quarto, mas não a encontrou. Devia tê-la esquecido no bolso de seu vestido azul, no último sábado.
Perguntaria à sua mãe se a tinha visto.
A Sra. Bond estava passando roupa.
– Mamãe, você viu minha castanha? – perguntou a garotinha.
– Sim, encontrei-a ontem, quando lavava roupa.
– Oh, que bom! o que você fez com ela?
A voz de Margy tomava-se mais alta.
– Joguei-a fora, querida – respondeu sua mãe.
Então, Margy gritou.
– Você jogou fora minha castanha! O que farei? O que farei agora?
– Bem, você pode conseguir outra quando for visitar o tio Jim, querido. Você não está ficando supersticiosa, está?
– Mas eu não quero outra. Eu quero aquela.
Margy começou a chorar.
A Sra. Bond desligou o ferro, abraçou Margy e a levou para o sofá. Então, disse:
– Agora conte à mamãe, qual é o problema. Alguém que você gosta muito lhe deu a castanha?
– Não, eu a achei – soluçou Margy.
– Você pode me dizer por que ela significa tanto para você? – perguntou a Sra. Bond – Eu a teria guardado se soubesse que você a queria – continuou ela consolando-a. Pouco a pouco, Margy contou a história de como ela sabia recitar bem sem ficar com medo e fazia suas lições com facilidade quando segurava em suas mãos a castanha.
Então, a Sra. Bond, disse-lhe:
– Margy Lou, escute-me. Aquela pequena castanha estava cheia de Vida; sabemos que a Vida estava nela porque se nós a plantássemos, ela cresceria. Não é verdade? Portanto, a Vida naquela castanha era Deus. Quando você a segurava em sua mão, você estava realmente segurando a mão de Deus, pois a mão de Deus está em toda a parte. Ele segura nossa mão o tempo todo, logo não devíamos sentir medo, mas, às vezes, não sabemos que Ele o faz. Agora é a sua oportunidade para aprender que Deus está segurando sua mão. Toda vez que você estiver com medo ou pensar que não pode fazer suas lições ou recitá-las, lembre-se que pode segurar mentalmente a mão de Deus. Então, você estará livre para usar ambas as suas mãos no que for preciso fazer. Você não acha que é melhor do que ficar sempre procurando e tomando conta de uma castanha?
– Sim – disse Margy pensativamente – Eu acho. Mas, Mamãe, eu não posso sentir Deus segurando minha mão como posso sentir a castanha, posso?
– Não, querida – respondeu sua mãe – mas você pode saber que Deus está sempre com você; que você está segurando Sua mão, mentalmente. Você não acha que pode fazer isso?
Margy olhou para sua mãe um momento e, então, disse:
– Sim, eu creio que posso. Acho que Deus está segurando minha mão, agora, e tenho certeza que passarei no teste de história, hoje.
Então, Margy pegou seus livros e foi para a escola.
Ela parou na porta o tempo suficiente para dizer a sua mãe:
– Estou feliz que você jogou fora minha castanha, mas também estou feliz por tê-la encontrado; pois se não a encontrasse, eu levaria um longo tempo aprendendo que Deus está segurando minha mão.
Patsey Ellis
Eu nunca, nunca vejo o vento,
Mas ele dobra as mais altas árvores, mesmo assim;
E persegue as folhas ao longo do pátio
E faz velejar os navios sobre os mares sem fim.
Algumas vezes, o vento é alegre e forte,
Algumas vezes, sinto-o minha face beijar,
E, ainda assim, apesar de estar tão perto,
Não posso vê-lo em nenhum lugar
Eu penso que deve ser assim com Deus:
Não posso vê-lo, embora eu saiba sentir
Que frequentemente Ele segura minha mão na Sua,
Quando não sei qual o caminho a seguir.
Peça de um ato, em verso, para crianças.
Helen M. Mann
(Ao levantar da cortina, vê-se doze fadas de mãos dadas, dançando ao redor de um círculo. Todas estão cantando. O Sol se põe e, ao fundo, pode ser visto o tronco de uma grande árvore como se estivesse na clareira de uma floresta).
A CANÇÃO DAS FADAS
Em grande júbilo, nós dançamos e cantamos,
Por toda a beleza que vemos.
Para vocês, queridos amigos, nós sorrimos e vivemos,
O nosso amor é puro e verdadeiro e nós nele acreditamos.
Vocês disseram que nós vivemos e assim fazemos.
Acreditem numa coisa e é verdade, ela vai acontecer.
Tenham pensamentos amorosos e o amor vai estar
Em todos os lugares em que vocês o possam ver.
(As fadas desfazem o círculo e saem do palco. Enquanto desaparecem, vão cantando novamente):
Tenham pensamentos amorosos e o amor vai estar
Em todos os lugares em que vocês o possam ver.
(Assim que as fadas deixam o palco, um menino e uma menina aparecem vindos do outro lado. A menina vê o círculo que as fadas fizeram para poderem dançar e vai em direção dele).
MENINA
Oh! irmão, olhe e venha me dizer,
O que é isto que meus olhos estão a ver?
MENINO
Um círculo de fadas, um círculo de fadas vemos!
Agora tudo temos.
(Ele se aproxima)
MENINA
Mas, querido irmão, por favor não se aproxime,
O círculo pode algum mal lhe fazer.
Agora, que coisa engraçada é essa que eu ouço?
Aquela forma tão estranha que eu estou a ver?
(A menina olha para o tronco da árvore enquanto fala).
MENINO
Não vejo nada além deste círculo.
Nenhum barulho estou a escutar.
Mas venha e cante dentro desta roda,
Onde o mal não ousa se aproximar.
(Ambos entram no círculo, juntam as mãos e cantam).
CANÇÃO
Oh queridas fadas, tanto as de perto como as de longe,
Por favor, nosso pedido procure ouvir,
Venham brincar conosco e não tenham medo,
Pois o anoitecer já se faz sentir.
(As sombras aumentam, mas um raio de luz bate no tronco da árvore que se abre e revela um duende vermelho e verde dentro dela. Ele sorri e vem para a frente).
DUENDE
Oh crianças, venham, brinquem comigo;
Eu sou agradável de se ver.
Eu chamo os patos ou cisnes;
(Eles aparecem por detrás do palco)
Em vocês, rabos ou chifres eu farei nascer.
(As crianças ficam assustadas ao ouvir isso e olham para ver se neles já tinham crescido, mas ficam aliviados ao perceber que não).
Em qualquer lugar, eu posso fazê-los crescer,
Menos dentro do círculo que estamos a ver.
(As crianças aconchegam-se e permanecem bem dentro do círculo).
Eu peço, não tenham medo, por certo,
Mas venham um pouco mais para perto.
(Agora o pato e o cisne ficam em evidência. O cisne vem direto para o círculo, mas não entra nele. Anda orgulhosamente ao redor do círculo e o pato se bamboleia atrás).
CISNE
É um mau duende aquele, vocês podem ver.
Tomem cuidado!
Ele chamará vocês, mas não o vão atender.
Tomem cuidado!
As fadas novamente voltarão.
Que bom!
E como aquele duende vai fugir, então.
Que bom!
PATO
É melhor ficarem onde estão agora.
Eu faço esta declaração.
Pois apesar de estarem próximo, estão bem longe e fora.
Eu faço esta declaração.
E o duende não os alcançará mais, não.
Quack!
De qualquer forma, eu não me importo, não.
Quack!
(O cisne sai do palco quando diz isso e o pato vai se rebolando atrás dele. O duende que os estivera observando o tempo todo, corre de volta à sua árvore quando ouve uma música suave no palco. Parecia haver vozes à distância, mas elas tornavam-se cada vez mais altas, até que as fadas apareceram).
FADAS
Flores do pôr do Sol e flores do orvalho,
Oh! quanto nós vos amamos.
Tristeza da sombra e tristeza da noite,
Tomem vossa direção.
Viemos com nosso sorriso e nossa música
Efetuar a perseguição.
Estivemos no mundo onde os humanos vivem
E a eles demos satisfação.
(Quando as fadas aparecem, o duende fecha-se na árvore, desaparecendo de vista. A menina está de costas quando as fadas se aproximam e, de início, não as vê).
MENINA
Eu ouço vozes, ó querido irmão,
Distantes a princípio, mas mais claras estão se tornando.
Precisamos ir embora, as fadas estão chegando.
Se elas nos encontrarem aqui, o que dirão?
FADAS
Não temam, queridas crianças e, por favor, não se vão.
MENINA
Eu estou tremendo, irmão, ó irmão.
FADAS
Sobre toda a terra, as sombras estão se insinuando.
Ah! O príncipe do grupo das fadas está chegando.
(As fadas estão agora próximas do círculo, mas olham ao redor quando o príncipe, todo elegante, vestido em púrpura e branco, entra. Ele está cantarolando uma melodia, mas para de cantar assim que vê as crianças e parece surpreso, mas feliz. O menino dá um passo para trás, em evidente surpresa e adoração).
MENINO
Por que meu coração bate tão rapidamente?
O príncipe, o príncipe das fadas, finalmente.
(O príncipe sorri e vai em direção ao menino).
PRÍNCIPE
Venha, meu querido amigo, eu lhe dou as boas vindas,
E você verá que é sincera a minha saudação.
Para sua irmã, meus súditos dançarão,
Um presente eu lhes enviarei e com cuidado vocês o guardarão.
(A luz vai lentamente se apagando. As crianças ainda estão no círculo e o príncipe faz a elas uma grande reverência e depois vira-se para as fadas).
PRÍNCIPE
Minhas fadas, dancem, dancem,
Enquanto eu trago riquezas
Minhas fadas, dancem, dancem
Enquanto cantam belezas.
(Está completamente escuro agora, menos para a Lua que se eleva e que envia sua luz sobre as duas crianças, que estão dentro do círculo. As fadas dançam em torno delas, vivamente a princípio, depois cada vez mais vagarosamente, cantando uma cantiga de ninar).
AS FADAS CANTAM SUAVEMENTE
No mais lindo esplendor, a Lua se levantou,
Enquanto na brisa da noite dançamos.
E suas tranças de longos cabelos prateados lançou
Sobre o topo das árvores que enxergamos.
(A menina olha por cima do ombro).
MENINA
A Lua se levantou, irmão!
(A voz do duende se ouve atrás).
Vocês estão numa prisão.
(As crianças ficam perplexas, mas como as fadas recomeçam suas canções, elas sentam-se e ouvem quietamente).
CANÇÃO DAS FADAS
O sono virá com as estrelas no céu, suavemente.
As lembranças do prazer e da dor fugirão.
Durmam, durmam, gentil e docemente,
E os desejos do mundo dos sonhos acontecerão.
(Vagarosamente as fadas saem, cantarolando. As crianças estão dormindo profundamente, um nos braços do outro. O príncipe retorna e vendo-os dormindo, inclina-se sobre eles).
PRÍNCIPE
Crianças, crianças, saibam que nós somos reais,
Não importa o que OS adultos digam.
Ó, queridas crianças, vocês podem perceber
Que dançamos enquanto vocês brincam?
Doces sonhos, sonhos de paz para ver!
Voltem outro dia, novamente,
E por que não viver alegremente?
(O príncipe se retira e quando parte, um raio de luar atinge o tronco da árvore. Esta se abre imediatamente e surge o duende. Ele se dirige às crianças, mas fica parado bem fora do círculo).
DUENDE
Ugh! Ugh! Ugh! Eu não os pude ter,
Mas esperem — Ugh! Ugh! — até a próxima ocasião.
Esperem para ver o que vou fazer
Com aqueles poderes mágicos na mão!
(Ouve-se uma doce voz de mulher, que se aproxima. O duende a ouve e parece apreensivo e assustado. Ele lança um olhar carrancudo para as crianças adormecidas e corre de volta ao tronco da árvore, que se fecha, tirando-o da vista. Uma linda jovem aparece. Quando vê as crianças adormecidas, vai até elas, toma-as em seus braços e segura-as bem próximo a ela).
MULHER
Eu segui um caminho ao longo de um muro,
Onde crescem lindas flores.
Esse pequeno caminho disse-me tudo realmente
E dirigiu-me para vocês diretamente.
(Quando a mãe disse isso, o tronco da árvore caiu ao chão fazendo um grande barulho, mas como é um mal desconhecido para a mãe, ela não ouve o barulho e inclina-se amorosamente sobre as crianças).
(CORTINA)
HISTÓRIAS DA ERA AQUARIANA PARA CRIANÇAS
Volume 2
Compilado por um Estudante da
The Rosicrucian Fellowship
Centro Rosacruz de Campinas – SP – Brasil
Avenida Francisco Glicério, 1326 – conj. 82
Centro – 13012-100 – Campinas – SP – Brasil
Revisado de acordo com:
1ª Edição em Inglês, 1951, Aquarian Age Stories for Children, editada por The Rosicrucian Fellowship
1ª Edição em Português, 1990, Histórias da Era Aquariana para Crianças, editada por The Rosicrucian Fellowship
Pelos Irmãos e Irmãs da Fraternidade Rosacruz – Centro Rosacruz de Campinas – SP – Brasil
contato@fraternidaderosacruz.com
fraternidade@fraternidaderosacruz.com
SUMÁRIO
LÚCIA ENCONTRA AS FADAS DO PENSAMENTO.. 5
A PEQUENA ÁRVORE PERTURBADA.. 29
FELÍCIA ENCONTRA “CAUDA CINZA”. 66
O amor pelas crianças, combinado com a sensibilidade às profundas verdades da vida, possibilitaram os autores dessas histórias, que foram publicadas há anos na Revista “Rays from the Rose Cross”, a expressar de maneira atraente, muitas fases da sabedoria da Natureza. A esses amigos dedicamos, com gratidão, as Histórias da Era Aquariana para Crianças.
Muitos meninos e meninas estão cientes dos “pequeninos seres” e de outras Forças da Natureza mencionadas nessas histórias. Esperamos que muitas outras crianças fiquem animadas a tomar conhecimento delas, através da leitura deste pequeno volume.
Fraternidade Rosacruz, 1951
Myrtle Hill Leach
Lúcia e Ana eram primas. Lúcia estava visitando Ana e como elas estavam se divertindo! Ana era dois anos mais velha que Lúcia, mais alta e mais forte. Mas ela era muito boa para sua priminha menor. A maior maçã, o pêssego mais suculento e o doce mais confeitado sempre iam para Lúcia. Lúcia cavalgava no pônei de Ana e brincava com suas bonecas e pratinhos. Mesmo quando ela quebrava um dos minúsculos pratos de porcelana de Ana, esta não ficava brava.
Mas, finalmente Lúcia e Ana brigaram. Elas queriam brincar de escola, mas cada uma queria ser a professora. Ana achava que devia ser a professora porque era mais velha e Lúcia achava que devia ser a professora porque – bem, porque…
Então, elas brigaram. E Ana deitou-se na grama macia, debaixo da macieira e chorou até que adormeceu. E Lúcia deitou-se na grama macia debaixo do pessegueiro e teve pensamentos de raiva, maus pensamentos sobre Ana.
De repente, ela admirou-se de ver uma multidão de criaturas minúsculas, feias, anãs deformadas, paradas todas em volta dela. Todas estavam mostrando os dentes para ela e Lúcia escondeu sua face, aterrorizada. A mais horrenda criatura de todas, que parecia ser a líder, falou-lhe numa voz dura, ríspida:
– Nós somos as Fadas do Ódio, Lúcia, ela disse. É nosso trabalho levar pensamentos de ódio, ira e maldade de uma pessoa para outra. Nós tivemos que trabalhar muito esta tarde levando esse tipo de pensamentos de você para Ana e de Ana para você. Agora, você irá para a Terra das Fadas do Ódio e lá você deverá viver até encontrar o caminho da saída.
Lúcia tentou gritar e correr, mas não pôde e sentiu-se carregada pela multidão de criaturas hostis que lhe mostravam os dentes. Entraram numa caverna escura que parecia estar no centro da terra. O ar dentro da caverna era frio e úmido, e Lúcia tremia e desejava ver um pequeno raio de sol. Não havia absolutamente luz em toda a caverna, mas Lúcia podia ver as faces brancas das pessoas doentes brilhando na escuridão.
– Pessoas que habitam a terra do ódio e ira geralmente são doentes, disse a líder que estava parada perto de Lúcia. E choram como você vê, pois nunca são felizes.
– Eu ficarei doente e infeliz como essas pessoas? Perguntou Lúcia, com muito medo.
-Se você permanecer aqui por muito tempo, ficará, respondeu a líder. E quanta mais tempo ficar, mais difícil será encontrar uma maneira de sair daqui. Esta caverna fica cada vez mais profunda, escura e mais distante do brilho do sol, da saúde e da felicidade.
– Oh! meu Deus! gritou Lúcia, quando uma fada muito má e horrível parou perto dela, pois ela estava pensando:
– Bem, talvez Ana venha para cá e, então, ficará doente, infeliz e eu me alegrarei.
Antes que ela tivesse terminado esse pensamento mal e pouco caridoso, a fada tomou seu braço, e dirigiu-a para um lugar mais distante ainda na negra caverna.
Agora Lúcia estava muito assustada. Como ela poderia sair desse lugar? Ela não podia, não queria ficar ali.
– Por que essas outras pessoas não saem? ela perguntou.
Virou-se para a líder e batendo seu pé no chão com raiva, exigiu que ela a tirasse da caverna imediatamente.
– Você mesma tem que encontrar a saída, ela disse calmamente. Essas outras pessoas infelizes poderiam ter saído se realmente quisessem, mas preferiram ficar aqui.
Não querem fazer a única coisa que poderia libertá-las.
– O que é? Indagou Lúcia. Eu o farei.
Mas as fadas somente arreganharam os dentes de uma maneira repulsiva. Ai, Lúcia viu Ana, que estava muito triste e chorava. De repente, Lúcia sentiu pena de Ana. Correu para a sua prima e colocou seus braços ao redor dela. E um pequeno raio de luz pareceu brilhar por um momento na caverna escura.
– Oh, Ana, Lúcia também estava chorando, oh, Ana, você está doente, infeliz e eu sinto tanto! Você foi tão boa para mim. Eu amo você, Ana.
No mesmo instante, alguma coisa aconteceu. Lúcia ouviu as Fadas do Ódio darem um grito alto e assustado, ao mesmo tempo que desapareceram na escuridão. Então, ela sentiu-se circundada por criaturas maravilhosas, com grandes asas brancas e coroas brilhantes em torno de suas testas.
— Nós somos as Fadas do Amor, disse uma, e viemos para levar vocês a um lugar mais feliz do que este. Mas não podíamos vir enquanto vocês não encontrassem a chave mágica que as libertaria do feitiço dessas horríveis criaturas e abriria à porta da caverna.
— O que você quer dizer por chave mágica? perguntou Lúcia curiosamente.
— Às palavras “Eu amo você”, quando pensadas ou pronunciadas em voz alta, são a chave mágica que abre a pesada porta e que nos torna capazes de guiá-las à terra iluminada das Fadas do Amor. As Fadas do Ódio têm muito medo de nós, pois somos mais fortes do que elas. A propósito, o terrível gigante, MEDO, mora um pouco mais distante nesta caverna, mas nunca, nunca vem ao nosso mundo de felicidade. Venha, vamos deixar este lugar.
Lúcia e Ana seguiram esses gloriosos seres (pois a bondade de Lúcia também salvara Ana — muitas vezes acontece assim) e logo chegaram ao topo de uma montanha que estava ensolarada, onde pequenos pássaros, alegres e destemidos, cantavam e voavam. Havia uma infinidade de flores perfumadas e todo mundo era saudável, sorridente e feliz. Esta terra das Fadas do Amor era muito agradável e Lúcia decidiu permanecer nela para sempre.
Então, Lúcia sentou-se na grama macia debaixo do pessegueiro e Ana debaixo da macieira. Lúcia sorriu e Ana sorriu.
— Vamos brincar de escola, disse Lúcia, e você pode ser a professora.
— Não; respondeu Ana, você será a professora.
Ambas sorriram e Lúcia resolveu a questão inteligentemente,
— Bem, vamos fazer um doce e dividi-lo igualmente.
E assim fizeram.
E, depois de tudo, quando Lúcia pensou sobre o assunto, ela não tinha certeza se sua aventura com as fadas do pensamento foi um sonho ou uma realidade. O que vocês acham?
Florence Barr
Era uma manhã enfadonha, escura fria e chuvosa, o melhor dos dias para se permanecer em casa. As janelas estavam fechadas e um fogo vivo estava ardendo na lareira.
Uma mosca estava se divertindo muito andando sobre um espelho colocado em cima da lareira. Estava muito contente consigo mesma e muito distraída com sua imagem refletida no espelho. Era um grande esporte voar para longe e para perto do espelho e, com seus muitos olhos podia ver quando a mão de uma pessoa se levantava para alcançá-la. Cansada do espelho lembrou-se que as moscas podiam andar no teto. Então, voou até lá em cima e andou, de um lado para o outro, sem cair uma única vez. Isto a tornou muito predisposta à aventura e, dessa forma, procurou alguma coisa a mais para fazer.
Que barulho! Uma porta foi aberta e alguém atravessou a sala e abriu uma janela. Quando a mosca olhou ao seu redor, viu que o Sol brilhava intensamente, a chuva tinha acabado e assim voou direto para a janela aberta e saiu ao Sol quente.
Era apenas uma pequena mosca sem muita experiência. E, pela primeira vez, estava sozinha – ninguém para dizer-lhe: “Não vá lá”; “Tenha cuidado”. Oh! Que delícia ser livre. Agora era tempo de ver o enorme mundo de que tanto ouvira falar. Voou sobre uma madressilva, onde uma abelha sugava o mel das flores, zumbindo com felicidade. Ela olhou a abelha com admiração. Então, a abelha foi embora e a mosca seguiu-a. Foram para a floresta, pois a abelha era uma abelha selvagem e morava na floresta. Como voavam juntas, tornaram-se amigas.
– Você gosta das florestas? Zumbiu a abelha.
– É a primeira vez que eu venho aqui, respondeu a mosca.
– Oh, disse a abelha, então tome cuidado aonde vai. Não seja muito aventureira. Seja feliz e divirta-se, mas preste atenção nas armadilhas de moscas ou elas pegarão você.
– Que abelha boba, pensou a mosca, eu vejo muito bem, sou esperta e sei o que estou fazendo. Nada tenho a temer. Terei minha grande aventura.
– Bem, zumbiu a abelha, devo ir. Buzz, Buzz, e ela se foi. E a mosca ficou completamente só.
Pousando sobre uma bela e fresca flor verde para descansar, a aventureira olhou para dentro do estranho botão. Um ruído nas folhas próximas assustou a sempre vigilante mosca, e um passarinho avisou:
– Tenha cuidado; este e ‘Jacó no púlpito’, uma planta que parece muito bondosa, mas ela não é.
Sabem, isso tornou a mosca mais aventureira do que nunca. Poderia tomar conta de si mesma, pensou, e faria amizade com esse Jacó no púlpito. Afinal, ele não era conhecido como o conselheiro das florestas?
A mosca parecia ouvir uma vozinha dizendo:
– Venha até mim. Não tenha medo.
Vocês conhecem Jacó no púlpito, não? Ele fica reto na flor e tem uma folha maravilhosa, dobrada de tal maneira que forma um púlpito, com um perfeito toldo em cima.
– Não tenha medo, disse a voz delicada.
– Quem está com medo? Disse a mosca. Descerei aí imediatamente.
A minúscula visitante se aventurou cada vez mais para baixo, admirando as belas paredes brilhantes listradas de verde, marrom e preto. Na base do púlpito estavam lindos cachos de minúsculas de flores, arredondadas e esverdeadas. A mosca pousou em uma dessas flores e uma voz delicada disse:
– Nós somos as pequenas flores que Jacó vigia cuidadosamente, até que, pouco a pouco, nós nos tornamos brilhantes grãos escarlates. Aí, Jacó sai de seu púlpito para que todos possam ver os grãozinhos escarlates.
A mosca estava muito emocionada de ter descoberto o segredo de Jacó no púlpito. Estava abafado na base do púlpito, então, a aventureira começou a dirigir-se para fora, para tomar um pouco de ar., mas isso não era tão fácil, pois as paredes eram muito escorregadias e seus pés não se seguravam. Estranho, ela podia andar no teto ou em um espelho brilhante, mas aqui era diferente. De repente, lembrou-se do que lhe havia dito a abelha. Imagine se isso fosse uma armadilha para moscas! Mas não, não podia ser, pois Jacó era um pregador. Fraca e exausta por tentar escapar, a minúscula aventureira finalmente gritou numa vozinha fraca e assustada.
– Oh, bondosa abelha, se você estiver por perto, por favor, venha me salvar.
Então, muito cansada para tentar novamente, a mosca caiu no chão do púlpito, aos pés de Jacó, completamente exaurida.
Um barulho buzz, buzz, buzz, fez a aventureira despertar. A abelha tinha pousado na mesma flor.
– Bondosa abelha, por favor, ajude-me, disse a mosca.
– Onde você está? Disse a abelha, olhando para a flor, mas não se aventurando a entrar.
– Aqui em baixo, disse a mosca.
– Rápido! Disse a abelha, procure uma abertura na aba.
Então, a mosca fez mais uma tentativa para escapar e, sim – encontrou a abertura na aba, em frente, onde as folhas estavam dobradas juntas. Agora, ela não se sentia mais predisposta a aventuras, apenas estava feliz por estar viva.
– Muito obrigada, bondosa abelha, disse humildemente a mosca. Você salvou minha vida. Eu fui uma tola.
– Sim, zumbiu a abelha, mas todos nós somos tolos algumas vezes. No entanto, sempre há um caminho, se o pudermos encontrar.
Então, a abelha e a mosca voaram juntas e se tornaram ainda melhores amigas.
D.D. Arroyo
A carinha de Betina estava muito vermelha e as lágrimas rolavam de sua face, enquanto ela batia com seu pé no chão iradamente e gritava:
– Eu não me importo! Essa é minha boneca e Maria a pegou. Eu dei umas palmadas nela e não me arrependo!
Ela segurou a boneca desafiadoramente em seus braços e bateu seu pé no chão novamente, ainda soluçando.
Mamãe sacudiu sua cabeça com tristeza e disse:
– Oh! Betina, Maria é apenas uma garotinha. Ela mal completou três anos e você já é uma menina de cinco. Foi muito errado de sua parte bater nela. Você poderia tê-la deixado brincar com sua boneca por um momento, pois sabe que suas coisas sempre voltam para você. Agora, o que devo fazer? Eu quero que entenda e seja gentil. Especialmente gentil com os que são menores que você. As crianças menores não entendem ainda muito bem as coisas que você já entende. Sabe disso e é por esse motivo que deve ser gentil e prestativa até que elas sejam de seu tamanho. Quando Maria tiver a sua idade, ela não pegará as coisas porque ela entenderá melhor.
Betina ficou quieta enquanto sua mãe falava. Ela se envergonhou, mas não quis admitir. Era o que sempre acontecia. Seu temperamento explodia dentro dela como uma grande nuvem negra, e ela se esquecia de ser carinhosa e boa. Ficava realmente brava e magoava as pessoas. Chorava, chorava e batia o pé. Mais tarde, quando pensava sobre isso, não conseguia entender. Era como se houvesse outra menina dentro dela fazendo todas essas coisas más.., pois ela sabia que a verdadeira menininha que ela era não queria fazer isso, absolutamente. E, mesmo assim, acontecia todas as vezes. Não sabia o que fazer sobre isso. Simplesmente esquecia e ficava furiosa novamente.
Mamãe tomou sua mão e a conduziu até o alpendre ensolarado que ficava no fundo do quintal.
– Olhe, disse ela, veja, você tem sua sombra. Veja como é bem maior que você. Veja como ela se dirige para frente, se você estiver de costas para o Sol. Veja também como ela pula para trás e a segue, se você se virar. Às vezes, ela fica até menor que você, mas sempre a segue enquanto você estiver à luz do Sol.
Betina olhou para sua mãe, com surpresa. Ela gostaria de saber o que isso tinha a ver com o fato dela ser uma menina má. Sabia que devia existir algo nisso. Sua mãe não a repreendia com frequência. Em vez disso, costumava contar-lhe histórias que faziam com que ela tentasse ser melhor. A repreensão devia produzir esse mesmo efeito, mas mamãe preferia a história.
Mamãe sentou-se nas escadas do alpendre e colocando Betina gentilmente ao seu lado, começou a falar:
– Vou contar a você uma história sobre uma sombra. Quero que ouça bem atentamente, depois deixarei você aqui sozinha por uns minutos, para que possa pensar sobre ela.
Este era o modo com que mamãe fazia as coisas. Depois da história, você devia pensar sobre ela e saber o que fazer a fim de adaptar a história à realidade de sua vida. Algumas histórias podem ajudá-la, como essa.
A voz suave de mamãe continuou:
– Era uma vez uma menininha bonita e que tinha uma bela casa. Tinha tudo o que uma menininha necessitava para ser feliz. Às vezes, algumas meninas não têm tudo o que necessitam. É difícil a vida para essas garotinhas, mas isto não era desculpa para a menininha da qual estamos falando. Ela tinha tudo o que precisava – só que não tinha beleza dentro dela. Quando queria ela sabia ser muito educada, mas, às vezes, tinha um gênio muito ruim. Quando ficava nervosa fazia coisas terríveis. Chegava a ser cruel. Com muita frequência tornava as outras pessoas muito infelizes. Depois, quando conseguia controlar o seu temperamento ruim, sentia-se infeliz. Mesmo assim, continuava com o mesmo temperamento. Mas, um dia, algo muito estranho lhe aconteceu. Ela estava terrivelmente nervosa, tinha dado um tapa na sua melhor amiga. Depois bateu seu pé no chão, gritou e chorou tanto que feriu o ouvido de quem a ouvisse. Ninguém queria se aproximar dela. Iam embora e a deixavam sozinha, e foi aí que essa coisa estranha aconteceu.
– Você, Betina, pode adivinhar o que foi?
– Bem, deixaram-na sozinha no jardim. O Sol estava se pondo e sua sombra pulava para cima e para baixo, do mesmo jeito que ela fazia. De repente, e muito simplesmente, sua sombra se afastou dela e disse-lhe: “Garotinha, estou cansada de a seguir. Não vou mais ficar com você. Será a única menina no mundo que não terá uma sombra. E não voltarei até que pare de fazer com que os outros sofram. Olhe o jeito que você está me sacudindo, para cima e para baixo, cada vez que tem um desses seus acessos de mau humor. Nenhuma sombra gosta disso. A sombra gosta de seguir as pessoas boas. Só voltarei quando você se tornar boa. Até logo!”. E a sombra foi-se embora.
– Ela começou logo a sentir-se muito só. Não queria nem gostava mais de andar ao Sol, porque todos perceberam que ela não tinha sombra e ninguém se aproximava mais dela. Eles a apontavam à distância e diziam: “Olhem que menina estranha. Ela não tem sombra! Ela deve ser muito má, pois nem sua sombra quis segui-la mais! ”. Isto tornou a menina muito infeliz, e ela começou a lastimar a maneira pela qual tratava as outras pessoas. Assim, começou a tentar ser mais gentil e considerar seus sentimentos em relação aos outros, bem como se descontrolar. Ela tentou tanto, que logo não teve mais acessos de mau humor. Descontrolar-se é um mau hábito realmente, e as pessoas podem aprender a formar o bom hábito de NÃO perder o controle se tentarem. A garotinha estava um tanto surpresa ao perceber que isso era realmente verdade, apesar de sua mãe já lhe ter dito. Agora, sua sombra voltara e seus amigos voltaram também. Ela era novamente uma adorável companheira.
Mamãe se levantou.
– Por favor, pense sobre essa história, Betina. Eu acho que ela ajudará você a controlar seu mau temperamento.
Betina ouviu a porta fechar-se atrás dela, silenciosamente, pois mamãe tinha entrado na casa para preparar o jantar. Era apenas um conto de fadas naturalmente – ela sabia disso. Ninguém neste mundo ouviu contar tal coisa, que uma sombra não acompanhasse alguém. Mas ela sabia o significado da história. Ela sabia como a garotinha devia se sentir. Se essas coisas pudessem acontecer, seria terrível. Para ela seria o mesmo que estar sem o vestido, se não tivesse consigo a sua sombra. Ela sabia que a história serviria para lembrá-la que não deveria mais ficar zangada. Cada vez que olhasse para sua sombra, deveria lembrar-se disso.
Ela saiu do alpendre e sua sombra a seguiu alegremente. Atravessou o quintal e se dirigiu à casa de Maria. Sentiu-se muito mal quando viu no rosto de Maria uma acentuada marca vermelha, no lugar onde, pouco antes, havia lhe dado um tapa. Ela sentou-se e entregou a boneca à Maria dizendo:
– Aqui está, Maria, você pode brincar com ela. Eu sinto muito.
Maria sorriu feliz, o perdão estampado nos seus olhos. Querendo fazer as pazes, Betina disse a Maria:
– Vou contar-lhe uma história.
E falou sobre a história da sombra que sua mãe acabara de lhe contar. Elas estavam sentadas juntas, felizes, quando Betina ouviu sua mãe chamando-a para jantar.
Ela foi saltitando para casa, com sua sombra saltitando atrás dela. Atirando-se nos braços da sua mãe, disse:
– Mamãe, minha sombra me seguiu. É divertido olhar para ela e tentarei lembrar-me de não ficar sacudindo-a para cima e para baixo, procurando não me zangar mais.
Mamãe, deu-lhe um beijo e respondeu:
– É isso mesmo que espero que você faça, querida. Eu quero vê-la tão bonita por dentro, como você é por fora.
Betina sorriu feliz, pois tudo agora estava bem. Ela também queria ser linda por dentro como mamãe lhe dissera. Era tão melhor ser assim!
Clara Huffman
As fadas, com seus pincéis minúsculos,
Delicadamente os lábios das margaridas vão pintando,
Em grupos de puro branco, os corações dourados,
As pontas de seus dedos vão matizando.
Lírio laranja, aster púrpura,
Campainhas, íris, anêmonas formosas,
Violetas e lindas rosas selvagens,
Vão colorindo em jornadas grandiosas
Todas as cores do arco-íris,
Com arte verdadeira elas manejam;
Tirando de suas caixinhas de joias
A cor das flores que em nossos campos verdejam.
Emma Mary Coates
O pequeno Tiago parou atrás do alpendre da linda casinha branca onde ele, sua mãe, papai e seu cachorro Jobi estavam passando os belos e quentes dias de verão.
E, à propósito, não podemos deixar de mencionar Anabela.
No entanto, no momento Tiago não estava pensando em guloseimas ou pastéis, estava pensando em algo mais.
Ele tinha ouvido uma amiga de Anabela falar sobre um eco que poderia ser ouvido na praia, perto de casa. Tiago, que gostava de saber sobre tudo, desejava conhecer o que um eco podia ser. Então, aquela noite, quando sua mãe o mandou para cama, ele disse:
– Por favor, mamãe, diga-me o que é um eco?
– Um eco, filhinho, repetiu mamãe. Onde você ouviu falar sobre o eco?
Ouvi alguém falar a Anabela sobre um eco que pode ser ouvido da praia, respondeu Tiago.
– Oh, sim, sorriu sua mãe. Bem, Tiago, um eco é uma fada, e uma fada normalmente vive em uma grande caverna ou numa casa vazia.
– Uma fada. Oh! mamãe, você já viu uma? Como elas são? E o que elas fazem? exclamou Tiago.
– Resposta à primeira pergunta, respondeu mamãe com um sorriso. Não, eu nunca vi um eco. Ninguém pode ver, nós só o ouvimos. O que eles fazem? Quando alguém grita próximo de sua casa, eles sempre respondem, repetindo o que foi dito.
– Mas isso é falta de educação, observou Tiago.
– Oh, não, respondeu Mamãe seriamente, eles fazem isso de uma maneira gentil e amigável.
– Eu gostaria de saber, Tiago replicou, seus olhos quase fechando. Eu gostaria de saber se eu fosse à praia e me sentasse muito quietinho, se apareceria para mim uma fada do eco.
– Talvez não, querido, disse sua mãe, enquanto apagava a luz do quarto. Agora, durma bem e tenha sonhos agradáveis.
Na manhã seguinte, Tiago e Jobi permaneceram fora de casa.
– Eu acho, Jobi, disse Tiago, que nós devemos ir lá embaixo e procurar uma das fadas do eco. Você não acha? perguntou gravemente.
Jobi respondeu de forma afirmativa abanando seu rabo. Jobi era uma companhia tão agradável que sempre concordava, independente do que lhe fosse proposto. Assim, ambos saíram, quase esquecendo de mencionar seu destino. Logo chegaram à praia, mas não sabiam bem onde poderiam encontrar a fada. Eles andaram sem destino. Finalmente, foi Jobi que a encontrou. Ele parou para latir a um atrevido esquilo vermelho, que imediatamente começou a repreendê-lo com muito barulho. Tiago não percebeu isso, pois à medida que Jobi latia, de algum lugar atrás deles vinha o som de mais latidos.
– É a fada do eco, Jobi, exclamou Tiago. Você a encontrou. Você a encontrou.
Depois, Tiago gritou o mais alto que pôde, e imediatamente o som voltou para ele, doce e claro, como só uma fada seria capaz de o fazer. Tiago continuou gritando, mas a fada, mesmo assim, não parecia ficar cansada ou impaciente.
– Oh! Jobi, disse Tiago, como eu gostaria que ela aparecesse para que pudéssemos vê-la. Talvez se ficarmos bem quietinhos, ela pense que fomos embora e resolva aparecer. Vamos experimentar.
O garotinho e o cachorro esconderam-se sob um salgueiro e esperaram. Eles ficaram muito quietos. Pareceu-lhes um longo tempo; estava muito quente e logo a cabeça do garotinho começou a inclinar-se. Ele não conseguia mais ficar acordado.
Então, algo aconteceu, pois, embaixo das árvores; dirigindo-se a ele estava a mais linda criaturinha que qualquer pessoa gostaria de contemplar. Ela era tão pequenina, não maior do que um dos soldadinhos de brinquedo de Tiago, e estava toda vestida de marrom avermelhado.
Em cada ombro havia asas de um tom delicado de verde, sua cabeça coberta com cachos dourados e em seus pés ela calçava minúsculos chinelinhos dourados.
Tiago estava tão certo de que esta era a fada do eco, que ele não ousou mexer-se de medo que ela pudesse desaparecer. Então, ela chegou mais perto, abanou sua varinha e disse alegremente:
– Bem, Tiago, você e Jobi estavam esperando para me ver. Eu sou a fada do eco.
– Oh! Eu sabia, tinha certeza disso, exclamou Tiago, e nós sabíamos que você viria se nós a esperássemos. Você não se importa, não é? ele perguntou.
– Porque me importaria? Sorriu a fada, quando viu o olhar ansioso no rostinho de Tiago. Eu sabia que você estava aqui; se não quisesse que você me visse, você não me veria.
– Mas, diga-me, disse Tiago, há muitas fadas do eco e todas são tão lindas como você?
Novamente a fada sorriu, e seu sorriso parecia o tilintar de sinos de prata.
– Sim, há muitas de nós, ela respondeu, e somos todos iguais. Se você encontrar qualquer uma das outras, não nos distinguiria.
– Como se chamam as outras fadas? Tiago queria saber.
– Chamam-se Eco; todos nós temos o mesmo nome. Agora vou dar um passeio. Vocês gostariam de vir comigo? Se quiserem podem vir.
– E onde é que você vai? Tiago perguntou.
Em resposta, Eco colocou uma flauta dourada em seus lábios e emitiu uma nota clara, suave.
Os olhos de Tiago estavam grandes e brilhantes de admiração. Como ele estava se divertindo! Então, ele viu uma grande tartaruga nadando em direção a eles através das ondas.
– Oh! Que tartaruga grande, exclamou ele. Nunca vi uma tartaruga tão grande como essa.
A fada sorriu:
– Será o nosso cavalo, disse a ele. Que bonito passeio faremos.
Tiago olhou-a atônito.
– Oh! Eu não posso ir com você. Sou muito grande.
Então, ela tocou suavemente em Jobi e em Tiago com sua varinha, e imediatamente eles começaram a diminuir até que ficaram do tamanho da fada. Como tudo parecia fantástico e a tartaruga, que todo esse tempo ficou quietinha, esperando, parecia maior que nunca. Ela era tão grande que Tiago sentiu um pouco de medo dela, até que viu um alegre brilho em seus olhos.
Eco pegou Tiago pela mão e foi para a água, mas Tiago voltou.
– Ficarei molhado, ele exclamou, eu e Jobi poderemos nos afogar.
Mas a fada sorriu e disse novamente:
– Você deve confiar em mim. Cuidarei para que você e Jobi voltem a salvo.
Então, os três subiram nas costas da tartaruga que vagarosamente saiu nadando para o mar. De repente, a tartaruga mergulhou e Tiago descobriu, para sua surpresa, que tanto Jobi como ele podiam respirar tão facilmente sob as águas, como em cima delas.
Que coisas maravilhosas Tiago viu! Eles passaram por enormes peixes que os olhavam curiosamente, e muitos deles se aproximaram bastante; viram enormes cavernas, todas cobertas com lindas algas marinhas. O chão dessas cavernas estava forrado com pedras de todas as cores e, em volta delas, havia inúmeros peixinhos brincando felizes, como fazem as criancinhas.
Uma vez, passaram por algo que parecia grande e escuro.
-Isso, disse a fada, é um navio naufragado.
Tiago sabia tudo sobre naufrágios, pois o irmão de Anabela era marinheiro e, quando ele vinha visitá-la, frequentemente contava a Tiago maravilhosos contos sobre naufrágios e terras estrangeiras.
Durante todo esse tempo a tartaruga continuou nadando, guiada pela fada que a tocava levemente com sua varinha, quando queria que ela se virasse.
– Seria melhor voltarmos agora, a fada disse a Tiago. Viemos longe demais.
Ela virou a tartaruga e eles começaram a voltar, mas, aí, algo aconteceu. A tartaruga parou e recusou-se a ir mais longe.
– Devo comer algo antes de voltar, disse ela firmemente e, a despeito de tudo o que Eco podia dizer e disse, ela recusou-se a levá-los de volta antes de jantar.
– Oh! Meu Deus, o que poderei fazer? Disse a fada.
Devo chegar à casa cedo e devolver você e Jobi, sãos e salvos. Quanto egoísmo da tartaruga! Nunca mais confiarei nela para trazer-me às águas. Vamos andar e ver se podemos encontrar alguém que nos ajude.
Enquanto andavam pelo fundo do oceano, Tiago disse:
– Por favor, Eco, diga-me como eu e Jobi podemos respirar debaixo d’água? E por que não ficamos molhados?
Eco levantou sua varinha:
– É isto, respondeu. Quando eu os toquei com isto, vocês se tornaram iguais a mim. Assim que retornarmos, farei vocês voltarem a ser o que eram.
Nesse momento, eles estavam andando em volta de uma grande rocha e viram diante deles um enorme castelo.
– Oh! aqui é onde vivem as fadas das ondas, exclamou Eco com alívio. Tenho quase certeza que elas nos ajudarão.
– Quem são as fadas das ondas? perguntou Tiago. E o que fazem?
– Elas são as que, nos dias calmos, fazem as ondas que você vê na superfície das águas, disse Eco. Vamos ver se tem alguém em casa. Já é tempo de voltarmos.
Ela bateu na porta enquanto falava. Esta foi aberta por uma fada do tamanho de Eco, só que estava vestida toda de verde, e Tiago não sabia qual das duas era a mais linda.
– Oh! Onda, gritou Eco. Estou feliz que você esteja em casa, pois estamos em apuros. Espero que você nos ajude.
– Naturalmente que sim, sorriu Onda, isto é, se puder. Mas, quem são esses que estão com você? ela perguntou, dando a Jobi e a Tiago um sorriso de boas-vindas.
– São dois amiguinhos meus, respondeu Eco. Eu os trouxe para um passeio.
E aí contou como a tartaruga os tratara mal.
– Foi muito perverso da parte dela, respondeu Onda. Contarei às minhas irmãs sobre isso e teremos que a punir. Mas entre, e eu tentarei encontrar uma forma de ajudá-los.
Tiago, Jobi e Eco entraram e Tiago olhou tudo com admiração; eles estavam numa sala grande e aqui havia mais daquelas pedras coloridas que ele tinha visto nas cavernas. Eles se sentaram numa grande pilha de musgos macios, e olharam com muito interesse o minúsculo peixe dourado que nadava para lá e para cá, pulando de um canto para o outro, espiando curiosamente por detrás das cortinas de algas marinhas, os estranhos visitantes.
Nesse momento, entrou na sala a fada das ondas.
– Nossa carruagem estará pronta em um momento, ela disse. Mas eu gostaria que vocês pudessem ficar mais tempo, pois há muitos lugares maravilhosos aqui que, tenho a certeza, Tiago e Jobi gostariam de ver.
– Sei que há, replicou Eco, mas devo voltar tão logo possível, pois devo devolver Tiago e Jobi antes que notem a falta deles.
Tiago se perguntava como seria a carruagem, quando ela apareceu diante da porta de entrada. Era uma pérola imensa, na forma de um barco, e ligados a ela, por cordas de algas marinhas, estavam seis lindos peixes dourados guiados por uma fada minúscula, da metade do tamanho de Onda. Ela os saudou amigavelmente e desapareceu em seguida.
– Logo você estará em casa, disse Onda.
Ela tinha subido na carruagem com eles e carregava uma varinha com a qual guiava os peixes, que estavam inquietos e ansiosos para iniciar a jornada.
Como esta jornada pareceu curta para Tiago! Ele pensou que apenas tinham começado, quando Onda parou a carruagem em águas rasas, no exato lugar onde tinham embarcado nas costas da tartaruga.
– Bem, Tiago, você e Jobi se divertiram?” a fada do Eco queria saber.
– Sim, replicou Tiago, e tenho certeza que Jobi também se divertiu, não é Jobi?
Jobi pulava para cima e para baixo e latia de um modo muito engraçado; ele estava tão pequenino!
A fada do Eco sorriu, e estendendo sua varinha tocou a ambos e desapareceu rapidamente na direção da caverna onde morava.
A luz do Sol, ofuscando os olhos de Tiago, acordou-o. Ele sentou-se e olhou a sua volta. Jobi estava ao seu lado, ganindo baixinho.
– Oh! Jobi, gritou Tiago, não nos divertimos? Eu sei que não foi só um sonho. Vamos correr para casa, assim posso contar tudo à mamãe!
Eles começaram a andar e pararam quando Tiago notou as ondas sob a luz do Sol, na superfície da água.
– Veja, Jobi, ele gritou, aquelas são as fadas das ondas, não são?
Jobi pôs sua cabeça de um lado, de um jeito muito esperto, uma de suas orelhas bem em pé, então abanou seu rabinho e latiu concordando. E, ao fazê-lo, por detrás da montanha veio a doce e nítida resposta do Eco.
Kay Randall
A pequena árvore estava assustada. Bem, talvez não exatamente assustada, mas terrivelmente perturbada.
No entanto, não era a primeira vez que ela se sentia assim. Houve aquela vez quando ela estava dormindo de forma tão confortável. Be-e-em, não era propriamente dormindo, mas dormitando no solo gostoso, escuro e muito bem aquecido. Tinha sido tão delicioso permanecer lá, no solo amigo, espreguiçando-se de vez em quando para se desenferrujar. Mas, um dia, uma esticada ambiciosa tirou sua cabeça do solo e um exuberante bocejo transformou-se em um grito assustado. A situação foi efetivamente muito difícil. Por mais que ela tentasse, não podia retirar sua cabeça debaixo do solo amigo.
O solo tinha sido um tanto desalmado, também. Antes, tinha sido sempre muito amigo, aconselhando a arvorezinha a espalhar suas raízes para fora, a fim de colher alimento com mais facilidade. Esse mesmo solo tinha sido tão prestativo em armazenar alimentos e umidade no local adequado – como se estivesse colocando uma mesa de banquete bem em frente dela, apesar da arvorezinha nada entender sobre mesas. Mas, agora, o solo tinha apenas rido de sua terrível situação.
– O que posso fazer? lastimou a arvorezinha. É tão estranho ter minha cabeça descoberta.
– Estranho, realmente, zombou o insensível solo. Meu Deus, será que terei de suportá-la durante toda sua vida? Pare de se lastimar e absorva tudo o que você puder dessa maravilhosa luz do Sol.
– O que é a luz do Sol? perguntou a arvorezinha.
– Boba, disse o solo, olhe para cima e você verá o Sol. Não há engano!
Naturalmente, a arvorezinha não o conhecia, como tudo isso aconteceu logo pela manhã, o Sol estava apenas iniciando sua jornada através do céu, assim, quando a arvorezinha olhou para cima, lá estava o Sol. Ele sorriu da maneira mais gentil possível, de forma que a arvorezinha retribuiu o seu sorriso sentindo-se muito bem. Esta situação era excelente e ela parou para pensar sobre isso.
– Por que você não me falou antes sobre este adorável lugar? Disse a árvore, repreendendo o solo, olhando-o fixamente. Você sabia disso o tempo todo, ela acusou.
O solo não lhe deu qualquer resposta, mas sorriu de maneira cordial. A arvorezinha suspirou aliviada. Mais uma vez ela virou sua face para o Sol. Ela olhou tão fixamente para esse Astro amigo que quase ficou cega. Então, transferiu seu olhar para o solo, piscou e piscou até que sua visão se tornou normal outra vez. Aí começou a olhar para todos os lados. Ela estava cercada por uma verdadeira floresta ou qualquer outra coisa, porque não sabia como chamá-la. E algumas de suas companheiras eram bem maiores que ela.
– Olá, ela saudou a árvore mais próxima, que era muito maior que ela.
– Você está se dirigindo a mim? perguntou friamente a árvore alta, com grande dignidade. A arvorezinha nada sabia sobre dignidade, e espantou-se, e isto fez com que ela se sentisse encabulada.
– Sim, senhora, a arvorezinha rapidamente respondeu, recuperando-se. Que lugar é este?
– Este é um viveiro, explicou a árvore grande.
– O que é um viveiro? quis saber a arvorezinha.
– É um lugar, disse a árvore grande, onde as arvorezinhas como você são cuidadas até que chegue a hora de partir.
-Partir? A arvorezinha estava se tornando cada vez mais perplexa. O que significa partir?
– Bem, é – partir.
A árvore grande estava evidentemente em dificuldades – talvez nem mesmo soubesse a resposta.
– Você não sabe o que significa partir? a arvorezinha persistiu.
Mas, antes que a grande árvore pudesse responder, as companheiras que estavam ao seu redor puseram-se a rir, agitando-se em contentamento, enquanto a árvore alta parecia agitar-se de desgosto. Só que toda essa agitação devia ser por causa de uma brisa brincalhona que veio dançando e balançava as árvores para lá e para cá.
As demais árvores não deram opinião, e até mesmo o solo não a ajudou, pois ele tinha aconselhado:
– Não faça tantas perguntas. Somente espere, que no devido tempo você saberá.
– O que é o tempo? a arvorezinha quis saber.
Porém, o solo não deu resposta. Depois disso, a pequena árvore passou o dia entretida olhando para o Sol e para suas companheiras.
Depois, ficou novamente perturbada, mais ainda do que quando retirou sua cabeça do solo. Notou que o Sol estava fazendo uma espécie de jogo. Parecia estar perseguindo ou correndo atrás de alguma coisa no céu, mas a arvorezinha não foi capaz de saber o que era. E, de repente, o Sol sumiu de vista. Isto a surpreendeu tanto, que perguntou novamente, e desta vez em um tom mais digno de uma árvore.
– O que aconteceu? a arvorezinha indagou timidamente, para ninguém em particular.
– É noite, bobinha, as outras árvores responderam em coro.
– O que é noite? desejava saber a arvorezinha.
– Hora de dormir, disse a árvore maior, que tinha respondido durante o dia, às suas perguntas.
Então, como que sentindo um pouco de vergonha de si mesma pela impaciência anterior, acrescentou:
– O Sol foi dormir para estar revigorado de manhã e seria melhor você fazer o mesmo.
A arvorezinha queria saber o que era manhã, mas achou melhor não perguntar. Estava ainda perturbada e em nenhum momento sentiu sono e sequer sonhou durante toda a noite.
Na manhã seguinte estava muito surpresa. Naturalmente lá estava o Sol e todas as outras árvores e o solo. Mas, o surpreendente era que, embora não se lembrasse de ter se esticado – isto devia ter ocorrido pois sua cabeça estava muito mais alta – estava mais próxima do Sol do que quando fora dormir. Todas essas coisas surpreendentes aconteceram e tudo muito de repente.
A arvorezinha estava feliz – mesmo com todos os seus sobressaltos – e, à medida que os dias passavam, ela notava com satisfação que, mesmo durante o dia, sua cabeça tornava-se mais alta, cada vez mais próxima do Sol. Ela aceitou o conselho do solo e raramente fazia qualquer pergunta agora. O ambiente que a cercava já não a incomodava – acostumara-se a ele. Sabia, sem que lhe dissessem, que o seu corpo se chamava tronco, e ficou orgulhosa o dia em que uma folhinha tinha aparecido no seu próprio tronco! Lá ela permaneceu fazendo uma bela decoração, pensou a arvorezinha. Ela nada mencionou, pois notou que algumas de suas companheiras estavam enfeitadas com duas e até com três folhinhas. Ela não as invejou. Absolutamente. Parecia a ela que muitos enfeites não significavam bom gosto. De qualquer forma, ela decidira esperar e ver como as coisas se desenrolariam. E assim o tempo passou meses naturalmente, apenas a arvorezinha não sabia disso porque não sabia ler um calendário.
Um dia, algo que se movia caminhou por entre seu grupo e amarrou alguma coisa no seu tronco. A princípio ela se sentiu desconfortável, mas logo habituou-se com aquela coisa. Como decoração deveria ter o seu valor, exceto que todas as suas amigas tinham as mesmas coisas amarradas em seus troncos, assim ela não levava nisso qualquer vantagem. Essas coisas que se moviam entre o seu grupo eram muito estranhas. Não pareciam árvores, isto é, não muito. E emitiam sons esquisitos enquanto falavam. A arvorezinha desejou saber como seria movimentar-se como elas, embora jamais pudesse se mover dessa maneira, pois elas tinham dois troncos. Ela tentou arrancar suas raízes do solo, de maneira que pudesse tentar a experiência, mas teve que desistir porque o solo estava tão aderido a elas, que não conseguiu movê-las. E a única resposta que recebeu ao questionar o solo foi de censura: “Não seja boba”. Ela gostaria de saber, um tanto ansiosa, o que significava ser boba, mas decidiu não perguntar.
Depois de desfrutar de uma vida sem problemas por alguns meses, durante os quais sua cabeça continuou cada vez mais próxima do Sol, ela estava novamente pen…. Não, desta vez ela estava realmente assustada. Aquelas coisas que frequentemente se moviam entre seu grupo tinham vindo novamente e olhado, com atenção, a coisa amarrada em seu tronco e uma delas disse:
– Aqui está exatamente o que você procura, um vigoroso pessegueiro dourado.
Isto lhe soou tão engraçado que a arvorezinha quase entrou em convulsão de tanto rir. Uma daquelas coisas que se movia a chamara de vigoroso pessegueiro dourado, quando ela e todas as suas amigas sabiam, com toda certeza, que ela era uma árvore. Mas, seu sorriso foi sufocado quando algo duro passou através do solo muito rudemente e quase cortou uma parte de suas raízes. De repente, suas raízes estavam fora do solo e ela estava se movendo diretamente através das fileiras de suas companheiras, sem mesmo tocar no chão. Ela tentou gritar, mas estava obstruída em sua seiva e mal conseguiu respirar. Ela ouviu debilmente a voz da árvore mais alta, que tinha respondido a tantas de suas perguntas, dizer:
– Agora, você sabe o que significar partir.
Se isso significava partir, a arvorezinha decidiu que não gostava disso, nem um pouco. De fato, quando se recuperou de seu susto, ela ressentiu-se enormemente. O fato de ter perguntado o significado de partir, não queria dizer que ela realmente quisesse saber. Não podia entender porque mostravam a ela as coisas, quando simplesmente se interessava em saber como eram e aí nem sempre recebia resposta. A vida realmente estava se tornando muito complexa.
O partir não tinha sido tão mal, como descobriu depois, pois suas raízes encontraram um novo solo amigo que imediatamente as abrigou de maneira mais reconfortante. Assim, a pequena árvore voltou ao seu estado normal de fazer perguntas enquanto olhava ansiosamente o seu novo lar, o Sol ainda apostava corrida no céu, o que era reconfortante, e o solo era tão amigo como tinha sido o outro. Aí, deu um olhar mais atento para as redondezas. Suas companheiras estavam bem mais distantes umas das outras do que estavam antes, e aparentemente ela era a única árvore pequenina neste estranho novo lugar.
Uma grande e velha árvore estava por perto e a arvorezinha pediu a ela uma informação.
– Isto é um viveiro? ela queria saber.
A velha árvore respondeu, de maneira cordial, dizendo:
– Não, isto é um pomar.
– O que é um pomar? perguntou a arvorezinha.
– Um lugar onde as árvores vivem, foi a resposta.
– Mas pensei que este lugar onde as árvores vivem fosse um viveiro, pelo menos foi o que me disseram as outras arvorezinhas.
– Bem, explicou a velha árvore, há lugares e lugares. As árvores moram em ambos; no viveiro quando são pequenas e no pomar quando são mais velhas.
– Oh, murmurou a arvorezinha excitadamente e, em seguida agitou os seis galhos que lhe tinham crescido, enquanto permaneceu no viveiro. Entendi, um viveiro é um viveiro, mas um pomar é um partir.
– Um partir?
A velha árvore ficou muito surpresa até que a arvorezinha explicou sobre como a árvore mais alta, no viveiro tinha lhe dito que haveria uma época de partir.
– Sei, a velha árvore riu. Não, um pomar não é um partir. Um viveiro é um viveiro, um pomar é um pomar, e o que acontece entre dois é que é partir.
Essa explicação não ajudou muito a arvorezinha, mas ela decidiu nada mais perguntar sobre o assunto.
– Você é quase uma árvore grande, disse-lhe a velha árvore.
Isso deu à arvorezinha um sentimento de importância que era muito agradável – algo como o agradável sentimento que tinha quando se esticava.
– O ano que vem, disse-lhe a velha árvore, você dará frutos.
– O que é fruto? perguntou a arvorezinha.
– Espere e verá, respondeu a velha árvore e, então, como o solo lhe havia dito uma vez, acrescentou: espere e no tempo certo você saberá.
Respostas estranhas, pensou a arvorezinha com irritação. Por que não respondiam suas perguntas? Parecia–lhe que era tão fácil responder suas perguntas quanto dizer que ela esperasse. Logo esqueceu disso, pois estava interessada em descobrir e conhecer o que estava à sua volta. Ela tinha muitas folhas agora, mas em vez de estarem no seu tronco, estavam nos seus galhos. Davam-lhe um bom efeito, ela pensou.
E assim, muitos meses se passaram. Mais galhos brotaram e os mais velhos tornaram-se maiores e mais folhas surgiram. A arvorezinha realmente estava emocionada até às raízes. Aí, começou a acontecer uma coisa. Ela não ficou assustada nem perturbada, mas desejava saber por que sua seiva se dirigia as suas raízes, em vez de ir para seu tronco e seus galhos.
– Não pense nada sobre isso, a velha árvore aconselhou. Você está se preparando para o sono do inverno.
– Mas eu durmo todas as noites, protestou a arvorezinha. E se eu devo dormir durante esse inverno o que é isso? O inverno vem entre o dia e a noite ou entre a noite e o dia?
– Nem uma coisa nem outra, respondeu a velha árvore. Você já passou por isso no viveiro, mas era muito jovem para se lembrar. Apenas espere e, no tempo devido, você saberá.
Mas a arvorezinha estava experimentando uma sonolência tão grande que nem se ressentiu da resposta que tantas vezes já ouvira. E ela estava cada vez mais sonolenta, de maneira que nem percebeu que suas folhas caíram. E logo se esqueceu de tudo e entrou num sono profundo.
Mais tarde acordou – a velha árvore lhe disse que era primavera. Naturalmente a arvorezinha agora mais do que quando dormira – queria saber o que era a primavera, mas estava muito ocupada para perguntar. Sua seiva, ela percebia, estava fluindo fortemente através de seu tronco e de seus galhos. O Sol brilhava alegremente, e suas folhas estavam brotando de uma forma maravilhosa. A vida, parecia a ela, era algo que valia a pena. Este sentimento, ela pensou, devia ter alguma relação com a coisa chamada primavera, mas ela percebeu que não adiantava querer saber como a primavera tinha chegado, pois tanto ela como as suas amigas tinham dormido, e assim não havia ninguém para lhe responder sobre tais assuntos.
Então, um dia, ela ficou terrivelmente surpresa, pois pequenas coisas brancas e rosadas estavam em todos os seus galhos. Nada de assustar naturalmente e eram bem decorativas, mais ainda do que as folhas. Ela estava bastante orgulhosa dessa nova contribuição ao seu guarda roupa. Notou que a árvore velha também tinha as mesmas coisas em seus galhos, só que em maior número; assim sendo, pediu a ela explicações.
– São botões, explicou a árvore velha. Primeiro os botões, depois os frutos.
A arvorezinha decidiu nada perguntar sobre os frutos – ela já havia perguntado uma vez, sem resultado. De qualquer forma, ela estava muito ocupada com os acontecimentos. Passarinhos e abelhas ficavam em volta dela o tempo todo. Soube de seus nomes pela velha árvore. Eles eram ótimos companheiros e divertidos. Os passarinhos sentavam-se em seus galhos e faziam um barulho agradável – eles eram efetivamente bem alegres e simpáticos. Naturalmente que a linguagem deles era muito mais forte do que a do suave suspiro das árvores. E as abelhas pareciam se deliciar com os botões, pois ficavam à sua volta e dentro deles a maior parte do dia.
Mas, aí chegou um dia de consternação, seus botões estavam caindo. Ela apelou para o conselho da árvore velha.
Meus botões estão caindo, ela disse excitadamente. Será que eu também vou cair?
– Absolutamente, assegurou-lhe a árvore velha. Você está se preparando para os frutos. Você é um pessegueiro e os seus frutos serão pêssegos.
– Oh! a arvorezinha recebeu a informação dolorosamente. É uma pena eu perder os botões quando eles são tão atraentes.
Ela tinha certeza que se sentiria nua, ou como alguém se sentiria com um mínimo de adornos.
Porém, sobreviveu à tragédia e permaneceu bem atenta observando o crescimento de seu primeiro fruto. De início, sentiu-se um tanto desapontada. As pequenas coisas verdes, nodosas, não eram tão bonitas como seus botões e, de qualquer forma, ela tinha esperado algo diferente. Não podia explicar bem o que esperava – a única coisa que sabia é que não estava satisfeita. Mas, pouco a pouco, dia após dia, refez sua opinião. Não se podia negar o fato de que se tornavam mais bonitos cada dia – todos os seus seis frutos. Ela tinha ficado muito entusiasmada e tinha até mesmo se vangloriado um pouco de sua proeza para a árvore velha. Esta tinha sorrido, afavelmente.
Entretanto, tinha chegado o dia da grande tragédia o dia em que outros tomaram conhecimento da arvorezinha. Ela tinha notado que aquelas mesmas coisas que se moviam sobre o solo, no viveiro, também se moviam e do mesmo modo, no pomar. De início, suspeitou muito delas, pois teve medo que ela fosse partir novamente. Porém, como nada aconteceu, ela gradualmente deixou de suspeitar deles e até mesmo lhes deu boas vindas, especialmente quando admiravam suas vestes de folhas e botões. Mas, ultimamente, elas estavam admirando seus frutos – até mesmo os tocavam. Ela não se importava muito. Coitados, eles não possuíam os frutos dourados que ela possuía.
Mas, que horror! Aquelas coisas que se moviam no pomar tinham arrancado seus belos frutos – todos os seis, covardemente! Como ela poderia sobreviver a isso? Seus belos frutos – seus únicos frutos!
Com sofrimento, ela contou para a árvore velha o terrível golpe. Contou-lhe todo o cuidado que tomara com seus frutos, do orgulho que tinha deles – tudo reduzido a nada.
E a árvore velha com carinho a consolava:
– Arvorezinha, você completou um ciclo de sua Vida. Você veio aqui para cumprir uma missão.
– Quem fez isso? perguntou a arvorezinha. Nunca ninguém me contou sobre uma missão. Houve partidas, tempos, invernos e primaveras, mas nunca ninguém me falou sobre missão.
Diante disso, a árvore velha sorriu com ternura, através de seus muitos troncos.
– Ouça, ela disse, as coisas que pegaram os seus frutos chamam-se homens. Eles pensam que colocaram você aqui, mas não é bem assim. Deus, que criou você, é que o fez. E Deus lhe deu uma missão a cumprir. Ele quis que você tivesse folhas, após lhe dar galhos vigorosos. Assim, os passarinhos puderam descansar e gozar de sua sombra.
– Quem fez os passarinhos? perguntou a arvorezinha. Eles têm uma missão? E por que não criam sua própria sombra?
– Bem, bem, reprovou a árvore velha, não faça muitas perguntas. Estou falando sobre você, apesar de falar sobre os passarinhos, Deus os criou, como criou as outras coisas.
– Deus é uma árvore como nós? a arvorezinha quis saber.
– Não, respondeu a velha árvore. Agora deixe-me terminar sua história. Depois que suas folhas cresceram, vieram os botões. Isto foi a primeira tarefa para, em seguida, crescerem os frutos. Mas você também foi feita para enfeitar o mundo – e isso é tão importante quanto frutificar – pois você estava muito bela com suas folhas verdes e botões cor-de-rosa.
A arvorezinha aprumou-se. Era bom ser apreciada, pensou.
– Também, continuou a velha árvore, os botões continham alimento para as abelhas que você tanto admirou. Aí vieram os frutos que os homens comerão, pois eles não podem comer a luz solar, como faz você.
– Eu não gosto que eles comam os meus frutos, disse a arvorezinha. Meus pêssegos são tão belos!
– Esse é o motivo de você ser uma árvore, continuou a velha árvore, como se não tivesse sido interrompida. Olhe o que você fez: abrigou os pássaros, alimentou as abelhas, foi uma coisa de grande beleza e agora alimenta os homens. Esta é sua missão. Deus lhe deu uma grande participação no trabalho da vida. No próximo ano, você fará tudo novamente.
– Bem, murmurou a arvorezinha, espero que Deus esteja satisfeito. Quanto ao próximo ano – esperarei e saberei, no devido tempo – talvez.
D. D. Arroyo
Marcos sentou-se na varanda e olhou para o jardim. Suspirou profundamente. Estava ficando escuro e as flores estavam se balançando delicadamente na brisa da tarde. Era como se elas educadamente inclinassem suas cabeças e dissessem: “Boa tarde, Marcos”. Algumas vezes, ele se sentia como se elas realmente pudessem dizer-lhe algo semelhante, se pudessem falar. Algumas delas pareciam ter lábios pintados em suas faces, mas nunca diziam nada; isto é, não em voz alta. Mas, Marcos tinha certeza que elas pensavam coisas que poderíamos ouvir se escutássemos com nosso coração, e não com nossos ouvidos.
Os pirilampos cintilavam pelo jardim e, por um momento, Marcos desejou que pudesse voar como eles e brilhar dessa forma tão bonita. Suspirou novamente, dessa vez com bastante tristeza. Atrás dele, ouviu sua mãe perguntar:
– O que é isso Marcos, qual é o problema? Um suspiro tão profundo para um garoto tão pequeno.
Marcos olhou para sua mãe. Sabia que podia sempre confiar os problemas à mamãe. Ela não riria como rira Salete, que morava do outro lado da rua, quando ele lhe falara esta tarde sobre seu problema. Ele desabafou:
– Mamãe, você já viu um Anjo – um Anjo honesto e verdadeiro?
Mamãe sorriu.
– É isso que o perturba?
Marcos concordou e mamãe sentou-se ao lado dele nos degraus da varanda.
– Bem, eu vou contar, Marcos. Eles não se encontram tão facilmente e talvez você não os procure no lugar certo.
– É preciso ter uma visão muito boa e acurada para ver os Anjos, mamãe? Talvez meus olhos não sejam suficientemente fortes. Será que preciso de óculos para ver um? perguntou Marcos excitadamente.
Mamãe colocou as mãos de Marcos entre as suas.
– Não é exatamente isso, Marcos. Os Anjos são diferentes das fadas e dos gnomos e dos pequenos elementais, cujas histórias nós lemos. Os anjos são – bem, são para nós como nossas irmãs e irmãos mais velhos.
Marcos abanou sua cabeça com surpresa.
– Como?
– Bem, eles entraram num estágio de evolução similar ao nosso, há muitos anos atrás. É como o seu irmão maior, Tomás. Ele já se formou e você ainda está na escola. Assim, ele sabe muitas coisas que você não sabe e pode ajudá-lo de muitas maneiras que você não aprendeu ainda.
– Mas, protestou Marcos, eu crescerei rápido e o alcançarei.
– Naturalmente que sim, replicou mamãe, da mesma maneira que todos nós, um dia, seremos como os Anjos.
Marcos sorriu com alegria, diante disso.
– Fale-me mais sobre os Anjos.
Mamãe continuou:
– Bem, os Anjos têm seu trabalho a fazer, tal como nós. Em todo o Universo de Deus, cada ser tem sua tarefa a fazer e os Anjos também têm seu trabalho, especialmente para conosco. Nós somos seus irmãos mais novos e, algumas vezes, eu receio, nós somos muito difíceis de ser ajudados.
– Como? perguntou Marcos.
– Oh, respondeu mamãe, houve uma época em que os Anjos estavam mais próximos dos humanos e muitas pessoas eram capazes de vê-los e receber ajuda diretamente deles. Você sabe que há histórias sobre eles na Bíblia.
– Por que não é assim, agora? Marcos perguntou, com os olhos ansiosos.
Mamãe explicou:
– Porque os seres humanos tornaram-se maus e, assim seus olhos não podem mais ver os Anjos. Eles sentem-se tão importantes que não têm mais a alma suficientemente pura para comungar com seus irmãos Anjos. Eles estão mais interessados em procurar emoções e divertimentos. Eles se machucam mutuamente nessa espécie de divertimento e os Anjos não podem se aproximar de tantas coisas ruins. Eles permanecem longe do egoísmo, da avareza e da maldade, pois onde existem essas coisas, o coração não pode ser suficientemente puro para comungar com os Anjos.
Marcos suspirou.
– Que trabalho eles fazem?
Mamãe respondeu:
– Eles têm diversos tipos de trabalho. Alguns dirigem o reino das fadas e dos elementais, de maneira que essas criaturinhas sejam capazes de desenvolver-se e aprender. Outros Anjos são os construtores do Universo. Eles ajudam a natureza a formar as montanhas e os rios. Eles ajudam as mães a construir o corpo de seus filhinhos quando as crianças estão para nascer. Eles trabalham como pensamento dos seres humanos e tecem os melhores pensamentos que pairam sobre uma comunidade, de maneira que os maus pensamentos não possam fazer mal às pessoas. Algumas vezes, os pensamentos são tão terríveis que se tornam difíceis para eles.
Marcos acenou compreensivamente.
– É por isso que você quer que eu não fique zangado e tenha bons pensamentos, não é? As minhas preces podem ajudá-los?
Mamãe concordou:
– Oh, sim, cada um de nós ajuda dessa forma, para que o mundo possa tornar-se um lugar mais feliz. Veja, muitos pensamentos maus trazem secas, fome e inundações. A natureza devolve ao ser humano exatamente aquilo que o ele emite. Os Anjos, pairando ao nosso redor, tentam inspirar o ser humano para que ele possa ter uma vida melhor. Eles abençoam e expandem todas as boas ações, de maneira que todos os humanos possam tirar proveito dos benefícios.
Marcos perguntou:
– E há Anjos que trabalham na música e nas florestas?
– Sim, respondeu mamãe. Eles trabalham nos éteres, nas substâncias aquosas do Universo. Eles tecem todas as formas que vemos, porque são mais sábios e sabem como obedecer a todas as leis. Nós, humanos, não aprendemos ainda a obedecer. Pense no prejuízo que acarretaríamos pela nossa ignorância, sem a ajuda deles.
Marcos sorriu.
– Você acha que serei capaz de ver um Anjo algum dia, Mamãe – ver um Anjo de verdade?
– Talvez você seja um dos abençoados com tal visão, respondeu mamãe.
Marcos pensou um momento. Era o mais terno desejo de seu coração, conhecer mais sobre esses maravilhosos Seres chamados Anjos.
No dia seguinte, falou a seu pai sobre as coisas que sua mãe lhe havia dito e seu pai, concordando, disse:
– Sua mãe está certa. Há apenas uma coisa que posso acrescentar ao que ela lhe disse. Talvez isso o ajude a ver um Anjo, um dia.
A face de Marcos brilhou e seus olhos cintilaram.
– O que me ajudará a ver um Anjo, papai?
Seu pai respondeu:
– Bem, Marcos, sua mãe já lhe contou como precisamos ser bons; tentando ser como os Anjos, de maneira que seus desejos possam ser como os desejos deles e assim seus olhos estarão mais em sintonia com a luz. A outra parte é querer. Quando você deseja uma coisa com intensidade, muitas vezes esse desejo é alcançado e ainda mais se você fizer sinceramente toda a sua parte.
Marcos bateu palmas.
– Mas eu realmente quero. Todo o tempo fico tentando. Quando trabalho no jardim, penso nas pequenas fadas e duendes que também trabalham lá, e depois nos maravilhosos Anjos que dirigem as pequenas fadas.
Na sala, mamãe sorriu para os dois. Ela havia chegado do jardim e seus braços estavam cheios de flores.
– Ainda falando sobre os Anjos, Marcos? ela perguntou.
Papai e Marcos retribuíram o sorriso de mamãe e papai disse:
– Sim, e você sabe que tenho ouvido as pessoas dizerem que; muitas vezes, é mais fácil vê-los em grandes e belas florestas onde o encanto da natureza está mais em harmonia com eles; do que na desarmonia que existe onde as pessoas não se amam.
Mamãe indagou:
– Marcos, papai disse a você onde vamos passar as férias?
Papai respondeu, antecipando-se:
– Não, eu queria dizer a Marcos quando você estivesse conosco. Veja, Marcos, sua mãe e eu pensamos que talvez nestas férias pudéssemos acampar em uma das florestas perto daqui.
Marcos pronunciou suavemente:
– E lá eu poderei realmente procurar um Anjo, não é?
Mamãe e papai concordaram e beijaram Marcos ternamente e depois ele se dirigiu para a cama, talvez para sonhar com as férias na floresta onde lhe seria possível ver um Anjo.
E o sonho de Marcos se tornou realidade. Ele estava na floresta onde a família estava acampando. Divertia-se muito. Um dia estava sentado silenciosamente sob um olmo, quando um veadinho se aproximou dele. Seu coração estava cheio de amor pela linda criaturinha e ele lhe ofereceu pedacinhos de pão que tirava de seus bolsos.
Seu coração transbordava de paz e felicidade e, enquanto esteve lá sentado, aconteceu uma coisa maravilhosa. Quando ele olhou para a árvore, viu brilhar uma luz na forma de um Anjo. A floresta estava quieta, mas mesmo assim parecia haver o som de uma música perto do o lugar, som que parecia estar à volta dele. Sentiu ondas de amor banhá-lo e um lindo rosto sorriu para ele.
Marcos sentiu como se todo o amor, luz e bondade do mundo estivessem jorrando sobre ele. Viu a doce face olhando-o ternamente das alturas e a luz tornou-se tão intensa que ele teve que fechar seus olhos. Mesmo assim, com seus olhos fechados, ele sentiu a música, o brilho e o amor à sua volta.
Quando abriu seus olhos, papai e mamãe estavam ao seu lado, observando-o. Suas mãos pousavam suavemente nos seus ombros. Ele olhou para os dois com um olhar indagador. Seus pais sorriram e Marcos percebeu pelo brilho dos olhos deles, que também tinham visto o Anjo.
Marcos perguntou suavemente:
– Algum dia serei assim?
Foi mamãe que respondeu:
– Algum dia, todos nós seremos assim, Marcos; e o mundo será um lugar maravilhoso quando todos formos bons e amorosos.
Edna Blevins Lewelling
Algumas vezes, no verão, quando está quente,
Minha mãe, papai e eu andamos,
Até alcançar o topo da montanha,
E sob o céu adormecemos.
Não levamos tendas ou coisas semelhantes,
Apenas cobertas sob o chão.
E, então, o vento chega devagar e fresco
E ruido ele não faz não.
Todas as folhas sussurram muito baixo,
Nunca elas gritam realmente!
Eu tento e tento e tento ouvir
O que elas falam mansamente.
Ainda não entendi
Uma única palavra que elas dizem,
Apesar de em muitas noites querer escutar,
E durante o dia sobre isso pensar.
As fadas, essas são diferentes,
Quase tudo o que elas dizem, eu já ouvi,
Elas riem e cantam e viram cambalhotas,
Da maneira mais alegre que já vi.
Minha mãe diz que é apenas o riacho,
Que nenhum bando de fadas, na verdade há.
Mas eu creio que ela está despreparada
Para realmente entender o que existe lá.
Maude H. Wikinson
A Lua surgiu vagarosamente sobre a montanha e começou a observar um grupo de alegres flores coloridas que cresciam num velho jardim.
Quando a Lua viu a Libélula-Azul, por quem estava procurando, sua face redonda adquiriu mais brilho e disse:
– Libélula-Azul, é hora de levantar-se.
Libélula-Azul estava dormindo no miolo de uma Rosa-cor-de-rosa, mas quando a Lua lhe falou, ela moveu um pouco suas asas e continuou dormindo.
– É desse modo que você se comporta quando eu a chamo? Sorriu zombeteiramente a Lua, enquanto olhava para sua amiguinha delicada, de quem gostava tanto. Eu vou brilhar mais forte para ver se isso acorda você, acrescentou, enquanto enviava a ela um raio mais forte.
Libélula-Azul abriu um olho, fechou-o novamente e continuou a dormir.
A Lua ficou perplexa e disse:
– Meu Deus, será que aconteceu alguma coisa? Ela geralmente se levanta assim que a chamo!
– Não, está tudo bem, respondeu a Rosa-cor-de-rosa, em cujo miolo ela dormia. Eu quis que ela ficasse aqui, por isso dei-lhe uma grande dose de perfume para fazê-la dormir por mais tempo; quando eu a acordar, terá esquecido tudo sobre seu trabalho e ficará comigo. Por favor, vá embora e deixe-nos sozinhas.
A Rosa-cor-de-rosa se fechou de tal forma, que a Lua percebeu que não adiantaria mais argumentar com ela, pois a pequena Rosa dobrou suas pétalas em torno da Libélula-Azul como uma cortina, que a escondeu completamente da vista.
– Bem, bem, murmurou a Lua para si mesma, naturalmente não culpo a Rosa por amar a pequena companheira, pois todas nós a amamos, porém não há motivo para mantê-la só para si mesma. Eu não pensei que a Rosa-cor-de-rosa fosse tão egoísta. De qualquer forma já que a Libélula-Azul me pediu para acordá-la, devo fazer isso e ver se ela vai trabalhar; mas como posso fazê-lo?
A Lua permaneceu quieta por alguns minutos, desejando saber quem poderia ajudá-la. Então, seus olhos se dirigiram para uma pequena vila, não muito distante.
– Alô, Brisa, ela disse, dirigindo-se a um pequeno sopro de vento, vejo que você está fazendo suas travessuras como sempre.
– Sim, respondeu Brisa sorrindo, estou tentando tirar o chapéu daquele velhinho. Veja! E deu um forte sopro quase conseguindo derrubar o chapéu. Entretanto, o velhinho era bem rápido e pegou seu chapéu a tempo.
Brisa era persistente e gostava de fazer as coisas a seu modo. Riu e disse:
– Desta vez você conseguiu, companheiro, mas ainda vou pegar o seu chapéu.
Assim, depois de esperar alguns segundos, Brisa deu outro sopro inesperado; mas ainda desta vez o velhinho foi mais rápido e o vento não levou o seu chapéu.
Após observá-la por algum tempo, a Lua sussurrou misteriosamente:
– Brisa, conheço alguém com quem você poderá se divertir muito mais.
– Verdade? replicou Brisa, virando-se para a Lua. Penso que vai ser bem difícil, pois estou me divertindo muito aqui.
Então, a Lua brilhou mais intensamente, pois ela viu algo que Brisa não tinha visto. Nesse momento, o velhinho subiu as escadas que conduziam a uma grande casa, abriu a porta e entrou.
A Lua, que gostava de uma brincadeira, deu uma piscada de olhos e maliciosamente disse:
– Talvez seja melhor você permanecer aqui, pois certamente está se divertindo muito. Vou procurar o seu primo.
Brisa deu um salto e respondeu:
– Sim, penso que é melhor, mas obrigado pela oferta. Até logo, disse soprando ao redor para continuar suas travessuras. Quando percebeu que o velhinho não estava mais lá, tornou-se muito brava e gritou.
– Por Deus, onde ele foi?
– Atrás daquela porta verde, no alto daquela escada, disse a Lua, com um doce sorriso. Agora você pode vir comigo.
Brisa contorceu-se com muito mau humor, mas vendo que nada podia ser feito explodiu numa gostosa gargalhada e respondeu:
Tudo bem comigo. Agora estou pronta para arreliar alguém de maneira nunca vista, e deu muitas piruetas.
– Isso é bom, disse a Lua, eu quero que você acorde a Libélula-Azul, porque a Rosa-cor-de-rosa deu a ela uma dose extra de perfume. Você deve soprar em torno dela para fazê-la tremer. Assim, talvez, seu leito macio não lhe pareça tão confortável. Ela mora perto daqui no jardim da Senhora Brown; tenho certeza de que você já esteve lá muitas vezes.
Brisa deu uma nova gargalhada e disse:
– Sim, já estive. Eu me diverti muito a semana passada provocando aquela simpática e gorda senhora. Estou muito feliz por ter uma desculpa para voltar lá e renovar nosso relacionamento. Estarei lá em poucos minutos.
– Muito bem, disse a Lua, dirigindo-se para o Jardim.
Poucos minutos depois, Brisa soprou, toda brincalhona e indo de flor em flor, chamava:
– Libélula-Azul, onde está você?
A Lua olhou as piruetas de Brisa por alguns minutos e disse:
– É possível que eu possa dizer-lhe onde está a Libélula-Azul.
– Naturalmente que pode, replicou Brisa, enquanto dançava suavemente em volta de uma rosa, mas eu não quero que você me diga nada, pois estou me divertindo muito com esse jogo de esconde-esconde.
Depois, ela se agarrou a outra rosa que sacudiu com força, dizendo:
– O leito perfumado da Libélula-Azul está escondido no seu miolo, Rosa-Real?
– Não, a Libélula-Azul não me deu o prazer de sua companhia. Siga seu caminho, você está perturbando minhas pétalas, respondeu a Rosa-Real num tom irritado.
– Minha querida, Brisa sussurrou provocante, você parece muito mais atraente quando está irritada. Na verdade, eu preciso afrouxar suas pétalas um pouco mais, e deu-lhe uma outra sacudidela brincalhona.
– Vá embora, mal-educada, ou vou picar você, disse a Rosa-Real toda agitada.
– Minha querida, seu temperamento espinhento não pode me machucar. De fato, quanto mais você me provoca, mais eu me divirto e mais gosto de perturbar você, e Brisa sacudiu-a tanto, que sua tola dignidade desapareceu.
Brisa dançou alegremente em volta da Rosa-Real dizendo:
– Agora você parece mais uma Rosa-Real. Mas, devo ir porque se ficar com você, vou gostar muito de você e não será bom para Brisa apaixonar-se por alguém. Adeus, querida, disse Brisa airosamente, enquanto continuava suas travessuras em outro lugar.
– Que companheirona gozada ela é, pensou a Lua. Talvez demore muito até ela encontrar a Libélula-Azul; acho que não foi a melhor coisa trazê-la aqui. E nem é preciso falar nos estragos que ela pode fazer. Gostaria de saber como devo agir agora.
A Lua olhou em torno do jardim para ver se encontrava alguma solução para o seu problema. De repente, viu a advogada do jardim, a Coruja Marrom, parada na porta de sua casa, no tronco oco de um velho carvalho.
– Certamente ela poderá me dar um conselho, pensou a Lua. Assim, ela disse:
– Coruja Marrom, gostaria de saber se você pode me conceder um pouco de seu precioso tempo num caso de grande importância.
Coruja Marrom apresentou-se com muita dignidade piscando seus olhos muitas vezes, com uma inclinação de cabeça, respondeu vagarosamente:
– Fico sempre, contente em servi-la, Madame Lua.
Qual é o problema?
– Obrigada, disse a Lua, tinha certeza que poderia ajudar-me. Aconteceu uma coisa terrível. A Libélula-Azul foi sugada pela Rosa-cor-de-rosa, que se tornou muito egoísta e quer mantê-la consigo. Trancou-a no seu miolo e a mantém dormindo com seu perfume.
A Coruja acomodou-se confortavelmente e fixando seus grandes olhos redondos na Lua, disse, pausadamente:
– Você fez bem em me procurar; este é um assunto muito sério, e é necessário que se pense com muita cautela. Sou realmente a figura mais indicada para lidar com um caso tão melindroso. Por favor, retire-se; preciso ficar sozinha para deliberar sobre esse acontecimento de uma forma calma e cuidadosa.
Sabendo que Coruja Marrom orgulhava-se do seu método “vagaroso, mas seguro” de pensar, a Lua agradeceu e acrescentou enfaticamente:
– Libélula-Azul tem um trabalho muito importante a fazer, e deve ser acordada na próxima meia-hora.
Aprumando-se mais, a Coruja disse:
– Por favor, não tente apressar-me, pois é contra minha natureza pensar num assunto com pressa. Estou certa de que Libélula-Azul não parou para pensar antes e entrar no miolo da Rosa-cor-de-rosa. Eu sempre disse que ela é muito precipitada, e eu…
Uma vez iniciado esse assunto, a Coruja continuaria por horas se encontrasse alguém para ouvi-la, mas, sabendo que o tempo era precioso, a Lua apressou-se em interrompê-la:
– Sim, eu sei como você se sente sobre tal assunto, Coruja Marrom, mas eu repito que se você não encontrar uma solução em 30 minutos, seu pensamento de nada adiantará, e foi embora bem aborrecida.
Com uma expressão triste em seus grandes olhos amarelos, a Coruja vagarosamente abanou sua cabeça e tranquilamente entrou em sua casa para ponderar sobre o assunto, de seu próprio modo.
Nesse momento, a Lua viu a Abelha-Mel e surpreendeu-se de vê-la a tal hora.
– Pelo amor de Deus, o que você está fazendo fora de sua colmeia? perguntou a Lua. Todas as boas abelhas devem estar em casa a essa hora da noite.
– Quieta, sussurrou a abelha. Por favor, não fale tão alto. Sei que o que você diz é verdade, mas estava tão cansada de fazer mel que resolvi brincar um pouco.
Muito séria, a Lua disse:
– O que aconteceria se a Mãe-Natureza a visse?
– Oh, por favor, não conte nada a ela, implorou a Abelha-Mel, olhando a sua volta nervosamente.
A Lua sorriu, dizendo:
– Eu nunca fui delatora, a menos que seja obrigada a isso. Mas, talvez tenha sido uma boa ideia você deixar a colmeia, pois necessito de alguém para ajudar-me e acho que você poderá fazê-lo.
– Sim, se eu puder ajudá-la ficarei feliz em fazê-lo, replicou a Abelha-Mel muito aliviada.
Então, a Lua falou-lhe sobre Libélula-Azul, acrescentando:
– Se você puder entrar nas pétalas da Rosa-cor-de-rosa e zumbir bem alto, acho que poderá acordá-la.
– Meu Deus, a abelhinha respondeu vivamente. Que criaturas estranhas são as rosas; você nunca sabe qual será sua atitude. Certamente devemos fazer algo com rapidez. A situação necessita ações e raciocínios ágeis, e eu sou a indicada para isso. Voarei já para lá e exigirei que a Rosa-cor-de-rosa solte Libélula-Azul imediatamente. Se ela recusar, eu direi a ela que nenhuma abelha irá visitá-la mais e que isso será uma grande desgraça.
E assim, ela se foi voando.
A Lua, com um olhar de desespero, a viu partir.
– Estou certa que ela não terá êxito, murmurou a Lua com tristeza. A Abelha-Mel age muito rapidamente e a Coruja muito vagarosamente; que pena que não possam ser colocadas num saco e sacudidas juntas. Só há uma coisa a fazer: devo tentar encontrar alguém para ajudar-me.
Após pensar um momento, sua face redonda brilhou com prazer.
– Que estupidez a minha, perder todo esse precioso tempo, ela exclamou. Por que não pensei no Pássaro-Amor? Ele é o único que me pode ajudar. É sempre tão charmoso e tem maneiras tão cativantes! Faz mais por manter o jardim em ordem do que qualquer outro ser.
Virando seus raios luminosos para os galhos delgados de um lindo chorão no canto do jardim, a Lua chamou suavemente:
– Pássaro-Amor, sinto muito perturbá-lo, mas há um assunto sério que necessita solução; você sempre nos ajuda tanto quando as coisas estão erradas, que achei melhor recorrer a você para ajudar-me.
O Pássaro-Amor olhou para a Lua e respondeu numa voz suave e feliz:
– Você sabe, Madame Lua, não há nada que eu aprecie mais do que desfazer uma complicação; diga-me o que aconteceu.
À medida que o Pássaro-Amor ouvia a história, um olhar tristonho surgiu em seus olhos e inclinando sua cabecinha para o lado, disse:
– Pobre Rosa-cor-de-rosa, será que ela não percebe que nunca será feliz aprisionando e guardando só para si Libélula-Azul? Eu irei lá imediatamente, conversarei com ela e vou mostrar-lhe um caminho melhor.
Então, beijando sua pequena companheira ao seu lado, e dizendo a ela onde ia, o Pássaro-Amor voou em direção à Rosa.
– Finalmente, achei quem tem todas as condições para resolver este caso, pensou a Lua, dando um grande suspiro de alívio.
Quando Pássaro-Amor chegou à Rosa-cor-de-rosa, ele pôde ouvir a Abelha-Mel que falava, zumbia e ameaçava. Mas, quanto mais barulho ela fazia, mais a Rosa-cor-de-rosa fechava suas pétalas e se recusava a ouvir. Finalmente, Abelha-Mel virou-se para a Lua dizendo numa voz desgostosa:
– Fiz tudo o que me foi possível para que a Rosa-cor-de-rosa me ouvisse. Se eu não puder fazer nada com ela, ninguém mais pode, assim penso que você é tola em perder mais tempo tentando salvar Libélula-Azul. De qualquer forma, tenho mais a fazer. Até logo, e foi embora.
– Até logo, disse a Lua. Espero que a Mãe-Natureza não a veja, acrescentou pensativamente.
Pássaro-Amor pousou num galho perto da Rosa-cor-de-rosa e começou a arrulhar suavemente. Depois de alguns minutos, a Rosa-cor-de-rosa afrouxou um pouco suas pétalas, e enviou-lhe um sopro de perfume, como saudação amiga. Pássaro-Amor não deu atenção a isso, mas continuou com seu arrulhar. Ele parecia ter um poder mágico, pois a Rosa-cor-de-rosa gentilmente abriu suas pétalas dizendo:
– Como você é charmoso, passarinho; seu canto é tão acariciante. Não entendo o que você está dizendo, mas tenho certeza de que é algo maravilhoso.
– Sim, o amor é sempre maravilhoso, respondeu gentilmente Pássaro-Amor.
– Amor! O que você sabe sobre isso? Perguntou a Rosa-cor-de-rosa numa voz desanimada.
– Muito, e isso me faz muito feliz, respondeu o Pássaro-Amor, chegando um pouco mais perto.
A Rosa-cor-de-rosa deu um profundo suspiro e sussurrou tristemente:
– Eu também era muito feliz antes de amar Libélula-Azul. Eu a prendi em meu miolo com medo de que alguém a tire de mim e, desde então, tenho sido muito infeliz.
A Rosa-cor-de-rosa deu um outro suspiro e duas gotas de orvalho caíram de seus olhos.
– Minha querida, disse o passarinho, a razão da sua infelicidade é que você tentou manter Libélula-Azul só para você mesma. Isso é algo muito egoísta e você sabe que o egoísmo roubará sua beleza, fará com que fique mal-humorada, murcha e não mais terá esse perfume delicioso para enviar a seus admiradores. Então, Libélula-Azul a abandonará. Se você aceitar o meu conselho, querida, envie Libélula-Azul de volta para o seu trabalho, pois todos devemos contribuir para manter nosso jardim bonito. Enquanto ela estiver longe, envie seu perfume mais doce e você será mais admirada, pois isso foi o que a Mãe-Natureza planejou para você. Garanto que Libélula-Azul voltará. Quando descobrir o quanto você esteve ocupada, como fez bem o seu trabalho, amará você mais do que nunca.
– É verdade? A Rosa-cor-de-rosa suspirou cheia de esperança.
– Sim, é a pura verdade, sorriu o Pássaro-Amor.
– E agora que você conhece o segredo da felicidade e como manter sua beleza, eu devo partir.
Suavemente foi embora.
Assim que a Rosa-cor-de-rosa viu Pássaro-Amor desaparecer sobre o topo das árvores, uma luz radiante brilhou em sua face. Então, desdobrando suas pétalas muito gentilmente, deixou o ar frio da noite tocar ligeiramente o seu pequeno amor. Depois de um momento sussurrou ternamente:
– Libélula-Azul, é hora de ir para seu trabalho.
– Meu Deus, disse Libélula-Azul, sonolenta, penso que sim. Sabe, Rosa-cor-de-rosa, eu realmente acredito que você deve ter algum poder mágico, pois nunca tive um sono tão repousante.
Com um olhar de admiração, acrescentou:
– Gostaria que você soubesse como você fica linda à luz do luar e como é doce o seu perfume! Quando terminar o meu trabalho voltarei para vê-la, se você me permitir.
A Rosa-cor-de-rosa estava tão feliz que nem percebeu Brisa que, soprando em sua face, disse:
– Talvez você seja a Rosa, minha belezinha, que trancou a Libélula-Azul no seu miolo e não a deixou ir para seu trabalho. Você viu como é errado fazer isso? Continuou Brisa, dando na Rosa-cor-de-rosa uma sacudidela gentil.
– Eu não percebi o erro até que alguém me mostrou um caminho melhor, respondeu a Rosa-cor-de-rosa calmamente. Daí eu a soltei.
Brisa girou e volteou, entrando em fúria, enquanto gritava:
-Ora, fui enganada outra vez. Agora vou aprontar alguma travessura! – e esvoaçou para longe.
Quando a Rosa-cor-de-rosa viu Brisa sair em tal estado, enviou a ela seu mais doce perfume e com um olhar vivo, sorriu para si mesma, dizendo:
– Espero que o Pássaro-Amor lhe faça uma visita muito em breve, Brisa. Tenho certeza de que isso lhe fará muito bem.
Antes mesmo que Brisa desaparecesse, surgiu a Coruja Marrom e se colocou numa árvore próxima. Dirigindo seus olhos melancólicos para a Rosa-cor-de-rosa, anunciou solenemente:
– Rosa-cor-de-rosa, ouvi dizer que você quebrou a lei do jardim tirando de seu trabalho Libélula-Azul e depois de pensar bastante, eu…
– Sei que o que você vai dizer é muito sábio, Advogada do Jardim, interrompeu Rosa-cor-de-rosa docemente, mas você está muito atrasada. O Pássaro-Amor esteve aqui antes de você. Ele me disse o que era certo fazer, de uma maneira tão bela e gentil, que eu soltei Libélula-Azul para que ela pudesse realizar o seu trabalho.
Coruja Marrom piscou seus olhos amarelos de uma forma confusa e após levar um tempo para pensar no que a Rosa-cor-de-rosa lhe dissera, respondeu numa voz desanimada:
– Todo o meu raciocínio cuidadoso foi perdido. Too… Vhoo para você.
E, batendo pesadamente as asas, voou para casa querendo saber por que alguém sempre se adiantava a ela.
A Rosa-cor-de-rosa não pôde deixar de sentir-se um pouco triste pela Coruja Marrom:
-É triste pensar que todo o raciocínio da Advogada Coruja não serve para nada, acrescentou com um olhar travesso.
Então, olhou para a Lua e enviou-lhe seu mais doce perfume, enquanto sussurrava:
– Eu dei trabalho para você, Madame Lua, mas não me sinto mal por isso. Eu sei que você adora tornar os namorados felizes, portanto, você também teve prazer em tentar nos ajudar.
Com um alegre piscar de olhos, a Lua respondeu. Você está certa, minha querida, mas lembre-se: mantenha-se ocupada, e manterá sua beleza. Boa noite, minha pequenina Rosa-cor-de-rosa.
Com um largo sorriso na sua face calma e redonda, a Lua desapareceu atrás da árvore mais alta do jardim.
Ellen D. Wildschut
– Perfeito, exclamou o esquilo marrom. Eu mesmo não poderia ter feito melhor.
Felícia, que estava andando na floresta, olhou para cima, com surpresa, ao ouvir a voz alta do esquilinho. Ela teve apenas tempo de vê-lo correr para cumprimentar o esquilo cinza que tinha dado um enorme pulo de uma árvore para outra.
O grande esquilo, que todos chamavam “Cauda Cinza” inclinou-se de uma maneira zombeteira para o impertinente animalzinho marrom com riscas amarelas, e pensou consigo mesmo:
– Gostaria de ver você fazer isso, amiguinho! Algum dia você se encontrará em tal apuro, que precisará de todos os seus amigos para ajudá-lo.
Entretanto, não disse nada em voz alta pois, como todos na floresta, ele sabia que Billy, o esquilo, se vangloriava de sua esperteza, apesar de, por mais estranho que possa parecer, ninguém o vira até então fazer qualquer coisa importante.
De repente, do ramo da árvore onde estava, “Cauda Cinza” viu Felícia e, por um momento, parecia que estava pronto para dar um outro salto para ir o mais longe possível. Então, fixou em Felícia um olhar espantado, pois reconheceu-a como a garotinha que ele tinha visto no pequeno vale com as fadas. Ela estava parada muito quieta, uma das mãos cheia de frutos que recolhera debaixo da árvore. Até então ela nunca soubera que as criaturas da floresta podiam falar ou, se falavam, que ela pudesse ouvi-las. (Neste momento, tenho certeza que vocês já perceberam que Felícia era uma garotinha afortunada que viu e aprendeu coisas que muitas pessoas nunca souberam).
Muito silenciosamente, um minúsculo camundongo do campo aproximou-se dela e na voz mais baixinha que você pode imaginar, guinchou:
– Por favor, não faça um mau juízo de Billy. Ele é ainda muito pequeno e não sabe muita coisa, mas realmente gostaríamos que ele não se metesse na vida dos outros.
A Senhora Camundongo suspirou um pouco e continuou:
– Ele mete o nariz em todas as nossas coisas, de maneira que tentamos ficar longe dele. Ele conta para todo mundo quando estou construindo um novo ninho, e oh! como fofoca quando “Cauda-Cinza” visita a bela senhorita esquilo por aí.
Então, ela olhou para Felícia e perguntou:
– Quem é você? Parece muito grande para caber em nossas casinhas.
A garotinha sorriu e explicou que morava numa grande casa fora da floresta e que estava visitando a floresta com seus amigos.
– Você pode ouvi-los dando risada, acrescentou.
– Oh! exclamou a Senhora Camundongo, nervosa. Espero que não venham até aqui. São muito barulhentos.
Enquanto isso, “Cauda-Cinza”, que estivera escutando Felícia e a Senhora Camundongo, decidiu juntar-se a elas, desceu da árvore e sentou-se perto. Ele enrolou sua bela cauda farta ao redor de seu dorso e olhou para Felícia com olhos brilhantes. Os olhos escuros de Felícia dirigiram-se a ele, em amigável admiração, enquanto pensava:
– Meu Deus, ele é tão formoso e em voz alta comentou: a Senhora Camundongo me disse o seu nome, tentando fazer com que sua voz fosse tão fraca e gentil quanto possível, de maneira que não assustasse as criaturinhas.
Alguns lagartos passaram sem prestar atenção no que acontecia, e as folhas secas ao pé da árvore sussurravam enquanto eles passavam.
– Eu já sei o seu nome, disse “Cauda-Cinza” para Felícia. Eu estava no vale das fadas, quando Brenda deu seu longo gorro verde para você.
– Eu não o vi; onde você estava? Ela perguntou.
– Oh, em cima de uma árvore, de onde podia ver tudo. Nunca pensei, que alguma vez fosse falar com você aqui, acrescentou o esquilo.
– Você gosta de pinhas? Felícia estendeu para “Cauda-Cinza” a mão cheia dos frutos que juntara.
– Gosto mais de nozes e avelãs, respondeu ele, mas essas também são boas quando se está com fome. E continuou: você sabia que as sequoias são as maiores árvores de folhas perenes e são as que têm os menores frutos? Sim, disse com um sorriso divertido, tamanho é uma coisa muito ilusória. Por exemplo, algumas vezes, os maiores oradores nada dizem.
Felícia e a Senhora Camundongo entreolharam-se como se ambas soubessem que “Cauda-Cinza” estava pensando em Billy.
Enquanto o esquilo, que parecia ser um animal muito esperto estava falando, outros camundongos aproximaram-se e corriam em volta, cheirando aqui e acolá, mas não se atrevendo a aproximar-se muito. Felícia perguntou à Senhora Camundongo o que eles queriam.
– Eles estão sentindo o cheiro da comida que você tem, ela respondeu.
– Oh, eu não tenho nada aqui para eles comerem, disse a garotinha, muito surpresa.
– Oh, sim, você tem, e eu vou mostrar-lhe onde respondeu, a Senhora Camundongo, enquanto bravamente subiu no colo de Felícia e entrou no bolso de seu avental, de onde retirou algumas migalhas de pão.
O olhar espantado de Felícia fez a Senhora Camundongo e “Cauda-Cinza” morrerem de rir – à maneira deles, naturalmente.
– Quase esqueci que tinha um sanduiche no meu bolso, mas todos vocês sabiam! exclamou a garotinha.
– Isso não é novidade para nós, disse ”Cauda-Cinza”, nós temos um senso muito aguçado do olfato, o que nos ajuda a encontrar comida.
Felícia meditou:
– Eu nunca imaginei que uns pedacinhos tão minúsculos de comida pudessem ser úteis para alguém.
Ela prometeu a seus amiguinhos que nunca mais desperdiçaria até mesmo o menor pedaço de comida, e disse-lhes que, no inverno, colocaria comida no seu jardim, para os passarinhos.
– Cuidado para não a colocar onde os gatos possam pular sobre os passarinhos! Lembrou ‘Cauda Cinza’.
– Tudo bem, ela concordou, e antes de ir embora vou esvaziar todas as sobras da cesta de piquenique para vocês.
Os camundongos franziram seus narizes pontudos com satisfação, enquanto o esquilo gentilmente abanou sua cauda, em agradecimento. Felícia disse a Senhora Camundongo que voltaria brevemente para revê-los.
– Tudo bem, Felícia, o esquilo e o camundongo disseram juntos, estaremos aguardando você.
– Mas, como vocês saberão que virei? ela perguntou.
– Oh, isso é fácil, riram os animais. Billy está sempre por dentro de tudo, você sabe.
Não muito tempo depois, Felícia voltou e aproximou-se da árvore sequoia, trazendo consigo uma sacola grande com restos de alimentos. Para os passarinhos ela trouxe pão, que eles tanto gostavam.
Ela sentou-se e imediatamente um tímido som perto dela anunciou a presença da Senhora Camundongo.
– Oh, meu Deus! Exclamou Felícia, ela trouxe todos os seus parentes. Bem, de qualquer forma, tenho o suficiente para eles.
Um alegre assobio veio da árvore e “Cauda-Cinza” chegou, seguido por alguns de seus amigos, enquanto um bando de passarinhos já estava esperando nos galhos.
Felícia espalhou parte da comida, guardando alguma para os atrasados. Os pequenos animais e os passarinhos começaram a comer. Por alguns minutos, só se podia ouvir o barulho das mordidas. Então, um pequeno grito agudo os assustou. Os animais pararam de comer, pois todos perceberam que Billy deveria estar em grandes apuros, ali por perto. A garotinha ficou de pé, esparramando o resto da comida e perguntou ansiosamente.
– Onde ele está!
– Lá, respondeu “Cauda-Cinza”, que já estava a meio caminho do esquilo.
Felícia e o resto chegaram a ele num segundo e, com seus olhos atônitos, viram Billy, suspenso numa corda grossa que estava amarrada fortemente em volta de seu corpo, no topo de um fino galho de uma árvore, mais ou menos a meio metro do chão. Lá estava ele pendurado, agitando seu traseiro e sua cauda, desesperadamente, num terrível esforço para libertar-se. Felícia sentiu muita pena do animalzinho que continuava a guinchar na sua vozinha fina, mas “Cauda-Cinza” o advertiu severamente para ficar quieto, que eles o ajudariam.
A garotinha inclinou-se imediatamente com suas mãos já estendidas para afrouxar o laço, mas o “Cauda-Cinza” deu um beliscão na sua perna. Ela parou surpresa, mas imediatamente ele pediu a ela que se abaixasse de maneira que pudesse sussurrar algo em seu ouvido.
– Desculpe-me por mordê-la, Felícia, mas eu precisava detê-la imediatamente. Por favor, não ajude Billy, ele continuou em voz baixa. Todos nós sabemos que você pode livrá-lo, mas ele vai pensar que tudo é muito fácil e não vai aprender esta lição. Nós precisamos fazê-lo entender como ele foi tolo e como isto poderia ter sido muito mais sério e perigoso para ele.
Então, Felícia entendendo que ele estava certo, afastou-se para deixar-lhe o trabalho de libertar Billy. “Cauda-Cinza” ficou apoiado em suas pernas traseiras e começou a roer a corda em torno do esquilo que chorava. Muitos dos camundongos, com seus dentes afiados, começaram a roer o galho da árvore, até que ele caiu ao solo. Então, foi mais fácil para o esquilo roer a corda. De repente, ela cedeu e Billy caiu ofegante, mas livre!
Billy, disse “Cauda-Cinza” numa voz muito severa, o que você andou fazendo para cair na armadilha? Você já foi advertido muitas vezes sobre isso.
Billy tentou dizer alguma coisa, explicando que tinha visto o laço quando se dirigia à festa de Felícia e decidiu dar um salto direto através dele. Mas perdeu o alvo, de maneira que, quando tocou a corda, ela o prendeu e, ao mesmo tempo, o galho subiu.
– O-o-o-h! Estou com uma terrível dor de barriga, lamentou-se.
– Bem, você tem sorte de ter somente uma dor de barriga, resmungou “Cauda-Cinza”, que estava realmente irritado com o esquilo bobo. Levaremos você para casa e lhe daremos comida até que seja capaz de sair sozinho.
Os esquilos ajudaram a carregar Billy, enquanto Felícia se despedia dele; mas ele sentiu-se muito infeliz para responder.
A Senhora Camundongo dirigiu-se a garotinha dizendo:
– Não se preocupe com Billy. Ele estará bom em alguns dias – talvez mais esperto, também. Volto para vê-la novamente.
Ela mexeu seu longo rabinho fino, já que não podia dar as mãos à sua amiguinha, e esgueirou-se atrás de Cauda-Cinza”, através dos pinheiros.
Felícia parou um momento, até que não mais se ouviu o som dos minúsculos pés se movimentando e, muito pensativa, voltou para casa.
UM CONTO DO FOLCHLORE DO ORIENTE
Mary-Abby Proctor
Uma vez, há muito, muito tempo atrás, havia um rei que estava sempre em guerra. Ele conquistou seus vizinhos, depois partiu para a conquista de terras mais distantes, até que chegou a governar tantos países e tanta gente que foi chamado “O Grande imperador”.
Todo mundo o adulava. Recebia presentes maravilhosos. Diziam-lhe como era nobre, grande, maravilhoso e, de tal forma, que ele acreditou que era tudo isso e frequentemente dizia para si mesmo: “Ninguém na Terra ou nos Céus é maior do que eu!”
Isso era uma afirmação muito forte para um simples ser humano fazer, pois mesmo a pessoa mais sábia e mais importante nesta Terra não pode saber tudo, nem governar sobre tudo na Terra e nos Céus.
Um dia, esse grande e poderoso Imperador saiu para uma caçada com os membros da corte. Todos estavam soberbamente vestidos e montavam seus belos cavalos que dançavam e saltavam. Os cães também pulavam e latiam alto. As cornetas soavam e assim o alegre grupo saiu para o campo e para a floresta.
O Sol brilhava intensamente e, após algumas horas, todos estavam exaustos com a caçada e exauridos com o calor do dia. Então, o grande e poderoso Imperador disse a seus cortesãos para que descansassem debaixo das árvores, enquanto ele iria banhar-se num belo lago ali perto. Os cortesãos ficaram assustados porque o Imperador ia banhar-se nesse lago. Era um lago encantado e as pessoas não se arriscavam a entrar nele e até mesmo se uma simples gota dessa água mágica caísse sobre elas, ficavam aflitas e apreensivas.
Quando foi avisado dos perigos do lago encantado o grande e poderoso Imperador disse orgulhosamente:
-Sou mais poderoso que qualquer encanto.
Imediatamente dirigiu-se para a bonita margem arenosa. Seu cavalo foi amarrado a uma árvore, sua maravilhosa roupa cuidadosamente arrumada à beira do lago. Então, sob suas ordens, seus guardas o deixaram. Ele mergulhou na água e deliciou-se com o seu frescor. Nadou pelo lago e sentiu-se muito bem. Em nenhum momento, entretanto, esqueceu-se que era o grande e poderoso Imperador.
Enquanto divertia-se, surgiu a beira do lago um homem que se parecia muito com o grande e poderoso Imperador. De fato, ele era quase seu sósia, não somente na aparência, mas também na voz e nos modos. Este homem vestiu-se rapidamente com as roupas do Imperador. Os guardas de Sua Majestade estavam dormindo profundamente na sombra refrescante. Nenhum deles viu esse homem vestir as roupas do Imperador, pegar seu belo cavalo e nem mesmo os cães de caça latiram! Acordou todos, ordenando a volta ao palácio.
Descansado e refeito, o grande e poderoso Imperador nadou até o lugar onde suas roupas foram estendidas em ordem, pomposamente. Mal conseguiu acreditar no que estava vendo! Sua roupa não estava mais lá! Seu cavalo não estava mais lá! Nada de roupa! Nada de cavalo! Que ultraje! Alguém seria punido severamente!
– Meus homens, chamou furioso.
Nenhum som em resposta ao chamado do grande e poderoso Imperador!
A essa altura, o Sol já desaparecia por detrás das montanhas. Estava ficando frio. O Imperador andou pelas margens do lago. Logo escureceu. Não via ninguém. Evidentemente os caçadores foram embora e o deixaram – deixaram o grande e poderoso Imperador! Realmente alguém pagaria por isso. Apenas esperassem até que ele chegasse a seu palácio e sentasse em seu trono!
O grande e poderoso Imperador decidiu que a coisa mais importante, agora, era encontrar roupa e abrigo. Ele lembrou-se que não muito longe do lago morava um cavaleiro.
– Não fui eu que o tornei cavaleiro e lhe dei seu esplêndido castelo? Ele ficará, muito feliz em vestir e servir seu Imperador. Irei até ele.
Antes de se dirigir ao cavaleiro, o Imperador teceu, em forma de esteira, algumas das hastes que cresciam à margem do lago. Amarrou a esteira ao redor de seu corpo. Dirigiu-se ao castelo do cavaleiro. Apesar de ser uma curta jornada, foi muito dolorosa. As pedras pontiagudas cortavam seus pés. As raízes espetavam sua carne. Os galhos das árvores atingiam seus longos cabelos, emaranhando-os. Era uma experiência desagradável para um grande e poderoso Imperador! Muitas vezes, ele jurou que alguém pagaria por isso quando ele estivesse novamente em seu palácio e sentasse em seu trono.
O Imperador chegou ao castelo. Bateu nos portões. Chamou o porteiro que finalmente veio e olhando pela janelinha do grande portão, perguntou:
– Quem está aí?
– Abra o portão, ordenou o Imperador, e você verá logo quem eu sou. E ele encheu-se de orgulho.
Quando o portão se abriu e o porteiro colocou sua cabeça para fora, perguntou:
– Quem é você?
Muito desgostoso, o grande e poderoso Imperador gritou:
– Infeliz! Eu sou seu Imperador!
– Oh! Oh! fez o homem, rindo muito.
– Infeliz! Infeliz! Vá ao seu patrão, ordenou o Imperador. Diga-lhe que me traga roupa. Diga-lhe para vir saudar seu grande Imperador!
– Imperador!, zombou o porteiro. O Imperador esteve aqui com meu patrão há uma hora atrás. Veio da caçada com sua corte. Oh, sim! Chamarei o meu patrão. Mostrarei a ele um grande e poderoso Imperador!
O porteiro bateu o portão na cara de Sua Majestade. Em seguida, ele voltou com o cavaleiro e, apontando para o homem nu, disse:
– Lá está o Imperador, olhe para sua Majestade!
O orgulhoso e poderoso Imperador exclamou em seu tom mais orgulhoso e poderoso:
– Chegue perto e ajoelhe-se diante de seu Imperador, senhor cavaleiro.
O cavaleiro pareceu surpreso enquanto o Imperador acrescentou:
– Eu – Eu, o Imperador, o tornei cavaleiro. Eu lhe dei este castelo. Agora eu lhe dou a maior graça de poder vestir o seu Imperador com suas vestimentas.
– Mentiroso! Impostor! Saia! gritou o cavaleiro. Saiba que não faz uma hora que o grande e poderoso Imperador sentou-se à minha mesa.
O cavaleiro ficou cada vez mais enraivecido e ordenou:
– Batam nesse homem! Tirem-no daqui!
Como o porteiro riu enquanto os servos batiam no pobre homem!
– Batam bem! ele mandou. Não é todos os dias que se pode dar uma surra em um Imperador.
O grande e poderoso Imperador saiu coxeando, sentindo-se ferido e sangrando.
– Ingrato! Eu lhe dei tudo o que tem. Veja como ele me retribui! Espere, ah, espere até que eu volte ao meu trono! Ele será severamente punido!
Então, começou a perceber que as circunstâncias eram muito desagradáveis para ele.
– Agora, aonde vou? O que devo fazer? Ah! Irei ao Duque! Eu o conheço há muito tempo. Com ele fui a festas e a caçadas. Sim! O Duque estava na minha comitiva de caça de hoje! Certamente ele reconhecerá o seu Imperador!
Enquanto tropeçava pelo caminho, o Imperador começou a pensar – realmente a pensar. Perguntou-se por que seus súditos não o conheciam. Sua realeza, suas grandezas deveriam ser reconhecidas mesmo se não estivesse em trajes reais.
De repente, ouviu o som de uma voz bem em seu ouvido! O poderoso Imperador assustou-se. Olhou ao seu redor! Não viu ninguém. Mesmo assim a voz lhe dizia:
– A verdadeira grandeza é humilde. Ela não se proclama, mas é como o Sol. Não pode ser coberta. A verdadeira grandeza dá àquele que a possui, uma grande beleza – beleza que nenhum trono, nenhuma coroa, nenhum aparato real pode conferir.
A voz continuou:
– Sabedoria e nobreza não podem ser distinguidas pela falta de roupas, nem pela sujeira e ferimentos. Por outro lado, qualquer tolo, com um trono, uma coroa, um palácio e aduladores, pode parecer um príncipe.
O grande e poderoso Imperador dirigiu-se a mansão do Duque. Mas não tinha tanta certeza, como antes teve, de que seria bem recebido quando bateu nos portões. A terceira batida, o portão abriu-se e o porteiro viu um homem vestido somente com uma esteira de galhos, seu cabelo era um emaranhado só e seu corpo estava arranhado e sangrando.
– Chame o Duque, eu lhe rogo. Diga-lhe que o Imperador está aqui. Diga-lhe que roubaram o cavalo e a roupa de seu Imperador. Vá depressa! Eu o ordeno!
O atônito porteiro fechou o portão e correu ao seu patrão.
– Excelência, há um louco nos portões! Ele está nu. Está ferido, sujo e bravo. Ele me ordenou dizer-lhe que é o Imperador.
Os portões se abriram. Sua Excelência, o Duque, não reconheceu o Imperador!
– Você não me conhece? Sou o Imperador. Esta manhã você foi à caça e deve lembrar-se que o deixei para banhar-me no lago. Enquanto eu estava no lago, um miserável roubou minha roupa e meu cavalo. E eu – eu – eu apanhei de um cavaleiro!
Seria possível que a voz do grande e poderoso Imperador estivesse trêmula? Certamente parecia menos soberba do que de costume.
– Ponha esse homem na prisão! Não é seguro deixar livre esse louco, ordenou o Duque ao porteiro e acrescentou: Dê pão, água e um estrado para deitar.
– Estranho, estranho, murmurou o Duque dirigindo-se a seus convidados no grande saguão. Um louco nos portões! Ele deveria estar na floresta esta manhã, enquanto descansávamos, pois disse-me ser o Imperador que nos deixou para banhar-se no lago e que alguém lhe roubou sua roupa e seu cavalo. Mas vocês sabem que o Imperador voltou conosco.
Todos eles falaram sobre esse estranho homem. Alguns murmuraram:
– O lago, o lago encantado!
Ainda assim não parecia possível que algo tivesse acontecido ao Imperador, pois eles o viram há menos de uma hora atrás.
O grande Imperador estava acorrentado numa cela escura. Ele estava magoado e ferido.
– Esperem, esperem, até eu voltar ao meu trono! Darei uma lição a esses velhacos.
No entanto, o poderoso Imperador sequer sonhava que era ele próprio, o grande monarca, que estava aprendendo a mais sublime lição de sua vida.
– Será que estou tão mudado que nem o Duque me conheceu?
Então, seu pensamento dirigiu-se ao palácio.
– Há alguém que me reconhecerá! Vou até ela!
Depois de muito esforço, as correntes afrouxaram-se e o infeliz homem saiu de sua cela e encaminhou-se para o seu próprio palácio. Ao amanhecer, ele estava nos portões do palácio. O grande Imperador ergueu sua mão e bateu – bateu em seus próprios portões!
O porteiro abriu e olhou para aquele homem de aspecto selvagem e que estava nu.
– Quem é você? O que você quer?
– Deixe-me passar! Sou seu Senhor, sou o seu Imperador.
– Você, meu Senhor! Você, o Imperador! Pobre tolo. Olhe ali.
O porteiro abriu os portões e apontou para o saguão. Lá estava o Imperador, sentado no seu trono. A seu lado estava a Rainha – sua amada Rainha! Oh, que agonia ele sofreu!
– Deixe-me ir até ela! Ela me conhecerá!
O barulho feito pelo porteiro e pelo Imperador chegou ao grande saguão onde havia uma festa com muitos convidados. Os nobres vieram ver o que estava acontecendo. Atrás deles vinham a Rainha e o Imperador.
Ao ver aqueles dois, era tanta a sua raiva, medo, ciúme e ansiedade que mal podia falar; mas roucamente gritou:
– Sou seu Senhor e marido, estendendo sua mão para sua amada Rainha. Certamente você me conhece!
A Rainha afastou-se apavorada.
– Senhores, disse o homem que estava com a Rainha, que deve ser feito com esse infeliz?
– Mate-o, disse um.
– Bata-lhe! gritavam outros.
O grande e poderoso Imperador foi escorraçado do palácio; cada um lhe dava uma pancada quando passava. Os portões de seu próprio palácio se fecharam atrás dele. Ele fugiu. Não sabia para onde ir. Vagarosamente dirigiu-se para o lago onde havia se banhado. Tinha frio, fome, estava ferido; queria estar morto. Ajoelhou-se no chão e bateu em seu peito. Colocou sua cabeça no solo e exclamou:
– Eu não sou nenhum grande e poderoso Imperador. Eu não sou nenhum Imperador maravilhoso. Uma vez, pensei que não havia ninguém mais poderoso do que eu na Terra e nos Céus. Agora sei que nada sou – um pobre pecador. Não há ninguém tão pobre, tão humilde quanto eu! Deus me perdoe pelo meu orgulho.
As lágrimas corriam de seus olhos. Ele levantou-se e foi lavar sua face nas águas límpidas do lago encantado. Ele se virou. Lá estavam suas roupas! Lá estava seu belo cavalo, comendo a grama verde e macia!
Sua Majestade vestiu-se rapidamente. Montou seu cavalo e em seguida dirigiu-se ao seu palácio. Quando se aproximou, os portões se abriram de imediato. Os servos chegaram, um segurou seu cavalo, outro ajudou-o a desmontar. O porteiro se curvou, enquanto disse:
– Eu me admiro, Majestade, pois não o vi passar pelos portões.
O grande e Poderoso Imperador entrou. No magnífico saguão, ele viu novamente os nobres, a Rainha com o homem a seu lado, o homem que se intitulara Imperador. Os nobres não olhavam para esse homem, nem a Rainha também. Eles viram apenas o seu Imperador entrar no saguão e foram cumprimentá-lo. O homem também veio. Ele estava vestido de branco, com roupas brilhantes, não em roupas régias.
O Imperador inclinou sua cabeça para esse homem e murmurou:
– Quem é você?
– Sou o seu Anjo da Guarda, respondeu ele. Você era orgulhoso e colocava-se somente nas alturas. Era preciso que você, fosse “trazido para a realidade. Mas o reino, que eu guardei para você, é-lhe devolvido agora, porque aprendeu a ser humilde. Só os humildes são capazes de governar e você, daqui por diante, saberá governar com sabedoria.
O Anjo desapareceu. Ninguém mais ouviu sua voz. O Imperador sentou-se novamente em seu trono, e governou mais sabiamente do que nunca e fo3i muito amado por seu povo.
Helen Boyd
Desde quando podia se lembrar, a corcunda sempre estivera ali. Uma vez, ele perguntou à sua mãe sobre isso, mas ela apenas o pegou nos braços e disse:
– Filhinho, Filhinho, a mamãe te ama do mesmo modo.
Naturalmente Billy estava contente porque sua mãe o amava, mas queria encontrar alguém que lhe dissesse alguma coisa sobre a sua corcunda. Havia tantas, tantas perguntas que gostaria de fazer!
– Talvez, ele sussurrou para o seu cachorrinho, talvez os Anjos me deixaram cair quando me trouxeram para cá. O que você acha disso, Bob?
Mas o pequeno Bob apenas abanou seu rabinho e piscou seus olhos preguiçosamente, como que dizendo:
– É realmente uma pergunta muito grande para ser respondida por um cachorro tão pequeno como eu e então Billy viu que não podia obter qualquer informação.
Um dia, quando estava sentado no jardim em sua pequena cadeira de rodas, ele notou uma rosa particularmente bela. Quando ele se inclinou e a acariciou com seus dedinhos finos, murmurou sonhadoramente:
– Desejaria saber se as flores têm alma, como as pessoas.
– Naturalmente que temos.
Ele ficou atônito ao ouvir essa voz e, apesar de olhar para todos os lados, não viu uma única pessoa.
– Estou aqui, disse a voz alegremente.
Desta vez Billy olhou direto para a rosa e ficou surpreso ao ver uma fadinha muito delicada espiando de uma de suas pétalas.
– Quem é você?, perguntou Billy com seus olhos muito arregalados.
– Sou a alma desta rosa, respondeu a fada com um ar gracioso.
– E todas as flores têm alma, também? Perguntou Billy, um tanto surpreso.
– Naturalmente, disse a fada prontamente. Eu pensei que todos soubessem disso.
De repente, Billy lembrou-se da corcunda e rodando sua cadeira para aproximar-se mais da fada disse ansiosamente:
– Oh, você acha que poderia me falar sobre esta aqui o garotinho engoliu em seco, essa corcunda? Porque eu a tenho?
Por um momento, houve um silêncio no jardim, então, a fada disse muito vagarosamente e com firmeza:
– Tudo tem um propósito, você sabe.
– Mas eu não a quero, persistiu Billy. Parece inútil tê-la já que não tem a menor utilidade, ele continuou numa vozinha lamentosa e, além do mais, não posso brincar e me divertir como os outros meninos.
– Não sei se poderei fazer algo por você ou não, disse a fada. Entretanto, convocarei uma reunião de outras fadas para hoje à noite e decidiremos sobre isso.
-E você lhes dirá que quero ficar reto e forte como os outros meninos? disse Billy em tom tenso.
A fada meneou sua cabeça e disse:
– Esteja aqui amanhã à tarde e eu lhe darei a resposta.
Então, as pétalas da rosa se fecharam e a pequena criatura perdeu-se de vista.
Nesse momento, alguns visitantes chegaram ao jardim e, ao ver Billy, uma bela menina murmurou:
– Que horror!
Ela não queria que Billy ouvisse as suas palavras, mas ele as ouviu e, mais tarde, quando sua mãe foi buscá-lo, ele era apenas um ser frágil de sentimentos feridos.
– Meu Deus, filho! ela exclamou. Você não deve chorar tanto. Veja – isso me torna infeliz.
– Mas…, mas… ela olhou para mim horrorizada, mamãe, e, soluçando em seus braços, contou-lhe o caso como se passou.
– Veja, filho, disse sua mãe calmamente. Seu corpo é somente a casa onde você mora. É sua alma que está dentro dele, o que tem realmente valor.
Então, a face de Billy iluminou-se porque lembrou-se da fada e, durante o trajeto para casa, permaneceu murmurando:
– Amanhã eu saberei – amanhã eu saberei.
Quando sua mãe o colocou na cama aquela noite, ela se admirou ao ver o rosto feliz e em paz de Billy. Quando se inclinou para beijá-lo, disse ternamente:
– O que fez meu garotinho tão feliz esta noite?
E Billy murmurou sonolento:
– É um segredo, mãezinha querida – talvez amanhã, e sua voz arrastou-se e ele entrou na terra dos sonhos.
*****
No dia seguinte, ele estava completamente excitado. Mal podia esperar chegar a tarde de tão ansioso que estava para rever a fada. Quando sua enfermeira o colocou na cadeira de rodas, notou suas faces avermelhadas e disse, muito solene:
– Realmente espero, Billy, que você não vá pegar alguma doença.
– Oh, estou bem, enfermeira, respondeu Billy, seus olhos brilhando. Mas gostaria que você se apressasse.
Então, indicou a ela onde gostaria que colocasse sua cadeira.
Assim que a enfermeira desapareceu dentro da casa, Billy exclamou suavemente:
– Estou aqui, fada-rosa e, no instante seguinte, a face da fada apareceu espiando através das pétalas.
– O que elas disseram? começou Billy ansiosamente.
– S…- sh, murmurou a fada. A Rainha decidiu fazer uma reunião aqui no jardim e aqui está ela agora.
Olhando para cima, Billy viu uma fada descendo pelo jardim. Estava vestida com uma roupa brilhante que resplandecia quando ela andava. Parou em frente a cadeira de Billy e disse:
– É você o garotinho que quer se tornar saudável e forte?
Billy aquiesceu, muito emocionado para falar.
A Rainha, então, sacudiu sua varinha sobre o jardim e imediatamente pequeninas faces surgiram de todas as flores.
– Ouçam, fadas, comandou a Rainha. Aqui está um garotinho que quer ser reto e forte. Quando as fadas começaram a falar, ela levantou sua varinha e disse:
– Esperem! Deixem que ele fale por si mesmo.
Billy sentiu-se um tanto tímido de ser o centro de tantas atenções, mas sabia que elas estavam esperando e começou:
Eu – eu quero ser como os outros meninos, de maneira que possa jogar os seus jogos. Além do mais, se eu não tiver uma corcunda, as pessoas não olharão para mim e dirão, ‘Que horror!’ Por favor, fadas, chorou Billy suplicando, tirem-me a corcunda!
As fadas falaram entre si por algum tempo e, apesar de Billy ouvir com atenção, não conseguiu entender uma única palavra do que elas diziam.
Por fim, houve um silêncio e então a Rainha disse:
– Billy, temo que não conseguiremos tirar-lhe a corcunda, mas nós o ajudaremos a construir uma alma tão bela que as pessoas o amarão em qualquer lugar que for – por você mesmo, e esquecerão completamente sua corcunda.
Naturalmente, Billy estava desapontado – amargamente desapontado. Ele escondeu seu rosto por algum tempo, pois sabia que estava banhado de lágrimas e sentia-se um pouco envergonhado de deixar que as fadas vissem que tinha chorado.
A fada Rainha continuou:
– E nós lhe daremos uma imaginação tão maravilhosa, que você será capaz de fazer jogos que outros garotos nem podem imaginar. E, toda vez que quiser, poderá entrar na “Terra do Faz-de-Conta” e ter as maiores aventuras lá. Veja, essa terra é feita para meninos como você. A porta está fechada para crianças fortes e saudáveis.
De repente, Billy sentiu uma maravilhosa paz descer sobre ele e sentiu-se muito, muito feliz. Quando ergueu sua cabeça, descobriu que a Rainha e todas as fadas tinham desaparecido e que sua enfermeira estava chegando.
– Meu Deus, Billy – ela exclamou atônito, você parece tão diferente!
– Eu pareço diferente e estou diferente, querida enfermeira, respondeu Billy docemente enquanto se inclinava em sua cadeira. De hoje em diante, eu serei o menino mais feliz na face da Terra.
No seu rosto resplandecia uma expressão doce, estranha, que só possuem os que já sentiram a realidade das coisas sagradas.
Patsey Ellis
Você já viu as ondinas
Dançarem entre os canaviais e os chorões?
Você já ouviu suas risadas
Quando estão nas ondas que se elevam em borbotões?
Algum dia, você encontrará uma ondina
Nas águas da chuva, escondida –
E a verá saindo de uma bolha
Se você olhar com uma força decidida!
Florence Barr
Muito acima do topo das árvores e das nuvens fofas, sim, muito além do céu azul, há muito tempo, habitava um Rei. Seu reino era muito extenso e seus habitantes eram tão felizes que esse lugar era chamado o Reino da Felicidade. Doces acordes de música e delicadas cores do arco-íris flutuavam no ar nessa terra distante. Então, um dia pareceu que uma nota dissonante tinha soado. O Rei ouviu-a e o som murmurante da discórdia chegou mais perto. Assim, o Rei chamou um pequeno príncipe e disse:
– As crianças da Terra parecem não ter corações felizes e a luz do amor está se tornando escura. Alguém deve ir até essas crianças e levar-lhes uma nova luz de amor.
– Oh, Pai, deixe-me ir, disse o pequeno Príncipe.
Isso agradou o Rei. Ele sabia que não seria tarefa fácil e disse:
– Você está pronto para ir, meu filho? Está escuro no Mundo da Terra e, às vezes, será difícil acender a luz do amor.
– Sim, Pai, eu estou pronto para ir quando você me enviar, disse o Príncipe.
Então, o Rei chamou um de seus mensageiros do Reino da Felicidade e participou:
– Meu filho, o pequeno Príncipe, vai empreender uma longa jornada, em uma terra muito distante. Deixe tudo pronto para sua visita às crianças da Terra.
Os mensageiros do Rei conversaram entre si e logo grandes preparativos foram feitos para a partida do Príncipe.
Numa vila, no Mundo da Terra, morava uma jovem mulher muito linda. Ela morava numa pequena casa circundada por um jardim. Frequentemente, ela sentava-se no jardim e lia. Os passarinhos voavam ao redor dela e, algumas vezes, uma pomba branca pousava em seu ombro e arrulhava para ela. Maria era o nome da jovem mulher; ela tinha sempre maneiras gentis e um doce sorriso. Quando ela ia até à vila praticando ações bondosas, tornava muitas pessoas felizes e todos a amavam.
Nessa terra havia um rei que governava de um modo muito cruel. Ele realmente tornava seu povo infeliz. Seu reino era muito diferente do Reino da Felicidade. Havia tantas pessoas infelizes e o coração de Maria entristecia-se. Ela não gostava de ver os outros sofrerem, queria que fossem felizes e corajosos.
Havia uma história da qual Maria gostava particularmente e, por isso, lia-a repetidas vezes. Nela, o Rei do Reino da Felicidade prometia enviar o Príncipe da Paz para salvar as crianças da Terra. Maria muitas vezes conversava com o Rei, seu Pai Celestial e dizia-lhe que esperava a vinda do pequeno Príncipe. Um dia, após conversar com o Rei, sentiu-se muito feliz. Começou a cantar e seu coração sentiu-se muito leve e muito alegre. Ela pensou que pássaros cantavam mais docemente e até o Sol brilhava com mais intensidade. Parecia haver mais luz no jardim e, então, bem em frente dela, circundado das belas cores do arco-íris, apareceu um Anjo. O Anjo falou a Maria e disse-lhe que o seu Pai Celestial iria manter a Sua promessa para as crianças da Terra e enviaria à Maria, o Príncipe da Paz, para que ela O amasse e cuidasse d’Ele.
Vocês podem imaginar como a adorável Maria ficou feliz! À noite, quando seu marido chegou à casa, ela contou a visita do Anjo e José também ficou muito feliz. Assim, eles começaram a planejar a vinda do pequeno Príncipe.
Nos tempos antigos, as pessoas pagavam impostos, como também o fazem hoje. Uma tarde, José chegou à casa e disse:
Maria querida, precisamos ir a Belém pagar nossos impostos.
Então, ambos se puseram a caminho. Maria viajava em um burrico e José caminhava ao seu lado. Estavam tão felizes com a vinda do pequeno Príncipe, que falavam tão e todo o tempo sobre isso.
Depois de uma longa e cansativa jornada chegaram a Belém. José acomodou Maria o mais confortavelmente que pôde e depois foi procurar um quarto numa hospedaria. Ele tinha andado muito e quando voltou disse a Maria:
– Querida, não há nenhum quarto por aqui. Não há nada além do estábulo onde o gado é mantido. Mas é bonito e limpo.
E Maria disse:
– Está tudo bem, José querido, eu não me importo. Nós estaremos confortáveis e estou tão cansada que irei rapidamente dormir.
Assim, eles se dirigiram para o estábulo. As vacas mugiram como se estivessem dando-lhes as boas vindas, e seus olhos suaves e gentis pareciam mostrar prazer com a vinda de José e Maria.
Numa leve cama de capim fresco e cheiroso, Maria se instalou, sentindo-se feliz. Ela agradeceu a seu Pai Celestial pela Sua maravilhosa promessa e, então, dormiu.
No Reino da Felicidade, os Anjos estavam ocupados preparando o pequeno Príncipe para a jornada no Mundo da Terra. Um Anjo levantou-O gentilmente e O carregou, dizendo:
Vá, linda criança, e leve uma mensagem de amor e felicidade para as crianças da Terra. A luz do amor está no seu olhar e nunca será ofuscada. A centelha de luz que brilha no seu coração se tornará cada vez mais intensa.
E o Rei estava feliz e disse:
Meu Filho, você tem um grande trabalho a fazer para tornar mais brilhante a luz do amor num mundo escurecido. Eu O abençoo, meu Filho.
Do Reino da Felicidade até a Terra formou-se uma Ponte de amor e através dela o Anjo carregou o Príncipe Celeste. Os Anjos Cantores e os Anjos de Luz o acompanhavam. Uma música angelical, doce e clara, se ouvia pelo ar. Logo todas as hostes celestiais davam louvores a Deus e cantavam:
– “Glória a Deus nas alturas, paz na Terra e boa vontade entre os homens”.
Após chegar à Terra, a luz brilhante de uma linda Estrela guiou o Anjo à Maria. Quando o Anjo lhe entregou o pequeno Príncipe, ele disse:
– Guarde-O cuidadosamente, pois Ele é um presente de Deus.
Então, Maria e o Príncipe foram envolvidos por um grande brilho. Quando ela olhou em Seus olhos, ficou maravilhada com a luz de amor que havia neles. Toda criancinha tem luz em seu rosto, mas essa especialmente trazia a luz de Deus em seus olhos. A música angelical e a Estrela brilhante atraíam muitas pessoas e logo havia visitantes amontoando-se para ver o Príncipe menino. Os pastores aproximavam-se vindos dos campos próximos. Eles haviam visto a Estrela e a seguiram e ela os guiou até onde estava o menino, na manjedoura.
Agora, queridas crianças, essa é a história do pequeno Príncipe da Paz, o Portador de Luz para as crianças da Terra, cujo nascimento nós celebramos no dia de Natal. A Estrela que pairou sobre o lugar onde ficou o Príncipe brilha ainda hoje, tão intensamente, como brilhou antes, iluminando cada criancinha no seu caminho através da ponte do amor, do reino da Terra ao Reino da Felicidade.
Sigamos a Estrela e mantenhamos nossa luz do amor brilhando intensamente para iluminar os outros no caminho da felicidade e da alegria.
Marjorie Brinkly
Uma peça para crianças que relata a importância de comer adequadamente
CENA I
OS PERSONAGENS
(Na ordem em que aparecem)
Tommy das Dores, um menino de mais ou menos 10 anos.
Pesadelo, um menino vestido de preto com fitas vermelhas.
Sadie Pickles, uma garotinha magrinha vestida de verde.
Soggy Pão branco, um garotinho em capa cinza.
Fatty Bolo, um garoto gordo.
Katie Doce, uma garota gorda.
Senhora Carne Vermelha, uma menina grande, com um ar determinado.
Sonho Bom, uma garotinha vestida como uma fada, de branco, com asas prateadas.
Pão Preto, um garotinho vestido de marrom e dourado.
Pattie Manteiga, uma garotinha em amarelo e dourado.
Molly Leite, uma garotinha vestida de branco com um chapéu alto.
Sonnie Mel, um garotinho vestido de âmbar.
Goldie Laranja, uma garotinha vestida de cor laranja.
Reggie Vegetal, um garotinho vestido de verde.
O Cenário, uma sala com sofá e outras mobílias comuns.
Tommy das Dores está dormindo no sofá, mas está rolando agitado e finalmente acorda com dores agudas e segura seu estômago, resmungando e chorando.
(Entra Pesadelo que mexe em tudo, está com raiva e fica olhando feio).
Tommy das Dores (entre gemidos)
Quem é você?
Pesadelo (numa voz profunda, vagarosa e grave).
Role e agite-se, dê voltas e vire,
Você comeu coisas que devia rejeitar,
E eu estou aqui para vê-lo sofrer
E assim sua má ação, você deve pagar.
(Ameaçando).
Eu tenho muitos amigos que lhe dirão
Por que decidimos todos concordar
Em fazer nosso trabalho em igual participação,
Para seu sonho em longo pesadelo se tornar.
Tommy das Dores (ainda gemendo e chorando).
Vá embora, eu não quero você rondando por aqui!
Pesadelo (sem dar atenção, acena para seus amigos).
Venham, amigos!
(Entram Sadie Pickles e Soggy Pão Branco).
Sadie Pickles (Numa voz estridente).
Eu ponho seu coração de escabeche,
Cócegas em sua língua vou fazer.
Vou tornar você um velho
Antes mesmo de você crescer.
Eu sou doce e sou amargo,
Bom e mau eu sei ser.
Acho muito tentador
Ver um pequeno rapaz sofrer.
Tommy das Dores (Numa voz dolorosa).
Nunca mais comerei você.
(Vira-se e tenta ficar confortável).
Soggy Pão Branco (Numa voz grossa).
Pão Branco, pão branco encharcado,
Faz sua barriga um chumbo parecer,
Torna você sonolento e cansado,
Causa-lhe dores para que possa sofrer.
Tommy das Do pão branco encharcado.
Dores (Gritando e soluçando).
Oh, deixe-me sozinho!
(Continua a rolar e a agitar-se, segurando seu estômago).
(Entra Fatty Bolo, devagar e preguiçosamente).
Fatty Bolo.
Bolos, doces e pastéis folhados eu sou!
Certamente um preguiçoso eu sou;
Minhas roupas são gordurosas, confusas e vão enrugar
Deveria me preocupar, reagir e chorar,
Mas, muito, muito preguiçoso eu sou!
Tommy das Dores (Desesperadamente).
Gostaria que todos vocês, seres horríveis, fossem embora e nunca mais aparecessem. Acho que vocês são todos muito maus. Saiam! (Lembrando-se). Conheci uma doce garotinha chamada Katie que me ajudaria se estivesse aqui.
(Entra Katie Doce, toda sorrisos e fingindo ternura).
Katie Doce
Quando você come só um pouco de mim,
Eu sou doce e faço tudo gentilmente,
Mas, se você me come muito,
Sou terrível, certamente.
Depende muito do modo e da hora em que você vai me comer.
Saboroso ao entrar e indigesto depois
É o que sou entre suas refeições,
Se você me quiser, sem mal algum lhe fazer,
Somente à sobremesa, você me deve comer.
Tommy das Dores
E pensei que você fosse uma boa amiga. Onde está a Senhora Carne Vermelha? Ela é nutritiva.
(Entra a Senhora Carne Vermelha com um olhar determinado).
Senhora Carne Vermelha
Vou lhe dizer algo e o digo rapidamente,
Você não pode caçar dores e sofrimentos com um pau;
Não é bom enquanto eu for sua comida,
Pois eu sou uma das coisas que o torna doente e mau.
(Cantando).
Oh. Eu sou a Senhora Carne Vermelha,
Pernil de vitela e pés de porco temperado,
Linguiça, fígado e leitão assado,
Carne espetada e cozido de porco,
Presunto frito e bife grelhado,
Eu sempre prometo não fazer mal,
Mas sempre os desaponto no final.
Eu rio, minto e gosto de enganar.
He, he! Ho, ho! Eu sou a Senhora Carne Vermelha de amargar.
(Tommy das Dores, mandando-os todos embora, deita-se no sofá e após muito rolar, adormece).
CENA II
Entra Sonho Bom, dançando ao seu redor, suave e muito graciosamente e em seguida o acorda).
Sonho Bom.
Eu sou a fada do comer bem;
Veja, minhas asas são leves e delicadas,
Leves e delicadas minhas asas são,
E feliz canta o meu coração.
Se você não gosta de pesadelos,
Ou de dores que farão você gemer,
Melhor ouvir estes meus apelos,
E assim mais feliz você vai ser.
(Acena para seus amigos saudáveis).
(Entram Pão Preto e Pattie Manteiga, que rapidamente começam a endireitar seu travesseiro e alisar sua cabeça).
Pão Preto.
Meu nome é pequeno Pão Preto
Se você me ingerir, em vez de comer
Todos os meus inimigos que você acabou de ver,
Mais forte eu o farei.
Um segredo agora contarei:
Sou muito necessário para suprir
A sua vida, e como não sei mentir,
Digo-lhe que sou indispensável
Para você melhor o seu caminho seguir.
Tommy das Dores. (Sentando-se com um largo sorriso).
Oh, gosto de vocês. Quem é essa garotinha?
Pattie Manteiga.
Pão Preto é o meu melhor amigo,
E quando você o convocar
Toda alegre eu também vou chegar,
Pois sou Pattie Manteiga e ele conta comigo.
Pode me comer em abundância,
Pois eu a saída também vou preparar
E nenhum dos que agiram com discrepância
Ao meu lado tentarão ficar.
Tommy das Dores (Sua dor desapareceu, ele endireita-se e parece feliz).
Sentem-se, gostaria que ficassem um pouco mais.
(Molly Leite e Sonnie Mel entram cantando “Dias Felizes Estão Aqui Novamente”)
Molly Leite.
Dentro de mim escondidas e bem,
Estão substâncias indispensáveis,
Para você ficar forte também,
E todos permanecerem saudáveis.
Você necessita de leite puro assim,
Logo cuide de sua alimentação,
Velhos e moços devem vir a mim,
Se quiserem ficar em boa condição.
Sonnie Mel (Numa voz alta e doce.)
Sou a mais doce pessoa da redondeza,
Alegria e felicidade abundantes, eu as darei,
Se você ao me chamar tiver a certeza,
Que no lugar do danoso açúcar, eu adoçarei.
Eu tenho um primo, Queijo Branco,
E nem pense em desdenhá-lo, não.
Pois, juntos andamos de mãos dadas,
E não há na Terra melhor combinação.
Tommy das Dores:
Peguem uma cadeira e acomodem-se.
Estou feliz porque vieram.
(Entram Goldie Laranja e Reggle Vegetal, de mãos dadas).
Goldie Laranja.
Venho a você, toda brilhante e ensolarada,
Sonhos engraçados e suaves eu lhe proporcionarei.
Da Fada dos Bons Sonhos sou amiga bem chegada,
E seus dias muito felizes eu os tornarei.
Se ficar comigo, não sofrerá desilusão
E vai se lembrar de quando lhe fui apresentada.
Sempre fiel a você, eu o serei
E tornarei sua vida uma suave canção.
(Goldie Laranja vira-se para Reggie Vegetal e o apresenta).
Este é Reggie Vegetal, o último,
Mas não o de menor importância.
Reggie Vegetal.
Meu outro nome é Sais Minerais,
E aos pesadelos eu ponho um fim,
Ao dia, coma-me sempre três vezes ou mais,
E modificarei todo o seu sistema, sim!
Cenouras, verduras, abobrinhas e tudo o que é verdejante,
Mudam a cor da vida num instante.
São todos meus parentes, você pode ver,
E muito bons para você nós vamos ser.
(Todos ficam de mãos dadas, dançando em volta de Tommy das Dores e todos cantando “Dias Felizes Estão Aqui Novamente”).
HISTÓRIAS DA ERA AQUARIANA PARA CRIANÇAS
Volume 3
Compilado por um Estudante da
The Rosicrucian Fellowship
Centro Rosacruz de Campinas – SP – Brasil
Avenida Francisco Glicério, 1326 – conj. 82
Centro – 13012-100 – Campinas – SP – Brasil
Revisado de acordo com:
1ª Edição em Inglês, 1951, Aquarian Age Stories for Children, editada por The Rosicrucian Fellowship
1ª Edição em Português, 1990, Histórias da Era Aquariana para Crianças, editada por The Rosicrucian Fellowship
Pelos Irmãos e Irmãs da Fraternidade Rosacruz – Centro Rosacruz de Campinas – SP – Brasil
contato@fraternidaderosacruz.com
fraternidade@fraternidaderosacruz.com
SUMÁRIO
QUE O MUNDO TODO SE REJUBILE.. 17
UMA SEMANA NO REINO DAS FADAS. 37
NO JARDIM DO TAPETE FLORIDO.. 69
O amor pelas crianças, combinado com a sensibilidade às profundas verdades da vida, possibilitaram os autores dessas histórias, que foram publicadas há anos na Revista “Rays from the Rose Cross”, a expressar de maneira atraente, muitas fases da sabedoria da Natureza. A esses amigos dedicamos, com gratidão, as Histórias da Era Aquariana para Crianças.
Muitos meninos e meninas estão cientes dos “pequeninos seres” e de outras Forças da Natureza mencionadas nessas histórias. Esperamos que muitas outras crianças fiquem animadas a tomar conhecimento delas, através da leitura deste pequeno volume.
Fraternidade Rosacruz, 1951
Florence Barr
Todos vocês já fizeram aniversário e sabem como é excitante abrir pacotinhos misteriosos, embrulhados suavemente em papéis brancos e amarrados com alegres fitas coloridas. Assim sendo, caros leitores, vocês sabem como se sentiu Rosália no seu aniversário e como ela abria seus presentes ansiosamente, exclamando diante da surpresa que representava cada pacote.
O último a ser aberto era uma caixinha alongada, diferente dos outros pacotes. E, quando ela abriu a caixa, você precisaria tê-la ouvido exclamar: “Oh, que maravilha!”; pois lá estavam estendidas sobre um tufo de cetim branco, três rosas minúsculas esculpidas no mais delicado coral e presas por uma bela corrente de ouro.
– Oh, Vovô, que lindo colar! Onde você o comprou? Diga-me tudo sobre essas lindas rosas de coral!
Então, Vovô ergueu Rosália e colocou-a sobre seus joelhos e todas as crianças da festa se juntaram ao seu redor, para ouvir a história do colar de coral.
– Há muitos anos atrás – provavelmente milhares de anos, disse Vovô, sobre as mornas águas azuis do Mar Mediterrâneo, flutuavam criaturinhas com um corpo suave como as geleias, parecendo estrelas do mar, somente que bem pequenas. Elas estavam procurando um novo lar e, encontrando rochas firmes no morno e profundo mar, elas agarraram-se lá, com segurança. Não tinham pés nem olhos, mas, através de suas bocas, elas bebiam em gotas a água do mar, absorvendo pequenas quantidades de cal que ajudaram a construir seus corpos e assim formar aquilo que pareciam ser pequenos castelos de pedras de cal. Um número cada vez maior dessa família de corais flutuantes – relacionada com a famosa família dos pólipos – agarravam-se as rochas. Elas se fixavam firmemente nas rochas e com que paciência e tenacidade desempenhavam seu trabalho de construir, fazendo sua parte no jardim do mar preparação pela Mãe Natureza!
– O sedimento cresceu, cresceu, até que, após algum tempo, formou quase uma grande parede. Quando os corpos das primeiras famílias se fixaram e viraram pedras, então, dessas pedras pareciam crescer pequenos botões – quase como acontece com as pequeninas folhas na primavera. Estas eram as crianças corais e, à semelhança das outras crianças, elas também estavam procurando novos lares, como fizeram os pioneiros. No entanto, outras crianças nunca tentaram desligar-se da família, mas permaneceram em casa ajudando na construção. Assim, essa parede viva cresceu e tornou-se cada vez mais bonita. Ela refletia o azul do céu, o dourado do Sol brilhando, as tonalidades róseas do pôr do Sol e, também, o escarlate do nascer do Sol. Após algum tempo, apareceram lindas florestas de árvores de coral, delicados arbustos cor-de-rosa e flores de um matiz profundo. Perto das paredes de coral estavam minúsculos lagos, onde peixes de cor brilhante nadavam para lá e para cá, mordiscando os musgos verdes que se agarravam nos ramos de coral.
– Algumas vezes, outros pequenos habitantes do mar importunavam a família coral, dizendo: “Saiam de suas casas e flutuem conosco!”. E os pequenos corais construtores respondiam: “Vão embora e sejam felizes. Não podemos sair de nossas casas – pois as nossas casas somos nós mesmos. Mas nós nos divertimos com nosso trabalho e somos felizes construtores para a Mãe Natureza!”.
– Os pequenos corais construtores não podiam ouvir como nós e, consequentemente, não podiam falar como nós, mas os habitantes do mar têm uma linguagem própria e entendem bem o que as outras famílias do mar lhes dizem, explicou Vovô. Assim, fiel, esperançosa e amorosamente eles constroem um grande cordão de coral. Naturalmente, eles levam anos e anos para construir esse cordão; pois esses minúsculos construtores são muito pequeninos. Os antigos povoadores há muito já deixaram seus castelos, semelhantes a casas de pedra-calcária e sua pequena chama de vida já apagou. Mas, eles deixaram suas casas de pedra com uma sólida fundação para que outros pequeninos corais pudessem construir sobre elas. Esses felizes construtores amavam as arrojadas ondas e as espumas do mar. E, muitas vezes, as ondinas – os espíritos do mar – sussurraram-lhes sobre as outras criaturas do mar, contando-lhes maravilhosas lendas sobre os tesouros do mar da Mãe Natureza. Os bondosos Espíritos da Natureza que trabalham com a grande família dos pólipos, ajudaram-nos com suas paredes de coral e os animavam em seu trabalho. Porque na escola da Mãe Natureza há uma regra, que aquele que sabe fazer coisas deve ajudar os que estão aprendendo e devem ter paciência com eles, até que aprendam suas lições. A Mãe Natureza é maravilhosa, e o Pai magnânimo deixou aos seus cuidados carinhosos, todas as crianças da Terra e do Mar. E a Mãe Natureza guia e olha todas as suas criancinhas. Ela as ama com um amor muito compreensivo e sempre recompensa sua fidelidade. Assim, os pequenos corais construtores não se incomodavam quando, numa tempestade ocasional, as ondas fortes quebravam um grande pedaço de sua parede. Não, isto era parte da recompensa que esperavam por serem construtores fiéis. Uma nova experiência estava reservada a eles, pois bondosos pescadores levavam embora esses pedaços quebrados do coral da praia.
– E isso trouxe-me até ao seu colar, Rosália, continuou Vovô. Um adorável pedaço de um raro coral cor-de-rosa foi levado a um joalheiro que, com suas mãos carinhosas, esculpiu essas delicadas rosas. E, através de seu fiel serviço à Mãe Natureza, os construtores corais agora trazem felicidade para uma garotinha no dia de seu aniversário.
Vovô colocou a corrente de ouro ao redor do pescoço macio de Rosália, dizendo:
– Estas três rosas cor-de-rosa ajudarão você a lembrar-se das três maiores coisas na vida, Rosália – fé, esperança e amor. Fé no coração compreensivo da Mãe Natureza – esperança em ser útil à medida que você atravessa a escola da vida – e o amor, amor por todas as coisas que vivem. E, da mesma forma que amamos as criaturas do mar, as flores, os animais e os ajudamos a progredir na vida, os Anjos e os Arcanjos nos ajudam a crescer mais forte para que nós também possamos progredir. AMOR é o modo pelo qual crescemos à semelhança do Pai na Terra do Amor.
“O mundo está cheio de rosas,
Rosas cheias de orvalho, você vê.
O orvalho está cheio de amor celestial,
Que goteja para mim e para você”.
Patsey Ellis
Foi sempre a melhor melancia de todo o pomar. Mesmo quando estava pequenina, era tão redondinha e rechonchuda que Michel notou isso e comentou com sua mãe e com seu pai:
– Parece um bebê gordinho, pronto para sorrir.
– Se você gosta dela tanto assim respondeu seu pai, nós a daremos para você. Estará madura pela época de seu aniversário e você poderá comê-la em sua festa.
– Oh, obrigado, papai – exclamou o garotinho satisfeito.
Depois disso, Michel cuidou da melancia de maneira especial e os Espíritos da Natureza e os animaizinhos que eram seus amigos, também dispensam a ela um cuidado especial. Com tamanha atenção amorosa, a pequena melancia redonda cresceu mais do que todas as outras no pomar até que, alguns dias antes do aniversário de Michel, parecia estar em maravilhosas condições.
Enquanto isso, no lado oposto do jardim, na estrada que cortava a casa de Michel, os animaizinhos continuavam muito ocupados. Shirley, o esquilo, podia ser visto caçando castanhas aqui e ali; Gobi, o ratinho, aparecia de vez em quando na porta de sua casa, a Senhora Pluma, com seus dois gatinhos listados, foi procurar umas guloseimas e os coelhinhos de rabos de algodão estavam saltitando em todo o pomar.
À tarde, dois dias antes do aniversário de Michel, Peralta, o coelhinho e seu avô Pés-Ligeiros, junto com outros parentes, reuniram-se no pomar discutindo um problema de grande importância para eles. Durante muitos dias eles estavam preocupados com umas visitas noturnas que um de seus novos vizinhos, o Senhor Gambá estava fazendo fora do pomar.
– Três noites eu o vi sair, disse Sra. Pés-Ligeiros, e a coruja Oliver disse que o viu também voltando para casa de madrugada.
– Certamente não parece muito respeitável permanecer fora a noite toda, disse a Sra. Pés-Ligeiros.
O vovô Pés-Ligeiros ajeitou seus óculos e disse:
– Bem, minha querida, não devemos julgar tão severamente. Ele pode estar tomando conta de um amigo doente.
– Oh, vovô, você está sempre tentando ver o bem em todo mundo, e naturalmente isto está certo. Mas eu acho que devemos saber para ter certeza, respondeu a Senhora Sra. Pés-Ligeiros.
– Então, um de nós deve segui-lo esta noite e descobrir exatamente aonde ele vai, sugeriu seu prático marido.
Sim, podemos fazer isso, concordou vovô, vocês dois, Sra. Pés-Ligeiros e Robusto, encontrem-me aqui esta noite quando surgir a Lua sobre o topo dos eucaliptos, e verificaremos se ele sai para alguma travessura.
Todos concordaram com isso e, nessa noite, quando a Lua bem redonda iluminou o pomar por cima dos altos eucaliptos, vovô Pés-Ligeiros e seus dois netos encontraram-se debaixo de alguns arbustos perto da árvore onde o Senhor Gambá fizera sua casa. Depois de algum tempo, o Senhor Gambá pôs o nariz fora da porta, olhou cuidadosamente e, então, deu uma corrida para a cerca, em direção ao portão. Os coelhos seguiram-no no maior silêncio possível. No portão, o Senhor Gambá parou para olhar a sua volta e rapidamente dirigiu-se para a estrada e atravessou-a. Lá, parou outra vez por um momento, à vista de um automóvel que surgia com seus faróis altos. Então, correu pela estrada, em direção a casa de Michel.
Enquanto isso, os coelhos saltitavam atrás dele, a uma certa distância, desejando saber para onde ele estava indo. Quando o viram parar na cerca do pomar de melancia, entreolharam-se, sem entender.
– Venham, disse vovô, logo saberemos o que ele vai fazer.
Quietos, eles se esconderam atrás dos arbustos e viram o Gambá muito ocupado cavando a terra perto da cerca.
– Por que ele está fazendo isso, vovô? – perguntou Robusto, filho do Pés-Ligeiros.
– Bem, ele está fazendo um buraco perto da cerca para entrar no pomar, respondeu vovô.
– Mas não entendo como ele pode comer uma melancia, sussurrou Robusto.
A essa altura, o Senhor Gambá acabara de cavar o buraco e estava entrando no pomar. Não muito atrás dele, cuidadosos e curiosos, seguiram os coelhinhos, escondendo-se facilmente entre as folhas da melancia.
O Senhor Gambá olhou fixamente para as melancias e de repente fixou-se na melancia gorda e redonda de Michel. Puxando-a de um lado com seu nariz, começou a arranhá-la do outro lado. Logo havia um buraco na melancia doce e vermelha e o Gambá faminto colocou-a entre suas patas e começou a devorá-la com imenso prazer.
Os olhos dos coelhos quase saltaram de suas faces.
– Não posso acreditar, sussurrou vovô.
Os três sentaram-se quietos sem saber bem o que fazer, enquanto o Senhor Gambá continuava comendo avidamente. Vovô achava que nenhum dos animais do jardim poderia fazer qualquer mal à família de Michel, pois eles amavam os animais e os tratavam quase como seres humanos.
De repente, ele disse em voz alta:
– Aquela é a melancia do aniversário de Michel. Este assalto deve parar imediatamente.
Nesse momento, ouviu-se o latido de um cão. O sr. Gambá saiu correndo de volta para a cerca e atravessou o buraco para o outro lado da estrada. Os coelhos o seguiram o mais rápido possível.
Na manhã seguinte, bem cedinho, Michel, lembrando-se de seu aniversário, correu para acariciar sua melancia antes de ir para a escola. Quando chegou ao pomar, mal pôde acreditar no que via. Lá estava o buracão aberto pelas patas do faminto Senhor Gambá e as sementes estavam jogadas pelo chão.
– Mamãe! Papai! chamou Michel, vendo-os surgir a porta. Venham aqui. A melancia de meu aniversário está estragada. Há um buraco nela e as sementes estão por todos os lados.
– Há pegadas? – perguntou seu pai, aproximando-se da cerca.
– Sim, há, respondeu Michael, inclinando-se para ver mais de perto.
Quando o pai de Michel examinou a melancia e viu as pegadas, disse:
– É muito triste, filhinho, mas um gambá fez uma festa com a sua melancia.
– Mas, como ele pôde descascá-la?
– Bem, disse seu pai, as patas dianteiras do gambá são bem parecidas com a mão humana e suas unhas são bem afiadas. Já os vi fazer isso antes, mas há algum tempo não via gambás por aqui.
– Mas, é melhor você ir para a escola agora, querido, disse sua mãe, ou irá atrasar-se. Vamos levar a melancia para dentro e aproveitar o que ainda há de bom para o jantar, acrescentou, enquanto Michel obedientemente ia embora.
Enquanto isso, os coelhos se reuniram no pomar e decidiram chamar a atenção do Senhor Gambá e explicar-lhe que coisa terrível ele tinha feito. Vovô Pés-Ligeiros e toda a família dirigiram-se à casa do Senhor Gambá. Bateram à porta, mas ninguém respondeu. Bateram novamente, dessa vez mais alto.
Finalmente, o Senhor Gambá, piscando seus olhos com sono, atendeu a porta.
– Senhor Gambá, disse vovô, nós precisarmos ter uma conversa séria com você e explicar-lhe algumas coisas que você parece não entender.
O Senhor Gambá pareceu surpreso, mas disse educadamente:
– Muito bem. Entre e sentem-se.
Vovô limpou sua garganta um tanto nervosamente, deu uma olhada no círculo de seus parentes e aí disse:
– Sabemos que você é recém-chegado a estas bandas e desconhece nossos costumes, por isso achamos melhor esclarecê-lo. Veja, há certas pessoas que são tão boas para os animais, que nós nunca molestamos suas terras.
O Senhor Gambá piscou seus olhos e pareceu constrangido.
– E aquele pomar de melancias que você entrou a noite passada pertence a um de nossos melhores amigos, disse Sra. Pés-Ligeiros excitadamente.
– Sim, Sra. Pés-Ligeiros está certo, senhor Gambá, continuou vovô. Não queremos ferir seus sentimentos e por isso viemos ver você. Gostamos muito de Michel e aquela era a melancia que ele iria servir em sua festa de aniversário.
O Senhor Gambá olhou nervoso para o seu pé. Começou a sentir-se envergonhado.
– Oh, compreendo, ele disse. Bem, Senhor Coelho, eu gosto mais destas paragens do que aquelas em que vivia antes e ficarei feliz de submeter-me aos seus costumes. E, também, gostaria de ser um dos amigos de Michel. Conheci garotos que não são tão bons para os animais.
Vovô terminou sua conversa com Senhor Gambá e cumprimentaram-se cordialmente.
– Bem, está tudo certo. Ficaremos felizes de tê-lo por aqui se você agir bem e se sentir bem entre nós.
– Mas o que faremos com a melancia de Michel? – Sra. Pés-Ligeiros quis saber.
Nesse momento, veio uma voz alegre de um ramo de uma figueira que estava por perto.
– Penso que nós, os Espíritos da Natureza, poderíamos ajudá-lo, disse a voz. Também gostamos de Michel.
Todos os animaizinhos olharam para a pequena criatura acima deles com indisfarçável reconhecimento.
– Sabemos que você pode, Gnomo, respondeu Sra. Pés-Ligeiros, mas terá que apressar-se. Amanhã é o dia do seu aniversário e não há outra melancia suficientemente madura para ser comida.
– Oh, podemos acertar isso, disse o Espírito da Natureza. Todos nós iremos para o trabalho e faremos com que uma das outras melancias amadureça antes do amanhecer e vocês, pessoal, ficam encarregados de mudá-la até onde estava a melancia de Michel.
E foi isso exatamente o que fizeram!
Na manhã seguinte, Michel levantou-se cedinho, preparou-se e dirigiu-se para o pomar das melancias pensando tristemente como seus amigos gostariam de comê-la! Olhou para o lugar onde ela deveria estar e lá, para sua surpresa, estava outra melancia rechonchuda! Chamou todo excitado:
– Oh, mamãe, papai! Venham aqui rapidamente. Há uma outra melancia igualzinha à minha, no mesmo lugar.
– Isso eu tenho que ver, respondeu seu pai.
Mas, lá estava ela e quando o pai de Michel a examinou, ela estava no ponto certo.
– Como é que ela veio parar aqui? perguntou Michel, com um largo sorriso em seu rosto.
– Oh, suponho que alguns de seus amiguinhos a colocou aí, disse seu pai bem-humorado. De qualquer forma, aí está ela e agora você poderá tê-la para a festa de seu aniversário.
O pai de Michael não sabia que os ‘amiguinhos’ estavam escondidos entre as folhas, olhando. Mas, era isso mesmo que estavam fazendo e todos sorriam ao verem a felicidade no rosto de Michel.
Helen Waite
Música sempre encantou as Fadas e, por muito tempo, cinco delas permaneciam quietinhas, ajoelhadas próximas a uma janela aberta, ouvindo as crianças cantarem. Nenhum dos meninos e das meninas, que juntos ensaiavam sua canção para o Serviço da Páscoa, sabiam que elas estavam ali.
As vozes claras e jovens fundiam-se no ar, e as Fadas ali permaneciam reverentemente e ouviam cada palavra de louvor enquanto as crianças cantavam:
“Ele ascendeu, Ele ascendeu resplandecente,
Vamos proclamar isto alegremente;
De sua prisão de três dias, Ele se libertou,
E o mundo todo se rejubilou”.
As Fadas pularam para o peitoril da janela, impelidas pela beleza e encantamento da música. Elas permaneciam em fila na borda estreita da janela, suas faces erguidas, em adoração, por encontrar o amoroso poder do Cristo Nascido e, mesmo assim, as crianças não perceberam sua presença. Mesmo quando a música parou e as crianças se prepararam para voltar às suas casas, nenhuma delas notou que as fadinhas as olhavam.
Enquanto as Fadas olhavam, elas também escutavam o que a professora de música dizia às crianças.
— Quando vocês desfilarem amanhã de manhã, ela disse, cada uma de vocês carregará um vasinho com o Lírio da Páscoa.
As crianças bateram palmas de alegria.
— E, continuou a professora, quando vocês chegarem ao tablado, por favor, coloquem ali os seus vasinhos.
Ela dirigiu-se ao tablado e as crianças a seguiram para aprender o que deveriam fazer.
Mas, as Fadas não esperaram para ver ou ouvir mais nada. Elas flutuaram graciosamente para o chão e correram a fim de reunir alguns equipamentos que certamente ajudariam na grande ocasião. Não havia tempo a perder, porque o dia seguinte era Domingo de Páscoa.
Sem qualquer embaraço, as Fadas dirigiram-se a uma árvore e voltaram em um minuto. Uma delas carregava uma vassoura. Era feita de penas, tão suave como a chuva recém caída.
— Eu vou varrer as folhas dos lírios e fazê-las brilhar, ela cantarolou.
A segunda Fada segurava um pano de pó. Era grande e inteiramente tecido de teia de aranha.
— Tirarei o pó das pétalas, uma por uma, ela disse, e elas estarão radiantemente brancas para a manhã da Páscoa.
A líder das Fadas quase caiu do tronco da árvore, tão grande era sua carga. Ela carregava um enorme sabão de aroma de eucalipto, uma escova de cerdas de raios lunares torcidos e uma toalha que se arrastava no chão, debaixo de seus pés, de tão grande que era.
As outras duas Fadas tinham mãos com o poder de cura. Assim, usavam-nas para restaurar as plantas machucadas e descoloridas, devolvendo-lhes a beleza. Elas tinham um coração amoroso e, com o sussurro de suas doces vozes, convidavam os insetos a se retirarem dos botões e das flores onde frequentemente dormiam. Todas as fadas tinham um alegre senso de sua própria responsabilidade para tornar os lírios muito bonitos para o Domingo de Páscoa.
— Alguém sabe onde estão os vasinhos de lírio? – Perguntou a fada com a vassoura. Ninguém sabia!
— O que devemos fazer? – Gritavam as outras, em desespero.
A líder estendeu a toalha no chão e sentou-se nela, cruzando suas pernas enquanto pensava.
— Rápido! Ela gritou finalmente. Vamos voltar para o peitoril da janela antes que seja tarde demais. Talvez devêssemos escutar mais do que a professora de música tem a dizer às crianças.
Numa nuvem de esperança e felicidade, as fadas voltaram à janela para espiar de novo, mas era muito tarde. Não havia ninguém à volta. Mais uma vez, sua líder sentou-se de pernas cruzadas para pensar.
— Há mais janelas!
E lá se foram as Fadas espiar em todas as outras salas. Em frente a uma delas havia uma mesa, um telefone e lá estava a professora de música. As Fadas ouviram atentamente o que ela dizia:
— É da Floricultura Tempo-Feliz? – Ela perguntou ao telefone.
E as pequeninas Fadas quase caíram do peitoril da janela de tão excitadas que estavam. E estavam tão excitadas que nem a ouviram perguntar sobre os lírios. Mas, uma outra voz bem longínqua, saiu do aparelho e desta vez as Fadas conseguiram ouvir.
— Os vinte e cinco vasinhos de lírios estarão prontos para as crianças no Domingo pela manhã, disse a voz distante.
As quatro fadinhas não esperaram para ouvir mais nada. Elas pularam para o chão e se aproximaram de sua líder, dizendo-lhe o que tinham ouvido.
— Continuem com seu trabalho normalmente, ela disse, até ao pôr-do-sol. Quando o último raio desaparecer no céu, ao anoitecer, encontremo-nos aqui. Enquanto isso localizarei a Floricultura e voltarei para levar vocês até lá na quietude da noite.
Todas concordaram e quatro Fadas voltaram a seu trabalho costumeiro de formar as folhas e as flores das plantas e das árvores. A fada líder flutuou sobre sua toalha por todo o local, como se estivesse sobre um tapete mágico. Enquanto ela estava fora, as outras não podiam pensar em nada além dos vasinhos de lírios e nas crianças que cantavam. Elas cantarolavam ao ouvido de cada planta sobre a qual trabalhavam, instilando em cada uma delas amor pela vida ressuscitada. Muitas formas lindas surgiam, enquanto elas cantavam suavemente:
“Abençoado Senhor, vamos todos adorar-Te,
Os Santos na Terra e os Santos nos céus juntamente;
Todas as criaturas vão reverenciar-Te,
Por Tua vida ter-lhes dado, amorosamente”.
Os pássaros ouviam e as borboletas ouviam e, também, ouviam as abelhas e os insetos. Uma por uma, elas elevavam no ar o alegre refrão, enchendo o mundo com sua música. Assim, toda a Terra rejubilava.
Enquanto isso, a Fada líder localizara a Floricultura Tempo-Feliz. Lá dentro, numa fileira suntuosa, estavam vinte e cinco vasinhos de flores. Em cada um deles havia um lírio branco. O Elfo ergueu seus olhos para dizer, “Obrigado” e, quando olhou para o céu, o Sol derramava seu último raio na tarde calma. Rapidamente a Fada líder juntou-se às outras.
— Tudo está pronto, anunciou. Iremos imediatamente à Floricultura.
Durante toda a noite elas trabalharam na Floricultura, escovando, tirando a poeira, limpando, até que todos os vasinhos de lírios brilhassem. Elas abriram os botões para enchê-los de luz e muitos dos insetos, ali alojados, saíram. Suas mãos curadoras, gentilmente, tratavam dos botões que estavam feridos e descoloridos e sussurravam uma prece de bênção para cada um. Quando o primeiro raio de Sol despontou para iluminar a Floricultura na Manhã de Páscoa, cada lírio estava limpo, inteiro e radiantemente branco.
A líder das Fadas sentou-se de pernas cruzadas sobre uma folha para avaliar o trabalho que tinham feito. A vassoura e o pano de pó continuaram a polir, mesmo onde não havia mais necessidade. Outros insetos saíram dos botões: um par de mãos curadoras transformaram o último botão ferido num botão saudável, e as Fadas declararam que seu trabalho estava terminado.
— Está bem, elas disseram, pois agora até os lírios cantarão ao Cristo ressuscitado.
Elas voltaram às suas casas nas árvores e esperaram o soar dos sinos que chamavam as pessoas para o Serviço da Páscoa. Vestidas com seus melhores trajes de festa, as Fadas sentaram-se em silêncio no peitoril da janela para tomar parte na cerimônia. Nenhum dos participantes suspeitou que elas estivessem lá. Todos olhavam para uma coroa de rosas vermelhas colocadas numa cruz branca.
Uma estrela dourada, luminosa, num fundo azul, brilhava como um halo de luz e amor atrás da cruz florida, e as Fadas, com suas bocas minúsculas, sussurravam eloquentes “o-o-o-s”. A música do órgão vibrava pela sala e ressoava em cada coração enquanto as crianças entravam. Os meninos e as meninas, cada qual carregando um brilhante Lírio de Páscoa, cantavam mais triunfalmente do que nunca:
“Aleluia! Aleluia!
Cristo ressuscitou”.
E as Fadas ouviram os lírios cantarem também.
Marguerite Walker
Era a tarde de um dia quente de junho. A Senhorita Spratt estava sentada no seu jardim, à sombra de uma grande mangueira, quando, de repente, o portão se abriu e surgiram seus dois amiguinhos, Bob e Pedro.
– Você tem tempo para nos contar uma história? – Perguntou Bob.
– Oh, por favor, conte-nos, suplicou Pedro.
A Senhorita Spratt parecia ter um sortimento infindável de histórias e estava sempre contente por contá-las a Bob e Pedro, pois eles prestavam muita atenção no que ela dizia. Quando os garotos se sentaram na grama, aos pés da Senhorita Spratt, ela começou:
— Vocês dois ouviram a história na Escola Dominical sobre os milagres dos pães e dos peixes, não é?
— Sim, disseram os meninos, em uníssono.
— Bem, essa história é uma que inventei sobre um menino que, a Bíblia menciona, poderia estar lá quando Jesus realizou aquele milagre.
Há muitos, muitos anos atrás, numa terra distante, vivia um rapaz que chamaremos de James. Naqueles dias não havia carros, ônibus, e as pessoas tinham que andar de um lugar para outro. Era comum se juntarem em grupos que andavam quilômetros e quilômetros até o lugar de seu interesse. No tempo dessa história, Jesus andava pela região, falando com as pessoas sobre Deus e curando os enfermos. Muitas pessoas O seguiam; algumas porque O amavam, outras porque queriam aprender com Ele ou serem curadas e outras porque queriam estar entre a multidão.
James tinha ouvido seus pais e vizinhos falarem sobre Jesus e as coisas maravilhosas que Ele fazia, e queria poder ver esse grande homem.
Uma manhã, James estava sentado diante de sua porta, quando algumas pessoas passaram e, de uma forma gentil, disseram ao rapaz:
— Ouvimos dizer que Jesus está por perto e vamos vê-Lo. Você gostaria de vir conosco?
James estava encantado com a perspectiva de uma viagem e com a possibilidade de ver esse homem de quem tanto ouvira falar. Assim, correu à sua mãe e perguntou se podia sair com as pessoas do vilarejo. Sua mãe consentiu e rapidamente embrulhou alguns pedaços de pão e dois peixes pequenos que sobraram do desjejum, colocando-os no bolso de James, sabendo que um jovem rapaz poderia sentir fome antes de voltar para casa.
Com um beijo de despedida e com o coração alegre, James saiu de casa e juntou-se aos outros na rua. Era tão divertido sair para tal aventura!
Pelo caminho, outras pessoas juntaram-se a eles, até que a rua ficou cheia, mas ainda assim elas continuavam chegando de todos os lados. Todas as pessoas falaram sobre Jesus e o que Ele tinha feito. James estava tão emocionado e feliz que nem sentiu cansaço ou fome. À distância, eles viram um grande amontoado de pessoas ao lado da montanha. Eles se apressaram para juntar-se a elas, pois lá estava Jesus falando e ensinando muitas coisas. As palavras de Jesus estavam tão repletas de coisas maravilhosas e interessantes que a multidão se esqueceu do tempo e de comer.
Então, começou a ficar tarde e um dos discípulos de Jesus sugeriu que mandassem as pessoas embora para comer alguma coisa, Jesus disse:
— Eles não precisam ir; suas casas estão longe. Nós os alimentaremos aqui. Procurem entre eles o que há para comer.
Quando James ouviu falar sobre comida sentiu fome e lembrou-se do almoço que sua mãe lhe preparou. Quando o tirou de seu bolso, olho para cima e viu um dos discípulos de Jesus atravessando a multidão e falando a cada um. Parecia que o homem perguntava à multidão se eles tinham alimento, mas todos respondiam negativamente.
Será que James era o único que trouxera alimento? O que deveria fazer — espalhar seus pequenos pedaços de pão e minúsculos peixes e comer diante da multidão? Ele estava com muita fome. Enquanto se questionava sobre o que fazer, o discípulo de Jesus chegou até ele e perguntou-lhe se ele tinha algum alimento par dar a Jesus. James sentiu um imenso desejo de chorar. Ele queria sua refeição e, ao mesmo tempo, queria dá-la, pois, o homem não tinha dito que era para Jesus? Então, sem dizer uma palavra, ele entregou seu pacote de comida ao discípulo e sentiu-se aliviado. Tinha certeza de ter feito o que sua mãe esperava que ele fizesse. Então, ouviu os discípulos dizerem a todos que se sentassem. Quando estavam sentados, em grupos, James viu Jesus pegar os seus pães e os peixes e olhar para o céu.
O que Jesus faria com sua refeição? James olhava ansiosamente. Jesus estava proferindo algumas palavras, enquanto continuava a olhar para cima — palavras que soavam como a prece que a mãe de James fazia às refeições — prece de agradecimento.
Um arrepio passou por James quando percebeu que Jesus estava segurando seus pães e peixes e dando graças por eles, diante da multidão. Oh, como estava feliz por ter dado sua refeição ao discípulo! Nem sentia fome agora, estava tão cheio de contentamento.
Como ele ficou surpreso quando Jesus partiu os pães e os peixes e os deu aos discípulos que, por sua vez, os serviram às pessoas — não apenas a um ou dois, mas a todos. Havia comida suficiente para todos! Como podia ser? James sabia que havia só uns poucos pães e dois pequeninos peixes no seu pacote e agora… cada um dessa multidão estava comendo, e como era gostoso. James estava certo de que nunca um alimento fora tão bom. Ansiava voltar para casa e contar a seus pais o ocorrido.
Quando todos haviam comido o suficiente, ainda havia comida sobrando. Assim sendo, elas a recolheram e a colocaram em seus cestos para não perderem nada.
Então Jesus despediu as pessoas, pois já era tarde e estava na hora de voltarem para suas casas.
James juntou-se ao grupo que ia na mesma direção que ele, mas já não era o mesmo rapaz que saíra de sua casa nessa manhã. Ele sentia-se interiormente mudado – um sentimento confortante e feliz. Tinha a impressão de que estava andando no ar e seus pés pareciam que não tocavam o chão. Nunca esqueceria esse dia. Pensar que ele teve algo para dar ao grande homem, Jesus — algo que Jesus pode realmente usar. Apesar de seu presente parecer pequeno, devido a bênção de Jesus, ele havia aumentado fazendo com que todos pudessem compartilhá-lo.
— Que lição maravilhosa e que dia maravilhoso! comentou James. Devo lembrar sempre de agradecer por aquilo que tenho e dividi-lo com os outros.
Assim que disse adeus aos seus amigos e entrou em sua casa, ele disse:
— Mamãe, eu voltei.
Sua mãe apressou-se em cumprimentá-lo. Certamente seu filho deveria estar cansado após essa longa jornada. Mas, ela parou e olhou para ele com surpresa. Como ele estava feliz, como estava revigorado! Uma nova luz brilhava no seu rosto e ao redor dele — a luz parecia encher toda a sala. Quando disse a ela o que aconteceu naquele dia, ela entendeu e ficou satisfeita. Sabia que James estava feliz, pois tinha dado o melhor de si.
Quando a Senhorita Spratt terminou sua história, Pedro disse:
— Como eu gostaria de ter estado lá!
— Eu ficaria muito orgulhoso de dar meu lanche para Jesus, disse Bob.
— Vocês sabem, disse a Senhorita Spratt, que há muitas maneiras que vocês, meninos, podem servir a Jesus e ajudar os outros como fez James? Quando vocês sorriem ou cantam uma alegre canção, ou fazem algo gentil, vocês estão dividindo sua bondade com os outros. Muitas pessoas estão tão famintas de amor e alegria como aquelas estavam de alimento. Quando mamãe pede para vocês fazerem alguma coisa e vocês a fazem com vontade e alegria, vocês estão presenteando Jesus como James o fez. Jesus veio para ensinar a amar-nos uns aos outros e nos darmos livremente. Agora, acho que é hora de vocês dois, rapazinhos, voltarem para suas casas para o jantar.
— Sim, senhorita. Venha, Bob, disse Pedro enquanto levantava-se, e obrigado pela linda história. Lembraremos do que você nos disse sobre como podemos dar também.
— Até logo, disse Bob, enquanto seguia Pedro.
Gussie Ross Jobe
Muitos anos atrás, na vila de Gdynes, na Polônia, bem perto do Rio Dnieper, uma pequena cabana estava encostada a uma casa, cujo telhado de palha cobria as duas. A parte externa da casa era destinada aos animais da fazenda e fora construída perto dela para que os animais pudessem ser logo socorridos, se fossem atacados pelos lobos no meio da noite, mas oh! por mais de um ano essa construção não abrigara nenhuma cabra ou porco. A casa servia de moradia para uma mulher e seus dois filhos, um menino de 12 anos chamado Ignácio e uma menina menor, Vilma.
Eles eram muito pobres. Mesmo quando Papai Strada estava com eles, era difícil obter alimentos e roupas. Agora, já se passou um ano que Papai caiu de seu pequeno barco de pesca numa noite muito tormentosa e nunca foi encontrado, nem mesmo uma pista dele. Mamãe tomou para si o encargo de cuidar da pequena família. Ela conseguiu trabalho, como diarista, na grande casa da colina pertencente à família Varcona.
Fazia um frio intenso. Ignácio e Vilma tinham trabalhado arduamente arrastando galhos secos da floresta. Estes queimaram rapidamente no fogão, mal servindo para tirar o gelo das suas mãos. Eles estavam guardando os pedaços maiores para queimar para quando sua mãe chegasse, ao pôr do Sol. Parados diante da janela, espiando através da vidraça embaçada, aguardavam que sua mãe aparecesse na curva da estrada. Oh! Como estavam famintos, pois era Véspera de Natal e o último de três longos dias de jejum. Eles jejuavam, pois sua mãe disse que assim estava certo e que isto lhes traria sorte e, além do mais, havia muito pouco para comer. Esta noite, quando a primeira estrela aparecesse no céu, seria o fim do período de jejum.
Eles esperavam que sua mãe trouxesse da grande casa alguns restos de comida, mas a família Varcona era mesquinha e miserável, apesar de muito rica. Frequentemente, Mamãe Stradka ficava feliz em trazer os ossos e a pele de um peixe junto com as cascas de alguns legumes e verduras, com os quais fazia uma deliciosa sopa para as crianças. Há muito tempo que elas não tomavam leite, pois sua única cabra foi vendida quando não puderam comprar mais pão. Mas havia algumas palhas deixadas na casa e as crianças as colocaram sobre a mesa que tinham arrumado com quatro lugares: para Mamãe, para eles mesmos e para o Cristo Menino que, eles sabiam, viria cear com eles após os três dias de jejum, se eles colocassem um prato para Ele. As palhas eram o símbolo da sua pequena manjedoura, mas Vilma e Ignácio não sabiam disso. Sabiam somente que era costume colocar palha nas mesas de festa na época do Natal.
Eles olhavam para a mesa, e suas faces exprimiam profunda satisfação pela aparência dela. Os pratos de madeira estavam perfeitamente limpos, a travessa estava vazia esperando pelo que Mamãe pudesse trazer da mesa da família Varcona. Suas canequinhas não teriam nada, além de água ou um pouco de chá fraco e sem açúcar, se a cozinheira da grande casa não deixasse cair um pouco das folhas preciosas sobre a mesa. Quando isso acontecia, mamãe as juntava e amarrava-as no canto de seu turbante. Como o chá aquecia seus pequenos e frágeis estômagos!
As crianças viram que escurecia e olhavam para o céu para ver o brilho cintilante da estrela. Lá estava ela! Bem em cima da água! Como estava grande e brilhante nessa noite. Devia ter sido assim quando os Pastores deixaram suas ovelhas e a seguiram, chegando ao estábulo onde estava o menino recém-nascido.
Uma pequena figura surgiu na curva da estrada.
— Ela está chegando! Mamãe está chegando! gritaram e correram para colocar o galho maior no fogo.
Mamãe caminhava devagar e com muito custo ao longo da estrada cheia de neve, mas sua face paciente brilhou quando viu as crianças que a esperavam na janela. Pobres crianças! Como gostaria de ter algo para oferecer a elas. Como deviam estar famintas depois do jejum.
– Meu Deus! Meu Deus! disse, assim que pela porta baixa. Que fogo delicioso e como a mesa está bela e limpa. Deixem que eu tire o meu chale é depois esquentarei a comida e vocês não adivinharão, por isso vou contar-lhes. A cozinheira deu-me um pouco de café e um pouco de açúcar e algumas beterrabas. Dessa forma teremos café adoçado e beterrabas para quebrar o jejum durante esta santa noite!
Na face das crianças estampou-se a decepção, mas sua mãe fingiu não perceber tal desapontamento, encheu a panela de água para ferver as minúsculas beterrabas. Quando eles se sentaram, Mamãe colocou comida apenas três pratos, um para Cristo Menino, um para Vilma e um para Ignácio. Ela colocou só um pouco de café sem açúcar em sua caneca.
— Está muito bom, Mamãe, eles exclamaram depois da primeira mordida e certamente nada parecia mais delicioso após seu jejum. Você não quer, Mamãe?
— Oh, não, estou satisfeita. Comi com a cozinheira e como gostaria de lhes ter trazido minha parte!
— O que você comeu, mamãe? ele pergunta com a boca cheia.
Mamãe pensou rapidamente e disse mostrando entusiasmo:
— Rosca, queridos. Rosca bem recheada.
— Rosca, eles responderam e mastigaram suas beterrabas mais lentamente. Como teria sido maravilhoso quebrar o jejum com uma rosca!
Mamãe tomou o último gole de seu café e levantou se para olhar o pinheirinho que as crianças tinham trazido da floresta.
— É muito bonito, ela disse, e do tamanho certo. Apesar de não termos presentes para pendurar nessa árvore, ter em casa uma dessas árvores no tempo de Natal é considerado sorte.
As crianças, raspando do prato à última beterraba, viram um garotinho entrar pela porta. Era um menino que aparentava ter a mesma idade de Ignácio. Estava pobremente vestido e descalço. Mamãe virou-se e o viu também. Ela correu para ele, com um grito de pena.
— Oh, meu pobrezinho! Olhe seus pezinhos! Estão completamente congelados.
Ela puxou uma cadeira vazia.
— Sente-se aqui, enquanto eu os esfrego.
A criança olhou as beterrabas que tinham sido postas no prato do Cristo Menino. Mamãe notou o olhar faminto.
— Coma-as, disse. Elas foram reservadas para o Cristo Menino, mas Ele não se importará se uma criança faminta as comeres.
— Sim, disse a criança, Ele gostaria que eu estivesse aquecido e alimentado.
Ele comeu as beterrabas e bebeu café, enquanto mamãe sentou-se no chão esfregando os pezinhos gelados do menino entre as dobras de sua saia de lã. Ignácio ficou de pé ao lado da criança. Pensou que nunca tinha visto uns olhos tão brilhantes.
— Você fugiu do orfanato? – perguntou Ignácio.
— Não, respondeu o menino, mas eu conheço as crianças de lá.
— De onde é você e para onde vai? – perguntou Vilma.
— Vim de um lugar estranho e desconhecido e devo voltar para lá.
Seus olhos graves olharam gentilmente para ela.
— Oh, mas não essa noite. Mamãe, diga que ele deve passar a Véspera de Natal conosco. Está muito frio para uma criança sair lá fora.
— Eu devo passar a noite com muitos como vocês.
Ele levantou-se para partir.
— Ao menos leve os meus sapatos, insistiu Ignácio, trazendo-o de volta à cadeira.
— Você tem outros?
— Não, mas isso não importa. Posso amarrar meus pés com alguns trapos até que chegue o calor.
Suas mãos estavam ocupadas em desamarrar seus sapatos. A criança permitiu que Ignácio amarrasse seus sapatos em seus pés. E, apontando para a árvore vazia no canto da sala, disse:
— Antes de ir, posso lhes dizer como o pinheirinho se tornou uma árvore sagrada?
— Oh, sim. Por favor.
Eles aproximaram-se mais do menino e ele começou a falar. A voz da criança fluía como um líquido dourado, não alta, mas distinta. O pequeno fogo no fogão de repente explodiu em calor. De lá, exalava um perfume, como se alguma fragrância misteriosa queimasse nele, um aroma tranquilizante que permeava toda a sala. Um grilo cricrilou debaixo de um pilar, mas isto não perturbou a história. O fogo crepitava e iluminava vagamente a sala. Através da pequena janela, a imensa estrela de Natal podia ser vista.
— Há vinte séculos atrás, começou a criança, o bom inglês Wilfred, deixou sua casa na Inglaterra e, às Vésperas do Natal, procurou uma certa tribo de pagãos que sacrificavam vidas para uma árvore: “O Carvalho de sangue”. Debaixo desse Carvalho de Geismas ele encontrou esses pagãos que estavam para sacrificar o pequeno príncipe Asulf ao Deus Thor. Ousadamente, ele correu até eles e, após criticá-los pela sua crueldade, pegou um machado e cortou a árvore. Com seus braços ao redor do Príncipe, enfrentou a feroz tribo que estava decidida a matá-lo. De repente, no lugar onde o carvalho de sangue fora derrubado, apareceu um místico pinheirinho. Os homens da tribo ficaram atemorizados quando viram muitas e lindas bolas de luz entre os galhos do pinheirinho. Essas bolas tremulavam e brilhavam enquanto os pagãos fugiam tremendo diante desse milagre, cheios de medo. Aquela foi a última árvore de sangue com seus sacrifícios humanos e, desde então, o pinheirinho tem simbolizado o Natal e é por isso que está sempre verde — entra ano, sai ano.
A cabeça da Mamãe estava inclinada. Ela levantou-a e olhou para seus filhos. Ignácio e Vilma estavam sentados, com a cabeça sobre os braços cruzados que se apoiavam na mesa, mas o estranho garotinho tinha ido embora.
O fogo também se apagara, mas a sala ainda conservava um calor delicioso e aquela fragrância sutil, que era tão doce. Mamãe levantou-se, aborrecida por ter dormido enquanto seu hóspede saíra sem despedir-se.
— Oh, queridos. Como estou triste! O que ele deve ter pensado de nós, que dormimos enquanto ele falava. Será que ele realmente contou a história — talvez eu tenha sonhado! Venham, dorminhocos! Vocês dormiram enquanto nosso convidado foi embora.
Ela tirou as cobertas de suas caminhas preparando as para as crianças se deitarem. As crianças estavam bocejando. Olharam pela janela para a grande estrela que luzia na madrugada.
— Mas, mamãe! nós não podemos ir ainda para a cama, pois já é de madrugada e Jesus vai nascer.
Eles apontaram para a luz crescente na janela.
— Bem, é mesmo — que estranho! Mas, esta é a manhã abençoada do Natal. Feliz Natal, meus cordeirinhos, e que Cristo Menino cubra vocês de bênçãos…
Nesse momento, uma luz suave começou a brilhar na árvore e muitas bolas de luz tremularam nos galhos do pinheirinho evanescendo-se quando as crianças, deslumbradas, dirigiam-se para elas.
— Igualzinho ao que aconteceu com o pinheirinho da história, suspirou Vilma, e sua mãe concordou.
Então, ela não havia sonhado! A criança realmente estivera lá e lhes contara a lenda. Ela dirigiu-se ao fogão para reacender o fogo. A estrela agora já deixara completamente os céus e a madrugada se tornou mais brilhante.
De repente, a porta se abriu novamente.
— A criança, outra vez, disse Ignácio, enquanto se dirigia à porta.
Entretanto, não foi a criança que entrou pela porta, mas um homem barbudo, com um pacote em seus ombros.
— Que hora para visitas estranhas aparecerem, pensou Ignácio.
— Você é o bom Papai-Noel? – começou a perguntar, mas foi interrompido por um grito de sua mãe.
— Querido! Ela dirigiu-se ao homem e abraçou-o longamente.
O pacote caiu no chão. Parecia ter transcorrido um longo tempo até que os dois se separaram; então, as crianças perplexas viram lágrimas de alegria no rosto de sua mãe.
— Crianças, vejam! Vocês não conhecem seu pai?
— Mas… papai está morto…
Eles se aproximaram do rosto barbudo procurando algum traço que os fizesse reconhecer seu pai. O homem levou a mulher e as crianças para perto do fogão.
— Eu estive como morto por muito tempo. Fiquei inconsciente numa praia estranha, fui carregado para um hospital e permaneci por longo tempo sem saber nada, nem mesmo meu nome. Vagarosamente, recuperei minhas forças, mas não minha memória. Trabalhei para os mineiros, em busca de ouro. Um dia, eu próprio encontrei uma grande pepita de ouro. Era de grande valor e eu a vendi por muito dinheiro. Mas isso não me tornou feliz, pois eu era ainda um homem sem passado. Algumas noites atrás, sonhei que uma bela criança com cabelos como o sol e olhos como joias, aproximou-se de meu leito. Ela me olhou e parecia que milhões de agulhas espetavam cada centímetro do meu corpo e uma grande canção ecoava em meus ouvidos. Por cima de todo este barulho, a criança estava dizendo para mim:
– “O pequeno Ignácio e sua irmã esperam por você”, e, de repente, eu acordei e lembrei meu nome, meu lar e todo o passado. Viajei dia e noite para encontrá-los neste dia sagrado. Só parei para comprar presentes. Apontou para o pacote caído no chão.
As crianças agora estavam nos braços de seu pai e o acariciavam com beijos e abraços, pois esse era o pai que morrera e que, pela graça de Deus, estava vivo.
Depois, o pacote foi aberto e ele continha doces, brinquedos, sapatos e casacos para as crianças e sua mãe. Ignácio, experimentando os sapatos, lembrou-se que tinha dado seu único par ao menino e agora tinha dois pares novos e brilhantes.
Sua mãe chamou-o de lado, segurando sua pequena Bíblia. Ela não sabia ler, mas Ignácio sim, e ela sabia onde encontrar cada versículo. Deu a Bíblia à Ignácio.
— Leia aqui, ela disse, seu dedo apontando para um versículo.
Ignácio pegou a Bíblia e leu alto:
— E quem receber uma criança, receberá a Mim.
Mamãe e Ignácio entreolharam-se.
— Foi Cristo Menino que esteve aqui, eles sussurraram, com respeito.
Ola Sward
Num jardim chinês, ao Sol sonhando,
Crianças de olhos puxados sorrindo, brincando.
Lagos plácidos com pontes arqueadas,
Belas árvores, glicínias penduradas.
Brilhantes pagodes, um templo distante,
Ouve! Soa uma campainha suave e constante.
Nunca estes meus olhos mortais,
Pousaram em cenários tais.
Mas, nesse maravilhoso jardim,
Uma vez, eu sei que já estive nele, sim.
H. P. Nicholls
Estes episódios ocorreram durante uma semana de férias, na qual Henry e sua amiguinha Eleanor, brincavam diariamente nas coloridas estepes subtropicais ou terras montanhosas da ensolarada África do Sul.
Henry visitava constantemente O rancho de frutas cítricas, a casa de Eleanor, que era parte de uma extensa propriedade, cobrindo muitos milhares de acres de campos gramados, planícies e montanhas. Ele amava todas as criaturas que moravam lá e brincava com elas livremente entre os vales e as montanhas tão queridas. Ele sentia que todas essas variadas expressões da criação eram uma parte do seu próprio ser. O silêncio das estepes sem limites era vida para sua alma. Ele estava maravilhosamente vivo à vibração, às batidas do coração da natureza, à maravilha do azul do céu e do dourado do Sol. Vivendo aqui com a beleza da estepe diante dele, ele estava feliz e em harmonia com todas as coisas.
Com Eleanor, ele percorria os grandes prados. Frequentemente falavam de fadas, duendes, gnomos, náiades e sátiros. Algumas vezes, eles pensavam que viam sombras entre as árvores ou perto dos lagos. E, agora, uma experiência feliz estava para ser vivida por eles. Uma semana de íntimo contacto com os evanescentes Espíritos da Natureza, que se tornavam visíveis a eles, através do maravilhoso poder de seu amor por todas as coisas criadas.
PRIMEIRO EPISÓDIO
No coração da África do Sul fica a Rodésia, um agradável país, lar dos nativos Mashona e Matabele c de muitos colonizadores brancos, também. Favorecida por um clima excepcional, essa terra fértil atrai muitos que amam o brilho do Sol, o oceano de espaços abertos e uma vida livre. Aqui, nas enormes estepes, reina o silêncio ao entardecer e o Sol banha a Terra com seus raios gloriosos durante todo o ano.
Em um vale grande e espaçoso, através do qual corre um rio cravado nas profundezas da terra fértil, fica o lugar desses acontecimentos. O rancho estava localizado num solo ligeiramente inclinado; fileiras e fileiras de frutas cítricas, protegidas por altos eucaliptos, brilhavam num tom verde e dourado, carregados de deliciosos frutos. Largas rodovias atravessavam os pequenos bosques e os sulcos prateados das irrigações. Aqui e acolá pontilhavam as casas de tetos avermelhados, moradias daqueles que cuidavam das árvores e supervisionavam o trabalho, desde a época do florescimento até a colheita.
Como se estivesse olhando o cenário, sobre uma colina que era parte de uma muralha de montanhas protetoras, ficava a espaçosa casa do administrador. Existia na propriedade uma cabana redonda, que ficava separada, para acomodar os visitantes. Ela era fresca, confortável e estava localizada entre as árvores e as flores.
Henry, um poeta e um amante da Natureza, chegou ao rancho vindo de uma pequena cidade encrustada sob as amigáveis montanhas. Algumas vezes, ele cavalgava o seu pônei ou andava alguns quilômetros pelas estepes. Ele conhecia os animais que vagavam pelas planícies, os que moravam sob o solo, os macacos, as cobras, os jacarés, os antílopes e os ferozes leopardos. Os costumes dos nativos eram-lhe familiares. No caminho para a casa de sua amiga, ele cumprimentou um pastorzinho que estava sentado, nu, sob a sombra de um arbusto, tocando uma flauta enquanto passavam as horas até ao Pôr do Sol, quando ele devia conduzir o gado para casa.
Eleanor era uma garotinha alegre e despreocupada e seu lar ficava entre as montanhas e os vales. Ela amava a Natureza, falava com as abelhas e as lindas borboletas e sabia o nome de todos os passarinhos, flores e insetos. Ela adorava percorrer os bosques de citros e ir até o rio, aos desfiladeiros e às montanhas onde habitavam os coelhinhos e os macaquinhos marrons.
Era o primeiro dia da semana de férias. O céu estava azul e o Sol brilhava como um disco e ouro fundido. E, lá se foram Henry e Eleanor, junto com Pat, um cachorrinho terrier Irlandês, através da estrada por onde passava o gado, depois de abrirem o grande portão que se fechou atrás deles. O caminho através os arbustos estavam cobertos de lindas flores vermelhas, de árvores de “mimosas”, com o perfume de suas flores brancas e amarelas, árvores resplandecentes com sua nova roupa de folhas verdes e havia violetas enfeitando o caminho. Aqui e acolá lindas magnólias, grandes e sólidas, permaneciam como sentinelas pacientes guardando os habitantes dos prados. O caminho ficava difícil à medida que se aproximavam dos blocos de rochas e das pedras cobertas de musgos.
Curvando-se, Eleanor e Henry passaram através de um arbusto de jasmim branco, cujos espinhos tentaram arranhá-los enquanto passavam. Abaixo deles, corria um riacho que brilhava à luz do Sol. O ar ressoava com o som das asas dos insetos e, nas profundezas de uma caverna escura, havia um morcego que entoava, de maneira monótona, “crac, crac, crac”. Pássaros chilreavam alegremente e um falcão voou bem alto sob um céu sem nuvens. Aqui estavam as duas crianças, quietamente receptivas, em sintonia com a paz dessa bela clareira silvestre, pois elas sabiam o valor do perfeito silêncio na estepe. Para ver os habitantes dos arbustos, deviam permanecer tão silenciosos como o pescador que se senta quieto e olha para o lago, alerta, mas sem se mexer. Pat, o cãozinho, dormia profundamente.
De repente, Eleanor sussurrou para seu companheiro:
— Olhe do outro lado do riacho! Há muitas formas pequenas movendo-se na grama e nos arbustos. O que são elas?
Henry olhou por sobre o riacho que serpenteava no meio da floresta de árvores e arbustos, rochas e pastos. Lá, bem diante de seus olhos, ele viu algo que mal pôde acreditar. Pulando de flor em flor e empoleiradas no topo das folhas estavam minúsculas figuras de duas a três polegadas de altura.
— Fadas! ele sussurrou a palavra, esperando não assustar aqueles vultos delicados.
Sim, eram fadas de verdade, os seres mais queridos, alegres, graciosos, voando vagarosamente com asas de raro esplendor. Elas saltavam de folha em folha, de flor em flor, subiam pelas folhas das samambaias, brincavam de esconde-esconde entre os caules das íris silvestres e permaneciam nas largas bandejas de lírios da água. Algumas eram opalinas, outras de delicada coloração rosa, azul claro, amarelas e todos os outros matizes possíveis, brilhando como as pétalas das flores ondulantes. Delicadas como as margaridas, flexíveis como um feixe de nuvens, estas fadas de faces felizes andavam para lá e para cá, por entre os arbustos. Miríades de criaturas parecidas com flores passavam, como uma nuvem ensolarada, em direção à terra mística, por entre as árvores.
Eleanor e Henry estavam cheios de felicidade. Vagarosamente, eles seguiram suas pequenas visitantes que se mostraram amigáveis e destemidas. Algumas montavam sobre as libélulas e abelhas, e as flores acenavam para elas enquanto passavam. Por todo o vale havia uma atmosfera de quietude e regozijo. Pouco a pouco, o grupo das fadas flutuantes moveu-se para dentro da floresta densa e, como um bando de abelhas, dispersou-se desaparecendo da vista.
Eleanor olhou para Henry, seus olhos ainda arregalados com a surpresa maravilhosa!
— Oh, eu sabia que algum dia eu as veria. Sentia que elas estavam por perto e estava certa. Agora, eu as vi e estou feliz.
SEGUNDO EPISÓDIO
A manhã seguinte foi gloriosamente radiante. Realmente, a primavera lá estava em seu tenro desabrochar. Durante a noite havia caído uma chuva suave e o Sol, que levantava, brilhava nos pingos da chuva, que pareciam pérolas luminosas nas folhas e nas flores. No ar fresco sentia-se o aroma dos pinheiros. A brisa gentil brincava no topo das arvores e entre os arbustos, fazendo com que as flores dançassem um minueto ao som do assobio do bambu emplumado. Brilhante e serena era essa manhã, o começo de um outro dia.
Eleanor e Henry passeavam vagarosamente em direção às colinas. Quietos, seguiam seu caminho. Nada escapara à observação de ambos e cada visão e cada som davam-lhes muito prazer. O caminho ladeava a colina, onde enormes monolitos áridos estavam à mostra. Velhas arvores retorcidas mostravam sinal de conflito com os elementos. Silenciosas e fortes, elas abrigavam os pássaros, as abelhas e davam sua sombra a todos que as procurassem. Brotinhos de árvores projetavam-se e tudo era vida no ar primaveril. Arbustos e trepadeiras faziam um emaranhado de pequenas plantas de um verde relaxante. Cada passo revelava uma nova beleza, algumas novas visões entre as árvores e algumas fugas precipitadas revelavam um habitante da floresta que fugia assustado pelos passos de pés desconhecidos.
Um toque rápido de Eleanor chamou a atenção de Henry.
— Olhe! ela sussurrou, Oh! Olhe!
A direita, apoiadas em arbustos próximos de seu rosto, estavam três das fadas mais encantadoras que já imaginara. Levemente, uma delas subiu em seu braço, outra no seu colo e outra em seu ombro. Pouco a pouco, essas lindas formas surgiram de todas as direções — criaturas minúsculas e coloridas, com vestimentas que pareciam as mais delicadas pétalas de flores. Todas tinham forma feminina, com minúsculas faces graciosas, algumas pálidas, outras cor de oliva, outras âmbar, outras rosadas. Todas eram esbeltas e delicadamente proporcionais, excêntricas, de todas as cores conhecidas, exceto púrpura escura, marrom e preta. Algumas eram transparentes e multicoloridas, outras azul claro, amarelo claro, branco, verde, rosa. Lá estavam umas prateadas e douradas. Outras brilhavam como pérolas e suas asas radiantes pareciam joias entre a grama. Seus cabelos eram delicadamente ondulados e em seus pés havia minúsculas sandálias amarradas por tiras cruzadas. Algumas não tinham calçados. A maior parte delas usava chapéus feitos de flores que pareciam sinos. Todas tinham asas que ficavam dobradas às suas costas.
Elas pareciam deslizar, voar, flutuar em qualquer direção, como colibris. De início, pareciam estar cheias de timidez, mas, após avançarem, recuarem e aproximarem-se novamente, elas finalmente tornavam-se muito afetuosas. Quando Eleanor e Henry moviam-se ou gentilmente andavam pelo local, as fadas não se assustavam, mas, a qualquer barulho mais alto, elas voltavam rapidamente para os arbustos e desapareciam. Muitas voavam muito alto, até ao topo das árvores. Elas pareciam tocar cada flor, cada grama e cada samambaia. Era bem evidente que não estavam num jogo ocioso, pois notava-se que elas davam uma atenção gentil a todos os seres que cresciam. Elas andavam por todos os arbustos e os visitavam do mesmo modo que as abelhas visitam as flores e parecia que realizavam algum trabalho específico. Eleanor disse que as fadas que se aproximavam dela tinham um delicado aroma. Não tinham medo do Pat, que abanava seu rabinho e que se movia entre elas, como se ele também tivesse consciência da presença delas.
Agora, o Sol começava a brilhar através do topo das árvores, projetando grande sombra através da clareira. A aproximação do gado vindo dos altos montes era anunciada pelo som de gravetos que se quebravam. Os pastores estavam colhendo galhos para suas fogueiras. Pouco a pouco, as fadas esconderam-se nos arbustos até que, dos milhares que Eleanor e Henry viram, nenhuma permaneceu. Eles estavam encantados com essa maravilhosa experiência que o dia lhes trouxera e com ela tiveram a firme convicção de que a hoste das fadas estava em todos os lugares.
TERCEIRO EPISÓDIO
Após o café da manhã, no dia seguinte, Eleonor e Henry, com Pat e Wasp, um outro cachorrinho de nariz pontudo, iniciaram sua excursão pelo rancho vizinho, que também fazia parte da propriedade.
O gentil administrador holandês e sua esposa deram as boas-vindas aos visitantes. Eles apreciaram a refeição, especialmente feita para eles, na sala de jantar, de onde se avistavam as plácidas montanhas. O Sol brilhante, à pino, espalhava-se sobre a Terra, a brisa soprava suavemente nas altas árvores, na quietude própria de todos os países tropicais a essa hora do dia; os rebanhos dormiam e os lavradores cochilavam sob as árvores. Toda Natureza parecia repousar.
Henry e Eleanor com Pat e Wasp, dirigiram-se às montanhas. Subindo-as por entre o emaranhado de árvores, eles chegaram a um espaço semicircular, uma planície em miniatura e que tinha por detrás uma imensa rocha.
Henry viu a primeira fada aparecer. Parecia surgir do nada — um espírito delicado, cor de rubi, equilibrando-se na borda de uma folhinha de grama. Pouco a pouco, todo o lugar estava apinhado com a multidão de fadas. Elas se aproximaram de Eleanor e pareciam felizes por estar perto dela. Eram milhares de fadas voando pelo ar, pulando por todas as folhas e botões, emergindo da grama e do musgo que cobriam o solo. O ar estava impregnado de uma fragrância delicada e vibrando com o prazer da vida. Pela primeira vez, Eleanor e Henry perceberam que as fadas trabalhavam em grupos, e cada grupo consistia em um bando de minúsculas criaturas de cores diferentes. Todas pareciam dedicadas a uma tarefa definida, embora trabalhassem sem pressa ou alvoroço. Parecia que tomavam conta de todas as folhas e flores, sem deixar escapar qualquer uma delas. Elas pareciam ser muito felizes e brincavam umas com as outras. Muitas delas pousavam sobre Eleanor e pulavam da sua cabeça para seus ombros e por todo o seu corpo, sem temor. Se ela se movesse, as fadas desapareciam e só retornavam quando o movimento parasse. Com grande alegria, Eleanor e Henry olhavam esse maravilhoso exército marchar através da planície iluminada pelo Sol. Cintilantes, iridescentes, da cor do arco-íris, vestidas em roupas diáfanas de delicada textura como a de uma tela de aranha, excêntricas na forma e suavemente graciosas no semblante, estes seres maravilhosos percorriam as montanhas, escalando-as, até sumirem de vista.
Naquela noite, sob o luar, outra visão maravilhosa apresentou-se a Eleanor e Henry. Depois do jantar, eles deram uma escapadinha ao jardim. Após uma volta, eles chegaram a um lago muito agradável que ficava entre os eucaliptos. Ao lado, havia um banco confortável. Era uma noite gloriosa. A Lua brilhava clara e iluminada. Havia no ar uma exótica fragrância de flores. A quietude da mística noite africana os circundava, uma quietude tornada mais sentida pelos sons intermitentes que se ouviam, o ruido penetrante dos insetos e as batidas monótonas dos tambores na aldeia. Algumas vezes, trazidos pelo vento, chegava até eles o som da cadência de uma canção nativa. Ainda assim, interpenetrando tudo, havia um silêncio intenso.
Comentando tranquilamente os acontecimentos do dia, Eleanor e Henry estavam a ponto de retirar-se, quando Eleanor disse:
— Olhe debaixo da figueira! Há alguma coisa se movendo lá. Não é um animal porque está de pé. Oh! é um duende.
E lá estava ele! Mais dois apareceram, daí muitos outros foram vistos movimentando-se sob as folhas do canteiro de violetas; logo, todo o jardim parecia vivo. Diante dos olhos encantados de Eleanor e Henry, um pequeno duende marronzinho, igual aos das histórias de ficção, passeava pelo jardim iluminado pela Lua, próximo à figueira. Aí, mais dois se juntaram a ele. Aparentemente estavam entretidos a examinar a grama e movimentavam-se entre as folhas de várias plantas. Tinham alguns centímetros de altura. Um usava um boné. O outro estava de cabeça descoberta. Suas asas eram grandes e envelhecidas: eles tinham rostos enrugados, corpos cheios, braços muito longos e pernas curtas. Alguns usavam sapatos tipo mocassim, outros estavam descalços. Os duendes não estavam com medo dos nossos dois amiguinhos e foram até eles, até ao banco em que estavam sentados. Por todos os lados, na densidade das sombras, eles podiam ser vistos, curvados sobre alguma tarefa entre as folhas das plantas. Esses pequenos seres solenes paravam de trabalhar de vez em quando e comunicavam-se uns com os outros. Eleanor queria permanecer no jardim e olhar os duendes, mas já era muito tarde. À neblina estava intensa e, assim sendo, ela disse boa noite e correu para dentro. Henry continuou a olhar os homenzinhos marrons enquanto eles se moviam sem fazer barulho entre as folhas. Uma lebre surgiu, deu um pulo, ficou sentada em silêncio por um momento e depois foi embora. Uma coruja apupou de uma árvore próxima. Os pequenos duendes se moviam por todas as folhagens que estavam no solo. Henry tentou ver exatamente o que faziam, mas não pôde discernir a natureza do trabalho que estavam fazendo. Cansado dos esforços do dia, retornou à cabana e logo dormiu.
De repente, Henry acordou e olhou o relógio. Eram três horas. Colocou um agasalho grosso e saiu. Teve uma nova surpresa. Em filas de três, estavam muitos companheiros dos duendes. Eles pareciam estar bem à vontade no jardim e Henry presumiu que trabalhavam continuamente em uma determinada área. Notou um fato: os objetos sólidos como os troncos das árvores, paredes e rochas não ofereciam qualquer obstáculo para esses pequeninos seres marrons, já que andavam através deles.
De repente, começaram a marchar, de três em três. Evidentemente tinham terminado seu trabalho por essa noite. Seus movimentos pareciam ordenados à medida que, silenciosamente, desapareciam entre as trevas profundas.
Voltando a casa, Henry dormiu profundamente, a despeito dos acontecimentos extraordinários que presenciou.
QUARTO EPISÓDIO
Quinta-feira à tarde, Eleanor c Henry dirigiram-se até um ponto bem distante da propriedade. Era uma área preferida deles por causa de uma extensa planície coberta de relva, na qual sempre viam antílopes pastando pacificamente. A grama era sempre verde nesse local particular por causa da infiltração da água, proveniente de um desfiladeiro nas montanhas. Não havia nenhuma corrente de água visível nesse lindo lugar coberto de árvores, tudo indicava que a água fluía sob o solo, espalhava-se pela terra e suavemente descia em direção ao rio.
Junto ao vale havia uma densa floresta, quase escura em razão das miríades de árvores enfeitadas com trepadeiras, cipós, musgos, orquídeas e várias espécies de parasitas. Entrando na floresta por um caminho estreito e sinuoso, eles vagarosamente dirigiram-se para o oeste.
Aqui reinava um silêncio característico, exceto pelo barulho de um pássaro na árvore, o pisar de um animal correndo pelo mato, o toc-toc de um pica-pau, o zumbido das abelhas e o bater de asas dos insetos. Era realmente um labirinto, uma floresta primitiva.
De repente, Eleanor avistou algumas grandes samambaias e, sabendo que perto delas poderia haver água, nossos amiguinhos saíram para explorar essa área. Logo foram recompensados pela vista de um pequeno clarão na floresta. À frente deles havia uma pequena colina e em sua base um grande lago vindo de uma cachoeira que escorria dessa pequena colina. A água do lago era marrom e estavam refletidas em sua superfície, as sombras das grandes árvores que se elevavam sobre as crianças. Mais no final do lago, havia uma grande quantidade de papiros, bambus e juncos, sobressaindo nesse conjunto uma área brilhante de plantas aquáticas e lírios. Aqui a vida era abundante, visível e invisível, vida que pulsava ao redor desse lindo e silencioso lago que placidamente parecia tudo dirigir.
Eleanor e Henry descansaram, escolhendo um local através do qual pudessem ver os diversos efeitos do pôr-do-sol. A beleza do lugar os tocava. A música suave do vento nas árvores, o aroma da floresta, O zumbido de milhares de insetos, o coaxar dos sapos, faziam desse lugar um belo refúgio de paz e beleza. Logo Eleanor foi surpreendida pela aparição de uma forma, algo transparente e semelhante a uma nuvem, que passava por entre as sombras escuras das árvores € se dirigia para a luz do Sol. Apareceram muitas dessas sombras, muito distantes para propiciar uma descrição precisa. Muitas delas se aproximaram e tanto Henry como Eleanor as contemplaram maravilhados.
Por entre as árvores apareceu, dirigindo-se ao lago, uma linda senhorita, uma garotinha com um rosto feliz, radiante, sorrindo serenamente, perfeita em graça e proporção. Tinha longos e esvoaçantes cabelos claros, que eram penteados para trás em ondulante caimento. Vestida numa diáfana vestimenta de luz, de um tecido vaporoso que mudava de cor quando o Sol o atingia, essa adorável e delicada criatura parou e pousou sua mão sobre o tronco de uma árvore. Ela tinha aproximadamente quatro pés de altura e era ágil como uma corça. Logo a ela juntaram-se outras quatro, algumas de pele escura, outras coroadas com cabelos castanhos. Elas atravessaram o lago em vários pontos, encontrando-se do outro lado, e pareciam estar conversando.
Então, muitas outras apareceram: todas usavam o que parecia serem joias faiscantes e carregavam uma flor ou um buquê de folhas. Elas aparentemente tinham uma missão, visitavam cada árvore, conversavam com ela, colocando graciosamente as mãos sobre os troncos retorcidos, depois voavam pelos galhos e moviam-se por entre as folhas. Era uma visão gloriosa, parecida com uma hoste angelical. Elas flutuavam em todas as direções, preciosos seres eterizados na forma mais suave. Certamente comunicavam-se entre si, embora não se ouvissem vozes.
O Sol já se punha, derramando seus raios através da obscura e silenciosa floresta. Cintilando entre as árvores, as ninfas da floresta flutuavam. Eleanor e Henry retiraram-se silenciosamente pois não queriam permanecer no vale após o pôr-do-sol. Vagarosamente, tomaram o caminho de casa e chegaram à beira da floresta que dava direto nas montanhas, como se alguém tivesse delineado o caminho com mão de mestre. Cuidadosamente, como agem todos os caçadores e exploradores, eles se dirigiram para a clareira. A planície estava agora inundada com os raios do Sol que se punha, as montanhas à distância tomavam uma coloração azul brumosa, indefinida e mística. Henry observou que muitos antílopes se alimentavam quietamente. Correndo rapidamente em direção às montanhas, na beira da floresta, havia uma porção de formas marrons, muito eretas para serem bugios, mas muito semelhantes à seres humanos.
Henry ouviu uma risada rouca e colocando-se atrás de Eleanor, a quem havia avisado que não se movesse, ele esperou. Havia certamente alguma coisa se aproximando, talvez algum antílope ou cães selvagens correndo pela beira da floresta. Não eram antílopes, bugios e nem cães. Diante dos olhos atônitos de Henry e Eleanor apareceu um sátiro, correndo depressa, seguido de muitos outros. Passaram tão próximos que as suas feições puderam ser observadas detalhadamente. Eles tinham faces saturninas, pele escura, com olhos fundos, ovais, sobrancelhas grossas, testa estreita, dois pequenos chifres projetados para cima, saindo da testa, longas orelhas pontiagudas, boca grande, barbas de bode, corpos cobertos de pelos, braços e mãos fortes. Do meio para baixo, seus corpos assemelhavam-se aos do bode, com pernas e cascos. Uma cauda curta e forte completava sua anatomia.
Eles estavam tão próximos que sua risada e tagarelice eram plenamente audíveis. Corriam depressa, uns vinte deles, seguidos por outros vinte ou mais. Estavam evidentemente realizando algum empreendimento. Eleanor e Henry os seguiram assim que o último passou.
Rapidamente, virando por uma abertura que havia entre as árvores, os sátiros desapareceram. Henry seguiu-os e viu que estavam todos juntos numa clareira. Um deles era mais alto do que o resto e permanecia à parte, falando em uma língua estranha. Todos estavam gesticulando evidentemente muito entretidos. De repente, o líder levantou um braço e todo o grupo desapareceu entre as árvores. Eleanor, escondida atrás de uma grande árvore, viu todos eles passarem.
O Sol já se escondia no horizonte. Nossos amigos correram pelo pasto aberto em direção à estrada que atravessava os bosques. Eleanor disse que não ficou surpresa ao ver os sátiros, já que, muitas vezes, percebera figuras marrons correndo pelos arbustos, ao pôr-do-sol.
Excitados com o que tinham visto, Eleanor e Henry chegaram em segurança à casa, enquanto o místico crepúsculo se aprofundava na noite.
QUINTO EPISÓDIO
Havia um lugar que Eleanor e Henry estavam ansiosos por visitar: era o rio, sempre uma fonte de prazer. Eles passavam muitas horas agradáveis nas proximidades do profundo canal que atravessava a propriedade. Como muitos outros rios sul-africanos, este rio era barulhento e turbulento; na estação chuvosa, as tempestades jogavam suas águas nos cumes das montanhas e essas desciam pelos córregos até encontrar um rio maior que as levasse serenamente para o oceano distante. Nessa ocasião, nossos amiguinhos o acharam calmo e benévolo; algumas vezes, o rio parecia sumir em um trecho, sob o solo, mas aparecia novamente e continuava seu longo curso descendente.
Eleanor e Henry dirigiram-se a uma ponte suspensa, tecida como uma teia de aranha sobre uma enorme fissura, que parecia ter sido cavada na estepe africana durante séculos pelas águas do riacho. Logo abaixo da ponte havia alguns lindos lagos fundos, alimentados por uma forte catarata que cintilava ao Sol.
Do lado oposto a esses lagos cresceram arbustos densos de intenso verde e, balançando na brisa sobre as águas, oscilavam ninhos de passarinhos que pareciam cestinhas.
Eleanor e Henry passeavam pela margem do rio explorando o sinuoso canal. Lá no alto, nos arbustos, as ruinas feitas pelas águas das enchentes mostravam até onde chegaram as águas das tempestades em dias passados. Sob as árvores e arbustos, o chão era um tapete de grama macia de samambaias.
Voltando ao lago maior, Eleanor e Henry deitaram-se na terra quente, debaixo da sombra das árvores amigas. Em poucos minutos, eles estavam cercados por um exército incontável de encantadoras fadas. Ao mesmo tempo, uma manifestação diferente de vida apareceu à margem do lago, entre os bambus e sobre as folhas dos lírios d’água. Aqui havia milhões de formas brilhantes, muito parecidas com as fadas, mas sem asas. Criaturas prateadas de rara beleza flutuavam sobre as águas e elevavam-se no ar, por toda a parte, como flocos de neve, com a diferença que essas adoráveis criaturas, humanas na aparência, dançavam para cima, formando uma perpétua e flutuante multidão. Emergiam das águas e imediatamente dissipavam-se nela e depois retornavam à superfície.
Essas vivazes criaturinhas brincavam entre os bambus e arbustos que circundavam o lago. Algumas delas flutuavam no ar em direção aos arbustos próximos, mas nenhuma se distanciava muito do seu elemento natural. Todas eram prateadas, com cabelos escuros ondulados, pele macia e muito graciosas. A despeito de sua aparência etérica e formas aparentemente delicadas, esses seres prateados eram muito reais e formavam uma nuvem que pairava sobre as águas escuras e silenciosas do lago. Os espíritos e os peixes misturavam-se no fundo e próximos à superfície, brincando juntos, entrando e saindo do labirinto formado pela vegetação, pelos bambus, plantas aquáticas, raízes das árvores e outros tipos de plantas.
A forma escura dos peixes e o tom prateado dos duendes, à medida que brincavam na água, formavam uma cena inesquecível.
Após permanecerem encantados por algum tempo, olhando as travessuras das fadas e as formas enrugadas dos duendes prateados, Eleanor e Henry dirigiram-se a um lago menor, sobre o qual havia caído uma imensa árvore formando uma ponte rudimentar. A árvore ainda estava viva, apesar de estar caída lá há muitos anos. Ajoelhando-se entre as folhas c os galhos desse gigante caído, nossos amiguinhos observaram os milhares de espíritos das águas que também podiam ser encontrados lá. Eles eram de cor prateada, exatamente como os demais, na forma e no comportamento.
Algumas vezes, com grande júbilo, um bando desses espíritos se dava as mãos, flutuavam para cima c para baixo na água e formavam um círculo ou uma letra S ou uma volta ou um triângulo; outras vezes, um deles parecia guiar os outros para dentro e para fora dos bambuzais. Do lugar onde estavam, Eleanor e Henry ficaram observando as travessuras dos espíritos.
Após algum tempo, os pombos começaram a arrulhar sua delicada serenata do entardecer e os pombinhos rapidamente voaram em direção às montanhas. Uma enorme gralha branca sacudiu suas asas em direção a novos pastos, o Sol enfeitou o topo das árvores com sua luz dourada e derramou sua glória sobre tudo e sobre todos.
Mais uma vez, nossos amantes da Natureza viram as fadas desaparecerem e os espíritos das águas afundarem-se calmamente nos lagos. Vagarosamente, eles se dirigiram ao pomar das frutas cítricas e à horta. O chinês que cuidava dessa área tinha voltado à sua cabana e deixado filas e filas de valas prontas para receberem sementes ou mudas pela manhã. De repente, umas formas sombrias se levantaram, moveram-se entre as folhagens dos grandes canteiros de verduras e novamente nossos amigos viram um exército de pequenos duendes ministrando, com devotado amor, alguns produtos na terra.
O lugar estava quieto, pois os trabalhadores já haviam se retirado para os seus lares. Estava escuro quando Eleanor e Henry alcançaram a casa.
SEXTO EPISÓDIO
Sábado era o último dia dessas férias. No dia seguinte, Eleanor devia voltar para a escola e Henry tinha que retornar às suas atividades. Eleanor e Henry decidiram ir a um promontório favorito, iluminado pelo Sol, na colina.
O Sol estava agora entre o topo das árvores e logo iluminaria a clareira com seus raios dourados, quando mergulhasse para descansar. Aqui era um verdadeiro paraíso, um refúgio natural de paz e silêncio. Eleanor e Henry sentaram-se ao norte da clareira, debaixo de uma enorme rocha que parecia uma sentinela e que estava sobre uma outra rocha plana, semelhante a um altar acima do solo. Era um trono confortável. Decidiram ficar naquele local maravilhoso e aproveitar a vista que descortinavam, à medida que o Sol se punha por detrás do místico horizonte. Logo um barulho diferente perturbou seu devaneio. Nunca ouviram a voz de um sapo naquela clareira, mas agora parecia haver muitas vozes cantando numa sequência rítmica. Havia no ar uma grande calma; tudo parecia sossegado e misteriosamente parado. Novamente os sapos coaxaram em uníssono e uma araponga juntou-se a eles: “clang, clang, clang!”
Eleanor disse a Henry:
— Até as árvores estão quietas e não há qualquer murmúrio dos insetos, mas acho que estou ouvindo um som fraco à distância.
Do lado oposto de onde estavam sentados, surgiu um relâmpago de cor brilhante e, voando e flutuando em direção a eles, havia milhares de fadas de todas as cores imaginárias. De todos os lados surgiram essas fadas viventes, umas carregando sinos de cores diferentes, outras uma pequena folha, outras uma minúscula pétala de seda. Elas voavam para o leste e fixavam-se em grupos, pois estavam evidentemente lá embaixo entre os arbustos, aguardando algum acontecimento. Então, do oeste surgiu uma multidão de adoráveis fadas douradas, milhares delas, seguidas de muitas outras de cor prateada. Elas enfileiraram-se em frente umas das outras e sentaram-se sobre a grama e as samambaias. Formaram um semicírculo proporcionando uma visão repleta de cores. Todas eram alegres, pequenas criaturas de faces felizes. Muitas outras chegaram alegremente vestidas nas cores do arco-íris. Aí, surgiu um bando de libélulas vermelho brilhante, e um exército de cigarras pousou nas árvores. O Sol cintilava em suas asas, trazendo ao conjunto uma glória de opalino esplendor.
Agora dos espessos arbustos de cada lado, grupo após grupo de pequenos duendes marchavam séria e tranquilamente. Formavam um outro semicírculo em frente das fadas, deixando um espaço central aberto como um palco. Uma rocha baixa localizava-se perto do final do arco formado pelas fadas e, do lado oposto, havia um tronco de árvore caído. Os sapos pararam de coaxar, mas a araponga, com três outras que se juntaram a ela, cantavam ainda mais forte. Todas as fadas tocavam os seus sinos de pétalas de flores e acenavam o emblema que carregavam. Os duendes batiam palmas.
Em frente a um grupo de fadas cor-de-rosa apareceu uma delicada fada carregando um cetro dourado. Sobre sua cabeça havia uma coroa de joias e ela estava radiante. Ela era a Rainha. Ela subiu na rocha, circundada por suas ajudantes. Uma outra figura graciosa e repleta de Joias apareceu em cena, montada sobre um grande besouro marrom. Esta gloriosa criatura subiu ao tronco da árvore caída e, por alguns minutos, tudo permaneceu quieto. Alguns retardatários chegaram e tomaram seus lugares. Continuaram a bater palmas, tocar os sinos e a acenar.
Foi esta a cena que Eleanor e Henry viram: um espaço circular, coberto de relva, em redor do qual estavam agrupadas, de ponta a ponta, milhares de figuras multicoloridas. As fadas estavam agrupadas em forma de Lua crescente e numa das extremidades ficava a Rainha, circundada por seus guarda-costas. Seu Regente se equilibrava no lado oposto do crescente, sobre a árvore caída ao chão. Do outro lado do círculo estavam os duendes, pequenos seres de ar circunspecto, alguns sentados, outros de pé nos galhos das árvores e sobre as rochas e as pedras. Estavam também agrupados em forma de Lua Crescente e juntavam-se às fadas formando um círculo em volta do espaço aberto. Sobre as árvores cintilavam libélulas, as cigarras trinavam incessantemente, as arapongas produziam um ruido estridente.
Agora, a Fada Rainha flutuava no ar mantendo erguido o seu cetro. Tudo estava quieto e parecia que a Rainha falava pois, de vez em quando, havia uma explosão de mãos acenando e tocando os sinos. A Rainha desceu ao seu trono coberto de líquens. Dentro do círculo flutuavam dois grupos de mais ou menos cem fadas douradas e prateadas. Agrupavam-se rapidamente em forma de uma estrela de cinco pontas e depois levantavam-se simultaneamente e executavam algumas graciosas evoluções no ar. Então, quatro turmas de duendes marcharam em direção à arena. Formaram figuras deliciosas, rapidamente e com muita graça. Corriam e brincavam de pula sela e faziam demonstrações de suas habilidades fazendo evoluções rápidas.
Depois, veio outro batalhão de fadas de cores diferentes e formaram um arco-íris vivo que ia de um lado para o outro da arena. Debaixo deste lindo arco vivo, outras fadas formavam um sino animado que pendia para baixo e o balançavam em harmonia com os minúsculos sininhos que tocavam. Um passarinho voou até o centro do anel, seguido de mais quatro. Eram pássaros pretos com lustrosas asas vermelhas. Minúsculas fadas estavam montadas sobre suas cabeças e os passarinhos faziam uma exibição de voo, realmente muito bonito. Os raios do Sol poente iluminavam toda a clareira acrescentando mais beleza ao cenário. O espetáculo era representado com rapidez e entusiasmo. Aqueles que tomavam parte nele pareciam estar sob uma espécie de comando, apesar de não haver nenhum mestre de cerimônias.
Depois, uma série de exercícios foram desenvolvidos pelos duendes, que cavalgavam em pequenos animais parecidos com esquilos e faziam todo o tipo de travessuras divertidas. Outros marchavam de forma simétrica. Enquanto o Sol lentamente se escondia, todo o exército de fadas, juntamente com os duendes, formava um único conjunto. Os duendes agrupavam-se em três estrelas, sendo que a maior delas estava no centro. Acima de cada uma delas, as fadas formavam um desenho parecido com a folha de um trevo. Depois de manter esses desenhos por algum tempo, voltavam à sua posição original. Novamente a Rainha levantou-se com seu gesto majestoso e saiu da clareira, seguida de perto por seu Regente e suas ajudantes.
Quando as fadas e os duendes partiram, Eleanor e Henry olharam ao redor e viram vagas formas de ninfas sob as árvores. Atrás delas estavam as formas escuras dos sátiros que evidentemente haviam sido espectadores interessados.
O Sol estava se pondo agora, bem perto da clareira e, gradualmente, os duendes foram para debaixo das árvores e as fadas flutuaram e desapareceram entre árvores da floresta. Os sapos estavam quietos, as libélulas, as cigarras e os passarinhos foram embora, os insetos cantaram sua canção do entardecer, uma brisa sussurrava entre as árvores e as longas sombras se espalharam escurecendo a floresta.
Eleanor e Henry, extremamente felizes com o espetáculo e tudo o que viram, dirigiram-se vagarosamente para casa. Pat e Wasp pulavam pelo vale diante deles, inspecionando todos os lugares.
Terminaram as férias. Eleanor e Henry decidiram não contar para ninguém sobre suas fantásticas experiências. O vale, as colinas, as montanhas, as correntes de águas prateadas tinham um novo significado para eles. Além dos diversos fenômenos da Natureza, tão conhecidos deles, haviam descoberto também aqueles maravilhosos habitantes das florestas. Tentaram descobrir a razão para esta manifestação que os afetou profundamente. Muitas vezes, andando juntos pelos prados, haviam sentido uma indescritível sensação de vida invisível em torno deles, da presença da beleza e da alegria. Nem haviam comentado um com o outro a respeito desse sentimento intuitivo. Agora, eles desejavam saber porque não tinham visto antes esse fenômeno. Estes amantes da Natureza foram sempre imbuídos de amor, alegria, simpatia e harmonia para com cada fase da Natureza, e em abrenhavam-se nos campos para ver e desfrutar o maravilhoso panorama da vida, sempre em mutação.
Esta série maravilhosa de manifestações, talvez fosse devido ao fato de Eleanor estar na idade em que as crianças têm capacidade de contactar o mundo dos Espíritos da Natureza. Esse reino é indefinível em muitos aspectos, mas é, sem dúvida, uma realidade e aquele que possui essa “dádiva” é projetado, na maioria das vezes, em um mundo de seres invisíveis. O companheiro de Eleanor, entrando nessa paz e silêncio mágico das florestas juntamente com ela, pôde compartilhar dessas belas manifestações, nessas experiências verídicas, como foram aqui relatadas.
Quando Eleanor e Henry chegaram à casa, tentaram lembrar-se dos contos das fadas, espíritos, gnomos, elfos, ninfas das florestas, sátiros e constataram que aquilo que viram era exatamente o que haviam lido e que os deixou maravilhados. Sabiam que eram privilegiados por terem visto os aspectos de um mundo, em geral, invisível. Um mundo de formas espirituais tão real e tangível à visão etérica, como as flores e os botões da Terra são maravilhosos à visão física, um mundo de vida cheio de graça e de extrema beleza.
Grace S. Gaudy
Pequenos botões de avelã,
todos em fila formados,
de cabeça para baixo,
vocês crescem tão gozados.
Parece que vocês são,
como velas de verdade,
que servem para dizer,
no bolo de aniversário, a idade.
E um dia, no outono,
quando as maçãs maduras estão,
Os gansos voam para o sul,
e as folhas caem no chão.
Todos nós nos reuniremos,
e você terá certamente
um monte de avelãs de presente.
É o que na aveleira veremos.
Manfred kyber
Era uma vez um rei muito poderoso, que governava muitas terras. Todos os tesouros da terra eram dele e todos os dias ele brincava com pedras preciosas de Ofir[1] e com rosas de Damasco, como se elas fossem ninharias. Todavia, com toda sua riqueza, ele não tinha uma coisa: “As Chaves dos Portões do Céu”.
Ele havia enviado milhares de mensageiros pelo mundo a fim de descobrir as Chaves do Céu, mas ninguém foi capaz de trazê-las. A todos os sábios que vinham à sua corte, ele perguntava onde as Chaves do Céu poderiam ser encontradas, mas ninguém sabia a resposta.
Um deles, um homem que veio da Índia, com olhos estranhos, sorrindo, colocou de lado as pedras preciosas de Ofir e as rosas de Damasco com as quais o rei estava prestes a brincar, e disse-lhe que todos os tesouros da Terra poderiam ser possuídos como um presente, mas, as Chaves do Céu, cada um deveria encontrar por si mesmo.
Então, o rei decidiu encontrar as Chaves do Céu, custasse o que custasse. Esta era uma época em que a humanidade era capaz de ver o lugar onde o céu se encontrava com a Terra e todos conheciam a alta montanha, no cume da qual tinham sido construídos os portões do céu. O rei ordenou que seus cortesãos permanecessem em casa e começou a subir a íngreme montanha, até que alcançou os portões do céu. Diante dos portões, cujas muralhas estavam inundadas pelo brilho do Sol, permanecia o Anjo Gabriel, o guardião do eterno jardim de Deus.
— Ser glorioso, disse o rei, todos os tesouros da Terra são meus. Muitas são as terras que têm que me pagar impostos e eu me divirto brincando com as pedras preciosas de Ofir e com as rosas de Damasco. Porém, não me sentirei feliz até que tenha comigo as Chaves do Céu. Se não for assim, como esses portões poderão se abrir para mim, algum dia?
— Isso é bem verdade, disse o Anjo Gabriel, sem as Chaves do Céu você nunca abrirá seus portões, mesmo que possua todas as artes e tesouros da Terra! Mas, tantas são as Chaves do Céu! Elas podem ser encontradas em cada florzinha, quando é primavera na Terra e na alma de cada criatura.
— O que! Exclamou o rei surpreso. É só isso que tenho que fazer, só juntar essas pequenas flores? Os vales e as florestas estão cheios delas e em todo o lugar que você for, você pisa sobre elas.
— É verdade que as pessoas esmagam muitas dessas lindas flores sob os pés, disse o Anjo. Entretanto, encontrar as Chaves não é tão fácil como pode parecer. Há apenas três chaves que podem abrir os portões do céu e todas as três somente serão suas se brotarem a seus pés — e para você. Todas as outras milhares de prímulas que brotam na Terra e que no reino das fadas são conhecidas como as Chaves do Céu, servem apenas para relembrar os seres humanos de fazer florescer às verdadeiras Chaves do Céu, pois estas são as flores sobre as quais todos estão pisando.
Neste momento, apareceu uma criança diante dos portões do céu segurando três pequenas chaves em sua mão. As flores exalavam uma fragrância deliciosa nas mãos da criança. Enquanto ela tocava os portões do céu com as três chaves, esses se abriram e o Anjo Gabriel a conduziu para dentro. Mas, os portões fecharam-se novamente e o rei permaneceu sozinho diante dos portões fechados. Então, desceu pensativamente a montanha em direção à Terra e, em todos os lugares, os campos e os prados estavam cheios das mais belas e douradas Chaves do Céu. O rei tomou muito cuidado para não pisar sobre elas, mas nenhuma das flores brotou aos seus pés.
– Será que não conseguirei achar as verdadeiras Chaves do Céu, o rei perguntou a si mesmo, quando uma criança pode encontrá-las?
Mas, ele não as encontrou e muito tempo se passou.
Um dia, quando estava saindo de seu Castelo acompanhado pelos seus cortesãos e em todo seu esplendor, uma criança suja e rejeitada, que não tinha pai nem mãe, estava pedindo esmolas no caminho.
— Ah, mande-a pedir esmolas em outro lugar, disseram os servos, puxando-a de lado quando ela se aproximou do rei com as mãos estendidas.
Mas o rei puxou para si a criança. Todos esses anos desde que havia descido da montanha, ele havia pensado muito sobre as Chaves do Céu. Então, ele levantou a criança e colocou-a diante dele, sobre seu cavalo, e a levou para o castelo. Quando chegou à casa ordenou que a criança fosse alimentada e vestida; ele mesmo a auxiliou e a enfeitou, colocando uma pequena coroa sobre sua cabeça.
De repente, floresceu aos seus pés uma pequena Chave dourada do Céu. Então, o rei proclamou que em todo o seu reino, todos os pobres e todas as crianças seriam seus irmãos.
Muitos anos se passaram. Um dia, o rei cavalgava pela floresta com seus nobres. Vendo um lobo doente e ferido, ele desmontou e descobriu que o animal estava desamparado e impossibilitado de se mover.
— Oh, deixe-o morrer, disseram os cortesãos, pondo-se entre o rei e a miserável criatura.
Mas o rei pegou o pobre animal e o colocou em uma das carruagens e, quando chegou ao seu lar, carregou-o em seus braços para o palácio. Cuidou dele diariamente até que lhe devolveu a saúde e, desde esse dia, o lobo o seguia por todos os lados. Então, brotou a seus pés a segunda Chave Dourada. Daí para frente, o rei declarou todos os animais viventes em seu reino, como seus irmãos mais jovens.
Passaram-se mais alguns anos e um dia, andando pelos jardins do palácio, o rei regozijava-se ao admirar as plantas e flores raras, tão artística e zelosamente cuidadas e nutridas, o que tornava seu jardim o mais belo de toda a nação. Olhando para baixo, o rei viu, à beira do caminho, uma flor de aparência feia, quase murcha pela ação do Sol, suas folhas cheias de pó decaídas, com sede.
– Vou buscar água, disse o rei.
Mas o jardineiro o reteve.
— É feia como erva daninha, ele disse. Deixe-me arrancá-la e queimá-la. Não há lugar para ela em seu jardim, com todas essas flores maravilhosas.
Mas o rei, pegando seu capacete dourado, encheu-o com água fresca da fonte e o levou para a planta. A planta bebeu a água e começou a respirar, a viver e a florescer novamente.
Então, a terceira Chave do Céu floresceu aos pés do rei, enquanto a pequena mendiga e o lobo olhavam para ele. O rei, olhando para a montanha, viu os portões do céu se abrirem amplamente e na luz radiante do Sol estava o Anjo Gabriel e a pequena criança que há muito, muito tempo já havia encontrado o caminho do céu.
As três Chaves do Céu ainda hoje florescem e brilham mais e são mais belas que todas as pedras preciosas de Ofir e todas as rosas de Damasco.
John Scott Douglas
Nuvens de poeira moviam-se pela ação das grandes rodas de ferro da diligência, enquanto os fatigados bois subiam a pequena montanha. Priscila correu pela areia quente, grata por uma pequena sombra proporcionada pela cobertura da diligência.
Seu irmão Herbert encorajou os bois, sua voz soando desafinada e baixa na quietude do deserto. No topo do morro, ele retirou à diligência da estrada e gritou:
— Pare!
Priscila saiu para ver se ele estava dando passagem a outras diligências. Seus olhos azuis atentos perceberam imediatamente a cena que estava à sua frente. O pico da montanha erguia-se sozinho na planície ressecada e marcava o ponto divisório de duas trilhas. Uma, ia para o sul através de um sulco branco e alcalino. A outra, abraçava uma cadeia de montanhas ao norte — montanhas vermelhas e amarelas que cintilavam nas dunas quentes.
Bem abaixo deles, uma cabeça inclinada subia a montanha em que eles estavam. Uma mulher envelhecida e uma garota de rosto redondo, de idade aproximada à de Priscila, caminhavam com dificuldade ao lado dos dois bois magros. A derrota estava escrita em cada linha dos dois estranhos que se aproximavam — nos seus ombros caídos, nos seus semblantes desanimados, nos seus passos lentos.
— Não vá começar um bate-papo, disse Herbert, não temos tempo a perder se pretendemos alcançar a caravana.
Priscila olhou para seu irmão com surpresa. O tom, as palavras, não eram suas. Somente um ano mais velho, ele parecia ter envelhecido anos nessas últimas semanas. Não é de admirar, pensou Priscila. Ele era muito novo para tal responsabilidade. Mas não foi o envelhecimento que preocupou Priscila. A face morena de Herbert tornara-se mais magra, seus olhos mais ansiosos e toda sua amabilidade desaparecera. De alguma forma, ele tinha endurecido e isso era o que preocupava sua irmã, mais do que tudo.
À medida que a diligência se aproximava, Priscila podia ouvir um som áspero e desagradável que, algumas vezes, parecia um grito estridente. Ela notou que a roda traseira direita da diligência que se aproximava, não girava totalmente. Se arrastava pela areia tornando mais difícil o trabalho dos bois.
A mulher e a menina não levantaram suas cabeças quando desviaram os bois para o lado, a fim de passar. O coração de Priscila sensibilizou-se pela indiferença delas, porque ela reconheceu que essa indiferença era devida ao completo cansaço que tinham.
— Perdão, disse Priscila, impulsivamente. Não seria mais fácil se essa roda fosse engraxada?
O chapéu levantou-se e Priscila viu os olhos da mulher brilharem.
— Como você é esperta! – disse ela asperamente.
— Sei que vocês não têm graxa, Priscila respondeu rapidamente, mas nós temos um pouco e tenho certeza de que meu irmão teria prazer em ajudá-las.
A mulher encarou a face ansiosa e ruborizada de Priscila, e lágrimas rolaram por seu rosto moreno.
— Perdão, minha filha. Eu estou tão embrutecida que mal reconheço a gentileza. Eu agradecerei muito a seu irmão se ele fizesse isso para mim.
Priscila ficou contente ao ver que a mulher não percebeu o olhar amuado de Herbert. O tempo era tão precioso!
A mulher dirigiu-se à mãe de Priscila, que estava dirigindo os bois, pois estava muito cansada para andar. A garota aproximou-se de Priscila, levantando seus grandes olhos escuros.
— Deve desculpar mamãe, disse ela. Ela não é assim normalmente. Mas… perdemos papai. A garota acenou indefinidamente para as montanhas que estavam à oeste, bem distantes.
— Há muita cólera nos trens de imigrantes, disse Priscila com emoção. Meu pai também pegou cólera… e nada pudemos fazer…
— Eu entendo, disse à menina.
— Perdemos a caravana em que estávamos, Priscila explicou. Quebramos o balancim do carro e tivemos que parar enquanto Herbert fazia outro.
— Planejam pegar a bifurcação sul para Pinnacle Rock? – perguntou a garota.
Priscila concordou.
— Temos só um barril de água. Precisamos conseguir mais em Fonte Sultry.
A outra menina olhou rapidamente.
— Viemos de lá. A Fonte Sultry está seca, ela acrescentou num rouco sussurro. Talvez encontrem água na bifurcação do norte, não sei.
Herbert tinha acabado de engraxar a roda. Sorrindo, a mulher e a garota agradeceram.
— Vocês encontrarão aquela caravana em apenas um dia adiante, disse a menina.
A roda não mais emperrou ou se arrastou. Vendo seu progresso, Priscila observou que a mulher e a menina não mais fixavam o olhar no chão. Elas andavam eretas, olhando para a frente. Ela sentiu um ar de triunfo nelas e ficou contente, percebendo que ajudara a animá-las.
Quando ela voltou, viu Herbert olhando perturbadamente para uma mancha escura debaixo da diligência. De repente, ele correu para os fundos, subiu na diligência e quando Priscila o alcançou, Herbert estava sacudindo um barril, desesperado.
— Saiu a rolha de nosso último barril de água! Nenhuma gota sobrou! Enquanto nossos bois estão quase morrendo, você fica aí tagarelando.
— Devemos chegar a Fonte Sultry antes do anoitecer, vociferou Herbert.
— Aquela mulher e a garota vieram do sul, Herbert. A Fonte Sultry está seca.
Ele derrubou o barril, seus olhos em pânico.
— Seca?
— A garota acha que podemos encontrar água na bifurcação norte.
— Não, disse ele roucamente. Os guias dos imigrantes nada dizem sobre água ao norte. É isso que conseguimos porque você nos atrasa com cada estranho que encontramos.
Os olhos de Priscila entristeceram-se.
— Herbert, você está aborrecido. Além do mais, seguiríamos a bifurcação sul se eu não tivesse falado com aquela menina.
— Talvez seja verdade, disse ele, mas você não tem nenhuma desculpa por ter ficado tagarelando ontem, por meia hora, com aquele comerciante velho e grisalho.
— Mas ele estava ansioso para conversar com alguém, Herbert. Sua face iluminou-se quando parei para conversar com ele. E ele tinha tantas coisas para dizer sobre estas terras que estão adiante.
— Interessante, talvez, mas perda de tempo.
Ela o olhou fixamente quando ele pulou para o chão. Tocou-lhe o braço temerosamente. Ele virou-se, olhando-a carrancudo.
— Herbert, não seja insensível, por pior que estejam as coisas. Se você não pode perder tempo para uma palavra amiga ou um ato gentil durante a viagem, na verdade, você não está vivendo.
Ele olhou para ela, endurecido e imóvel.
— Você deve tomar conta de si mesma. Não pode ficar pegando para si os problemas dos outros.
Ele continuou a caminhar. Nada falou quando pegou a bifurcação norte em direção a Pinnacle Rock, ou durante as horas em que viajaram pela base dos penhascos. O calor que os penhascos refletiam ardia como se fosse um forno. Mais de uma vez, Priscila olhou para sua mãe ansiosamente, pois os lábios dela estavam bem apertados. Mas a garota nada disse. Ela sabia que sua mãe estava com sede, mas nada podia fazer.
Finalmente, Herbert parou os bois. Seus olhos estavam arregalados de medo. Priscila foi para a frente e um calafrio lhe percorreu a espinha. A língua dos bois estava de fora e eles estavam tremendo.
— Só um dia nos separa de nossa caravana, Herbert disse roucamente. Mas os bois não aguentarão se não beberem água.
Os olhos de Priscila passaram rapidamente pela planície e dirigiram-se depois para a colina acima. Viu desfiladeiros secos pela erosão, causada pelas tempestades de séculos, artemísias, cactos e grama queimados com exceção de um desfiladeiro onde havia uma única ponta de árvore verde.
— Desate um dos bois, disse Priscila rapidamente. Prenda um pote sobre seu dorso. Acho que sei onde há água.
Herbert protestou quando ela subiu em direção a um desfiladeiro seco. Duas voltas, três — sem nenhum sinal de água. Mesmo assim, Priscila insistiu em continuar, apesar de Herbert ter cada vez mais dificuldade em dirigir o boi pelas ásperas pedras. Meia hora mais tarde, eles chegaram a uma areia úmida onde a água havia corrido, não muitas horas antes; a uns metros daí havia um córrego de águas límpidas.
Eles beberam, deixaram o animal beber e encheram seu pote com água. Em uma das vezes que Priscila abaixou sua cabeça para beber, Herbert empurrou-a para a água. Com a cabeça toda molhada Priscila colocou sua mão no córrego para também jogar água em seu irmão. De repente, ela se endireitou, seus olhos estavam brilhantes.
— Ora, Herbert você está sorrindo! Há semanas que…
— Reconheço que tenho uma razão para sorrir! – Com exceção da magreza de sua face, ele parecia quase um menino outra vez – Nossos maiores problemas terminaram! Priscila, como você sabia que havia uma nascente aqui? Não há nenhum sinal de água lá embaixo.
Os olhos de Priscila estavam arregalados e brilhantes!
— Tinha que haver água aqui! Lembra-se daquele velho comerciante grisalho com quem eu conversei ontem? Ele me ensinou muitas coisas úteis. Entre elas, disse-me o seguinte: se você encontrar um grupo de arbustos ou árvores de verde mais escuro do que as da redondeza – como as que existem neste desfiladeiro – saiba que lá deve ter água.
— Oh! Disse Herbert. E eu disse que você perdia seu tempo sendo gentil com as pessoas.
Helen Waite
No Jardim do Tapete Florido há uma árvore. Todos os dias meninos e meninas do Reino das Fadas se reúnem em volta dela para estudar, trabalhar e brincar, pois ela é, para eles, a Árvore do Exemplo. É a sua escola. É onde aprendem a diferença entre o certo e o errado, a melhorar seus modos e a prepararem-se para a época em que estarão prontos para a Árvore da Vida.
À Árvore da Vida também está no meio do Jardim do Tapete Florido. Mas ninguém a vê. Está escondida da vista das Fadas crianças, até um certo dia em que elas completem 7 anos do seu crescimento, quando então estarão aptas para a Grande Aventura de aprender o significado das coisas.
A Árvore da Vida é uma árvore etérea, que não pode ser vista à luz do dia, e não pode ser conhecida até que a criança atinja o sétimo ano de sua vida. Somente neste tempo certo, é que ela brilha para as Fadas e a luz é tão brilhante no início, que os meninos e meninas são tomados de surpresa. A luz brilhante e etérea apareceu de repente no Jardim do Tapete Florido em uma noite de junho.
Naquela noite maravilhosa de junho, duas dúzias de meninos e duas dúzias de meninas estavam reunidos sob sua Árvore do Exemplo, estudando suas lições, como fazem todas as boas crianças. Cada um tinha aprendido a ter bons pensamentos e bons sentimentos extraídos das cores, dos companheiros e dos amigos da Natureza. Cada um tinha aprendido a deixar de lado todos os maus pensamentos e todos os maus sentimentos que, de alguma forma, cresciam em seus corações e em suas Mentes. Às fadas aprenderam tão bem essa lição que, elas mesmas, se tornaram pequenas luzes brilhantes. E, porque cada menino e cada menina estava brilhando com bons sentimentos e bons pensamentos, certa noite em junho, a luz grande e brilhante da Árvore da Vida chegou direto em suas Mentes e seus Corações. Resplandeceu numa torrente de radiante esplendor.
– O-o-o-o, exclamou um coro de minúsculas vozes, e as Fadas meninas arremessaram-se para o céu carregando a fragrância das flores, enquanto se afastaram assustadas.
Os meninos eram mais destemidos, mas, lá no fundo, eles também estavam um pouco assustados. Eles fingiram que não. Não queriam que as meninas soubessem que estavam tão assustados quanto elas diante daquela luz repentina e brilhante. Então, permaneceram no Jardim, alguns atirando-se ao chão para tirar força da sua Mãe-Terra. Outros seguravam seus joelhos, fechavam suas mãos e apoiavam-se na Árvore do Exemplo para disfarçar seu espanto.
Por um momento, a própria luz das pequenas Fadas tornou-se opaca. O medo fez com que ela se escurecesse. Mas, bem depressa elas perceberam que a Luz radiante, vinha de cima, era amiga e gentil e todos os seus medos se dissiparam e sua luz começou a brilhar novamente.
As fadas meninas saíram das nuvens. Elas flutuavam acima da Árvore do Exemplo, expressando cada um seu espanto e surpresa. Cinco delas, mais aventureiras do que as outras, deixaram de lado suas asas e desceram para o arco de luz na base da maravilhosa Árvore da Vida que não podiam ver.
Doze dos meninos, ainda mais ousados do que suas cinco irmãs, corajosamente mudaram seus sentimentos e avançaram para se apoderar de doze raios de luz. Com uma velocidade assustadora, eles foram impulsionados para cima, para os galhos etéreos que giravam rapidamente acima do chão. Os outros olhavam, aplaudiam e se perguntavam se ousariam segurar um raio da Resplandecente Árvore da Vida.
Lá em cima nos galhos, alguns dos meninos pareciam estar deliciados com sua nova experiência, enquanto outros sentiam-se assustados, outros riam e alguns apenas fechavam os seus olhos para pensar o que iriam fazer. Apenas um dos meninos foi capaz de flutuar no mesmo instante ao ritmo da extraordinária Árvore. Ele chamou seus irmãos para tentar ajudá-los.
— Veja, ele ria. É fácil. É como se você fosse um pássaro voando, um cardo flutuando no ar ou mesmo um dos nossos bons pensamentos soprando pelos ares.
Os outros meninos lançaram-se na experiência, confusos a princípio, até que, finalmente, todos eles movimentaram-se facilmente no ritmo da vida, como pássaros livres, como semente carregada pelo vento ou como o voo límpido de um bom pensamento.
Um por um, os doze meninos armaram-se de coragem, pesaram os raios de Luz e foram levantados rapidamente no círculo brilhante sobre o Jardim. Uma a uma, as fadas meninas retiraram suas asas e desceram para juntar-se às suas irmãs no arco de Luz que inundava o Tapete Florido, na base da Árvore.
As garotas cresciam parecendo borboletas e pétalas de flores e matizes do arco-íris do orvalho da manhã, à medida que dançavam e brincavam à Luz da Vida. Os meninos cresciam parecendo as mais ativas criaturas do ar, do mar e da terra. E, do sétimo ano de seu crescimento até que se passassem outros sete anos, todas as Fadas meninos e meninas estudaram o significado das coisas na maravilhosa Luz da Árvore da Vida.
Ella Van Gilder
ATO 1
CENA 1
A beira da floresta
(Entra o príncipe e a princesa, de mãos dadas, rindo animadamente.)
Ambos
Ho, ho! Ha, ha, ha!
Príncipe
Oh, querida irmã, que travessura vamos armar,
Para do parque do palácio escapar.
Princesa
Eu abandonei as minhas tarefas do dia,
E disse que a minha cabeça doía.
(Segura a cabeça de maneira fingida, sorrindo)
Príncipe
Meu velho mestre, meigo e bondoso,
Para a torre o encaminhei.
Lá irá passar uma hora silencioso
Pois na torre do castelo, eu o fechei.
(Ruidosas risadas).
Princesa
Agora, vamos planejar o que iremos fazer,
Ou que travessura devemos tecer.
Príncipe
Vamos pela floresta obscura entrar,
E nos rios proibidos nadar
(Começam a andar pela floresta).
Princesa
Mas veja! quem corre lá na floresta?
Príncipe
Seja quem for, é pessoa que não presta.
(Grita pare o homem).
Companheiro, pare de correr,
Fique de joelhos para a bênção receber!
Homem
Misericórdia, senhor, eu nada faço de mal.
(O homem vira-se e ajoelha-se com as mãos levantadas).
Princesa
É um ladrão de caça; soe o alarma, o sinal.
Príncipe
Vamos pendurá-lo naquela árvore, lá adiante,
Para ele poder ver o pôr-do-sol radiante.
Homem
Tenha pena, princesa. Nós estávamos procurando a sombra dessa floresta isolada, somente.
Meu filho pelo calor está sufocando
Minha esposa e meu bebê só agem docemente!
(Aponta para a mulher, que segura uma criança morrendo em seus braços).
Princesa
Que me importa a criança morrendo!
Príncipe
Vão, ladrões; peguem isto e saiam correndo.
(Saem todos, enquanto o Príncipe e Princesa atiram pedras no homem e na mulher que fogem).
CENA II
(Entra a Rainha das Fadas e suas ajudantes)
A Rainha das Fadas
Ah, que infelicidade! Ah, que infelicidade!
Que imagem cruel eu estou vendo!
Esses dois, que deviam ser exemplos
E na bondade e na humildade estar vivendo,
Pelas feias palavras proferidas, este lugar perturbará,
Assim devem ser trancados na prisão.
(Vira-se e se dirige a Mercúrio).
Vá, corra ligeiro e raciocine rapidamente,
Para aqueles dois malvados ensinar.
Abra os olhos deles para que eles vejam realmente,
Nossa corte de fadas majestosamente desfilar.
Mercúrio
Nobre Rainha das Fadas, eu vou já
O par malandro, eu os estou vendo lá.
(Sai Mercúrio)
Rainha Fada (Para o Mensageiro)
Avise as fadas do vale
Que na corte permaneçam,
Descansem e se fortaleçam.
(Saem a Rainha e as Fadas. O Mensageiro toca a campainha)
CENA III
(Dos 4 cantos, entra um grupo de Fadas)
(As fadas dançam)
Primeira Fada
Das moitas de samambaias do vale viemos.
Segunda Fada
E nós do meio das urzes chegamos.
Terceira Fada
Do coração do jardim das rosas aqui estamos.
Quarta Fada
E nós, do lugar onde os trevos crescem, voamos.
(Entra a Rainha e as ajudantes. Todas fazem reverência quando a Rainha entra)
Fada Rainha
Fadas, levantem-se! E ouçam com atenção,
Enquanto lhes contarei uma história vergonhosa,
O príncipe e a princesa desta ilha são
Desobedientes, cruéis, e têm uma língua maldosa.
Não conhecem o amor e nem o têm no coração,
Para eles, qual deve ser a pena culposa?
Mensageiro
Prisioneiros, permaneçam de pé para ouvirem.
(O Príncipe e a Princesa se aproximam).
Primeira Fada
Vamos deixá-los, por um dia e por um ano,
Nas florestas onde os mais violentos ventos sopram,
E onde os duendes do mundo inferior habitam.
Princesa
(Implorando)
Oh, não cometam tal crueldade, no momento!
A Rainha
Silêncio! É um pouco tarde para o arrependimento.
Segunda Fada
Os maus pensamentos serão transformados em coisas rastejantes.
Terceira Fada
As palavras cruéis, em insetos picantes.
Quarta Fada
A roedores serão seus desejos inferiores.
Até seus corações inspirem nobres atos superiores.
Príncipe
Vocês não podem nos dar tal sorte e tal lei.
Pois somos os filhos do Rei.
(Põe os braços ao redor de sua irmã que chora).
Fada Rainha
Saiba, soberbo Príncipe, que existe e impera
Uma corte maior e mais soberana que a do Rei,
Uma corte que todas as outras supera.
É o Reino do Amor, onde só o Amor é lei.
Príncipe e Princesa
Oh, poupe-nos, nobre Rainha, e prometemos,
Que seus mais humildes servos nós seremos!
(Caem de joelhos, implorando, com as mãos levantadas).
A Fada Rainha (Para o Mensageiro)
Avise os duendes já é hora de começar
A sentença foi dada, não precisamos ficar.
(Entram os duendes e acompanhantes)
Aqui estão os culpados, vocês os devem vigiar,
Nós vamos para o Vale das Fadas descansar.
(Saem a Rainha e as Fadas)
(Os duendes estão vestidos de verde. Seu líder fala às crianças).
Líder
Ho, Ho! O que hoje aqui vemos?
Um príncipe e sua querida irmã juntamente.
Agora, garotos, vamos agir e espertos serão,
Se enxugarem os seus olhos rapidamente.
E para casa voltarão
Se aprenderem esta lição.
Companheiros, não devemos esperar tão tranquilamente
Mas enquanto esperamos, cantemos uma canção.
(Todos se dão os braços e cantam juntos)
CANÇÃO
Oh, nós somos os duendes do mal,
Gnomos dos limites da Terra distante.
Das águas paradas, verdes, viscosas e da cal
Sai nosso exército maldoso e operante.
Nós coalhamos o leite nas leiteiras.
Nós deixamos o fogo queimar,
Impedimos que a manteiga seja feita
Quando as mulheres o leite vão desnatar
Oh, nós somos os duendes do mal,
Gnomos dos limites da Terra distante.
Das águas paradas, verdes, viscosas e da cal
Sai nosso exército maldoso e operante.
Líder
Daremos aos nossos hóspedes reais uma oportunidade.
De ver como nós dançamos bem de verdade.
(Duendes dançam. Todos se sentam num círculo, com as pernas cruzadas de um lado e do outro).
Líder
Venha, “Sapo Magricela”, no meio pode se sentar
E uma música em seu violino comece a tocar.
(Um duende vai à frente e toca um instrumento).
Líder (No Final)
Agora, vamos para nossa caverna sinuosa,
E levemos conosco esta dupla principesca maldosa.
(Saem todos)
ATO II
CENA I
(Entra o Rei, a Rainha e seus ajudantes)
Rei
Bom dia, Rainha, como está o dia surgindo?
Rainha
Estou em lágrimas por algo desconhecido.
Rei
Venha, vamos dar uma volta no jardim
Que isso dissipará seus temores.
Mas, quem vem lá? Um cavaleiro corajoso, sim!
Fale rapaz, relate o que viu de bom e, também, os horrores.
(O cavaleiro ajoelha-se, descobrindo a cabeça).
Cavaleiro
Bom senhor, a mensagem que eu trago pessoalmente
Entristecerá a ambos, Rei e Rainha.
O Príncipe e a Princesa não foram encontrados realmente,
Vasculhamos várias vezes o castelo e a propriedade inteiramente.
Rainha
Ah, pobre de mim! O meu pressentimento sentido,
Era, na verdade, um aviso contido.
(Afunda-se num banco, chorando).
Rei
Vá, amigo, chame os guardas e os homens disponíveis.
Procure por todos os lados possíveis.
(O cavaleiro sai; o Rei retorna para confortar a Rainha).
Seja forte, cara esposa, devemos realmente afastar
Nossos temores para o sucesso alcançar.
CENA II
(Príncipe e Princesa na floresta escura, roupas rasgadas, parecendo muito fracos).
Princesa
Oh, será que nunca deste lugar sairemos?
Os espinhos arranham nossas mãos, as moscas picam
Nossas faces e assim sofremos.
Tenho medo das cobras e dos ratos roedores,
Das corujas que gritam e dos morcegos voadores.
Príncipe
Tentei cortar os espinheiros,
Mas, quanto mais os corto, mais eles vão crescendo.
Descanse sua cabeça, somos companheiros,
Eu vou deitar-me no solo, estamos ambos sofrendo.
Princesa
Sobre este monte de folhas, minha cabeça deitarei,
E aqui será meu túmulo e aqui eu morrerei.
(Ambos adormecem)
CENA III
(Entram o Rei e a Rainha, a Rainha apertando suas mãos. São seguidos pelo Mensageiro e ajudantes)
Rainha
Nenhuma notícia, meu senhor? Meu coração está ferido,
Chorei até não mais ter podido.
Rei
Paciência, querida, deve ser esse sofrimento
Para algum bem, eles chegarão breve.
Tenho o pressentimento!
Rainha
Eu lhe rogo, chame a Fada Rainha nesta situação.
Por ela, todas as coisas aparecerão.
Rei
Chamaremos! Vá, Mensageiro! Pela nossa fé, queremos vê-la.
Imploramos uma audiência com ela.
Mensageiro
Rapidamente vou procurar seu lar,
E, em uma hora, voltarei a este lugar.
(Sai o Mensageiro).
Rainha
Minhas damas agora irão cantar uma canção,
Talvez isso traga algum conforto ao meu coração.
(As damas cantam “O homem de Areia” (The Sandman)
O homem de Areia chega ao fim da jornada.
Traz o seu pacote de areia pela sua caminhada
Sobre uma pequena nuvem no céu.
Joga a areia e vai embora, então,
Cantando assim sua canção:
“Onde estão as crianças — meninos e meninas?
Deixem de lado seus livros e brinquedos,
Venham para o mundo do sono,
De mãos dadas, rapidamente naveguem,
E durmam pela noite suavemente,
Para acordar quando o sol estiver brilhando novamente.
Durmam, crianças durmam.
As pequenas estrelas os vigiarão,
Durante toda a noite enquanto dormem,
Os anjos à sua cabeceira ficarão,
E guardarão vocês em seus bercinhos,
Mantendo-os seguros, durante a noite, quietinhos,
E, à luz do dia, os acordarão.
Durmam, crianças, durmam”.
(Entra o Mensageiro e ajoelha-se diante do Rei)
Mensageiro
Senhor, a Fada Rainha manda avisá-lo
Que sua corte fica debaixo da Árvore-Verde,
E ela está a esperá-lo.
Rei
Não percamos mais tempo, vamos já,
Vamos depressa para lá.
(Saem todos).
CENA IV — Corte da Fada Rainha
(Entram o Rei, a Rainha e os ajudantes)
Fada Rainha
Dou-lhes as boas-vindas, real casal.
Sei o seu desejo e lhes direi cortesmente,
Seus filhos serão nossos prisioneiros
Até que aprendam a lição, verdadeiramente:
Até que tenham vontade, e possam
Amar e servir seus semelhantes sinceramente:
Seus pensamentos devem ser sempre puros e fraternais:
E, então, poderão voltar para seus pais.
Rainha
Mas como essas lições aprenderão?
E como a liberdade ganharão?
Fada Rainha
Manterei sobre eles estrita vigilância,
E murmurarei a eles, enquanto dormem,
Que devem aprender a orar com constância,
E, ao grande Pai, por amor implorem.
Rei
Até logo! Rogo-lhe que eles fiquem amparados,
E proteja nossos filhos tão amados.
(Saem o Rei, a Rainha e os ajudantes).
ATO III
CENA I — A floresta escura
(O Príncipe e a Princesa dormem. Entra a Fada Rainha e as fadas que dançam em volta das crianças e param de vez em quando para sussurrar em seus ouvidos. As crianças bocejam, espreguiçam-se e acordam)
Princesa
Irmão, um sonho estranho passei esta noite a sonhar!
Esse riacho parecia uma corrente de cristal esplendorosa,
Esta floresta tenebrosa parecia um lar,
E cada espinheiro, uma flor maravilhosa.
Príncipe
Eu tive sonhos estranhos esta noite também,
Tudo aqui parecia um campo repleto de luz,
E cada papoula ao sol, lá no além
Era uma boa ação, que praticamos a alguém.
Princesa
A coisa que mais estranha me pareceu,
Foi essa mudança maravilhosa
Que em nossos corações aconteceu.
Nossos pensamentos eram puros e lavados
E nossos sentimentos nada tinham de malvados.
Príncipe
Eu sonhei que, pelas nossas boas ações,
As sementes selvagens nós transformamos
E em terras férteis cresceu o trigo que nós plantamos.
Princesa
Vamos ver se tudo isso é realmente assim.
(Entra um vendedor ambulante, carregando um pesado pacote).
Príncipe
Lá vem um vendedor com um pacote a vergar.
Amigo, aliviarei você desse peso a carregar.
Princesa
Eu vou para a fonte rapidamente.
Para trazer-lhe um copo de água refrescante.
Descanse nesta relva tranquilamente,
Porque seu caminhar deve ter sido incessante.
(Traz a água e ajuda o estranho a sentar-se)
(O ambulante, tirando sua máscara, revela-se a Fada Rainha)
Fada Rainha
Crianças, vocês aprenderam a lição,
E com isso sua liberdade ganharão.
Amanhã, quando o sol surgir,
Estarão longe desta escura prisão.
CENA II — Nas terras do Castelo
(Rei, Rainha, ajudantes atrás)
Rainha
Vamos para a floresta esperar,
Nossos filhos podem hoje voltar!
Re
Eu ouvi soar a corneta da Fada, lá longe.
A Fada Rainha vem vindo com sua corte, hoje.
(Entra a Fada Rainha, Fadas, Príncipe e Princesa)
Fada Rainha
Aqui estão vossos filhos, sãos e salvos e vereis
Que mais doces do que nunca os achareis.
(A Rainha abraça os filhos, chorando).
Rainha
Parece que meu coração explode alegremente,
Por ter os meus filhos comigo novamente.
Rei (Para o Mensageiro)
Proclame uma festa pela região.
Convide esta Fada e seu séquito irmão.
A Fada Rainha
Obrigada, senhor, não podemos ficar
O sol já se eleva — temos que voltar.
(Saem as Fadas e a Fada Rainha).
(O Rei, a Rainha e seus filhos, formam um grupo no jardim).
Príncipe
É bom estarmos de volta ao lar,
Mas não como éramos antes.
Sabemos, agora, que aprender o sentido de amar,
É a nossa única felicidade.
A alegria de servir seus semelhantes,
É o que um príncipe real deve cultivar
Assim como todos nós, em todos os instantes.
HISTÓRIAS DA ERA AQUARIANA PARA CRIANÇAS
Volume 4
Compilado por um Estudante da
The Rosicrucian Fellowship
Centro Rosacruz de Campinas – SP – Brasil
Avenida Francisco Glicério, 1326 – conj. 82
Centro – 13012-100 – Campinas – SP – Brasil
Revisado de acordo com:
1ª Edição em Inglês, 1951, Aquarian Age Stories for Children, editada por The Rosicrucian Fellowship
1ª Edição em Português, 1990, Histórias da Era Aquariana para Crianças, editada por The Rosicrucian Fellowship
Pelos Irmãos e Irmãs da Fraternidade Rosacruz – Centro Rosacruz de Campinas – SP – Brasil
contato@fraternidaderosacruz.com
fraternidade@fraternidaderosacruz.com
SUMÁRIO
A VIAGEM ESPACIAL DE KAREN.. 5
ORAÇÃO MATINAL DA CRIANÇA.. 15
COMO O BURRO CONSEGUIU SUAS ORELHAS E SUA VOZ.. 57
O PALÁCIO SOBRE O GRANDE CARVALHO.. 76
Este volume das Histórias da Era Aquariana para crianças é dedicado, com gratidão, àqueles amigos cujo amor pelas crianças, combinado com a sensibilidade às profundas verdades da vida, possibilitaram os autores a escrever estas histórias encantadoras. Muitas delas foram publicadas durante alguns anos na Revista “Rays from the Rose Cross”, e expressam muitas fases da sabedoria da Natureza de uma forma que crianças e adultos compreendem muito bem.
“Pequeninos seres” e outras Forças da Natureza mencionados nessas histórias têm aparecido como companheiros de brincadeiras a muitas crianças, que não têm dificuldade em reconhecê-los. Esperamos que outras crianças tomem conhecimento delas, através da leitura deste livro.
Fraternidade Rosacruz, 1951
Dagmar Frahme
— “Três, dois, um, zero – decolou”.
Uma grande chama apareceu na tela da TV e o foguete da lua disparou, em direção ao espaço.
— Puxa, disse Billy. Eu gostaria de poder estar lá com papai.
— Eu não, disse Karen, que tinha seis anos, e queria que papai também não estivesse lá. Seja como for, por que ele tem que ir para a Lua?
— Por que você está tão assustada? quis saber Billy, que aos oito anos não tinha medo de nada. Papai não disse que estava tudo bem? Os astronautas viajam e vão a lugares o tempo inteiro.
— Mas ele está sempre dizendo isso, exclamou Karen, como diz que eu não deveria ficar assustada com relâmpagos, cachorros enormes ou qualquer outra coisa. Mas eu não posso deixar de ter medo e eu queria que o foguete voltasse e que papai viesse para casa.
— Meu Deus, disse Billy profundamente contrariado, você tem medo da sua própria sombra. Não sabe como papai é famoso? Quando voltar, ele será um grande herói e terá sua fotografia em todos os jornais. Por que você está se comportando como um nenê?
Os olhos de Karen encheram-se de lágrimas e ela foi para o seu quarto para Billy não a ver chorar. Ela tentava, o tempo todo, convencer-se de que era tolice ficar com medo, mas não conseguia evitar. Qualquer coisa a amedrontava, todos os dias e, quando mais assustada ela ficava, mas Billy caçoava dela. Karen percebera que seu pai tinha ficado contrariado com ela, algumas vezes, embora sendo tão gentil tivesse procurado não demonstrar. Ela lembrou que se sentou em seu colo um dia antes para se despedir e, apesar do esforço para ser corajosa, não conseguiu conter o choro e, ao abraçá-lo choramingou:
— Eu queria que você não fosse para a Lua. E lembrou-se de como ele a olhou tristemente e, ao sair sussurrou para sua mãe alguma coisa que Karen não ouviu, então, sua mãe pareceu infeliz também. Como ela queria ser tão corajosa quanto Billy.
— Hora de ir para a escola, crianças; era Mamãe que os chamava.
Então, Karen esfregou os olhos, assoou o nariz e foi até a cozinha pegar a lancheira. Ela estava contente porque ia para a escola — seu pai ficaria fora quase duas longas semanas e na escola, tendo outras coisas para pensar, talvez deixasse de se preocupar tanto com ele. Billy, entretanto, não queria ir, preferia ficar em casa para ver o foguete da Lua pela televisão, mas tanto a Mamãe como o Papai disseram não — a vida tinha que continuar normalmente e a escola era importante.
Billy estava discutindo sobre isso com sua mãe e Karen a ouviu dizer:
— Você vai para a escola agora, Billy. A Senhorita o Miller disse que ligará a TV várias vezes durante o dia, e todas as crianças terão a chance de assistir o voo do foguete.
Karen esperava que sua professa não fizesse sua classe assistir — pois ouvir sobre o que seu pai estava fazendo só a deixaria mais assustada. Ela queria apenas dormir por duas semanas e só acordar quando papai já estivesse em casa.
Karen e Billy foram à escola. As crianças da classe de Karen viam o foguete pela televisão e Karen tentou tapar os olhos, mas as crianças sempre a clamavam para dizer coisas como:
— Puxa! Imagine só, seu pai está lá.
Ela não queria demonstrar a elas que estava com medo. Ao descer para o lanche, Karen passou por algumas crianças maiores que a apontavam e diziam:
— O pai dela é o astronauta, como se estivessem realmente impressionados – e ela não podia deixar que elas percebessem a sua angústia.
No jantar daquela noite, Billy contou como havia passado quase o dia todo contando às outras crianças sobre o que seu pai estava fazendo e ele até conversou com um dos repórteres que estava parado do lado de fora da casa, apesar de sua mãe ter-lhe pedido para dizer apenas “Bom dia” e nada mais. Parecia até, pensou Karen, que Billy era o astronauta e não seu pai.
Ela ficou calada e, depois de jantar, foi brincar quietinha com suas bonecas, enquanto Billy assistia a televisão até a hora que sua mãe deixasse. O locutor da T.V. anunciou que tudo corria bem no foguete e isto fez com que ela se sentisse um pouco mais tranquila. No entanto, quando ela foi para a cama a preocupação voltou. Sua mãe, ao cobri-la, deu-lhe um abraço bem apertado e disse:
— Papai está bem, querida.
Mesmo assim, após mamãe ter apagado a luz e fechado a porta, Karen só conseguiu pensar em coisas horríveis que poderiam acontecer com o foguete. Ela fechou os olhos bem apertados, mas achou que nunca iria dormir.
Logo depois, abriu os olhos e viu uma linda senhora com longo vestido branco, parada ao lado da cama, sorrindo para ela. Karen não teve medo algum da desconhecida, achava que a conhecia de algum lugar, mas não conseguia lembrar de onde.
— Venha comigo, querida, disse a senhora com voz suave, Quero lhe mostrar uma coisa.
E assim, pegou-a pela mão e, como se fosse a coisa mais natural do mundo, viu-se deslizando com a senhora e passando através da parede em direção ao céu. Não pensou que fosse fora de comum atravessar a parede, ou o fato de poder flutuar. As estrelas brilhavam mais do que o normal, então, elas diminuíram a velocidade para admirar tudo à sua volta. A senhora deixou-a olhar por um instante e disse-lhe sorrindo:
— Nós temos que nos apressar agora, Karen. Há muita coisa para você ver nesta noite.
De repente, Karen viu alguma coisa riscando o céu a sua frente. Certamente não era uma estrela — era — era o foguete da Lua!
— Ooooooooh! exclamou Karen, nós vamos ver papai?
— Sim, querida, disse a senhora. Mas lembre-se de que seu pai não poderá vê-la — ele não saberá que você está aqui.
Karen nem ao menos achou tudo aquilo estranho — ela estava feliz demais, só em saber que iria ver o seu pai.
Quando chegaram mais perto do foguete, Karen viu algo que pareciam vultos flutuando ao lado dele. Estavam rodeados de luzes rosadas e douradas e ela jamais havia visto cores tão bonitas.
— Quem são eles? — indagou.
— Você não os reconhece? perguntou a senhora, sorrindo de novo, algo misteriosamente.
Karen olhou para eles outra vez e tentou descobrir.
— Seriam? eles são — eles não são Anjos, são? murmurou.
— Sim, Karen, eles são Anjos. Seu pai e os outros astronautas pediram a Deus que os ajudassem durante esta longa e difícil viagem, assim, Deus mandou Seus Anjos para estarem com eles e protegê-los.
— Mas papai nunca falou que estava rezando para pedir proteção, disse Karen, e nunca falou sobre os Anjos que viriam junto.
— Ele não sabe que os Anjos estão aí, querida, disse a senhora gentilmente, e nem sabia que os outros astronautas estavam rezando também. Mas isso não tem importância. Deus sabe, e Ele atendeu suas preces e os Anjos cuidarão para que nada aconteça com o foguete.
Karen pensou nisso por alguns minutos, enquanto chegavam cada vez mais perto do foguete. Elas deslizaram bem ao lado dos Anjos, que não sorriram mas olharam para elas com ternura e bondade. Continuaram a deslizar ao lado do foguete. Um dos astronautas dormindo (Karen achou até esquisito, mas não disse nada) e um outro estava olhando um mapa cheio de números. O pai de Karen estava sentado na parte da frente do foguete, olhando o movimento dos ponteiros de alguns mostradores. Ela gostaria de poder dize-lhe que estava ali, mas lembrou-se do que lhe havia sido dito. Olhou-o por alguns instantes e, então, ouviu a senhora dizer-lhe:
— Nós temos -que voltar agora, Karen. Já está quase amanhecendo.
Karen sabia que seu pai não sentiria mas, mesmo assim, deu-lhe um forte abraço. Ele não se mexeu, mas sua pele ficou enrugada em volta dos olhos, exatamente como fazia quando estava feliz, e sorriu como se estivesse pensando em alguma coisa maravilhosa.
Karen e a senhora se viraram e deslizaram através do lado do foguete, começando a descer em direção à Terra.
Quando Karen acordou na manhã seguinte, pulou da cama, correu para o quarto da mãe, jogou-se na cama dela, dizendo:
— Mamãe, há Anjos em volta do foguete do papai. Eu os vi. Eles vão protegê-lo e ele estará seguro.
Sua mãe a olhou e deu-lhe um abraço bem forte. Tinha uma expressão diferente no rosto e disse:
— Isto é maravilhoso, querida.
Billy ligou a televisão assim que acordou e eles ouviram a notícia sobre um instrumento do foguete que não funcionava bem durante a noite. Karen não compreendeu tudo, mas entendeu muito bem quando acrescentaram que os astronautas conseguiram achar o problema e solucioná-lo.
— Uau! exclamou Billy, até que enfim. Então, ele olhou para Karen que estava sorrindo e disse:
— Você não ficou assustada?
— Não, disse Karen calmamente. Eu sabia que eles conseguiriam. Os Anjos não deixarão que aconteça algo com o foguete, pois Deus os enviou para protegê-lo.
— O quê? perguntou Billy, encarando-a.
— Ela está certa, meu bem, disse a mãe. Todos nós esquecemos de Deus quando Ele deveria ser especialmente lembrado.
Naquela manhã, Karen foi para a escola saltitante e até Billy teve que se apressar para acompanhá-la. Aquele dia, e os que se seguiram passaram rapidamente. Todos os dias chegavam boas notícias sobre os astronautas; algumas vezes, os repórteres de TV tiravam fotografias de Karen e Billy quando estavam indo para a escola ou brincando na rua. Seus avós e alguns amigos que estavam longe telefonaram muitas vezes. Houve também muitas visitas e o tempo passou tão depressa que, antes do que Karen esperava, chegou o dia dos astronautas voltarem para a Terra.
Naquela manhã, quando Karen desceu as escadas, já encontrou a televisão ligada e sua mãe sentada em frente a ela, com lágrimas nos olhos. Billy estava sentado no chão, perto da mãe, mordendo os dedos e fazendo força para não chorar.
— Já faz mais de cinco horas que o contato com os astronautas foi interrompido, dizia o locutor. Embora o controle terrestre tenha dito que há esperanças, o clima é de grande preocupação.
Karen não sabia exatamente o significado daquelas palavras difíceis, mas sabia que todas estavam preocupados. No entanto, ela não estava nem um pouquinho. Ela sabia que os Anjos estavam cuidando de seu pai e que não havia nada com que se preocupar.
Então, ela olhou para os rostos tristes de sua mãe e de Billy, que tentava enxugar as lágrimas antes que ela as visse — Billy, que nunca chorava – então ela lembrou de outra coisa.
— Papai rezou para que Deus o protegesse e para isso Ele enviou os Anjos. Talvez nós devêssemos rezar também para que Deus saiba que nós queremos papai são e salvo também, disse olhando para sua mãe.
Sua mãe pegou-a no colo.
— Claro, querida, murmurou. É a única coisa a fazer.
Então, todos eles rezaram juntos, afirmando a Deus o quanto eles amavam o pai e pedindo, por favor, que Ele o protegesse e o trouxesse em segurança para casa. Depois disso, levantaram-se e foram fazer tudo o que habitualmente faziam pela manhã. Karen tomou um grande café da manhã, Billy comeu alguma coisa e sua mãe apenas tomou um cafezinho e, de vez em quando, assoava o nariz. Karen sabia que mamãe ainda estava preocupada e por isso queria muito que ela também tivesse visto os Anjos, para que tivesse certeza de que tudo estava bem. Karen já lhe havia contado sobre os Anjos várias vezes e a mamãe sempre sorria com carinho e a abraçava, mas Karen sentia que ela não acreditava nela.
Naquela manhã, pela primeira vez, sua mãe disse que eles não precisariam ir à escola. Karen queria ir, mas havia uma multidão do lado de fora da casa — mais repórteres da televisão e do jornal do que de costume, além de muitos estranhos. Mamãe disse que seria melhor que eles ficassem brincando dentro de casa ou no quintal, até terem notícias de seu pai.
Durante as horas seguintes, houve muito movimento em volta da casa. Os vizinhos entravam e saíam. Uma senhora abraçou a mãe das crianças e as duas começaram a chorar, e um homem que trabalhava com os astronautas chegou em um enorme carro oficial e todos os repórteres o fotografaram quando entrou na casa. Ele e a mãe das crianças conversaram por um longo tempo. Karen só a ouviu dizer, agradecendo:
— Obrigada, mas não é necessário. Eu prefiro ficar aqui com as crianças até que você tenha alguma notícia concreta. Será melhor que eu fique com elas.
O telefone tocava o tempo todo e os avós das crianças disseram que viriam no próximo avião.
Karen olhava para todas aquelas pessoas tão preocupadas e ficava triste por elas. Ela tentou dizer-lhes que os Anjos estavam tomando conta de seu pai, mas elas apenas diziam: “Que Deus a proteja” ou “Que doce de criança,” mas ninguém parecia feliz quando ela falava e uma senhora até começou a chorar.
Finalmente, Karen foi para o quintal e começou a brincar sozinha. Billy ainda estava sentado em frente à televisão que estava agora com sua programação normal, mas que era interrompida, de vez em quando, pelo locutor que dizia:
— Senhoras e Senhores, ainda não há notícias dos astronautas perdidos.
Karen tentava levar Billy para fora para brincar com ela, mas ele apenas sacudia a cabeça e não dizia nada, nem mesmo quando sua mãe, pela primeira vez mandou que ele parasse de assistir à televisão.
Karen já estava no quintal há quase uma hora quando Billy abriu a porta e gritou:
— KAREN, VENHA AQUI! e bateu à porta antes mesmo que ela pudesse levantar os olhos.
Karen correu para dentro de casa e encontrou a multidão de pessoas na frente da televisão, cuja tela mostrava uma cena fora de foco, alguma coisa grande e indistinta se movimentando na água que Karen não conseguia identificar. Mamãe abraçava Billy e desta vez ele também a abraçava (ele sempre dizia que isso era “coisa de menina”) e por um minuto ninguém percebeu a presença de Karen. Aí Billy a viu e soltou-se de sua mãe.
— Papai desceu! Ele está salvo! Eles caíram na água e ninguém soube disso, porque alguma coisa não funcionou e eles não puderam avisar, mas o homem do navio já falou com eles e eles estão sendo resgatados. Papai está bem, ele está BEM!! e Billy começou a pular feito louco.
Karen sorriu e disse:
— Eu sei.
Billy parou de pular e olhou para ela:
— Você realmente sabia o tempo todo, não é? Você não estava inventando sobre os Anjos.
— Não, eu não estava inventando. Eu realmente os vi e eles eram muito bonitos.
As pessoas olharam sorrindo para Karen e sua mãe abraçou-a fortemente. Então, todos voltaram-se novamente para a televisão e começaram a conversar umas com as outras, mas, de repente, Karen lembrou-se de alguma coisa:
— Agora nós devemos agradecer a Deus por Ele ter mandado os Anjos, disse tranquilamente. Eles trouxeram papai de volta a salvo, não trouxeram? Talvez Deus gostasse de saber que estamos felizes.
De repente, as pessoas que estavam na sala ficaram em silêncio, olharam para Karen e, em seguida, se entreolharam. Alguém diminuiu o som da televisão e um homem com voz grossa começou a fazer uma oração. As pessoas curvaram as cabeças e algumas cruzaram as mãos. A oração era cheia de palavras difíceis e Karen não pôde entendê-la muito bem.
Então, ela sorriu, fechou os olhos e fez sua própria oração, tão suavemente que só Deus pôde ouvir:
— Meu Deus, obrigada por salvar meu pai e trazê-lo para casa. E, por favor, agradeça aos Anjos por mim. Lembrarei sempre de rezar para Você, como meu Pai fez. Sei que Você também mandará os Anjos para me ajudarem se eu precisar deles. E nunca mais precisarei ficar assustada.
¶¶¶¶¶¶¶
Eu Te agradeço, Deus, pelo Sol que brilha vivamente
E pela caminha macia e quente ao me deitar,
Pelo alimento e roupas e livros e brinquedos, diariamente,
E por todos os meninos e meninas com quem vou brincar.
Querido Jesus, durante todo este dia em que passa
Eu prometo que para Ti sorrirei.
Tua bondade o meu coração trespassa,
E, sorrindo, a minha parte eu a farei.
Querido Deus, segura minha mão na Tua, por favor
E mostra-me que todo o bem a mim virá
Se eu depositar em Ti a minha fé e o meu amor,
E, procurando o bem em tudo, ele me será.
Querido Deus, neste dia ajuda-me a achar
Novos caminhos onde eu possa ser bondosa.
E para todas as pessoas que encontrar
Que eu seja a amiga doce e caridosa.
Num lindo e distante país, morava um bondoso e amável rei. Ele tinha muitos filhos e, à medida que cada um deles ia ficando preparado para enfrentar o mundo e buscar sua fortuna, o rei dava-lhe uma sacola cheia de ouro mágico.
Essa hora chegou para o Príncipe Jolly e para a Princesa Prudence. O rei chamou os dois, deu-lhes a sacola de ouro mágico e disse:
— Meus filhos, essa sacola de ouro tem poderes mágicos; se for usada com finalidade boa, a sacola nunca ficará vazia; mas se for usada para coisas erradas ou egoístas, ela logo estará vazia e nunca mais poderá ser preenchida. E aqui está um novelo de fios de prata, que também tem poderes mágicos. Quando vocês estiverem em apuros, é só dar um apertãozinho de leve e terão ajuda imediatamente. Mas, em hipótese alguma, quebrem o fio, pois se não for quebrado, ele os conduzirá de volta para casa. E agora eu os abençoo. Na volta, tragam-me um presente.
— Oh, muito obrigado, papai! Os dois disseram.
Depois pegaram a estrada, conversando alegres e contentes sobre as coisas maravilhosas que iriam fazer e ver. No caminho, Prudence viu um passarinho que havia caído do ninho e quebrado sua asa. Pegou-o cuidadosamente e exclamou:
— Oh, irmão, veja, sua asinha está quebrada. Venha, ajude-me a curá-la.
Sem muita vontade, o príncipe ajudou a preparar uma tala para fixar a asa quebrada. Com alguns galhos e um pouco de grama, Prudence fez um novo ninho e colocou lá a pequenina ave, sem sacudi-la. De quando em quando, ela lhe dava um pouco d’água para beber.
— O que você vai fazer com o passarinho? Perguntou o Príncipe Jolly.
— Cuidar dele até que possa voar. Ele, um dia, encontrará uma companheira para formar um lar, respondeu Prudence.
Dias depois, eles encontraram uma criancinha chorando amargamente.
— Você, pobre queridinha, o que aconteceu? Perguntou a Princesa Prudence.
— Eu estou com fome, soluçou a criança.
— Onde você mora? Perguntou Prudence.
A criança apontou para uma pequena cabana perto dali abandonada numa floresta de árvores enormes.
— Irmão, disse a Princesa, vamos até a cabana. Nós poderemos ajudar as pessoas que estiverem lá; certamente estão com problemas.
— Se você for parar para ajudar todo pássaro, animal ou pessoa que encontrarmos, nunca chegaremos à parte alguma. Eu quero conhecer o mundo e me divertir! Reclamou o Príncipe Jolly.
— Só esta vez, por favor, Jolly, pediu Prudence.
— Oh, está bem, mas esta é a última vez.
Prudente pegou na mão da criança e disse docemente:
— Leve-nos até a sua casa, querida, e nós vamos ver o que podemos arranjar para você comer.
Em poucos minutos, eles chegaram à cabana, que só tinha um cômodo grande e um “puxado” para a cozinha. Havia uma mulher deitada na cama, muito pálida, com um bebê doente nos braços. Prudence chegou perto dela, com os olhos cheios de compaixão.
— O que posso fazer por você? Você está sozinha? Ela perguntou.
— Sim, respondeu a mulher. John, meu marido, foi ao médico ontem e ainda não voltou. O bebê adoeceu e eu estou doente demais para fazer alguma coisa para Jeanette. Ela está com fome, mas é muito pequena para fazer alguma coisa sozinha; ela só tem cinco anos. Deve ter sido Deus que mandou você aqui, eu rezei muito pedindo ajuda. Seus olhos encheram-se de lágrimas.
— Agora, não fale mais nada, disse Prudence. Eu farei alguma coisa para Jeanette.
A menininha seguiu Prudente com os seus grandes olhos castanhos e sentou-se na cama perto da mãe.
Prudence encontrou pão, leite, manteiga, frutas e ovos. Ela fez uma jarra de chá para a mulher e, enquanto a água esquentava para o banho da criança, alimentou Jeanette. Enquanto a mãe estava comendo, Prudence deu banho no bebê. Jeanette assistiu a tudo isso com os olhos arregalados. Depois de entregar o bebê limpinho e cheiroso para sua mãe, Prudence foi até onde o Príncipe estava sentado, com ar carrancudo, e disse-lhe:
— Jolly, eu vou ficar aqui até que essa mulher fique forte o suficiente para poder trabalhar. Você vai para a cidade e tente encontrar o Senhor White e um médico. A mulher está muito doente.
— Eu não vou voltar, pretendo ver o mundo e me divertir, disse Jolly, saindo sem dizer mais uma única palavra.
Prudence olhou tristemente para ele e depois entrou na cabana.
— Jeanette, você quer alimentar o passarinho enquanto eu limpo a casa? Ela perguntou.
— Meus Deus! O que aconteceu com ele? Perguntou Jeanette ao ver a asa enfaixada.
Prudence contou-lhe o que havia acontecido e mostrou-lhe como dar ao pássaro uma gota de água de cada vez, e uma migalha de pão ou uma semente. Quando a casa já estava toda em ordem e a cama da Senhora White arrumada, Prudence sentou-se e elas começaram a conversar.
Levou dois dias para o Senhor White voltar, trazendo o médico e muita comida. Prudence sabia que isso era obra de seu irmão, mas o Príncipe Jolly não voltou e ela só o tornaria a ver novamente muitos anos mais tarde.
Prudence ficou na cabana por três semanas e depois seguiu seu caminho, sempre ajudando os outros, fazendo tudo o que podia para alegrar e confortar as pessoas tristes e alimentar os que tinham fome, e ficava emocionada vendo sua sacola sempre cheia, por muito que gastasse. Ela falava sempre de sua casa e de quando voltaria para lá.
Muitos anos se passaram. Prudence já estava cansada e queria voltar para junto de seu Pai. Como estava contente ao ver seu novelo de prata brilhando intacto, o saco mágico ainda cheio de ouro e o presente que levava para seu Pai. No começo, ela não estava muito satisfeita com o seu presente. Queria ter sido uma grande musicista ou pintora ou escritora de lindos poemas e histórias que alegrariam os corações dos homens, mas seu presente era só uma vida de serviços amorosos. Parecia muito pouco comparado com o dos outros, mas ela sentia que seu Pai ficaria satisfeito.
A Princesa Prudente percorreu seu caminho, sem pressa, quando um dia viu um velhinho andando de bengala, curvado e quase aleijado por causa do reumatismo. Ele parecia tão triste e abandonado que ela correu para ele para consolá-lo e, para sua surpresa, reconheceu nele seu irmão, o Príncipe Jolly.
— Oh, meu irmão, como eu estou contente em vê-lo! Ela exclamou.
— Prudence! É você? Como está jovem e bonita! E a sua sacola ainda está cheia! Exclamou Jolly.
— Sim, duas vezes os ladrões tentaram roubá-la de mim, mas eu dei um puxãozinho no fio de prata e papai mandou-me ajuda imediatamente, contou-lhe a Princesa.
O Príncipe Jolly suspirou tristemente:
— Minha sacola está vazia há muito tempo. Na minha ânsia de me divertir, eu esqueci tudo o que papai nos disse.
— Você aproveitou a vida, Jolly? Perguntou docemente a Princesa, olhando com pena para aquele homem arruinado na sua frente.
— Durante um certo tempo eu aproveitei, mas o ouro acabou tão rápido, que logo eu fiquei sem nada. Procurei trabalhar, mas não tinha saúde e os outros tinham que tomar conta de mim. Lágrimas de autopiedade caíam dos olhos do Príncipe enquanto ele falava.
— Por que você não me avisou, Jolly? Perguntou sua irmã. Eu o teria ajudado com prazer.
Jolly enrubesceu ao responder:
— Eu ouvi dizer muita coisa sobre suas boas ações e fiquei com vergonha.
— Oh, sinto muito. Mas, irmão, estou vendo que seu fio de prata está estragado e aqui há um lugar em que o fio está quase partido. Que aconteceu? Perguntou a Princesa.
O Príncipe Jolly baixou os olhos, envergonhado, sem conseguir encarar a irmã.
— Meu irmão, disse Prudence gentilmente, você não fez isso de propósito?
O Príncipe balançou a cabeça e murmurou:
— Eu estava doente, não tinha para onde ir, não tinha dinheiro nem amigos. Já o tinha quase cortado quando me lembrei da recomendação de papai: “Em hipótese alguma corte o fio; puxe-o devagar e eu atenderei seu pedido”. Então, eu dei um puxãozinho e alguém me achou e me levou para o hospital. Depois de algum tempo, consegui emprego por uma ninharia, mas tentei realmente ajudar os outros e uma vez até impedi que alguém cortasse o fio.
— Estou tão contente. Sei que papai vai perdoá-lo e dar-lhe uma nova oportunidade, disse a Princesa animando-o.
— Mas, irmã, eu não estou levando nenhum presente para ele, suspirou Jolly.
— Oh, sim, você o tem em suas mãos. A vida que você salvou da destruição, a comida e o médico que você mandou para a Senhora White e seu marido. Se não fosse você, querido, ela teria morrido. Lembra-se? Perguntou Prudence.
— Você acha que papai aceitará esse presente? Perguntou o Príncipe ansiosamente, com um novo brilho nos olhos.
— Tenho certeza que sim, respondeu a Princesa.
“Nossos presentes podem parecer pequenos aos nossos próprios olhos, mas não sabemos como eles parecerão aos olhos dele”.
Enquanto os dois viajavam, Prudence ajustou seus passos aos de seu irmão, bem mais lentos e finalmente eles chegaram à casa do Rei, o Pai, que os veio receber.
Para o Príncipe Jolly ele disse, tristemente:
— Filho, você não foi muito bem desta vez, mas depois de um longo descanso e uma completa purificação de sua alma, você irá novamente e sei que se sairá melhor. Seu presente lhe rendeu esta oportunidade.
Gentilmente, o pai colocou sua mão sobre os olhos cansados do Príncipe e o fez dormir.
Para Prudence ele disse:
— Filha, você realmente se saiu muito bem e é merecedora de uma tarefa maior. Entre para as alegrias do reino. Seu presente é muito valioso para mim.
Uma noite, no Jardim dos Encantos, onde os espíritos das flores brilhavam como faíscas de luz, a Mãe Natureza chamou seus filhos lírios e lhes disse:
— De todas as minhas filhas flores, vocês parecem ser as mais bonitas. Suas cores são tão radiosas e sua fragrância tão doce, que é difícil escolher a mais formosa. Isso fez com que os lírios ficassem felizes, inclinando-se com respeito.
Mas o lírio vermelho, um dos mais radiosos, era um pouco petulante e comentou audaciosamente:
— Eu sou muito admirado e tido como o favorito pelas crianças da Terra. Se você tiver alguma mensagem para elas, eu a levarei.
A Mãe Natureza sorrindo, disse:
— Sim, eu tenho uma mensagem e você pode levá-la se estiver disposto a perder sua beleza e ser envolto em uma áspera bola marrom para ser atirada e, por fim, colocada profundamente na terra, bem escondida dos olhares admiradores das crianças.
O lírio ficou um pouco mais vermelho e disse:
— Oh! Não, eu não poderia perder a minha beleza nem por um instante. As crianças da Terra me adoram e elogiam e eu gosto disso.
A Mãe Natureza respondeu docemente:
— Então, Lírio Vermelho, você não pode levar a mensagem.
Em grande calma, as luzes das flores flutuavam entre as sombras no Jardim dos Encantados. Dali a pouco um delicado lírio azul sussurrou:
— Mãe Natureza, talvez eu possa levar a mensagem.
— Você está disposto a deixar de lado suas delicadas vestes e usar um feio envoltório marrom e dormir nas profundezas da terra, para que as crianças da Terra possam aprender, por meio de seu sacrifício, as lições da vida eterna?
— Mas meu vestido é como o azul do céu e as crianças da Terra gostam dele. Não, eu não posso trocar o meu delicado vestido azul por um feio envoltório marrom. E o lírio azul abaixou a cabeça.
O coração da Mãe Natureza sofreu um pouco, porque ela não gostava de ver os seus filhos lírios tão egoístas. Estivera sempre tão satisfeita com eles, entretanto, nenhum estava disposto a fazer um pequeno sacrifício. Mas, mesmo assim, deu-lhes uma outra oportunidade.
— Venham cá, crianças, mais perto de mim, eu vou contar qual é a mensagem. Algumas das crianças da Terra estão com muito medo, medo da morte. Assim, elas devem aprender que todas as coisas adormecem por algum tempo e depois tomam novos corpos. Mais uma vez eu pergunto: qual de vocês irá mostrar que, através do sono, elas poderão entrar numa vida muito mais bela?
Tudo estava calmo e quieto quando uma voz suave murmurou:
— As crianças da Terra dizem que eu sou frágil e branco, Mãe Natureza. Talvez eu não tenha beleza para perder e não me importaria de ficar preso numa bola apertada.
— Querido Lírio, disse a Mãe Natureza, você é uma criança corajosa: vai perder sua beleza por algum tempo, porém esse serviço de amor vai torná-lo ainda mais belo.
Então, a centelha de vida do lírio foi colocada cuidadosamente numa pequena bola marrom. A Mãe Natureza vigiou carinhosamente este momento, esperando até que as crianças da Terra estivessem prontas para receber a mensagem.
Dick e Rosalie estavam jogando bola. De repente, Rosalie deixou-a escapar e ela saiu correndo atrás da bola que rolou pela aleia do jardim. Pegando o que pensou que fosse a bola, jogou-a de volta para Dick.
Você deveria tê-lo ouvido rir, quando ele perguntou a ela:
— Que é isto? Eu joguei para você uma bola de borracha macia e esta bolinha marrom é dura como pedra.
— Deixe-me vê-la, disse Rosalie, e Dick arremessou a bola para ela.
Então, Rosalie riu também e disse:
— Não é uma bola, é um bulbo. Espere, eu vou colocá-lo no chão e procurar a nossa bola.
Ela colocou o pequeno bulbo marrom na terra, encontrou a bola de borracha e eles continuaram a jogar.
A bolinha marrom sentiu-se só na escuridão, embaixo da terra, impedida de ver a luz do Sol. De repente, ouviu-se um zumbido e um voz que disse:
— Olhe! Aqui está um recém-chegado. Vamos ajudá-lo, pois ele não pode ficar aí enterrado desse jeito.
Então, o lírio do jardim perguntou.
— Quem são vocês?
— Somos os pequenos Espíritos da Natureza e trabalhamos com as flores. Você é um bulbo de lírio, não é? Você precisa esticar seus braços e suas pernas e nós o ajudaremos.
— Mas eu não tenho braços, nem pernas, disse a bolinha marrom.
— É, ainda não, mas você terá logo, se fizer o que nós mandarmos.
Um estranho sentimento tomou conta do bulbo.
— Ora, que será isto? Perguntou-se o lírio.
— Venha, chamou o Espírito da Natureza, não precisa ter medo de nós.
Aquele tremor era medo? Ele não tinha vindo ensinar às crianças da Terra a não ter medo? Sim, ele iria fazer o que os Espíritos da Natureza mandassem.
— Venha agora, e eu o ajudarei a sair de si próprio, chamou o duende.
Snap! Alguma coisa rachou.
— Dê-me sua mão e estique-a. Muito bem!
— Oh, exclamou o lírio, eu nunca soube que tivesse mão.
— Bem, se você deixar que nós o ajudemos, logo estará pronto para dar a mensagem, disse o duende.
— Você sabe sobre a mensagem? Perguntou o lírio.
— Claro, disse o duende, todos os filhos da Mãe Natureza sabem o segredo.
Uma voz vinda de algum lugar ordenou:
— Estique seu pé para baixo, assim. Não ligue para o escuro. Isto, muito bem! Agora tente de novo.
Snap, crack!
— Oh, exclamou o lírio, eu tenho tantos pés!
Então, os Espíritos da Natureza ajudaram o lírio a se esticar até que todos os pezinhos estivessem firmemente cravados na terra e as mãozinhas estendidas para cima, rumo aos raios de Sol. Todos os dias, os suaves pingos de chuva, os raios dançantes do Sol e os Espíritos da Natureza ajudavam o lírio a sair de si mesmo, até que, finalmente, longos talos verdes cresceram na direção do Sol. E, um dia, o lírio abriu seu coração de ouro — um bonito lírio branco.
Passos leves foram ouvidos pelos caminhos do jardim. O lírio prestou atenção. Depois ouviu alguém exclamar alegremente:
— Oh, que lindo lírio branco! Exclamou Rosalie. Que flor mais formosa! Sua alma deve ser muito bonita para ter esse perfume tão doce!
Depois, ela exclamou:
— Ora, duende, que você está fazendo aqui?
— Estou ajudando este lírio a dar a mensagem da Mãe Natureza para vocês, crianças da Terra, respondeu o duende. Este lindo lírio é a bolinha marrom que você, brincando, jogou para Dick. Ele sacrificou sua beleza, por algum tempo, para fazer uma nobre ação.
A Mãe Natureza frequentemente dá lições de vida por meio de suas flores. As flores e os Espíritos da Natureza lembram o que as crianças da Terra, às vezes, esquecem: que a cada ano o grande Espírito da Terra deixa seu Reino de Felicidade e dá Sua vida para que toda a Natureza tenha vida. Então, durante a bonita estação da primavera, quando Seu trabalho está terminado, Ele volta para o Reino da Felicidade. As brisas da primavera, o trigo balançando ao vento, o canto dos pássaros, as flores alegres e as crianças felizes, todos se juntam numa canção de louvor ao Senhor da Vida, cujo Amor permanece com eles, dando esperança, alegria e felicidade a todas as crianças da Terra.
Jeferson esfregou os olhos e olhou de novo. Havia alguém sentado no galho mais baixo da árvore pintando uma folha. Ele a estava pintando cuidadosamente de vermelho vivo, e não estava derramando nem um pouco de tinta. (Certamente fazia melhor do que Jeferson podia fazê-lo. Quando ele pintava na escola, o chão ficava sempre imundo e a professora não ficava muito feliz).
— Oi, disse Jeferson. Por que você está fazendo isto?
A pessoa que estava na árvore olhou para baixo e deu um sorriso tão grande que suas bochechas muito rosadas se estufaram, parecendo duas maçãs vermelhas. Ele enxugou o seu pincel, colocou-o sobre o balde de tinta que estava cuidadosamente pendurado no galho e pulou.
— Olá, Jeferson, disse ele. Eu estava querendo saber quando você viria me visitar.
— Como você sabe meu nome?, perguntou Jeferson. E quem é você?
— Meu nome é Bimbo e nós conhecemos todas as crianças da vila.
— Oh! exclamou Jeferson surpreso. Tão surpreso que esqueceu as boas maneiras e encarou fixamente Bimbo, mas este não parecia estar se importando com isto.
Bimbo era pouco maior que Jeferson. Ele vestia macacão marrom, sapatos vermelhos com bicos virados para cima, e um longo chapéu verde com um sininho na ponta.
— Onde você mora?, perguntou Jeferson repentinamente. E como você conhece todas as crianças? E quem é “nós”?
— Ha, ha, riu Bimbo. Uma pergunta de cada vez, por favor. Nós somos: eu, meus irmãos, irmãs, tios, tias, primos e primas. Moramos aqui na floresta e conhecemos todas às crianças porque observamos vocês todos crescendo, desde que nasceram.
— Oh, exclamou Jeferson de novo, ainda encarando Bimbo. Mas por que você está pintando a folha?
Bimbo sorriu, sentou-se numa grande tora marrom e disse:
— Em que época do ano estamos, Jeferson?
— Bem, disse Jeferson pensativo e sentou-se também. É a época em que as maçãs ficam maduras, as nozes caem, fazemos máscaras com abóboras e — e — é outono. É isso!
— Certo, concordou Bimbo. E o que mais acontece no outono?
— Nós temos que ir para a escola, disse Jeferson de cara feia.
— E isso é muito bom, disse Bimbo. Mas você não consegue se lembrar de outra coisa que acontece no outono?
— Bem, disse Jeferson, puxando a orelha direita.
De repente, seus olhos ficaram grandes e redondos como um pires e ele olhou ainda mais fixamente para Bimbo.
— Oh, ele disse e oh, de novo. As folhas mudam de cor!
— “Ub-huh,” murmurou Bimbo, pegando um galhinho e desenhando no chão com ele.
— Você quer dizer — você quer dizer que você as pinta? perguntou Jeferson que estava agora mais surpreso do que antes.
— Certamente, disse Bimbo, continuando seu desenho. Sou eu, meus irmãos, irmãs, tios, tias, primos e primas.
— Mas eu pensei que elas tivessem mudado de cor sozinhas, disse Jeferson. Não sabia que alguém as pintava.
— Hum, bufou Bimbo, parando de desenhar. Seu rosto normalmente alegre, parecia um pouco aborrecido. Coisas como esta não acontecem sozinhas. Alguém tem que as fazer acontecer.
— Oh! Disse Jeferson pela quinta vez e sentou-se imóvel, olhando para a floresta.
Ele percebeu que as folhas de muitas árvores tinham mudado de cor e que realmente ali tinham muitas, muitas árvores.
— Você tem muitos irmãos, tios, tias, primos e primas? perguntou depois de algum tempo.
— Oh, sim disse Bimbo, que havia recomeçado seu desenho. Muitos e muitos e muitos deles. Em qualquer lugar onde houver um jardim, mesmo com uma árvore apenas, um de nós tem que estar lá para cuidar dele.
Bimbo fez algumas linhas a mais no seu desenho, jogou de lado o galhinho e levantou-se, dizendo:
— Agora você vai ter que me dar licença, Jeferson, tenho muita coisa para fazer e se nós não cumprirmos o horário, as folhas estarão ainda verdes quando a neve começar a cair e aí vai dar confusão.
— Eu posso ver você trabalhar? perguntou Jeferson.
— Claro, respondeu Bimbo sorrindo. E também converse comigo. Gosto de companhia quando estou pintando.
Então, Bimbo levantou os braços e, com um pulo extraordinário, agarrou o galho mais baixo da árvore, alçou-se e sentou no galho. Mergulhou seu pincel na tinta e começou a trabalhar.
— Muito bom, disse Jeferson, que também era um saltador exímio. Levantou os braços, dobrou os joelhos e saltou o mais alto que pôde. Mas não foi o suficiente. Jeferson tentou de novo, várias vezes, mas não conseguiu alcançar o galho.
Ele olhou desapontado para Bimbo que sorriu e disse:
— Treine, Jeferson, treine. Tudo requer prática.
— Até pintar sem espirrar tinta? perguntou Jeferson.
— Lógico, até pintar sem espirrar tinta! Respondeu Bimbo, que tinha começado a trabalhar na folha seguinte. Você gosta de pintar, não é, Jeferson? perguntou.
— Oh, sim, gosto. Mas a professora não quer que eu pinte porque faço muita sujeira, respondeu Jeferson.
Sentou-se de novo na tora e ficou pensando por algum tempo. Subitamente, teve uma ideia e exclamou:
— Já sei o que vou fazer. Vou fingir que sou Bimbo pintando as folhas, vou pintar com bastante cuidado e assim, talvez, eu não suje nada.
— Boa ideia, Jeferson, disse Bimbo. Acho que se você tentar vai conseguir.
Por algum tempo, Jeferson ficou sentado na tora e contou a Bimbo sobre a escola, sobre sua irmãzinha e sobre seu cachorro Mike. Bimbo não falou quase nada porque estava muito ocupado, mas Jeferson sabia que ele estava ouvindo.
De repente, o sino da vila tocou seis vezes.
— Oh, oh, disse Jeferson, levantando-se rapidamente. Eu não posso me atrasar para o jantar. Foi um prazer conhecê-lo, Bimbo, disse educadamente. E eu não esquecerei como as folhas mudam de cor!
— Olhe, Jeferson, pegue isto.
Bimbo arrancou a folha vermelha que ele havia acabado de pintar e deixou-a cair flutuando até Jeferson.
— Obrigado, Bimbo, disse Jeferson, apanhando a folha. Vou guardá-la dentro de meu livro novo e talvez a mostre para a professora amanhã. É realmente bonita.
Jeferson olhou para à folha por um minuto, depois acenou para Bimbo.
— Tchau, ele gritou e correu para a vila.
Bimbo sorriu.
— Adeus, Jeferson, disse. Depois levantou-se e cuidadosamente pendurou sua lata de tinta no galho mais próximo, alçou-se e começou de novo a trabalhar arduamente.
Robert Loveman
Não está chovendo chuva para mim,
Estão chovendo narcisos, sim;
Eu vejo em suas gotas finas,
Flores silvestres nas colinas.
Nuvens cinzentas vão o dia sombreando,
E a cidade vão aos poucos inundando;
Não está chovendo chuva para mim,
Mas rosas estão chovendo sem fim.
Não está chovendo chuva para mim,
Mas bênçãos de cravos a desabrochar,
Onde qualquer abelha fatigada
Uma cama e um quarto possa encontrar.
Um brinde à saúde para o feliz!
Um figo para aquele que se irrita facilmente!
Não está chovendo chuva para mim,
Estão chovendo violetas fartamente.
Rona Elizabeth Workman
— Tio Jack, conte-me uma história, pediu Maria Elizabeth.
Tio Jack havia acabado de chegar de uma cidade distante para visitar os pais de Maria Elizabeth. Ele tinha viajado por todo o mundo e conheceu coisas maravilhosas sobre lugares longínquos e exóticos. Maria Elizabeth tinha certeza de que ele poderia contar muitas histórias interessantes para ela.
— Mamãe diz que você conta histórias sobre meninos e meninas que viveram há centenas de anos; é verdade? Perguntou à menina.
— Possivelmente, disse Tio Jack. Talvez eu possa contar-lhe alguma coisa desse tipo.
— Como você faz isso? Perguntou Maria Elizabeth. Como você pode saber sobre meninos e meninas que viveram há tanto tempo atrás?
— Você já ouviu falar da Memória da Natureza? Perguntou Tio Jack. Pois ela existe e é dela que eu tiro o material para algumas de minhas histórias; isto é, eu leio na Memória da Natureza.
— É maravilhoso! Exclamou Maria Elizabeth. Como você faz isso?
— Bem, de certo modo é como olhar para cenas que se movem. É uma espécie de segunda visão que eu possuo. Me concentro de tal maneira que vejo cenas na Memória da Natureza, como um filme passando na frente dos meus olhos.
— Parece muito interessante, disse Maria Elizabeth. Você podia me contar uma história sobre alguns dos meninos e meninas que viveram a centenas de anos?
– Certamente, foi a resposta, aqui vai.
******
A longa rua de Pompeia, sulcada por charretes, que eram carros de duas rodas usados antigamente na guerra e nas corridas, estava cheia de vida. As vozes dos vendedores ambulantes e das flores eram claramente ouvidas. E, bem perto, podia-se ouvir também os sacerdotes no templo celebrando, em cânticos e em música, sua devoção a algum antigo deus ou deusa. De longe, ouviam-se vozes excitadas e o som metálico das rodas das charretes no pavimento de pedras.
As paredes brancas das casas brilhavam à luz do Sol, embora existisse um estranho tom avermelhado sobre tudo, mas isto era talvez causado pela nuvem escura que se espalhava vinda do topo da montanha e que se erguia bem acima da cidade. Essa montanha era o Vesúvio e o seu pico estava coberto de neve.
Era uma cidade quente, rica e resplandecente. Belas casas com suas portas abertas para a rua, grandes templos com suas altas e claras colunas à luz do Sol e, à distância, podia-se perceber o azul do mar.
Multidões de pessoas e charretes estavam passando pelas ruas, correndo para algum jogo no anfiteatro distante. Um escravo saiu para a rua pela larga porta de um palácio. Protegendo os olhos com a mão, ele olhou para a nuvem escura que pairava sobre a montanha. Finalmente, com um meneio ansioso, entrou pelo portão novamente.
Era um amplo e fresco átrio, em comparação com o calor da rua. Havia vasos de flores colocados em nichos nas paredes e, ao fundo, viam-se flores e árvores no peristilo[2], uma espécie de pátio interno. O velho escravo fechou a porta da rua, pisando com cuidado sobre um mosaico que mostrava a figura de um cachorro latindo, mosaico feito com pedras de cores vivas. Sob a figura do cachorro lia-se palavras de advertência: “Cave Canem”, que queria dizer “Cuidado com o cachorro”. Então, andando lenta e pensativamente, com a cabeça baixa mergulhado em pensamentos profundos, ele entrou no peristilo, uma parte do qual era ocupada por um pequeno jardim encantador, cheio de flores.
Árvores verdes lançavam sua sombra refrescante sobre bancos de mármore branco, a passagem estava coberta por tapetes de cores luminosas, estátuas brancas e brilhantes espiavam de seus recantos cheios de flores e de samambaias, e o esguicho fresco da água da fonte sustentada por um fauno branco, alimentava o chafariz onde nadavam peixes dourados. Perto do chafariz e sob a sombra de uma pequena figueira havia um divã e nele, entre montanhas de almofadas macias, recostava-se uma menina frágil e esbelta brincando com um macaquinho branco.
Vagarosamente, o escravo aproximou-se e sentou-se no chão de mármore.
— Por que você está tão intranquilo hoje, Nelo? Perguntou a doce voz infantil, enquanto a menina estendia a mão delgada tocando a face escura do escravo. Você queria ir aos jogos com os outros escravos?
— Não, não é isso, pequena Túlia. Você sabe que eu não gosto de ver homens e feras lutando. Além disso, seu pai pediu-me para tomar conta de você até que ele voltasse.
A menina riu.
— Então não fique tão ansioso. Você está quase tão intranquilo quanto meu pequenino Nito. Você acha que é este calor sufocante que o faz ficar assim?
Nelo olhou para o macaquinho que estava andando de um lado para outro, mexendo os olhinhos pretos, como se fosse incapaz de decidir qual o lugar melhor ou mais seguro.
— Ele está com medo de alguma coisa, pequena Túlia. Os deuses deram aos animais um senso de perigo mais aguçado do que o nosso.
O rosto da criança tornou-se sério. Ela ergueu-se um pouco nas almofadas e disse:
— Talvez seja por isso que as feras, nas covas do circo, estão rugindo tão alto. Você acha que elas também estão com medo de algo?
O velho Nelo, olhando rapidamente para a criança, sorriu e respondeu:
— Olhe, pequena Túlia, não fique com medo. Sem dúvida alguma, é por causa do calor que elas estão tão intranquilas e também por causa do terremoto que algumas noites atrás assustou-as.
Túlia sorriu e bateu levemente na mão do escravo:
— Claro que eu não sinto medo com você e Adriano tomando conta de mim. Mas gostaria que este calor e essa claridade terríveis cessassem.
O velho escravo levantou os olhos para um jovem alto que havia se aproximado e estava ali parado, ouvindo a conversa. Com uma troca de olhares, eles se afastaram para um canto do pátio.
— O que você acha, meu pai? Perguntou o mais jovem, em voz baixa. Você acha que é melhor deixar à cidade rapidamente levando a criança?
Passando a mão trêmula sobre os olhos, o velho respondeu:
— Eu gostaria que os deuses me dissessem o que fazer. O patrão ordenou que ficássemos aqui até que ele voltasse de Roma, mas ele não podia imaginar O perigo que nos ameaça. Muitas vezes vi montanhas esconderem seus topos em nuvens avermelhadas e não posso deixar de ter medo. Não gosto desta coisa no ar e do rugido dos leões — Oseias disse-me que desde ontem eles vêm recusando todo alimento, procurando fugir de qualquer jeito da sua cova.
Ele pensou mais um pouco e ordenou:
— Vá, meu filho. Junte alimentos e roupas, enquanto eu preparo a pequena Túlia para a viagem. Você tem certeza de que o barco está pronto?
— Aprontei tudo esta manhã como o senhor ordenou, respondeu Adriano, saindo apressadamente.
Nelo voltou para perto da menina, substituindo seu olhar preocupado por um sorriso calmo para evitar que ela ficasse assustada.
— Você gostaria de dar um passeio de barco esta tarde? Talvez esteja mais fresco no mar.
Túlia sorriu e bateu palmas alegremente:
— Claro que gostaria, Nelo. E talvez possamos encontrar papai e mamãe. Você sabe, está quase na hora deles voltarem.
Com movimentos rápidos e delicados, Nelo levantou nos braços o corpinho frágil, envolvendo-o num chalé de seda.
— Algum dia, Nelo, eu andarei como às outras crianças; você não acha? Perguntou Túlia, levantando a cabeça para observar o rosto do escravo.
Ele sorriu, enquanto ajeitou o xale nos pezinhos rosados da menina e disse:
— Com certeza você vai poder andar e correr como qualquer criança da rua se realmente quiser; não foi isso que os grandes médicos disseram a seu pai? E seus pais não oferecem diariamente orações e presentes nos templos, para que os deuses a curem?
Sentindo-se mais confortada, Túlia sorriu alegremente e aconchegou-se nos braços do escravo.
— O senhor está pronto, pai? Perguntou Adriano, parado na porta. Carregando Túlia cuidadosamente, Nelo saiu, seguindo o filho.
Na rua assustaram-se com a rápida mudança: a luminosidade era agora de um vermelho intenso e a nuvem escura tinha-se espalhado num formato de cogumelo sobre toda a cidade.
Nelo olhou para cima e cochichou para o filho:
— Vamos andar mais depressa, pois temo que já seja tarde demais.
De repente, Túlia gritou e agarrou o braço do escravo:
— Nelo, você esqueceu Nito! Eu não posso deixar meu macaquinho aqui. Por favor, Adriano, vá busca-lo.
Por um momento, Adriano hesitou, mas, deixando os alimentos e as roupas no chão, correu apressadamente para a casa. Pareceu a Nelo e a Túlia que ele e demorou muito tempo para voltar. A nuvem tinha-se tornado mais escura e mais pesada e relâmpagos enchiam-na de fogo, fazendo com que a pequena Túlia escondesse o rosto nos ombros de Nelo. Adriano voltou correndo, segurando o macaquinho e explicou:
— Ele estava assustado demais para reconhecer a minha voz e tinha se escondido, murmurou Adriano para o pai, ao mesmo tempo que pegava as coisas do chão.
Desceram a rua rapidamente.
A nuvem tornava-se cada vez mais negra e ruídos abafados e contínuos, como trovões, vinham do chão, sob seus pés, enquanto uma leve chuva de cinzas caía, cobrindo suas cabeças e suas vestes.
A rua que levava ao mar estava quase vazia, mas das outras ruas, das lojas e dos templos apinhados de gente, vinham gritos de pavor, à medida que as pessoas percebiam que corriam perigo.
Enquanto olhavam assustados para a nuvem escura, os dois escravos apressaram-se, levando sua carga preciosa em direção ao mar. Finalmente chegaram à praia. Nelo colocou Túlia cuidadosamente no barco, sobre uma pilha de cobertores. Ela abraçava seu minúsculo Nito, enquanto Nelo ajudava Adriano a empurrar a pequena embarcação mar adentro. Foi um trabalho rápido e logo eles se afastaram da cidade condenada.
A escuridão em breve apagou a cena e, apenas de vez em quando, os relâmpagos mostravam muitos outros barquinhos levando aqueles que tiveram a sorte de alcançar a praia.
Depois do que pareceu um longo tempo, começou a clarear de novo e o pequeno barco dirigiu-se para uma caverna pelas ondas, num alto penhasco. Adriano puxou o barco até a praia e, pegando a menina nos braços, levou-a até o refúgio e colocou-a com cuidado no chão.
— Olhe, pai, ela está dormindo. Coitadinha, está cansada. De fato, foi uma noite terrível para alguém tão frágil como ela. Aqui estará segura.
— Amanhã, nós a levaremos para a casa dos parentes, de onde poderemos mandar uma mensagem para nosso patrão. Ele ficará contente em saber que a filha está em segurança, pois ela é o tesouro de seu coração.
Nelo colocou gentilmente outro xale sobre a pequena Túlia adormecida e o macaquinho aconchegou-se mais nos braços da menina, pois ele também estava muito cansado.
*******
— Oh, que bom que eles escaparam! Suspirou Maria Elizabeth. Que bom você ser capaz de ler histórias tão maravilhosas assim na Memória da Natureza. Será que à Pequena Túlia cresceu saudável e forte?
Tio Jack beijou o rosto da sobrinha e sorrindo concluiu:
— Eu tenho a certeza que sim, querida, porque eu segui a história até o fim de sua vida.
Maria Elizabeth exclamou alegremente:
— Estou tão contente! Isto torna a história ainda mais maravilha.
Dagmar Frahme
Jonathan não era exatamente medroso, mas, por outro lado, não era muito corajoso. Estava profundamente adormecido quando, de repente, pareceu-lhe ouvir uma música. Sentou-se a tempo de ver seu irmão e os outros pastores descendo a montanha apressadamente em direção à pequena cidade de Belém. Por que estavam indo a Belém a essa hora da noite? — E, se ele tinha que ficar sozinho para vigiar as ovelhas, eles não deveriam tê-lo avisado?
Então, Jonathan percebeu que havia muitas luzes no céu e que a música, que ele pensava ter ouvido em sonho, ainda continuava. Uma música como ele jamais havia ouvido — parecia ser acompanhada de centenas de vozes e era ao mesmo tempo tão doce e suave, que teve vontade de chorar. Mas que tolice! Ele tinha sete anos e certamente não chorava mais.
Entretanto, alguma coisa estava acontecendo que ele não podia entender. Sabia que era noite, mas o que eram todas aquelas luzes vibrando em todos os lugares, principalmente bem em cima de Belém? E de onde vinha aquela música?
As ovelhas não estavam agitadas, mas elas também estavam acordadas. Elas estavam deitadas, de olhos abertos e pareciam escutar a música. Elas, entretanto, não ficariam em silêncio por muito tempo, não com todas aquelas coisas estranhas acontecendo. E quando começassem a perambular, o que ele faria? Por que, oh, por que ele tinha importunado tanto seu irmão para que o trouxesse para as montanhas com os outros pastores? Ele era muito novo para ser pastor. Seus pais haviam dito isso e eles tinham razão. Agora, seu irmão e os outros tinham ido embora para, provavelmente, dar-lhe uma lição.
De repente, Jonathan sentiu seu coração quase parar de bater. Bem na sua frente, surgindo do nada, estava…estava um Anjo! Ele nunca tinha visto um Anjo antes, mas sabia que aquilo era um Anjo. Era alto, vestido todo de branco, com uma linda luz cor de pêssego reluzindo ao seu redor. Seu rosto era sério, mas tão bondoso que imediatamente Jonathan teve vontade de contar-lhe seus problemas.
Então, o Anjo sorriu e pronunciou umas palavras com voz tão profunda e suave, que parecia estar cantando e não falando:
— Seu irmão e seus amigos foram a Belém para ver algo muito bonito. Você gostaria de ir também, Jonathan?
— Sim – sussurrou Jonathan – mas e as ovelhas — ele começou a falar.
— As ovelhas estarão seguras. Venha, meu filho.
E o Anjo desceu o atalho que levava até a vila. Jonathan correu atrás dele e o alcançou, e ficou olhando para Seu rosto. O Anjo não disse nada, mas sorriu para o menino carinhosamente, com tanta beleza e amor, que Jonathan sentiu como se quase pudesse voar, de tão feliz que estava.
Juntos, eles desceram a montanha e atravessaram as estreitas e curvas ruas da vila, passando pelas lojas dos tecelões, pelos lugares onde se vendiam ervas cheirosas, pelo lugar onde se guardavam os camelos, pela loja do homem que fazia tendas e pela árvore sob a qual o velho Malaxai, o escriba, sentava-se todos os dias lendo e escrevendo cartas para as pessoas da vila.
Finalmente, eles chegaram ao outro lado da vila e a luz que tremulava pareceu-lhes ainda mais brilhante. Ali existia uma gruta onde os estrangeiros que ficavam na hospedaria guardavam seus animais. A gruta estava iluminada como se o Sol estivesse brilhando dentro dela. Parecia haver algumas pessoas, mas estava muito silenciosa. Nada podia ser ouvido, exceto a música que não cessava.
Jonathan viu seu irmão e os outros pastores ajoelhados e silenciosos. Viu também pessoas desconhecidas ajoelhadas. E viu que havia algumas vacas, ovelhas e um enorme cachorro que pertencia ao dono da hospedaria. Os animais estavam deitados e eles também estavam muito quietos.
Então, Jonathan viu um homem em pé no meio da gruta. Ele era alto e distinto, tinha cabelos pretos e barba longa. Não era um homem grande, mas parecia muito forte. Tinha na mão um bastão, que geralmente as pessoas que costumavam andar muito, usavam, mas não parecia apoiar-se no bastão.
Perto dele estava sentada a senhora mais bonita que Jonathan já havia visto. Seu rosto era jovem e radiante, seus olhos brilhantes e ternos e a luz brilhava fortemente à sua volta.
Na frente deles, no chão, havia uma manjedoura onde usualmente a comida do gado era posta. Nessa manjedoura, num berço de palha, estava deitada uma criança. E, de repente, Jonathan percebeu que era por causa dessa criança que as luzes estavam brilhando, que a música estava tocando e o Anjo o havia levado lá.
O bebê estava acordado, deitado quietinho, com seus olhos abertos, sorrindo para sua mãe — pois aquela linda senhora certamente era sua mãe — estendendo sua mãozinha para ela que lhe deu o dedo para segurar.
Sem saber exatamente por quê, Jonathan ajoelhou-se no chão na frente da manjedoura. O Anjo veio, parou a seu lado e disse baixinho numa voz terna:
— Este é o Menino Jesus. Maria e José são seus pais. Um dia, quando o pequeno Jesus crescer e for adulto, o grande Espírito Cristo vindo do Sol descerá, entrará nele e ele se tornará o Salvador do Mundo.
O Anjo afastou-se, mas Jonathan continuou ajoelhado. Não estava certo de ter entendido exatamente o que o Anjo quis dizer. Mas entendeu que Deus havia enviado aquela criança como um presente para ele, para seu irmão, para as pessoas da vila — enfim, para todas as pessoas do mundo. E que, por causa daquela criança, o mundo seria um lugar melhor e mais feliz para todos morarem nele.
Então, o bebê virou a cabecinha olhou para Jonathan e sorriu. Jonathan também sorriu, estendeu a mão e tocou de leve a madeira da manjedoura. Em seguida, um pouco assustado com o que tinha feito, tirou rapidamente a mão e ficou em pé, olhando para a mãe da criança.
— Estou contente por você ter vindo – ela disse com amor, exatamente com a mesma expressão de ternura que sua mãe o olhava sempre.
— E eu estou contente por ser um pastor essa noite e ter visto o bebê – disse Jonathan.
Ele se virou e foi saindo lentamente da gruta. Quando ele voltou para a vila, o Anjo apareceu de repente a seu lado:
— Voltarei para a montanha com você. Assim poderá dormir em paz quando chegar lá. Nada acontecerá às ovelhas nessa noite.
Eles andaram silenciosamente pelas ruas de Belém e Jonathan começou a perceber que, ao passar pela casa de pessoas conhecidas, pensava nelas com amor. Ele amava de fato todas as pessoas da vila e não se importava mais por Levi ter-lhe jogado uma pedra no outro dia, nem por seu irmão, às vezes, puxar o seu cabelo ou xingá-lo. Essas coisas não eram importantes. O importante era que todos aprendessem a amar-se uns aos outros e assim não haveria mais sofrimento no mundo. E Aquela Criança tinha vindo para dizer isso a todos.
Quando alcançaram o topo da montanha, Jonathan estava com muito sono. Sabia que devia dizer algo gentil ao Anjo e agradecer-Lhe por tê-lo levado para ver a criança, mas antes que pudesse falar alguma coisa, o Anjo disse:
— Agora, deite-se e durma Jonathan. Pela manhã, haverá um lindo nascer do Sol.
Jonathan deitou e cobriu-se com o cobertor. Logo adormeceu, mas, durante toda a noite, ouviu a música divina e viu a luz abençoada brilhando sobre Belém. Ele e suas ovelhinhas estavam seguros na companhia dos Anjos.
Amelia C. Elliott
Sob as árvores em um dia de verão ensolarado,
Uma criança estava a brincar alegremente
Por entre as flores, e então arrancou rapidamente
Um lírio de cálice dourado.
Nesse cálice uma fada estava sentada.
O que é isto? Diz a criança espantada.
Uma fada! Uma fada! Com alegria gritou,
Quando vindo de outra árvore, um outro vulto pulou.
O que veio da árvore era verde e marrom:
Não teria sido visto se não houvesse escorregado.
Tão pequenino era que se colocado em uma taça,
Uma folha da árvore tê-lo-ia ocultado.
Suas calças eram verdes e sua jaqueta marrom,
Suas asas coloridas; minúscula coroa usava.
Sua voz muito fininha, mas era clara como um sino,
Sua mensagem rapidamente ele a pronunciava.
“Menininha, menininha não fuja de nós, por favor,
Fique conosco e ouça o que lhe vamos dizer:
Nós chegamos de um vale, cheio de paz e de amor,
E uma mensagem de fadas e duendes nós viemos lhe trazer.
“Um dia, em um vale distante, você brincava,
E do fundo de um poço, ouviu uma voz que chamava;
Você correu, com o coração batendo apressado,
E salvou um gatinho que os cães haviam caçado.
“Viemos recompensá-la por sua tão boa ação,
Ao proteger um ser de Deus e todos os que são mudos, como esta criaturinha.
Vamos coroá-la com flores, que jamais perecerão;
Sempre a protegeremos, querida e bondosa amiguinha”.
“Vá dizer as criancinhas, onde quer que elas estejam,
Para serem sempre boas com os gatos e os cães que vejam.
Pois Deus manda minúsculas fadas para com elas brincarem
Para ouvirem suas vozes e assim as entenderem.
“Esta mensagem deixamos e nosso caminho seguimos:
O amor deve ser o lema, quando brincando estiverem,
Nunca, por palavras e ações, seus companheiros ofendam
E as fadas ajudarão vocês, quando delas precisarem”.
Elsie Lund
Era uma vez, uma solitária fada princesinha que ansiava por alguém para brincar com ela. Morava no Reino do Faz de Conta e fiava completamente sozinha com seu pai, o Rei Amor, e sua mãe, a Rainha Beleza. Claro que haviam muitas pessoas no castelo onde ela morava e ela tinha muitas damas de companhia para servi-la. Mesmo assim, ficava sozinha, porque era a única criança no reino. As outras pessoas eram adultas e crianças não conseguem brincar muito bem com adultos, não é? Claro que, se eles são apenas crianças grandes, é diferente.
Bem, ela estava cada dia mais triste por estar sozinha e finalmente foi até seu pai, o Rei Amor, e lamentou-se para ele:
— Oh, Majestade, meu Pai, eu não quero mais ser uma princesa fada! Eu sou tão solitária e infeliz aqui neste castelo enorme, sem ninguém para brincar comigo!
A Rainha Beleza, que estava sentada ao lado do Rei num trono dourado, pegou a princesa nos braços e tentou acalmá-la. O Rei Amor pensou um pouco e disse:
— Você sabe, Sibele querida, há uma lei que diz que ninguém pode ficar aqui se não estiver satisfeito e feliz, e eu não posso mudar esta lei, nem para minha própria filha princesa. Por isso, tente ficar contente ou terei que expulsá-la para o Mundo Terra, para viver como uma das crianças da Terra.
Ele disse isto com amargura, pois o deixava infeliz saber que sua única princesinha estava descontente no seu lindo reino. Ele sabia que seria melhor para ela ficar lá, onde estava protegida de qualquer perigo, mas por outro lado, ela ganharia muita experiência se saísse do seu lar.
A princesa pediu ansiosa:
— Oh, deixe-me ir, deixe-me ir. Eu imploro! Deixe-me ser uma menininha da Terra, ter irmãos e irmã e brincar com outras crianças. Por lavor, Majestade.
— Meu amor, o Rei respondeu tristemente. Você nem imagina que terá muitas mágoas e muitos problemas se for morar na Estrela Triste. (Às vezes, no Reino do Faz de Conta, as pessoas chamavam a Terra assim).
— Mas vocês, Amor e Beleza, não podem ir comigo? perguntou Sibele. Certamente vocês dois compensariam toda a infelicidade.
— Não, querida, nós devemos ficar aqui para governar este reino, afirmou Amor.
— Mas, nós podemos mandar uma centelha de nossa varinha de condão para iluminar os lugares escuros de seu coração, se ela realmente quiser ir, disse a Rainha Beleza para o Rei Amor.
Então, eles enviaram à Terra a Princesa Sibele, que queria ir à busca da felicidade. Todos lhe disseram que ela esqueceria seus amigos fadas quando se tornasse uma criança da Terra. Isso a preocupou, porque ela os amava e não queria esquecê-los, nem a seus pais. Por isso, ela procurou sua mãe, a Rainha, que lhe deu um conselho enquanto a abraçava docemente:
— Querida, ouça-nos na canção dos pequenos riachos que correm por entre as árvores. Procure-nos nas flores dos bosques. E sinta-nos nas suaves mantas de musgo verde.
Assim, Sibele tornou-se uma pequena criança da Terra, como todos nós.
* * * * * *
Alguns anos se passaram e ela já estava crescida o suficiente para correr, brincar e querer conhecer as coisas quando, um dia, enquanto colhia margaridas, encontrou uma minúscula criaturinha, cheia de brilho, de orvalho e de graça, dançando no centro amarelo da maior margarida que Sibele já havia visto. Dançando, cantando, e acenando uma varinha de condão, a pequena fada cantou para Sibele, com exuberante alegria:
“Deus me ama e a você eu tenho amor.
Oh, diga que me ama, por favor”.
Depois a fada saltou da margarida, arrastou-se para
dentro do ouvido de Sibele e sussurrou:
“Não se esqueça de nós, querida,
Nunca, nunca à esqueceremos.
Amor, Beleza e as fadas também,
Nunca, nunca a deixaremos”.
Desta forma, a faísca da varinha de condão que o Rei Amor e a Rainha Beleza haviam colocado dentro do coração de Sibele resplandeceu por um momento e a partir de então, a princesa na Terra sentia a presença deles para protegê-la e alegrá-la sempre que ficava sozinha; pois ela muitas vezes estava só, porque na Terra as crianças também ficam sozinhas, de vez em quando, Sibele sentia-se triste porque as crianças que brincavam com ela não acreditavam em fadas. Ela sabia que as fadas eram bem reais e ficava preocupada ao pensar na alegria e felicidade que estas crianças estavam perdendo.
Bem, todos os dias, Sibele encontrava uma mensagem do Rei Amor e da Rainha Beleza — sim, todos os dias. Um dia, ela viu uma pequena nuvem branca sendo lentamente perseguida por duas nuvens cor de rosa no céu azul; e ela riu docemente ao ver as nuvens brincando.
— Obrigada, Rainha Beleza, por me mostrar uma coisa tão bela hoje.
Um outro dia, ela estava passeando, um pouco cansada e descontente — era um dia escuro e abafado e todos pareciam estar muito ocupados para brincar com ela — quando viu uma mocinha passando. Tinha aproximadamente dezoito anos e havia um brilho de felicidade em seus olhos. Talvez alguém lhe tivesse dito alguma coisa agradável. Ela sorriu-lhe tão docemente, que Sibele sentiu um estranho arrepio por todo o corpo. Ninguém poderia sentir-se triste ao receber um tal sorriso, cheio de amor, felicidade e compreensão.
Então, Sibele sorriu também com toda a coragem que possuía. Ela gostaria de saber se aquela jovem sabia que estava sendo enviada pelo Rei para trazer-lhe uma mensagem de amor.
Amor e Beleza se comunicam conosco todos os dias e de várias maneiras. Se abrirmos os olhos e o coração e deixarmos que eles transmitam o que desejam, saberemos que existe um Deus maravilhoso que nos ama e que nos deu este mundo para vivermos, para sermos felizes e para crescermos em sabedoria, que é o conhecimento com amor.
À medida que Sibele crescia, procurava cada vez mais ajudar as pessoas a perceberem que ninguém é esfarrapado, sujo ou feio demais para ser ajudado, pois não podemos avaliar, pela aparência de uma pessoa, que alma brilhante possa ter. Jesus Cristo disse que o que fizermos para os outros, estamos fazendo para Ele. Não é maravilhoso podermos servir a quem faz tanto por nós? A melhor maneira de demonstrarmos nosso amor por Ele, é procurarmos ajudar e sermos bons para todos.
Sibele cresceu e tornou-se adulta. Todos que se aproximavam dela abençoavam-na por sua doçura, sabedoria e bondade. Quando chegou a hora de deixar a Terra, Sibele voltou para o Reino do Faz de Conta. Quanta alegria e felicidade houve quando a Princesa Sibele voltou; ela aprendera que a verdadeira felicidade está em servir os outros!
S. B. Mclntyre
Era um domingo, e o claro céu azul sobre o deserto do Arizona tinha começado a adquirir suas costumeiras cores de arco-íris, de fim de tarde, enquanto o Sol se aproximava cada vez mais do horizonte a oeste da Montanha Tucson.
Bernardo Pierre, de cinco anos, que estava convalescendo de uma doença, tinha sido enrolado em um cobertor e levado para o alpendre da casa, onde descansava feliz nos braços de seu pai, admirando cenas que há muito tempo não via — as flores viçosas do jardim, a grama recém cortada, os lindos matizes alternantes do céu e as distantes montanhas do Norte.
De repente, ele disse:
— Papai, você sabe uma história nova?
— Acho que não, Bernardo, respondeu o pai. Penso que já contei todas as histórias que sei.
Naquele instante, a mula de Bernardo, Saltitante, começou a bradar no curral, atrás da casa. O som alto e peculiar, na noite silenciosa, assustou o Senhor Pierre. Então, ele riu baixinho e disse:
— Lá está o seu rouxinol do Arizona reclamando a comida, Bernardo.
— Ah, papai, isso não é um rouxinol. O rouxinol é um pássaro. Isso é a minha mulinha bramindo. Por que você a chamou de rouxinol do Arizona?
— Os vaqueiros lá das pastagens chamam os burros assim, para fazer piada sobre suas vozes desafinadas. Os rouxinóis cantam noite e dia; os burros também bradam noite e dia. Mas, que eu saiba, nós não temos rouxinóis no Arizona, mas temos muitos burros. Por isso, os vaqueiros acham engraçado chamá-los de nossos rouxinóis, porque a voz dos burros é horrível comparada ao doce canto dos rouxinóis. De qualquer forma, isto me faz lembrar uma história há muito tempo esquecida. Meu avô costumava contá-la para mim, quando eu tinha a sua idade.
— É uma história verdadeira, pai?
— Não, filho. É uma história que chama nossa atenção para o fato de que até as mães dos animais protegem e ensinam seus filhotes, a fim de que eles possam saber como cuidar de si próprios quando estiverem crescidos e saindo para o mundo. Mostra-nos também como devemos desenvolver nossos órgãos, para que eles possam ser mais úteis, como a voz, por exemplo, para que possamos expressar nossos sentimentos e pensamentos com maior clareza. Meu avô dizia que o nome da história era: “Como o Burro Conseguiu Suas Orelhas e Sua Voz”.
Bernardo sorriu, aconchegou-se nos braços do pai e pediu:
— Parece engraçado, papai. Por favor, conte para mim.
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Essa história aconteceu há muito tempo, e é sobre a mamãe mula e seu filho Coiote. O nome da mãe era Senhora Genny. Ela pertencia a um mineiro que, numa linda manhã de primavera pôs uma sela de carga em seu lombo, e carregou-a com picaretas, pás, feijão, farinha e outros suprimentos e conduziu-a até sua mina, nas Montanhas da Catalina, lá no Norte. E ali, o mineiro esperava manter a Senhora Genny trabalhando para ele, o tempo todo, durante o verão.
Contudo, ela tinha outros planos para si mesma. Não gostava de trabalhar e tinha planejado longas férias na sombra fresca das árvores da montanha, onde a grama era farta e macia e o rio descia da montanha, frio e refrescante, até o deserto em baixo.
Uma noite, quando seu dono pensou que a Senhora Genny tinha começado a gostar tanto de sua nova casa que ficaria contente em ficar lá sem objeções, não a amarrou e nem lhe colocou o sino, como costumava fazer. A Senhora Genny tinha esperado muito tempo por essa liberdade e, antes do amanhecer, estava na floresta há quilômetros de distância, onde tinha certeza de que nunca seria descoberta. Lá, ela fez uma morada para si numa velha e abandonada cabana de mineiros, onde seu filho Coiote nasceu.
Tudo correu bem com o filhote e sua mãe, até Coiote completar quatro meses. Aí, a Senhora Genny começou a ficar preocupada com o fato de Coiote ser muito novinho para enfrentar o rigoroso frio do inverno.
Então, começou a ensiná-lo como se cuidar sozinho, para que ele pudesse descer a montanha até a casa de seus parentes, no deserto, onde ela decidiu que ele passaria o inverno. Levou-o até lugares onde a grama era mais macia, pois seus dentes ainda estavam crescendo, e onde havia riachos de água mais limpa e fresca para ele beber.
Entre outras coisas, a Senhora Genny ensinou Coiote a importância de escutar, para ter a capacidade de detectar sons que o advertissem em caso de algum perigo. A movimentação contínua de aguçar e virar suas orelhas para cá e para lá para ouvir sons de advertência, fizeram com que as orelhas de Coiote crescessem mais longas do que o normal nos burros. A Senhora Genny não ligou para isso. Ela achou melhor para ele ter orelhas longas, mesmo que não fossem bonitas, do que curtas e belas que não pudessem captar sons à distância, como Coiote era capaz de fazer agora.
Numa fria manhã, quando a Senhora Genny viu Coiote tremendo e se aconchegando ao seu lado, decidiu que já era hora dele ir para um lugar que fosse mais quente.
Então, recomendou, no seu jeito silencioso de falar:
— Coiote, está mais agradável e mais quente lá no deserto onde mora sua avó. Decidi que você deve ir e fazer-lhe uma longa e agradável visita.
— Será ótimo, mamãe, disse Coiote, em palavras que ainda não aprendera como fazê-las audíveis. Teremos dias muito bons lá embaixo no calor gostoso do Sol, não é?
— Mas eu não posso ir com você, disse sua mãe. Meu dono estará em casa esperando por mim. Depois deste longo período de liberdade, a ideia de voltar para uma vida de trabalho duro não me agrada.
— Mas eu não quero ir sozinho, resmungou Coiote.
— Sei que será uma longa e difícil viagem para você, querido, concordou a Senhora Genny, mas você já está grandinho e eu tenho certeza de que, com tudo o que aprendeu de mim, você conseguirá chegar lá com grande orgulho para mim e para você também.
— Tenho de ir imediatamente? – Suplicou Coiote.
— Seria melhor, querido. Mas nós nos divertiremos e não nos preocuparemos com isso hoje. Amanhã tomaremos uma bela refeição ao amanhecer e, quando o Sol quentinho tiver empurrado um pouco o frio do ar, tenho certeza de que achará uma boa ideia ir embora daqui. As noites serão cada vez mais quentes, à medida que você for descendo a montanha. E, quando você passar por onde o Senhor João, o eremita, mora, estará bem seguro.
Coiote estremeceu e disse:
— Se o Senhor João me pegar, vai me comer?
— Não, a menos que ele esteja com muita, muita fome, respondeu sua mãe. Mas, você deve prestar atenção para que nenhum animal selvagem o pegue no caminho. Você seria um alimento gostoso e macio para eles agora, mas quando estiver com um ano, você será tão valente e robusto que nenhum animal tentará comê-lo.
— Acho que seria melhor eu esperar até ter um ano, afirmou Coiote apavorado.
— Oh, não! Você estaria morto e congelado antes da primavera, porque o inverno daqui é terrivelmente frio. Você deve prestar atenção, como eu o ensinei, a cada passo do caminho e, se escutar algum som perturbador, deve agachar-se no chão, esconder a cabeça, a cauda e os cascos debaixo da barriga, ficar bem quietinho, e com o pelo cinzento que tem, você pode ser confundido com uma pedra.
Na manhã seguinte, logo depois do nascer do Sol, a Senhora Genny acordou Coiote, deu-lhe uma boa refeição da manhã, levou-o até um atalho bem marcado na encosta da montanha, esfregou seu nariz no dele e apressou-se em voltar, emocionada.
Coiote viajou e viajou durante o dia todo e, quando a noite veio, deitou-se perto de uma árvore onde ficou tremendo de medo de que algum animal selvagem descobrisse que ele não era uma pedra, apesar de fazer como a mamãe mandou, tentando imitar uma.
Por volta do entardecer do dia seguinte, ele estava próximo da casa do Senhor João, que ficava perto do atalho, numa estreita clareira da montanha, exatamente como sua mãe tinha dito, e Coiote pode ver claramente um homem perto da casa. Usava um velho chapéu de palha e tinha uma longa barba grisalha. Naquele momento estava curvado, serrando madeira.
Coiote sentiu seu coração quase parar de bater de medo quando viu o velho, porque a Senhora Genny havia dito que o Senhor João seria, com certeza, seu dono e o faria trabalhar duro se ele não conseguisse passar por sua casa sem ser capturado.
Tentando dominar o medo. Coiote pensou: “Talvez, se eu me deitar e descansar um pouco, dará tempo de o Senhor João acabar de serrar e entrar em casa. Então, poderei facilmente escapar sem ser visto”.
Mas Coiote estava cansado, o dia estava quente e, assim que se acomodou, ele adormeceu profundamente.
Já havia dormido por algum tempo quando o senhor João, andando de mansinho com seus pés calçados em um mocassim, descobriu-o.
— Ha, ha!, exclamou satisfeito. Aqui está um belo burro de carga para o trabalho do ano que vem! Levante-se e venha para casa comigo!
Acordado de surpresa, Coiote não conseguia abrir os olhos para ver que aquela voz estrondosa era a do Senhor João.
— Farei você levantar, disse ele, aproximando-se da cabeça de Coiote e em seguida, agarrou suas orelhas e puxou-as com força, até que elas se esticaram mais de quinze centímetros em sua direção. Ele ficou tão surpreso com o que viu, que largou as orelhas, perplexo.
Imediatamente Coiote ficou em pé e desceu correndo a montanha, o mais rápido que suas pernas conseguiram. Quando já tinha alcançado o que considerou uma distância razoável para se achar seguro, deu uma olhada para trás e viu o Senhor João parado no mesmo lugar. Seu velho chapéu de palha estava caído para um lado e ele parecia tão espantado por ver as enormes orelhas daquele animal tão pequeno, que ainda não tinha conseguido mover-se.
Coiote estava tão contente agora por estar salvo, longe do Senhor João que seu coração não pôde suportar toda a emoção. Ele abriu bem a boca para deixar escapar um pouco de sua alegria. E, para sua surpresa, um “He-he-hee-e!” – saiu de sua garganta.
Alarmado com aquele som, Coiote respirou fundo e um “Haw-aw-aw!”, veio de onde o “Hee-heee” tinha vindo.
Por um momento, Coiote ficou assustado demais para poder se mexer. E, ao continuar descendo a montanha para se afastar ainda mais do Senhor João, decidiu:
— Não há motivo para ficar alarmado. Esses sons estavam dentro de mim! A força que os produz deve estar dentro de todos os da minha espécie. Agora, cabe a mim aperfeiçoá-los para que, quando eu chegar à casa de minha avó, possa ensinar-lhe e a toda a família como fazer isso. Assim, nós seremos capazes de comunicarmo-nos uns com os outros, sem importar qual a distância que nos separa.
Durante o resto do caminho para descer a montanha, Coiote foi praticando várias vezes a sua nova descoberta, até chegar ao curral onde sua avó e alguns dos seus parentes estavam; pareceu-lhe a coisa mais fácil do mundo expressar sua alegria ao vê-los. Ele o fez com um “Hee-ha! ”.
A vovó mula trotou rapidamente para esfregar seu focinho no dele.
— Coiote, querido, estou tão feliz em vê-lo! – Expressou sem emitir sons – Mas suas orelhas! Sua voz! Uma coisa maravilhosa aconteceu com um burro! Você deve ter feito algo maravilhoso para merecer ganhar coisas tão espantosas!
— Não fiz nada de maravilhoso, Vovó – respondeu Coiote – Só deixei sair o que havia dentro de mim. E não há nada de extraordinário sobre essas coisas, vovó. Pois o que existe em mim, existe em todos nós. Só precisa ser trazido para fora. Você já ouviu dizer que “o que não usamos, perdemos”?
— Muitas vezes, querido!
— Bem, eu decidi que há outro ditado, tão verdadeiro quanto esse: “o que nós não desenvolvermos dentro de nós mesmos, nunca poderemos usar!”, então, amanhã, depois que eu descansar, vou contar para todos que queiram saber, como eu consegui minhas longas orelhas e minha voz!
Coiote cumpriu sua palavra. No dia seguinte, juntou todos os seus parentes ao seu redor e começou a contar como desenvolveu suas orelhas e sua voz. Seus parentes contaram a seus filhos e amigos.
Logo, os burros de todos os lugares estavam seguindo o conselho de Coiote e praticando o autodesenvolvimento. E eles certamente continuam praticando porque, hoje, todos os burros têm voz ruidosa e orelhas compridas.
Ella Van Gilder
Era uma vez, bem no início da criação do mundo, bem distante de todas as estrelas cintilantes, no pequeno reino de Mundi, uma velha senhora e suas duas encantadoras filhas, Celeste e Terra.
Embora as duas meninas fossem lindas, tinham personalidades muito diferentes. Celeste era boa, meiga e atenciosa; Terra era rude e egoísta.
A mãe delas gostava mais de Terra, por esta parecer-se mais com ela. Por isso, ela dedicava todo seu amor à Terra, dava-lhe todas as coisas belas que possuía e deixava que crescesse vaidosa e negligente.
Celeste nunca teve coisas bonitas como sua irmã e parecia cair sempre sobre seus frágeis ombros o fardo dos outros, mas ela estava sempre radiante, alegre e solícita, nunca reclamando por suas tarefas serem difíceis.
O Rei desse país estava fazendo uma longa viagem e prometeu que quando voltasse traria sua noiva com ele. Mas, como haviam muitos compromissos pelo caminho, os quais retardavam seu retorno, ele não podia dizer exatamente quando voltaria. Por isso, pediu a seu povo que estivesse sempre pronto para recebê-lo para que, no momento em que ouvissem o arauto anunciar a sua chegada, pudessem ir à festa preparada para tal ocasião.
Tão logo ele partiu, as pessoas começaram a agir de várias formas; algumas pensaram que faltava muito tempo para sua volta e acharam que era ainda cedo para prepararem-se. Outras imaginaram que ele poderia ser morto e nunca mais voltar. Outras ainda a e guardaram-nas para serem usadas quando ele chagasse; e muito poucas fizeram o que ele realmente havia pedido: que o esperassem a cada dia.
Terra e sua mãe fizeram um maravilhoso vestido longo, todo em ouro, bordado com rubis e pedras preciosas e, quando ficou pronto, elas o deixaram guardado num baú lindamente entalhado.
Mas, para Celeste nada fora planejado e ela tinha apenas as suas roupas de todo dia, que usava na tarefa diária de ir ao topo da montanha para alimentar as ovelhas e os cordeirinhos, e ninguém sabia qual o vestido que ela pretendia usar na chegada do rei. Todas as noites, não importava quão cansadas estivessem suas mãos, ela tecia um pouco de seu vestido longo, trabalhado com pequenos fios de lã, deixados nos arbustos pelas ovelhas, e com pétalas de flores resplandecentes que ela tanto gostava. Às vezes, as lágrimas chegavam a cair, mas ela as enxugava e sorria contente pois sabia que o Rei ficaria satisfeito com seu trabalho.
Depois de muito tempo, quando o vento que sopra ao redor das est tinha circundado várias vezes o pequeno reino, o arauto anunciou a chegada do Rei. Todos apressaram-se para ficar prontos, mas alguns não tiveram tempo e foram deixados de fora. Terra e Celeste puseram seus vestidos e foram para o salão do banquete. Terra fez Celeste ficar perto da porta, enquanto ela subiu para perto do trono real.
Pouco tempo depois, o mestre de cerimônias entrou no salão para ver se estava tudo em ordem, mas quando chegou perto das pessoas que haviam se apressado e por isso não estavam vestidas adequadamente, ele as fez sair, pois ninguém poderia aparecer perante o Rei, se não estivesse cuidadosamente trajado.
Ao passar por Terra, ele parou e perguntou por que ela não estava com um vestido adequado. Surpresa, ela olhou para sua maravilhosa veste e ficou horrorizada ao ver que estava toda manchada por falta de uso. Os rubis pareciam gotas de sangue e os bordados estavam todos pretos. Ao ir embora, tentou levar Celeste junto com ela, mas o mestre a impediu, dizendo:
— Veja! Ela está com a Veste Nupcial.
Terra olhou e, veja só! cada fio de linha havia se transformado em ouro, as lágrimas eram pérolas e as resplandecentes folhas e flores eram pedras preciosas.
O mestre levou Celeste até a cadeira que Terra ocupara, para ela sentar-se com aqueles que tinham ficado vigilantes e estavam prontos para a chegada do Rei.
Dagmar Frahme
Raquel encostou na grande oliveira e olhou para a colina. Que linda manhã de domingo! As colinas estavam todas avermelhadas pelo Sol matinal e as pequenas flores púrpuras, que cresciam ao redor da árvore, pareciam excepcionalmente vivas e bonitas. E havia uma brisa suave que parecia soprar para longe toda a tristeza dos dois dias anteriores.
Os dois últimos dias foram realmente muito tristes, pensou Raquel. Lembrou-se de como se sentiu infeliz na sexta-feira, enquanto trabalhava no jardim. E, mesmo quando seu cordeirinho de estimação, que seu pai lhe havia dado de presente pulava sobre ela e lambia sua orelha, ela tristemente afagava-o no nariz e o empurrava gentilmente, pois nem brincar com ele ela queria. Então, ele saía tristonho, com o rabo e as orelhas abaixadas. Ela não entendia porque não tinha vontade de brincar com o doce cordeirinho.
E, mais tarde, o céu ficou tão escuro que ela teve medo que caísse uma grande tempestade. Ficou escuro e nublado por muito tempo. Finalmente, sua mãe chegou em casa, pegou Raquel no colo e deu-lhe a triste notícia. Eles tinham matado Jesus — o mesmo Jesus que, há um ano atrás, tinha curado a perna de Raquel fazendo com que ela pudesse correr e brincar.
Raquel não podia acreditar. Por que alguém mataria Jesus, que só tinha feito coisas boas? Ela lembrou-se de novo daquele dia em que seu pai a levou ao campo onde Jesus estava ensinando. Havia uma enorme multidão e naquele tempo Raquel não gostava de multidões porque estava doente e fraca e muita gente ao seu redor deixava-a mais cansada ainda.
Seu pai acomodou-a em um cobertor, perto de onde Jesus estava sentado e, ao olhar-Lhe o rosto, Raquel sentiu o cansaço passar e ao mesmo tempo desaparecer a terrível dor em sua perna. Seu rosto era tão bondoso que Raquel teve vontade de ir sentar-se em Seu colo. Ele não sorria muito, mas Seus olhos transbordavam amor quando olhava para às pessoas. Às vezes, Ele olhava as pessoas triste e ansiosamente, como se quisesse fazer ou dizer-lhes alguma coisa, mas, por qualquer razão, não o fazia. Uma luz brilhava ao Seu redor enquanto Ele olhava para Raquel e para as outras crianças. Oh, como ela O adorou!
Na realidade, ela não entendeu direito o que Ele dizia, — mas recordou-se de uma história que gostou muito. Era a história de um menino que saiu da casa de seu pai e gastou todo o dinheiro que este lhe havia dado. Meteu-se em confusões, ficou doente e, quando sentiu-se tão infeliz que não pôde mais suportar, resolveu voltar para a casa de seu pai e pediu-lhe para aceitá-lo como empregado — porque estava certo de que tendo sido tão mal, seu pai não o receberia mais como filho. Mas, quando o pai o viu chegar, ficou muito contente e o recebeu com um grande abraço e imediatamente preparou uma festa para ele. Raquel pensou no quanto aquele pai amava o filho, sendo até capaz de perdoá-lo por todas as coisas ruins que este havia feito e de recebê-lo de volta com uma festa. E ela sabia — mesmo sem ter certeza se Jesus havia dito isso ou não — que esta é a maneira como Deus ama todos os Seus filhos. Não importa quão terríveis eles sejam, se estiverem arrependidos, querendo voltar para casa, Deus ficará muito feliz.
Raquel nunca esqueceria como Jesus, depois de acabar de falar, a olhara. Ela estava sentada no tapete. As pessoas aglomeravam-se ao Seu redor, esperando que Ele falasse algo mais. Mas, Ele foi até Raquel, olhando-a tão carinhosamente que ela teve vontade de levantar-se e abraçá-Lo. Ele curvou-Se, tocou delicadamente sua testa e passou a mão em seus cabelos. Disse qualquer coisa que ela não se lembrava mais, porque, de repente, sentiu-se como se estivesse em um outro mundo, cheio de Anjos, luzes e uma linda música.
Então, Raquel percebeu que podia mover sua perna e até ficar em pé. A mesma perna que doía sempre e há tanto tempo… e que tinha uma forma esquisita, tão diferente da outra. Mas agora essa perna estava igual a outra, podia movê-la como quisesse. Primeiro, ela ficou de pé e até andou, sem mancar e sem sentir dores. Depois, começou a pular e rir. Lembrou-se de haver chamado seus pais para verem e, de repente, tudo parecia acontecer ao mesmo tempo. Sua mãe — por alguma razão, — estava chorando. As outras crianças estavam ao seu redor, pulando e rindo com ela, e quando procurou seu pai não pode achá-lo, mas logo o viu ajoelhado diante de Jesus — e estava chorando também! — Jesus estava dizendo alguma coisa e sorrindo para ele.
Então, Raquel quis ir até Jesus para Lhe agradecer por tê-la curado, mas havia uma multidão em volta dela e sua mãe a abraçava e algumas crianças a puxavam pela mão para ir brincar, que ela não pode passar. Quando conseguiu, Jesus já estava longe e novamente havia muita gente a Seu redor. Mas, de repente, Ele a olhou novamente e ela, olhando dentro de Seus olhos reluzentes, murmurou: “Obrigada” e, apesar da distância, ela tinha certeza que Ele tinha entendido o que ela disse. Depois, quando Ele a olhou novamente e sorriu, Ele lhe transmitiu uma luz e calor maravilhosos, que a envolveram e ficaram com ela para sempre. E agora Ele se foi e ela nunca mais O veria. Parecia-lhe simplesmente impossível que o povo O tivesse matado. E, se Ele se foi, por que ela estava tão feliz naquela manhã? E, por que o dia estava tão bonito e o ar tão doce?
Raquel quase sentia-se envergonhada por estar tão feliz. Durante todo o dia anterior, ela teve vontade de chorar, mas esta manhã ela não conseguia ficar triste. Tudo o que ela conseguia pensar sobre Jesus é que, na realidade, Ele não tinha ido embora. Ele estava exatamente ali, onde sempre estivera desde que ela O conhecera. Ela sabia que isso era verdade, não importava o que seu pai, sua mãe ou qualquer outra pessoa dissesse. Percebeu que não sentia falta de Jesus porque ela não O tinha perdido. Ele estava ali!
Raquel tentou discutir consigo mesma. Como podia estar ali, se O mataram? E por que tinha tanta certeza de que Ele não tinha ido embora? Sabia que se contasse aos pais como se sentia, eles apenas sorririam para ela com amor e sua mãe provavelmente ficaria com os olhos cheios de lágrimas. Mas, eles certamente não acreditariam nela.
Meu Deus, como as coisas são confusas! Raquel tentou ficar triste de novo, mas não conseguiu. O Sol brilhava mais do que nunca, as pequeninas flores púrpuras balançavam-se alegremente e a brisa suave ainda estava soprando e trazia com ela uma doce e especial fragrância. Ela não podia ficar triste!
Então, Raquel teve de novo a sensação de estar naquele outro mundo, cheio de Anjos, luzes e uma linda música. Sentia-se exatamente como no dia em que Jesus a curou. Olhou então para cima — havia Anjos no céu, uns poucos deles. Era quase como se eles devessem estar lá e ela teria ficado surpresa se não os tivesse visto.
Um dos Anjos desceu e parou ao lado dela, sorrindo. Parecia ser um Anjo especial, rosado como aquela manhã ensolarada. Vestia-se de cor-de-rosa e uma maravilhosa luz da mesma cor brilhava ao seu redor.
— Raquel, querida — ele disse — você tem razão de estar feliz hoje. Não tente mais ficar triste. Hoje é o dia mais maravilhoso que já existiu na Terra e todas as pessoas em todos os lugares deveriam estar mais felizes do que nunca.
— É um dia maravilhoso — concordou Raquel — Eu posso senti-lo. Mas por que é tão maravilhoso? E por que eu não fico triste quando penso em Jesus?
O Anjo sorriu mais docemente ainda.
— Porque não há razão para ficar triste por causa d’Ele. Você estava absolutamente certa ao pensar que Ele não se foi. Na realidade, as pessoas não O mataram. Elas não poderiam ter feito isso. Você não pode vê-lo agora porque Ele não precisa mais viver num corpo físico, de carne e osso, como você e as outras pessoas. Seu corpo é tão luminoso, que Ele pode fazer esta luz brilhar sobre o mundo todo, e até através do mundo, e é isso que Ele vai fazer de agora em diante. Sua luz é tão reconfortante e tão cheia de amor e bênçãos, que as pessoas não poderão evitar de serem aquecidas por ela e fazerem só coisas boas e amorosas. E Jesus deixará sempre Sua luz brilhar na Terra, até que um dia — daqui a muitos e muitos anos quando as pessoas tiverem se tornado melhores — todos terão corpos de luz.
— Até eu? — Perguntou Raquel, com os olhos arregalados.
— Especialmente você — sorriu o Anjo ternamente.
— Meu Deus! — Suspirou Raquel, pensando no que o Anjo lhe tinha dito. E havia tanto em que pensar, que Raquel só podia dizer: “Meu Deus! ” — Depois suspirou de novo e disse: “Meu Deus! ” — Pela terceira vez.
O Anjo sorriu carinhosamente:
— Sim, Raquel, há muito para pensar, não é? Este é o presente mais bonito que Deus já deu ao mundo. Cristo Jesus, você sabe, é o próprio Filho de Deus. A luz de Cristo brilhará sobre todos os seres humanos a partir de agora. Ela é tão bonita e tão cheia do amor de Deus que ninguém pode imaginar quanta coisa boa será feita com ela, um dia.
Raquel sentou, olhando para o Anjo com os olhos ainda arregalados. Era difícil entender, de uma só vez, o que o Anjo dizia e ela teria que pensar sobre aquilo muitas e muitas vezes mais. Sabia também que tinha entendido o mais importante: o querido Jesus (que o Anjo chamara de Cristo Jesus) não fora embora e ela poderia continuar amando-O, como sempre o fez desde o primeiro dia.
E agora de um modo até melhor do que quando Ele andava pela Terra, porque, se Sua luz brilhava sobre ela o tempo todo, isso significava que Ele estava sempre com ela, e se Ele estava com ela todo o tempo, ela poderia falar com Ele quando quisesse, sem precisar esperar sua vinda até ao povoado. E certamente Ele a ouviria, não é?
Raquel quis perguntar isso ao Anjo, mas ele a entendeu antes que ela falasse:
— Claro que Ele pode ouvi-la, querida. Ele sabe tudo o que você faz, tudo o que pensa, todos os problemas que tem e tudo o que a faz feliz. E quer que você converse com Ele. E, quanto mais você acreditar Nele e deixar Sua luz brilhar sobre você e tentar ser tão boa, tão generosa e tão amorosa como Ele era quando você O viu atuar na Terra, mais Ele poderá ajudá-la a transformar seu corpo em luz brilhante.
De repente, Raquel deu um salto e exclamou: |
— Sinto-me tão bem! Posso até sentir a luz brilhando sobre mim agora. Tudo está tão agradável e brilhante.
Mal posso esperar para contar tudo à mamãe e papai.
Então, ela parou e olhou para o Anjo com o rosto preocupado:
— Você acha que eles vão acreditar em mim?
O Anjo parecia um pouco sério quando respondeu:
— Tenho certeza que seus pais acreditarão em você. Mas receio que haja muitas e muitas pessoas no mundo que levarão muito tempo sem acreditar na luz de Cristo, e cabe a você e as pessoas que acreditam, serem tão boas e amorosas para que as descrentes vejam, através de vocês, esta luz brilhando e saibam o quanto isto é maravilhoso.
— Oh, eu serei boa — exclamou Raquel — Amo tanto a Jesus e quero ser exatamente como Ele, tornando as pessoas boas e felizes como Ele fez.
— Você vai conseguir, Raquel — disse o Anjo — Lembre-se e peça sempre a ajuda de Cristo Jesus. Ele também a ama muito e quer ajudá-la.
Com isso, o Anjo sorriu uma vez mais para a menina e, elevando-se do solo, juntou-se aos outros Anjos que esperavam por ele no céu. Raquel olhou-os até que desaparecessem.
Depois, ela correu para casa o mais rápido que pôde. Quando estava quase chegando, seu cordeirinho de estimação veio correndo encontrá-la. Desta vez, ela ajoelhou-se e abraçou-o. Ele lambeu sua bochecha com sua língua áspera e rosada fazendo-lhe cócegas e, então, Raquel riu e segurou-o forte e carinhosamente.
Ela olhou para o céu e pensou que seria fácil ser boa e amorosa. Tudo o que ela teria de fazer era lembrar-se da luz de Cristo. Enquanto essa luz estivesse brilhando sobre ela, enquanto lembrasse das coisas maravilhosas que Jesus tinha feito, enquanto O amasse como O amava, enquanto estivesse pedindo Sua ajuda e enquanto desse o melhor de si todos os dias, ela sabia que Ele lhe daria toda a ajuda e força que ela precisasse.
Saindo a noite,
O dia entrando,
A luz do Sol
Do mês de maio raiando.
Ouço um ruido,
Um som vibrante, um zumbido.
Imagino o que possa ser,
E ao redor procuro ver
Vejo lá, às escondidas,
Uma fada com asas acastanhadas
O néctar gostoso sugando,
E das flores vai roubando
As doçuras que estavam guardadas.
Um manto felpudo com tiras douradas,
Esta ladra está esquentando.
O que vejo quando me aproximo?
Ora! É só uma enorme abelha cantando.
Florence Barr
— Oh, vocês horríveis criaturas! Vão embora. Vão embora! Disse Rosália, batendo o pezinho. As lágrimas saltaram de seus olhos, e com lábios trêmulos repetia: Vão embora!
Naquele momento, os Pensamentos Secretos a beijaram, dizendo:
— Oh! Rosália, querida, lembre-se, esta manhã você prometeu: Eu serei bondosa com todas as criaturas viventes. Depois, os Pensamentos Secretos enxugaram delicadamente suas lágrimas, sussurrando: Peça desculpas às formigas por não ter sido delicada.
Rosália estava envergonhada; ficou em silêncio por alguns minutos e depois admitiu:
— Sinto muito, de verdade. Mas, vocês sabem, eu nunca tive uma fatia de bolo de casamento. Eu o deixei por um minuto e, quando voltei para pegá-lo, ele estava coberto de formigas pretas.
Uma risada vinda de algum lugar fez o rosto da menina brilhar e ela chamou, sorrindo:
— Onde está você, duende Elkin.
— Se der mais um passo eu estarei embaixo de seu pé, disse ele.
Isso fez Rosália gargalhar. Depois, ela olhou, parecendo um pouco triste quando comentou:
— Você ouviu o que eu disse há um minuto atrás, Elkin?
— Sim, eu ouvi, respondeu o duende. Mas, já que você está mesmo arrependida, é melhor esquecer tudo. O problema é que você não conhece as coisas maravilhosas que estão ao seu redor. Venha comigo e eu a levarei a um verdadeiro palácio real. Não deixe de levar a Bondade do Coração, pois o Amor reina neste palácio da colina.
Rosália atravessou o jardim, seguindo Elkin e tentando imaginar em que lugar poderia haver um palácio. Ela nunca tinha ouvido falar que existia um por ali, mas, nem por um minuto, duvidou do duende. Finalmente, pararam embaixo do carvalho grande. Rosália olhou ao redor e depois para Elkin. Ele estava sorrindo e olhando para frente.
— Onde está o palácio?, ela sussurrou.
Elkin apontou para o formigueiro embaixo do grande carvalho.
— Um palácio!, exclamou Rosália.
— Sim, um palácio, riu Elkin, e nós chegamos bem na hora do casamento.
Acima do solo, o palácio de formigas era feito de uma estranha mistura de pedaços de folhas, talos de plantas, um pouco de musgo e pedrinhas, tudo unido com um pouco de terra. No subsolo, havia túneis, longas passagens, grandes salões e galerias, cada um com uma utilidade especial. O interior do formigueiro parecia uma cidade em miniatura, com suas ruas e muitas casas.
— Dentro do palácio, disse Elkin, existem muitos cômodos e as formigas que moram aí são muito atarefadas. No palácio moram muitas formigas-rainhas e centenas de formigas crianças. Elas já foram minúsculos ovos, depois transformaram-se em formiguinhas engraçadinhas, brancas e roliças, sem mãos, nem pés. Elas tinham que ser alimentadas como filhotes de passarinhos. Não tomavam banho sozinhas e precisavam de alguém que tomasse conta delas. Mas agora já estão crescidas e hoje é o dia de seu casamento. As noivas estão radiantes em seus vestidos pretos com detalhes vermelhos, calçando minúsculos sapatinhos, também vermelhos. Preste atenção em suas asas transparentes, Rosália, pois elas usam asas no lugar de véus. Os noivos estão todos vestidos de preto. Eles também têm asas. Tudo é reboliço dentro do palácio escuro, pois esta será a primeira viagem das princesas reais ao vasto mundo.
— Princesas! Exclamou Rosália.
— Sim, princesas, disse Elkin. Cada noiva é uma princesa de sangue real. Sente-se, Rosália, e fique atenta quando os portões do palácio se abrirem.
— Quem toma conta das rainhas, das princesas e dos bebês? – Perguntou Rosália.
— Os escravos fazem todo o trabalho, respondeu Elkin. Há milhares deles em todos os formigueiros, pois há sempre muito trabalho a ser feito. Eles não têm asas e assim não podem fugir. Alguns são construtores, cavam túneis e constroem pontes. Eles estão ajudando o reino mineral, transformando a terra em pó. Outros conservam as ruas limpas. Alguns trabalham no palácio e servem as outras formigas. Outros ainda, saem para tirar leite das formigas-vacas para alimentar as bebês formigas. Esse leite é tão doce que é chamado de gotas de mel, e os filhotes gostam muito dele. Os escravos alimentam as rainhas e princesas, mantendo-as sempre felizes. Outros arrumam os enormes salões, limpando os pedacinhos de grama e palha!
Nesse momento, os portões do palácio se abriram e por eles entraram os escravos, deixando tudo em ordem para a festa do casamento. Quando tudo estava pronto, centenas de casais deixaram o palácio alegremente. Oh, como as formigas estavam contentes por verem, pela primeira vez, a luz do Sol! Elas subiram nas mais belas flores, esticaram-se e abriram suas asas transparentes. Como era bom sentir o ar morno! Oh, como era lindo lá fora. Então, todas elas levantaram voo ao mesmo tempo e voaram alto, alto, cada vez mais alto, a perder de vista.
— Onde elas foram? Sussurrou Rosália para Elkin.
Para muito longe daqui, mas elas voltarão amanhã disse Elkin. E, quando voltarem, as noivas estarão diferentes, pois terão perdidos suas lindas asas, seus véus de núpcias. Elas voltarão para o palácio escuro e viverão exatamente como as outras rainhas têm vivido. Elas botarão ovos e terão seus filhotes formigas.
— E o que os noivos formigas farão?
— Oh, eles nunca mais entrarão no palácio. Só rainhas e escravos vivem neste palácio embaixo do grande carvalho.
— Eu realmente sinto muito por ter sido tão tolinha. Imagine, Elkin, eu não sabia que as formiguinhas eram tão maravilhosas. Pensei que elas fossem apenas insetos rastejantes.
De repente, um pensamento surgiu na mente de Rosália:
— Elkin, deve ter sido algum escravo que pegou o meu bolo — eles queriam migalhas para a festa do casamento, você não acha?
— Bem, eu não ficaria surpreso se assim fosse! De qualquer modo, vamos fingir que foi. Vá agora, Rosália, eu tenho que continuar o meu trabalho. Tchau.
E Elkin foi embora.
Dagmar Frahme
Era uma vez, quatro pequenos pica-paus chamados Petri, Chipe, Margo e Marinho. Eles moravam com seus pais num grande e confortável buraco, num carvalho muito velho. Petri, Chipe e Margo eram bons pica-pauzinhos. Eles traziam para casa ótimos boletins da escola de voo, comiam suas minhocas com bons modos e aprendiam a fazer buracos limpos, sem deixar atrás muita serragem.
Marinho, porém, era um problema. Nunca prestava atenção nas aulas da escola de voo, estava sempre fora de forma — deslizando, quando deveria estar batendo as asas; subindo, quando deveria estar descendo — e se perdendo em voos de longa distância. Seus modos eram deploráveis. E os buracos que ele abria — bem, você deveria tê-los visto! Eles eram sujos, mal feitos e sempre ficava um amontoado de serragem e cascas de árvores no chão, quando ele terminava. Uma vez, Marinho deixou cair um punhado de serragem na sala da casa da Senhora Godoy, que morava embaixo da árvore onde Marinho estava abrindo um buraco. Você pode estar certo que ela foi contar a Senhora Pica-pau o que ela pensava daquilo em termos bem compreensíveis.
Um dia, Mamãe Pica-Pau teve que ir ao armazém. Antes de sair, ela chamou as crianças e disse:
— Enquanto eu estiver fora, vocês podem bicar o carvalho, podem bicar o olmeiro, o bordo, mas não os postes de telefone, porque eles pertencem às pessoas e não à floresta e nós não devemos ser descuidados e não devemos incomodá-los. Vocês entenderam?
— Sim, mamãe – Disse Petri.
— Sim, mamãe – Disse Chipe.
— Sim, mamãe – Disse Margo.
— ‘Tá legal – Disse Marinho.
Mamãe Pica-pau, que já tinha aberto suas asas para voar, abaixou-as e voltando-se para Marinho:
— O que foi? – Perguntou ela.
— Sim, mamãe – Disse Marinho relutante.
— Assim está melhor – Disse mamãe Pica-pau. E espero, Marinho, que, pelo menos desta vez, eu possa sair e voltar sem que você se meta em confusão.
Marinho encolheu os ombros e não respondeu. Mamãe Pica-pau, com uma expressão infeliz na sua face, voou embora.
— Realmente, Marinho, disse Petri, que era o mais amável dos quatro pequenos pica-paus e estava muito preocupado com as malcriações de Marinho, você deveria ser mais educado com a mamãe. Não vê como ela fica triste quando você não se comporta?
— Ah, lorota – Disse Marinho sentando-se, mal-humorado, na porta do buraco.
— Venha, disse Chipe. Vamos até aquela árvore ver se nós conseguimos encontrar alguns bichinhos. Estou morrendo de fome.
Petri, Chipe e Margo apostaram corrida até a árvore e Marinho, ainda mal-humorado, seguiu-os, voando devagar. Em pouco tempo, os pequenos pica-paus e mesmo Marinho estavam ocupados fazendo buracos. Acharam muitos bichinhos e logo Chipe matou sua fome.
— Eu vou praticar bicando desenhos no carvalho, disse Margo, que era a artista da família e, sinto dizer, um pouco vaidosa.
— Vou lhe fazer companhia – Acrescentou Petri.
Talvez eu possa terminar aquele lenço de pétalas de flor que estava fazendo para mamãe.
— Bem – Falou Chipe. Vou ver se Cal Cardinal está em casa. Talvez a gente possa jogar tênis. Vi um monte de bolotas caídas que parecem pular bastante. Você vem, Marinho?
— Não, respondeu Marinho, puxando com o bico a casca do olmo, que começou a balançar seus galhos em sinal de aviso e Marinho parou.
— O que você vai fazer? – Perguntou Chipe.
— Não sei – Retrucou Marinho amuado.
— Bem, nós já vamos indo. Você sabe onde nos encontra se quiser brincar.
Com isso, Chipe, Petri e Margo levantaram voo e Marinho ficou sozinho no galho.
Marinho sentou-se, pensando no que iria fazer. Não havia nada que ele realmente quisesse fazer, a não ser talvez, voar para o vale e tirar a casca das bétulas. Isso era bem divertido, pois a casca saía facilmente em longas e bonitas tiras. Mas, na última vez que ele fez isso, o líder dos duendes, que morava ali, reclamou para mamãe Pica-pau e ele ficou em má situação.
Parecia que as pessoas estavam sempre reclamando dele para sua mãe. Por que elas não o deixavam em paz?
Marinho voou sem rumo. Não estava com vontade de brincar com ninguém em especial e certamente não queria praticar suas lições de voo ou fazer buracos. Não estava com fome e por isso não queria sair caçando bichinhos. O que ele realmente queria era fazer alguma coisa diferente.
Sem pensar para onde ia, Marinho voou para à estrada onde estavam os postes telefônicos. Uma vez, seu primo Alberto fez um enorme buraco em um poste de telefone e, em seguida, foi apanhado, ficando em apuros. Mas, ele afirmou que, caso tivesse uma oportunidade, faria isso de novo porque há um sabor especial nos postes de telefone, embora os insetos não se aproximem deles.
Marinho empoleirou-se no primeiro poste de telefone que encontrou e olhou-o de cima. Era realmente comprido. Que mal haveria em fazer um pequeno buraco naquele poste, bem em cima, perto do topo onde ninguém pudesse ver? Ele adoraria poder dizer a Alberto que também tinha feito isso.
Marinho olhou ao seu redor. Não havia ninguém por perto, exceto a Senhora Coelha, tão apressada com a cesta de compras que não podia reparar no que ele estava fazendo. Só uma provadinha, só para sentir — e, então, iria jogar tênis com Chipe e Cal e ninguém jamais saberia.
Tudo certo — ele faria isso! Nada poderia acontecer.
Marinho olhou mais uma vez ao seu redor e começou a trabalhar: furou o lado de fora do poste e certamente não gostou. Ugh! O que os homens colocavam nessas coisas para que ficassem tão azedas? Certamente nada nascia com aquele gosto.
Alberto estava louco. Isso não era bom — era horrível!
Marinho estava prestes a parar, enojado, quando provou algo diferente — algo doce e incomum. Era parecido com a mistura da seiva de várias árvores. Marinho furava cada vez mais fundo. Alberto, parece, tinha razão. Uma vez passada a parte externa, aí ficava um verdadeiro regalo.
— Puxa, como isto é bom! Marinho furava cada vez mais, saboreando aquela coisa deliciosa. Ele teria que contar isso a seus irmãos. Mesmo Petri, que nunca fazia nada errado, teria que experimentar.
Marinho continuou furando. Em pouco tempo, o minúsculo buraco foi transformado numa enorme fenda com muita sujeira. Ele já não estava tomando nem um pouco de cuidado. Esqueceu tudo, menos de concentrar-se para conseguir cada vez mais pedacinhos saborosos. À serragem voava para todo lado e ninguém, vindo da estrada, poderia deixar de ver aquele monte acumulado no chão.
Marinho estava com a cabeça enterrada no poste e continuava cavando. De repente, parando para tomar fôlego, ouviu um terrível berro do chão. Ficou muito assustado: as penas e suas costas ficaram em pé. Tirou a cabeça do buraco com cuidado e olhou para baixo. Viu um carro parado perto do poste e, ao lado, agitando os punhos em sua direção, o Homem da Companhia Telefônica!
Ele estava dizendo alguma coisa — ou melhor, gritando. Estava muito longe para Marinho entender — o que dava na mesma — mas sabia que o homem estava muito bravo. Ele sacudiu mais uma vez os punhos e gritou muito alto. Aí, então, voltou-se rapidamente, entrou no carro, bateu à porta e saiu tão depressa que espalhou para todos os lados a serragem acumulada no chão.
Marinho sentou-se no topo do poste sentindo-se fraco até para voar. Sabia que o homem da Companhia Telefônica contaria a seus pais e este problema seria provavelmente o maior que ele já tivera. Perdera até a vontade de continuar o buraco — na realidade, ele estava com dor de estômago.
— Oh, céus! Que farei? Gostaria de poder voar para longe e nunca mais voltar, mas estou muito fraco por causa do susto e sentindo-me mal com todo aquele poste telefônico que comi. Não conseguirei voar nem até a árvore mais próxima!
Duas grandes lágrimas rolaram em seu rosto, suas penas murcharam, e suas asas estavam totalmente caídas. Ele começou a sentir tonturas e, apavorado, viu que estava tendo grande dificuldade para manter-se equilibrado no topo do poste. Uma coisa que nunca havia acontecido antes! Ele balançava perigosamente para frente e para trás e percebeu que cairia, se não fizesse alguma coisa. Havia apenas uma coisa para fazer — a pior coisa que poderia acontecer a um pica-pau. Teria que descer e ficar no chão até sentir-se melhor. Marinho rendeu-se, juntou todas as forças que pôde, levantou as asas com grande esforço e, fechando os olhos, deslizou de cima do poste até o chão.
Ele caiu exatamente na serragem e ali permaneceu. Você nunca viu um pica-pau tão sujo. Estava coberto de serragem e nem se preocupou em sacudi-la de suas asas. Suas penas estavam como se ele tivesse acabado de sair de um vendaval; seu rosto molhado de lágrimas – – na verdade ainda estava chorando — e até o bico estava decaido.
Marinho ficou contente por não haver muito tráfego na estrada naquele momento. Tinha alguma ideia de sua aparência horrível e sentia-se muito pior ainda, por isso não queria que ninguém o visse naquele estado. Sentia-se tão infeliz que não conseguiu fazer nada além de pôr sua cabeça embaixo da asa, tentando acreditar que estava escondido.
E ali estava ele, na mesma posição e ânimo ou até pior, quando, meia hora mais tarde, ouviu um carro chegar, parar, uma porta abrir-se e vozes. Mesmo assim, não tirou a cabeça debaixo da asa. Então, o som de uma voz familiar fez seu coração quase parar de bater.
Vagarosamente, tirou à cabeça debaixo da asa e abriu os olhos. Ali, olhando para ele, estavam o homem da Companhia Telefônica e o Papai Pica-pau. Marinho entendeu imediatamente o que tinha acontecido. O homem da Companhia Telefônica tinha ficado tão zangado que fora diretamente ao escritório do Papai Pica-pau contar sobre o buraco que Marinho havia feito. E nada perturbava Papai Pica-pau tanto como ser interrompido em seu trabalho. Agora Marinho estava realmente em apuros.
— Bem, meu jovem, o que você tem a me dizer a seu favor? Papai Pica-pau olhou-o severamente, não mostrando a mínima compaixão pela sua desgraça.
Marinho engoliu e não disse nada. As lágrimas apareceram de novo em seus olhos.
— Você fez aquele buraco e este monte de serragem? Papai Pica-pau continuou impiedosamente.
Marinho engoliu de novo e inclinou a cabeça.
— Já não lhe disseram para não chegar perto dos postes de telefone?
Marinho inclinou a cabeça de novo e tentou enxugar os olhos com a asa.
— O que você pretende fazer a respeito disso?
— Eu não sei – Sussurrou Marinho.
— Você não sabe, repetiu Papai Pica-pau. Pode me dizer quem deveria saber se você mesmo não sabe?
Marinho parecia infeliz e não disse nada.
Papai Pica-pau virou-se para o homem da Companhia Telefônica e concluiu:
— Acho que ele pode começar a trabalhar imediatamente. Ainda é cedo e ele pode consertar este buraco antes de escurecer.
— Ótimo, disse o homem da Companhia Telefônica. A cola e os pedaços de madeira estão aqui no carro.
Os dois foram até o carro.
— Venha também Marinho, chamou Papai Pica-pau, olhando para trás por cima dos ombros.
— M-m-m mas, gaguejou Marinho.
— Venha, disse o pai num tom de voz muito sério. O homem da Companhia Telefônica vai lhe mostrar o que você deve fazer. Aí, ele e eu vamos voltar ao trabalho.
— Mas meu estômago está doendo – Lamentou-se Marinho.
Papai Pica-pau virou-se, pondo suas asas na cintura, dizendo:
— Marinho, tenho certeza de que não só seu estômago dói, mas também sua cabeça, seu bico, suas penas. Espero que também sua consciência esteja doendo. Tudo isso não faz a mínima diferença. Você deveria ter pensado nisso antes de desobedecer a sua mãe. Não vou discutir mais sobre isso. Venha e não desperdice o nosso tempo.
Então, o pobre Marinho, fraco, doente e infeliz como estava, não teve outra escolha a não ser seguir, mancando, o pai e o homem da Companhia Telefônica. Queria saber como deveria consertar o poste — como podia alguém consertar um poste? Ele já tinha feito um buraco nele. E como poderia trabalhar no topo do poste? Estava tão atordoado que não podia sequer voar até lá, muito menos ficar lá em cima. Oh, por que, por que não ouvira sua mãe apenas uma vez?
Quando chegaram ao carro, o homem da Companhia Telefônica pegou pedacinhos de madeira e um vidro de “Cola”. Marinho nunca tinha visto cola antes e não tinha nem ideia para que servia. O homem mostrou-lhe como pôr cola em dois pedaços de madeira e segurá-los juntos até que estivessem grudados.
— É assim que você deve consertar o buraco no poste, ele disse. Encontre pedaços de madeira que se encaixem, cole-os e coloque no buraco. Se os pedaços não se encaixarem, você terá que moldá-los com o bico.
Tenho certeza de que você se sairá muito bem! Alguma pergunta?
Perguntar? Marinho tinha uma grande pergunta, que era: Como vou fazer isso? E outra pergunta era: Você não vai ficar para me ajudar? Mas não perguntou nada, apenas olhou para o chão, porque já sabia as respostas.
— Bem, já que não há perguntas, acho que podemos ir, disse Papai Pica-pau para o homem da Companhia Telefônica. Se você vai passar pelo meu escritório, eu gostaria que me desse uma carona.
— Com prazer – Disse o homem. Entre.
Papai Pica-pau começou a entrar no carro, mas voltou-se novamente para Marinho:
— Mais uma coisa: quando você acabar de fechar o buraco, limpe toda esta sujeira do chão. Não precisa sujar o mundo inteiro. Pegarei você aqui depois do trabalho e espero ver seu serviço terminado. E limpo.
Papai Pica-pau e o homem entraram no carro e saíram, deixando Marinho atrás deles, olhando-os tristemente. Então, ele olhou para a madeira, a cola, a serragem, depois para o topo do poste, e sentiu-se tonto novamente. Seu estômago doía ainda mais. Sentou-se e começou a chorar. Sentiu-se sozinho e triste, como se ninguém ligasse para o que aconteceu com ele. Nunca em sua vida estivera tão infeliz e sem esperança. Queria que sua mãe ou seus irmãos estivessem por perto. Eles seriam pelo menos compreensivos. Sabia que Petri faria tudo o que pudesse para ajudá-lo a consertar o buraco.
Mas ninguém veio e Marinho chorou por muito tempo. Finalmente, parou e olhou para cima de novo. O Sol já estava alto e ele sabia que era quase meio dia. Por isso, achou melhor começar o trabalho, ou nunca o terminaria.
Marinho colocou alguns pedaços de madeira no seu bico e voou para o alto do poste. Quer dizer, chegou até o alto do poste. Você certamente não chamaria todo aquele bater de asas e tumulto que ele fez, de um voo. Mas ele chegou lá e, atordoado como estava, só ficou o suficiente para colocar a madeira no buraco. Depois desceu para pegar a cola e subiu com ela.
Então, Marinho começou a trabalhar. Nenhum dos pedaços de madeira pareciam se encaixar e quando ele tentava cortar um pedaço no tamanho certo, ela rachava e não servia para mais nada. Quando conseguiu dois pedaços que se encaixavam e tentou colá-los, sujou as asas e até os pés de cola.
Ele sentiu-se péssimo. Mas estava contente por ter que trabalhar dentro do buraco, pelo menos no início, pois se estivesse na beirada, ficaria tão tonto e provavelmente cairia. Seu estômago doía. E sua garganta estava ressecada por causa do pó que ele estava levantando e da cola que se espalhara pelo buraco todo.
Marinho trabalhava e trabalhava e trabalhava. Mas, por mais que tentasse — e devo dizer que ele realmente tentou — parecia não estar fazendo nada além de tornar as coisas piores. O interior do buraco estava coberto por uma massa pegajosa de cola, serragem, pedacinhos de madeira quebrada e mais cola. Por duas vezes, os pés de Marinho ficaram tão presos na cola que levou um tempo enorme para tirá-los de lá.
O Sol descia cada vez mais no horizonte e estava chegando ao fim da tarde. Marinho tinha perdido a noção do tempo, mas sabia que não teria nada terminado quando seu pai voltasse, e logo novas lágrimas quentes se misturaram à cola que lhe cobria a face toda.
De repente, ouviu um barulho e sentiu que o poste vibrava um pouco. Virou-se e viu o homem da Companhia Telefônica e Papai Pica-pau, que tinham subido no poste e estavam olhando dentro do buraco, e Papai Pica-pau estava parado, na beirada do buraco, a seu lado.
— Bem, Marinho, vejo que você ainda não acabou – Disse o pai.
— Não, senhor, murmurou Marinho infeliz.
— Você começou bem? – Perguntou o pai.
— Não, senhor – Repetiu Marinho.
— Não, acho que não. Acho até que este buraco está pior do que quando você começou a restauração. E você também não parece nada bem, disse o pai, num tom mais carinhoso do que aquele que usara de manhã.
Ele voltou-se para o homem da Companhia Telefônica:
– Receio que meu filho não seja capaz de fazer este trabalho. Até agora ele não aprendeu muito sobre coisas construtivas — só coisas destrutivas. Penso que terei de lhe pagar pelo conserto.
Marinho ficou ouvindo o pai e o homem combinarem o preço do conserto e a melhor maneira de limpar toda aquela sujeira que ele tinha feito. Ele nunca havia se sentido tão arrasado e insignificante em toda a sua vida. O que seu pai tinha dito? Ele não aprendeu muito sobre coisas construtivas — só coisas destrutivas. Destrutivo! Isso é o que ele era e tinha sido o tempo todo.
Por que ele não tinha compreendido aquilo antes? Tudo o que fazia ultimamente parecia errado: ele era desobediente ou destrutivo!
Não é de se admirar que ele estivesse sempre em apuros. Pensou em Petri e como ela era construtiva, estava sempre pensando em fazer os outros felizes e em ser boa para todos. Ele gostaria de ser como ela, e de estar fora daquele buraco, de estar bem limpinho e sobretudo que seu pai não estivesse mais zangado. E desejou, mais que tudo, que tivesse ido jogar tênis de manhã com Chipe. Assim, não teria se metido naquela enroscada toda.
O pai e o homem terminaram a sua conversa. Então, Papai Pica-pau disse para Marinho:
— Tudo bem, filho, vamos. Eu vou levá-lo para tomar um banho no bebedouro de pássaros do jardim da Senhora Webster para ver se tiramos toda esta sujeira.
Sua mãe morreria de vergonha se visse você assim.
Marinho levantou-se e foi vagarosamente para o lado de seu pai e repentinamente virou-se para o homem da Companhia Telefônica e disse:
— Sinto muito por ter sido tão mal e por ter feito o buraco e não ter conseguido consertá-lo. Não sei quanto papai terá que pagar, mas eu vou pedir-lhe que tire da minha mesada. E prometo tentar não ser mais destrutivo.
O homem da Companhia Telefônica fez uma coisa surpreendente. Ele esticou a mão e apertou a asa de Marinho — melada de cola como estava.
— Está bem, filho. Sei o que é ser um garoto e meter-se em confusões. Tenho alguns meninos também. O mais importante é você aprender a lição — e acho que desta vez você aprendeu.
— Você tem um bom rapaz, Senhor Pica-pau, continuou virando-se para o pai de Marinho. Foi muito atencioso da parte dele pedir desculpas sem ter sido mandado e oferecer-se para pagar a despesa. Vou dizer o que eu gostaria de fazer, se o senhor e seu filho não se importarem. Em vez de fazê-lo pagar, eu gostaria que ele me ajudasse a consertar o buraco. Assim, ele aprenderá a fazer isso e eu terei a sua ajuda para trazer as coisas para cima e não precisarei ficar subindo e descendo a toda hora.
O pai olhou para Marinho e este viu uma nova luz em seu olhar — quase como se ele tivesse um pouco orgulhoso dele.
— O que você diz disso filho? – Perguntou.
— Eu gostaria de ajudar, disse Marinho. Gostaria de aprender como se conserta um buraco e, se eu não puder fazer nada mais, certamente poderei voar para cima e para baixo, carregando os pedaços de poste.
— Ótimo, então está combinado, disse o homem. Você começará amanhã?
— Claro – Disse Marinho.
— Muito obrigado, disse o pai, e ele e o homem da Companhia Telefônica deram-se as mãos.
— Vamos, Marinho. Há muito o que lavar em você antes de irmos para casa.
Marinho voava ao lado de seu pai e notou, para seu espanto, que estava voando muito mais estável do que antes, exceto, claro, por toda aquela cola em suas asas, que tornavam as coisas um pouco difíceis. Mas sentia-se mais leve por dentro e, que esquisito, seu estômago, cabeça e penas pararam de doer.
Quando chegaram ao banheiro dos pássaros, o pai de Marinho começou a esfregá-lo. Não era fácil, mas usando espiga de salgueiro como esponja e alguns cardos para remover o grosso da cola, ele conseguiu. Os cardos machucavam, mas isso não podia ser evitado. Quando terminaram, o pai ficou desesperado com a sujeira do bebedouro, mas sabia que o Senhor Webster o enchia todas as noites com água fresca da mangueira e no dia seguinte tudo estaria limpo. (Papai tinha certeza também que o Senhor Webster nunca entenderia como aquela cola toda tinha aparecido ali!)
Ao voar para casa, mesmo cansado e com fome, Marinho sentiu-se bem melhor do que vinha se sentindo há algum tempo. Ficou pensando no que disse o homem da Companhia Telefônica, que o chamou de ‘bom rapaz’. Até esse dia ninguém havia dito algo assim sobre ele, apenas coisas como: “Oh, que menino malcriado”!
— Papai, disse ele, de repente. Será que eu poderia ir às aulas de voo de verão, quando as férias começarem? Gostaria muito de poder voar em formação, naqueles voos de longa distância e acho que me sairei melhor se tiver outra oportunidade.
Papai Pica-pau olhou para Marinho um pouco surpreso e sorriu:
— Claro, Marinho. É uma ótima ideia. Mamãe e eu ficamos muito preocupados pensando em como você iria alcançar a sua classe no outono. Assim, acho que você conseguirá.
Quando estavam chegando perto de casa, Chipe voou na direção deles para encontrá-los.
— Você deveria ter ido com a gente, Marinho, ele disse. Tivemos um grande jogo.
— Da próxima vez eu tenho certeza de que irei com vocês, afirmou Marinho. Mas hoje eu tinha outra coisa para fazer: aprender a ser construtivo; e daqui para frente é o que vou ser.
Ao entrarem, Papai Pica-pau colocou sua asa afetuosamente sobre os ombros de Marinho:
— Bom rapaz! – Exclamou ele”.
HISTÓRIAS DA ERA AQUARIANA PARA CRIANÇAS
Volume 5
Compilado por um Estudante da
The Rosicrucian Fellowship
Centro Rosacruz de Campinas – SP – Brasil
Avenida Francisco Glicério, 1326 – conj. 82
Centro – 13012-100 – Campinas – SP – Brasil
Revisado de acordo com:
1ª Edição em Inglês, 1951, Aquarian Age Stories for Children, editada por The Rosicrucian Fellowship
1ª Edição em Português, 1990, Histórias da Era Aquariana para Crianças, editada por The Rosicrucian Fellowship
Pelos Irmãos e Irmãs da Fraternidade Rosacruz – Centro Rosacruz de Campinas – SP – Brasil
contato@fraternidaderosacruz.com
fraternidade@fraternidaderosacruz.com
SUMÁRIO
A RAINHA DOS BONS PENSAMENTOS. 8
PALAVRA-CHAVE: Consideração. 8
PALAVRA-CHAVE: Sensibilidade. 30
RAIO DE SOL DOURADO E PEDRO ESPINHUDO.. 50
PALAVRA-CHAVE: Estabilidade. 53
A CORRENTE DAS ROSAS BRANCAS. 62
PALAVRA-CHAVE: Amor ao Lar. 63
PALAVRA-CHAVE: Amor Materno. 66
CUFFEE E PORQUINHO NANICO.. 77
PALAVRA-CHAVE: Generosidade. 77
COMPANHEIROS DE BRINCADEIRAS. 80
SENHORITA CARANGUEJO E O BESOURO MARINHO.. 82
PALAVRA-CHAVE: Discriminação. 82
OS PINTARROXOS E O ABETO – PARTE I. 94
OS PINTARROXOS E O ABETO – PARTE II. 97
PALAVRA-CHAVE: Compartilhar. 97
OS PINTARROXOS E O ABETO – PARTE III. 100
PALAVRA-CHAVE: Equilíbrio. 100
PALAVRA-CHAVE: Forças Secretas. 105
PALAVRA-CHAVE: Oportunidade. 111
PALAVRA-CHAVE: Benevolência. 114
PALAVARA CHAVE: Aspiração. 117
Estamos gratos a muitos amigos por estas histórias tiradas dos livros originais da Escola Dominical e que tanto têm alegrado os corações das crianças que frequentam nosso Centro da Escola Dominical por muitos anos.
O Volume V da nossa série de HISTÓRIAS DA ERA AQUARIANA PARA CRIANÇAS proporciona matéria adicional de leitura, de elevado caráter moral, para crianças que nunca as leram. Estão especialmente adaptadas para serem usadas nas classes primárias, nas nossas novas séries de Lições para a Escola Dominical.
Se você tem um pensamento agradável, cante, cante-o; entoava um alegre grupo de crianças envoltas numa leve brisa de verão. Era um dia glorioso; toda a Natureza parecia florir feliz e cheia de vida. As crianças tinham acabado de cantar e estavam sentadas em um círculo, embaixo de uma bela árvore, cujos ramos as abrigavam do sol brilhante.
Um dos meninos do grupo, chamado Décio, disse:
– Alguém aqui sabe alguma coisa sobre pensamentos? Meu avô, que é um homem muito inteligente e sabe tudo, ensinou-me um versinho outro dia.
– Recite-o para nós – gritaram as crianças.
– Bem, é assim:
“Acredito que os pensamentos sejam coisas,
Que de corpos, respiração e asas são dotadas.
Nós os enviamos longe para encher o mundo,
Com bons ou maus resultados”.
– Isso é tudo? – perguntou uma das crianças.
– Hum.. soa-me estranho – exclamou outra.
– Que significa dotado?
– Corpos, respiração e asas nós os enviamos longe – disse ainda outra criança – Estou certa que não entendi nada! Soa como se os pensamentos fossem pássaros, borboletas ou alguma coisa semelhante. Bern, Décio, diga-nos o que isso significa.
– Mas eu não posso dizer e é por isso que perguntei a vocês se sabiam alguma coisa – disse Décio.
– Por que não procuramos alguém mais velho que realmente saiba? – disse uma das crianças.
– Conheço alguém que pode nos dizer, se eu puder encontrá-lo – disse Décio.
– Quem? – perguntou um do grupo.
– Ninguém que você conheça! – respondeu Décio – Ele é um homenzinho singular, um amigo meu.
– Vamos vê-lo- disseram todos juntos.
– Não sei onde ele mora – disse Décio – mas se dermos um passeio pelo jardim, talvez encontremos o Vovô, a Mamãe ou alguém que saiba.
As crianças alegremente passearam pelo jardim. De repente, Décio ouviu uma risadinha engraçada e, exatamente no canteiro de amor perfeito estava seu amigo duende, Elf-kin.
– Oi, Décio, quais as novidades? – disse Elf-kin- Procurando lagartos?
– Não – disse Décio – nós estamos procurando saber mais sobre pensamentos.
– Bem – disse o duende – se você puder esperar até que os meus ajudantes voltem para casa, eu os levarei até uma sábia Fada, que conhece tudo sobre pensamentos.
Assim, Elf-kin chamou seu assistente Do-kin e disse:
– Vocês podem parar por hoje, juntem suas tintas e chamem os gafanhotos.
Depois que todos os pequeninos pintores de flores estavam prontos, montaram nas costas dos gafanhotos e foram pra casa, Elf-kin ficou livre.
Confortavelmente sentado no ombro de Décio, Elf-kin guiou as crianças surpreendidas para outra parte do terreno. La havia um pequeno vale quieto e cheio de paz. Elf-kin disse:
– Agora vocês devem ficar bem quietos, pois os duendes são muito tímidos e não gostam de intrusos barulhentos entrando em seu vale. Mas, se respeitarem seus sentimentos, tudo sairá bem. Fiquem aqui bem quietinhos, por favor, até que eu volte.
Então, ele desapareceu.
Em pouco tempo, ele voltou com dois atraentes duendes. Um deles chamava-se Coração-Bondoso. Ele se parecia um pouco com Elf-kin, só que era mais alto e vestiaum bonito casaco verde e um gorro vermelho que terminava em bico. A outra era um duende moça e seu nome eraPensamentos-Secretos. Ela era atraente, mas muito tímida, não estava acostumada a ser vista em público. Eles inclinaram-se graciosamente e disseram:
– Venham por aqui, por favor. A Rainha dos Bons Pensamentos os receberá.
Era um grupo feliz, risonho, que seguiu os duendes. Vocês podem imaginar a surpresa e alegria que as crianças sentiram ao contemplar a Rainha dos Bons Pensamentos. Ela era a criatura mais bela que se possa imaginar. Seus cabelos eram dourados como os raios de sol e os olhos brilhantes como as estrelas. As crianças curvaram-se profundamente diante dela e foram, então, apresentadas à corte. Os súditos tinham nomes tão bonitos: Alegria, Felicidade, Bondade, Amor, Generosidade e, por fim, o mais querido de todos, Altruísmo.
Depois das apresentações, a Rainha pediu às crianças que se sentassem a sua frente e de sua corte. Elas o fizeram de bom grado. Então, a Rainha começou a falar. Sua voz soava como música, tão macia, ondulante e cheia de amor. Primeiro, ela pediu a Décio que recitasse o versinho que fizera para ela, e ele o fez com prazer.
Depois, ela disse:
– Então, todos vocês querem saber sobre pensamentos?
– Sim – responderam, cortesmente – Por favor, falemos sobre pensamentos.
– Pensamentos são coisas vivas que emitimos de nossas Mentes para outras pessoas – disse a Rainha – Quando nós enviamos aos outros pensamentos de alegria, felicidade, conforto e altruísmo e quando agimos da mesma maneira para com eles, chamamos isto de consideração. Devemos vigiar nossos pensamentos cuidadosamente para que eles sejam sempre bons. Algumas vezes, pensamentos maus e egoístas tentam invadir nossas Mentes e nossos Corações, mas não devemos permitir que eles aí permaneçam. Devemos dizer: “Saiam, pensamentos maus” e fechar bem firme a porta de nossa Mente. Para que vocês entendam claramente o significado de consideração, vamos dar um exemplo. Décio ama sua mãe profundamente e seu coração está tão cheio de pensamentos de amor, que ele é muito bom para ela e tenta fazer as coisas que a agradam. Isso é consideração e, pela consideração, ele torna sua mãe feliz. Vocês veem, é como jogar um bonito jogo. Quando tentamos ter consideração pelos outros, nossos pensamentos felizes crescem tão rapidamente que temos que dividi-los com nossos amigos. Meus súditos, que vocês acabaram de conhecer, através de sua consideração dão-me alegria, felicidade, bondade e amor, exatamente como seus lindos nomes. E vocês verão como eles todos são bonitos. Pensamentos ajudam a construir nosso caráter e se temos um belo caráter, todos nos amarão. E este é o desejo de Deus para nós, queridas crianças, que amemos todas as pessoas e que todas as pessoas possam nos amar, pois Deus é Amor, e Seu grande amor nos envolve o tempo todo. Somos todos como belas flores crescendo no grande Jardim do Amor de Deus, o mundo.
Há um pequenino pensamento mau que está sempre tentando morar no coração das crianças e isso é egoísmo, continuou a Rainha. Ali não é o seu lugar e eu vou contar-lhes o grande segredo de como mantê-lo afastado. Se vocês quiserem partilhar constantemente suas alegrias e felicidade com os outros, vocês terão tanta consideração por eles que o egoísmo nunca poderá entrar no coração de vocês. Agora, queridas crianças voltem depressa para casa, pois está ficando tarde, disse a Rainha.
Ela agitou sua varinha mágica sobre eles e eles se viram novamente no jardim. Mas, jamais se esqueceram do que ela lhes contara sobre consideração.
Assuaves brisas de verão acariciavam docemente as folhas das árvores e o brilho do luar tornava tudo atraente e fascinante. Décio e Rosália tiveram um dia tão feliz com o avô, no bosque que ficava na encosta da montanha, que voltaram para casa um pouco relutantes, pois queriam ficar ao ar livre, que era tão gostoso. Desejaram boa noite ao vovô e partiram. Quando Décio deitou-se na sua cama confortável, pareceu-lhe estar ainda ao ar livre, o que era muito agradável. Estava cansado e com sono, mas cheio de lembranças de um dia feliz. O avô era tão sábio – um homem maravilhoso! Ele parecia que sabia tudo. Tinha contado às crianças histórias muito bonitas sobre valentes cavaleiros, príncipes leais, princesas bondosas e nobres rainhas.
Décio, imerso nessas histórias fascinantes, pareceu ouvir de repente uma voz. Que era aquilo? Tinha a certeza de que ouvira seu nome ser chamado: “Décio! Oh, Décio!”.
Levantou-se rapidamente e seguiu a voz através de um caminho acidentado na montanha, curvando-se por entre árvores lindas e enormes, o chão estava coberto por vegetação delicada, onde duendes e gnomos podiam brincar. Oh, como tudo aquilo era lindo à luz do luar! Ouviu novamente a voz e assim ele andou mais depressa.
A montanha parecia mais bonita à noite do que durante o dia. Ele parou para olhar a lua e as estrelas. Ia justamente sentar-se no toco de uma árvore, quando pensou ter visto um gnomo entrando nesse mesmo toco. Então, ouviu seu nome ser chamado outra vez. Olhou tudo ao seu redor e não viu ninguém. No entanto, para sua surpresa, viu uma cabaninha bem no topo da montanha. Deve haver lá alguém chamando por mim, ele pensou. Mas ele nunca vira aquela cabana antes, embora muitas vezes já a tivesse escalado com seu pai.
– Há uma brilhante luz na cabana, então alguém deve morar lá, ele pensou consigo mesmo. Deve ser o Homem da Montanha sobre o qual Elf-kin me falou. Ele é amigo das árvores, das samambaias, dos pássaros e de todas as coisas e pessoas dos bosques. Talvez ele queira que uma tarefa seja feita. Acho melhor ir até lá ver.
Aí a voz suave disse:
– É um longo caminho para cima, para um garoto ir sozinho.
Outra vozinha perguntou:
– Você está com medo de ir sozinho pelos bosques escuros?
E outra voz acrescentou:
– É melhor voltar agora.
Mas Décio tinha aprendido a ser corajoso, a não ter medo, a ser persistente e a acabar sempre tudo o que começava. Então, endireitou-se e apressou o passo para ver quem morava na cabana. Foi uma subida dura e longa. Ele sentiu-se realmente sozinho, mas continuou. Lembrou-se muito dos Pensamentos Secretos e isso o ajudou bastante a seguir. Seus pensamentos secretos eram bons: queria ser corajoso e ajudar o Homem da Montanha, se ele precisasse de ajuda.
Exatamente naquele instante ouviu o que parecia ser um grito de dor, bem próximo dele. Olhou para baixo e viu um menino, quase do seu tamanho, deitado no chão, gemendo.
– Por favor, ajude-me, exclamou o pequeno desconhecido.
Décio curvou-se, pôs os braços ao redor do menino tentando fazê-lo ficar de pé, mas nada conseguiu, pois o garoto havia torcido o tornozelo. Dick pensou na cabana. Podia levar o rapaz até lá, pois ele era forte, embora o caminho fosse íngreme e já estivesse escuro. Parou por um minuto e determinou:
– Tenho que ajudar este menino e serei corajoso.
Olhou novamente em direção à cabana para medir a distância. Por estranho que pareça, não achou tão escuro assim e, enquanto olhava justamente à sua frente, estava a mais bela luz imaginável. A Luz era como uma Presença Luminosa. Realmente não era ninguém – apenas uma Luz maravilhosa. Então, uma voz profunda e rica disse:
– Vou ajudá-lo. Você pode carregar facilmente seu irmãozinho nas costas. Assim está ótimo e eu vou guiá-lo.
Então, a Luz seguiu à frente de Décio e de seu novo amigo e logo estavam dentro da cabana.
– Coloque-o com cuidado na cama e vejamos o que podemos fazer por ele.
A voz era muito bondosa e disse a Décio o que fazer para ajudar seu amiguinho.
Como Décio trabalhou! Estava tão feliz por fazer algo de bom pelo outro menino. Então, a Presença Luminosa disse:
– Você tem sido um rapaz corajoso, Décio, e um amigo leal na necessidade. A lealdade é uma grande qualidade e seu caráter será nobre, honesto e verdadeiro, se você continuar a ser leal!
– Décio! Ah, Décio! chamou outra voz.
– Sim, mamãe, respondeu Décio.
E, enquanto ele abria bem seus olhos, o Sol brilhou direto dentro deles. Não podia acreditar que estava na cama, e não à milhas de distância no topo da montanha. Meu Deus! Como ele vestiu-se rapidamente e correu escada abaixo para contar seu maravilhoso sonho ao avô!
O avô sorriu docemente e olhou-o satisfeito.
– Décio, meu rapaz, foi um sonho extraordinário e, sem dúvida alguma, uma experiência real. Por você ter sido constante no estudo de suas lições, honesto e leal em suas amizades, cuidadoso no seu cuidado com o corpo e fiel nos seus pequenos deveres, sua lealdade foi recompensada. Foi-lhe permitido ser, na noite passada, um pequeno Auxiliar Invisível para a Presença Luminosa e servir com amor um amigo necessitado. Talvez, algum dia, você possa ver novamente a Luz da Presença Luminosa.
Era uma vez, há muitos, muitos anos atrás, em um país distante, além do mar, um campo onde alguns pastores estavam vigiando suas ovelhas. Era uma noite maravilhosa, clara, brilhante e cheia de paz. Ainda assim havia um sentimento de expectativa no silêncio. As estrelas nunca pareceram tão luminosas e uma delas, em especial, brilhava tanto que os pastores estavam fascinados por sua grande luz. De repente, as estrelas cantaram! Sim, realmente cantaram, pois vocês sabem que há estrelas-fadas e estrelas-anjos também. Oh! que canção celestial e como ressoou no ar silencioso da noite.
Os pastores estavam tão encantados com a estrela que brilhava mais do que as outras, que a seguiram até um lugar muito distante. Depois, o que vocês acham que eles encontraram? Bem, devo dizê-lo, pois vocês nunca, nunca adivinhariam. Era um amor de um bebezinho menino! A luz ao redor da criança era tão luminosa, que os pastores não puderam ver que lá havia Anjos também. Sim, era Anjos para atender aquela linda criança. Cinco deles vestiam roupas coloridas e tinham asas prateadas, transparentes. Cada Anjo trouxe um presente raro. Os presentes eram amor, bondade, generosidade, humildade e paciência. Não eram esses presentes realmente maravilhosos? O sexto Anjo, vestido com uma roupa branca imaculada e tendo uma estrela na testa, trouxe um tesouro precioso: altruísmo.
Esse menininho, ele mesmo um pequenino tesouro, foi enviado a Terra por Deus para aprender novas lições na Escola da Vida. Deus deu este pequeno tesouro a José e Maria para que eles o amassem e o guiassem. Quanta alegria e felicidade ele trouxe a seus pais e a todos que o conheceram! Este bebê era maravilhoso, pois, podia falar com os Anjos e eles entendiam toda a palavra que ele dizia. Ensinaram-lhe tudo sobre como usar aqueles lindos presentes que ele tinha recebido.
Quando já estava crescido o suficiente para correr e brincar, sua mãe amorosa ensinou-o a pensar belos pensamentos. Seu sábio pai foi mostrar-lhe como usar os presentes que ganhara. Quando estava suficientemente crescido para ter amiguinhos, ele era gentil, bondoso e generoso com todos, dividindo tudo o que tinha com os outros. E você sabe, ele também tinha amigos invisíveis. Brincava com os Espíritos da Natureza, e eles faziam, juntos, as mais divertidas brincadeiras.
Em pouco tempo, ele já estava na idade de ir para a escola, era muito inteligente e aprendia suas lições rapidamente. Ele não se fazia orgulhoso por causa disso, mas humilde e tão sem egoísmo que ajudava alegremente os outros que não aprendiam com tanta facilidade. Ele era muito paciente com aqueles que tentava ajudar.
Aprendeu cedo de sua mãe que só os puros de coração poderiam ver Deus. Assim, conservava puro seu coração, pois queria tanto ver Deus algum dia. Seu pai ensinou-lhe que pensamentos são coisas que podem construir um bom caráter, assim ele era cuidadoso em pensar somente coisas boas. Ensinavam-lhe também que o lindo corpo que Deus lhe dera, era realmente um templo vivo para Deus habitar nele, por isso era muito zeloso para mantê-lo em ordem.
Mais tarde, passou a conviver com homens sábios e puros, chamados Essênios, que lhe ensinaram sobre a Terra, as estrelas, os Espíritos da Natureza, os Anjos e os Arcanjos. Ali também aprendeu mais sobre seu corpo maravilhoso e como prepará-lo para receber o Hóspede Celeste.
Quando já estava quase adulto, seu caráter tornara-se nobre e santo e sua Mente repleta de bons pensamentos, e ele começou a transmitir aos outros seus belos pensamentos. Fez amizade com todas as pessoas e era tão humilde que todos o amavam. Ele amava os animais também e era sempre bondoso e gentil com eles, porque sabia que eles eram seus irmãos mais novos.
Depois de ter dominado completamente todas as lições que precisava aprender nesta vida terrena, a uma coisa maravilhosa. É chamado um mistério, mas ele será revelado a você agora. Era preciso encontrar alguém que fosse puro e santo e que estivesse disposto a dar seu corpo para ser usado pelo próprio Filho de Deus, Cristo, que queria vir a Terra para salvar as pessoas de seus pecados. Então, Jesus – este era o nome deste jovem homem – ofereceu seu corpo para receber o Hóspede Celeste. Foi o maior gesto de Abnegação e Jesus ganhou grande estima de Deus por isso. Aconteceu o seguinte: Jesus foi batizado no Rio Jordão e, quando saia da água, o grande Espírito Cristo desceu do céu e entrou nele, enchendo-o de força espiritual. Então, uma Voz vinda do céu disse:
– Este é o meu Filho muito amado que me dá muita alegria.
Depois de acabado esse grande mistério, Jesus foi chamado Cristo Jesus. Foi o homem mais puro que já viveu na Terra e tornou-se o Salvador da humanidade.
Se nós formos sempre bons, generosos, cheios de amor e principalmente não formos egoístas, e estivermos dispostos a sacrificar nossos pequenos prazeres e até mesmo nossos maiores tesouros para fazer os outros felizes, e também se mantivermos nossas mentes e nossos corpos puros, limpos e santificados, o belo Cristo virá para viver como uma criança em nossos corações. Assim, quando nos tornarmos adultos, seremos como Ele.
A noite tinha caído sobre a floresta e lá havia uma grande calma e silêncio. Havia sussurros do vento e os pinheiros gigantes balançavam-se e suspiravam, embalando docemente os passarinhos em seus ninhos para dormirem. Não é de admirar que os pássaros se sentiam seguros em –
“Uma árvore que o dia todo está para Deus a olhar,
E ergue seus braços cheios de folhas para rezar”.
Ouviu-se um farfalhar nas pinhas caídas no chão e delas saíram pequenos duendes dos bosques, os gnomos. Pareciam ansiosos para ficarem a luz do luar, mas olhavam prudentemente para ver se tudo estava bem. Corriam de um lado para outro, alegres e radiantes. De repente, eles pararam e juntaram-se todos em um grupo embaixo da maior árvore da floresta, pois algo muito estranho estava acontecendo! O Grande Monarca, a mais corajosa árvore da floresta, não estava se balançando ao vento, mas gemia dolorosamente. Qual poderia ser o problema? Alguma coisa terrível devia ter acontecido!
Os pequenos gnomos olharam para cima e, oh … que susto! A linda cor de arco-íris que sempre estivera ao redor da árvore, não estava mais lá. Alguma coisa tinha que ser feita, assim eles olharam para a Lua e disseram:
– Poderia algum bondoso Anjo de Misericórdia vir e ajudar o Grande Monarca?
Aí pararam silenciosos e esperaram.
De repente, ouviram um farfalhar e o som de uma suave música e lá estava o Espírito-grupo do pinheiro, todo envolto em um branco radiante.
– Não fique tão preocupado, Grande Monarca, disse o Espírito, pois trago-lhe ótimas notícias. Você e suas companheiras, as árvores da floresta, aquelas que estão mais velhas, vão fazer uma longa viagem pelo grande e extenso mundo. Vocês vão proteger das tempestades e dos ventos, muitos dos que necessitam de ajuda.
– Mas, perguntou o Grande Monarca, quem tomará conta dos pássaros, dos Espíritos da Natureza e das pequenas criaturas que rastejam?
– Oh, Monarca, respondeu o Espírito, onde está a sua fé? Eu não guiei e tomei conta direitinho de você e das outras árvores? Tenho muitas outras arvorezinhas-bebê prontas para ocupar os lugares de vocês. Amanhã cedinho chegará a esta floresta um grupo de homens, homens muito fortes chamados lenhadores. Eles trarão machados muito afiados, sentem somente amor pelos bonitos corpos de vocês. Por isso, sejam corajosas e fiquem calmas, pois tudo correrá bem. Olharei por vocês. Acordem cedo para que os pássaros comecem a voar ainda de madrugada; eles não podem ficar tristes. Mandem os gnomos fazerem seus trabalhos em outra parte da floresta assim que o Sol nascer. Boa noite, Grande Monarca. Eu o guiarei em sua viagem pelo extenso mundo.
Então, o Espírito-Grupo flutuou graciosamente indo embora.
Na manhã seguinte, houve uma agitação enorme seguida de um profundo silêncio. Mas, por um longo tempo, nada aconteceu. De repente, ouviu-se o som de uma canção cantada por homens felizes. Ao chegarem mais perto pararam, contemplando os altíssimos pinheiros.
– Que árvores maravilhosas! – exclamou um deles.
Um outro disse:
– Queria lembrar um poema que li uma vez sobre árvores, e tudo o que consigo recordar e o final – Mas só Deus pode fazer uma árvore!
– É quase um crime derrubá-las, disse o líder – mas temos que obedecer às ordens. Então, homens, mãos à obra!
Nunca se ouviu tanto barulho na floresta. As árvores tentavam ficar calmas e ser corajosas, mas realmente não se sentiam bem. Depois de terem sido cortadas, foram colocadas em um enorme vagão e receberam outro nome – troncos. Foram transportadas num longo caminhão e quando estavam bem cansadas e querendo saber o que iria acontecer, tiveram uma grande surpresa. Bem a sua frente apareceu um bonito e calmo rio, que pareceu convidá-las a flutuar em suas deliciosas águas. Então, os homens fortes rolaram-nas para dentro do rio. Foi uma grande pancada quando caíram na água, mas depois, elas deslizaram rio abaixo continuando sua viagem.
Não puderam entender o que os homens diziam, nem sabiam direito o que estava acontecendo. Sua coragem já estava acabando, quando finalmente chegaram a uma barreira de troncos. Então, viram aí o maravilhoso Espírito-grupo dos pinheiros pairando sobre elas e retomaram a coragem novamente.
Uma a uma, passaram vagarosamente pela serraria e, quando chegaram ao outro extremo, saíram não mais como troncos, mas como bonitas tábuas de pinho. Foram colocadas em asseadas pilhas e, então, vieram alguns homens estranhos, olharam-nas e disseram que eram boas tábuas e que fariam com elas as mais requintadas casas.
Numa manhã, um grande caminhão encostou-se ao depósito de madeiras e o motorista disse:
– Vim buscar aquelas tábuas de pinho que encomendei ontem.
Então, as árvores, que agora eram tábuas, tiveram outra surpresa, um passeio pelo maravilhoso campo e finalmente foram descarregadas numa linda colina verde.
Logo começou um barulho muito violento – bum! bum! bum! As tábuas mal podiam conversar entre elas e ficaram realmente assustadas. Mas, logo ouviram uma voz que todas reconheceram – o Espírito-grupo dos pinheiros estava pairando-sobre elas e dizia:
– Sejam fortes e corajosas! Cada uma de vocês tem um papel a cumprir na construção de uma casa, a qual abrigará uma família do mau tempo e das tempestades.
E as marteladas continuaram, fazendo surgir uma linda casa, prontinha para ser habitada.
Novamente, o Espírito-grupo pairou sobre elas e disse:
– A grande lição foi aprendida por vocês, a lição de COOPERAÇÃO no grande plano de Deus. Cooperação significa trabalhar juntos para o bem de todos. Na floresta, vocês cooperaram com a Natureza abrigando os pássaros. Depois, quando o homem precisou de vocês para um trabalho maior, cooperaram com ele e fizeram uma linda casa para sua família. Todos os dias vocês ouvirão risos de crianças felizes. Os pais vão falar carinhosamente aos amigos sobre a nova casa e comentarão que ela foi construída com o melhor pinho da grande floresta.
Assim, o Espírito-Grupo voltou para a floresta para dar aos pinheirinhos novos a mensagem de COOPERAÇÃO com Deus e com os seres humanos.
– Oh, que manhã gostosa! Exclamou John ao sair pela porta da frente.
Ele foi saudado com alegres sons por todos os lados. Os passarinhos nas árvores cantavam alegremente sua canção matinal. Seu assobio fraco foi respondido por um latido forte do companheiro fiel, Bruce, um bonito cachorro collie que ele ganhou de um amigo querido. John e Bruce eram amigos sinceros, cada um se preocupava com a segurança e o conforto do outro.
Um dia, foram passear alegremente pelo atalho, a sombra das árvores, e depois saíram para a estrada. Não tinham ido muito longe, quando viram a sua frente uma carroça cheia de frutas, cujo dono estava com problemas. Uma das rodas havia caído e isso naturalmente derrubou algumas frutas, que estavam agora esparramadas na estrada. John ajudou a recolhê-las, enquanto o homem consertava a roda. Em pouco tempo, tudo estava em ordem de novo e o homem continuou sua viagem. John deu uma tapinha nas costas de seu companheiro e eles continuaram a caminhar pela estrada, na expectativa de que algo mais acontecesse.
John era filho único. Amava muito seus pais e ficava contente quando podia ajuda-los, Gostava de flores e passava bastante tempo no jardim. Apreciava a leitura e tinha como amigos os personagens que viviam nos livros que lia por horas seguidas. Isso tudo, entretanto, não o satisfazia porque ele queria amigos reais.
Seu coração era bondoso e, quando sua família morava na cidade, ele procurava a maneira de ajudar as pessoas. Em frente à sua casa morava um menino aleijado. Cada manhã, John corria para lá e dava um assobio de chamada que todos os meninos conheciam. Então, ele ajudava o seu amiguinho aleijado a ir para a escola, carregando sempre seus livros. Havia também sua avó, que o esperava na janela, no horário em que ele passava. Ele corria para lhe dar um beijo e ver se estava bem e feliz. Também havia a adorável Virgínia, menina da idade dele, que sempre fora sua amiga verdadeira e leal. Ela parecia entender todas as suas alegrias e tristezas. Se ele era vitorioso nos jogos, ela o louvava. Se ele tinha dificuldades em suas lições, ela o encorajava a estudar um pouco mais. Assim, ele tentava e tentava de novo com vontade.
Mas, quando sua mãe ficou doente, seu pai comprou uma linda casa no campo, e Virgínia ficou na cidade. A suave brisa do campo e o dador de vida – o Sol – ajudaram sua mãe a sentir-se cada vez melhor e naturalmente John ficou feliz por isso, porque havia muito amor entre sua mãe e ele. Mas, oh! Sentia tanta falta de sua amiguinha, Virgínia.
John e Bruce estavam perto de uma casa, próxima a sua, quando o cachorro deu um latido repentino e forte e John olhou rapidamente para ver o que estava acontecendo. Uma grande surpresa o aguardava. A casa tinha sido reformada e pintada recentemente e ele quis saber quem tinha mudado para Ia e se haveria companheiros de folguedos para ele. Sussurrou para Bruce:
– Muito bem, amigo, nós vamos dar uma volta ao redor da casa e tentar descobrir quem são nossos vizinhos. Talvez possamos arrumar alguns novos amigos.
Assim, andaram em direção ao jardim e ali, sentada num banco, debaixo de uma roseira, viram uma linda menina. O coração de John deu um salto e ele ficou em silêncio por um minuto. Seria ela? Era realmente Virginia? Sim, ele tinha certeza e ela parecia não o ter visto. Ele foi “na ponta dos pés” e sentou-se ao seu lado. Ainda assim, ela não percebeu sua presença. Ele chamou-a pelo nome e então, ela virou-se. Oh, como ficou feliz ao vê-lo! Ambos ficaram muito contentes por estarem juntos novamente e conversaram por longo tempo sobre tudo o que tinham feito desde que se separaram. Um verdadeiro amigo e o maior tesouro que podemos ter, e a amor desinteressado e a chave que abre as portas da amizade.
Bruce latiu para mostrar-lhes que estava ali, esperando pacientemente para também ser saudado. Depois, entraram juntos na casa onde os pais e irmãos de Virgínia alegraram-se em rever John, pois todos o amavam sinceramente. Ele era um verdadeiro amigo, sempre pronto para fazer uma boa ação, para fazer alguém feliz. E este é o segredo da amizade – um coração cheio de amor e consideração para com a felicidade dos outros.
O vento bramia e bramia lá fora, carregando as folhas num rodopio folgazão. Depois, parou por um instante. O Sol brilhou por entre os ramos das árvores e, passando alegremente através da vidraça de uma janela, envolveu uma garotinha que estava quietamente sentada, mergulhada em profundos pensamentos. Ela estava tentando encontrar a resposta para uma pergunta que a atormentava, mas isso era realmente muito para ela.
Por que o zunir do vento se parecia tanto com ela? Mas ela sabia que não era exatamente como o vento, troando, sempre provocando problemas de alguma forma, arrancando folhas das árvores ou jogando poeira nos olhos das pessoas, incomodando-as. Ela sabia que era Sibila, assim era seu nome, e assim todos a chamavam. Mas também não era Sibila! Quem era então? Pensava, pensava muito, mas não conseguia descobrir. Parou de pensar por uns instantes e ficou ouvindo a música suave vinda da sala ao lado, onde sua mãe estava tocando. Sempre que sua mãe tocava peças que a faziam sonhar, parecia que quase chegava, a saber, quem ela era. A suavidade da música lançou um encanto sobre ela que não percebeu quando sua mãe parou de tocar e aproximou-se dela.
O céu estava com um vermelho glorioso e as nuvens eram cor-de-rosa e lindas, enquanto o Sol se punha. Sibila contemplava tudo isso e sentia-se maravilhada com a beleza daquele outro mundo.
Sua mãe, ouvindo-a suspirar, tomou-a nos seus braços e perguntou-lhe suavemente:
– Que a atormenta tanto, Sibila? Conte-me e talvez eu possa ajudá-la.
Sibila abriu seu coraçãozinho para sua sábia mãe:
– Mamãe querida, por que tenho de voltar diariamente a este mundo de faz-de-conta? É tão mais bonito o outro mundo em que vivo parte do tempo. Lá sou feliz e me divirto tanto! Lá eu sou tão diferente – nem um pouco como sou agora. E eu tenho tantos companheiros queridos naquele outro mundo. A música é maravilhosa e a luz torna as cores mais bonitas! Nós dançamos, cantamos e somos tão felizes. E, então, um Anjo vem, sorri para nós e ficamos tão contentes, mas quando estou aqui, sou muito diferente. Quero ser alegre, mas sou tão triste. Quero ser boa e, no entanto sou má. Por quê? Por que, Mamãe querida, tem de ser assim? Será que sou duas; essa eu, e aquela, outro eu que vive numa linda terra tão distante?
– Você é uma só, Sibila, respondeu a mãe, assim como há somente um Eu. Cada um de nós é uma centelha de luz de Deus, e nosso verdadeiro lar é no mundo celestial. Nós todos temos que aprender muitas lições para que possamos ajudar a Deus em Sua grande obra.
Temos que aprender muitas dessas lições aqui na Terra e essa é a razão pela qual vivemos em nossos corpos todos os dias e fazemos o que precisamos fazer. À noite, porém, podemos deixar nossos corpos descansando e ir para o mundo celestial, onde estamos no nosso verdadeiro lar. Quando acordamos de manhã e nos lembramos daquele mundo maravilhoso não podemos deixar de pensar que a Terra, às vezes, não é um lugar tão agradável.
Queremos ser bons, mas nem sempre é fácil ser bom aqui na Terra. Temos que tentar da melhor maneira possível e lembrar-nos sempre que somos centelhas da luz de Deus e que estamos vivendo na Terra para evoluirmos, procurando ser cada vez melhores. Assim, aprenderemos nossas lições aqui e, à noite, seremos capazes também de visitar o mundo celestial para fortificar-nos na fonte divina.
Os olhos de Sibila foram se tornando cada vez mais brilhantes, enquanto ouvia sua querida mãe. Sabia agora que o motivo de toda sua aflição era porque não tinha pensado de maneira correta. De agora em diante, iria lembrar-se sempre quem ela era, qual o verdadeiro sentido da vida, tentando aprender direitinho suas lições aqui na Terra.
Em um lindo jardim, num luminoso dia de verão, o riso feliz das crianças podia ser claramente ouvido. A alegria estava presente e o ar vibrava de felicidade. Uma garotinha estava no meio das crianças, mas era muito nova para brincar os jogos que os outros brincavam. No seu vaporoso vestido branco, olhos espertos, linda face rosada, emoldurada por suaves cachos dourados, ela parecia mais uma flor do que uma criança.
Sorrindo feliz, olhava um raio de sol que parecia estar brincando ao seu redor. O raio de Sol era tão brilhante e bonito que ela teve vontade de brincar com ele. Tentou apanhá-lo e, como não conseguiu, perseguiu-o de um lado para outro, afastando-se das outras crianças. Quando quase conseguiu pegar o raio dançante, ele iluminou uma flor. A flor era linda, assim ela chegou perto para admirá-la e cheirar o seu perfume, quando pareceu ouvir de dentro uma voz fraquinha falando com ela. Quando ouviu isso, a garotinha perguntou:
– Qual o seu nome, linda flor?
– Rosa – sussurrou – E como deve ser o seu nome, linda criança?
– Rosália – respondeu a menininha.
– Que doçura – disse a vozinha – Rosália significa uma rosa pequena.
– Oh! fale-me mais, linda flor, por favor! – Disse Rosália.
– Bem, já que você também é uma rosinha, se você prometer ficar bem quietinha e obediente, vou levá-la comigo para um passeio no raio do sol.
Rosália prometeu e elas foram fazer um passeio num distante jardim onde lindas flores estavam crescendo. As flores seguravam suas cabecinhas pequenas bem erguidas e ficavam felizes em alegrar todos os que passavam por ali, pois para isso existem as flores. Elas nos foram dadas por Deus para serem apreciadas, porque em suas lindas cores azuis, douradas, vermelhas e violetas, vivem bonitos pensamentos que devemos construir dentro de nossas vidas. Amor, paciência e obediência, todos vivem e respiram na fragrância das flores.
Rosália viu algo mais; tão surpreendente que ela até perdeu o fôlego e quase chorou de emoção. Era um pequeno duende, atento no seu trabalho de colorir as flores. Seu nome era Elf-kin e tinha um pequeno auxiliar muito hábil, chamado Do-kin. E ali havia uma encantadora duende donzela, com um vestido lindo que parecia um arco-íris. Ela estava parada onde o Sol brilhava, sobre ela e Elf-kin estava pintando uma flor para ser exatamente igual a ela. Ele pôs um pouco do azul do céu, do dourado do sol, do vermelho do pôr-do-sol, do verde da grama e um pouquinho do marrom da terra naquela flor. Oh! como ficou maravilhosa!
– Você sabe algo dos duendes, não é? – Continuou a rosa. Eles são minúsculos Espíritos que trabalham com as flores. São criaturinhas sempre ocupadas, trabalhando arduamente para fazer flores, arbustos e árvores. Trabalham em pequenos grupos, aprendendo lições dos sábios Espíritos-Grupo que sabem tudo sobre essas coisas. Os Espíritos-Grupo são Anjos que guiam as flores e os duendes. Todos trabalham juntos em amor no bonito mundo das plantas de Deus.
– Oh, eu quero fazer flores bonitas, também -Disse Rosália -Por favor, mostre-me como se faz!
– Silêncio, querida menina! – Disse a vozinha da rosa.
Elf-kin poderá ouvi-la e ficar com medo de ver uma garotinha no seu jardim. Pode pensar talvez que você seja um gnomo escuro esperando para pregar-lhe uma peça, enquanto ele está pintando essa linda e nova flor. Há duas espécies de duendes: os claros, que trabalham com as flores, moldando-as e pintando-as, e os duendes escuros ou gnomos, que trabalham na terra. Esses duendes escuros são muito travessos e adoram pregar peças nos duendes claros. São só brincadeiras, mas isso faz Elf-kin ficar sempre alerta, conservando-o cuidadoso o tempo todo, pois não quer ver suas lindas flores assustadas. Você pode ver que ele é muito atencioso com as suas flores e essa foi uma das lições que aprendeu. Obediência é outra lição, pois ele trabalha muito, dia após dia, cumprindo a vontade de Deus; fazer flores é trabalho para os Espíritos da Natureza fazerem, não para meninas pequeninas. Mas há trabalho para você também no Mundo de Deus. Você pode ser doce e bonita como uma flor, porque você tem o nome de uma flor. Você também pode dar alegria e felicidade para todos que a veem durante o dia, principalmente à sua mãe, sendo obediente quando ela lhe pede para fazer alguma coisa.
Então Rosália percebeu que o raio de sol ainda brilhava ao seu redor. As pequenas crianças continuavam a brincar alegremente e faziam jogos no jardim. Rosália apressou-se para encontrá-las, segurando cuidadosamente a linda rosa, e contou-lhes o seu passeio no raio de sol. As crianças colocaram-na no meio da roda e brincaram de “Roda ao redor de Rosália”, acreditando mais do que nunca, nos pequenos duendes e nos Espíritos da Natureza.
Era uma vez, ao lado de uma estrada, uma planta que crescia e que ninguém notava. Escondida debaixo de uma de suas folhas havia uma dúzia de minúsculos ovos, tão pequeninos que se você não soubesse que estavam lá, você nunca os veria. Depois de algum tempo, um desses ovinhos saiu rastejando – imaginem o que! Bem – uma minúscula lagarta verde. Ela estava tão feliz por ter saído e espreguiçou-se e espreguiçou-se. Olhou ao redor e depois começou a rastejar. Rastejou e rastejou para mais longe. Cada dia comia tanto que logo precisou ter um novo casaco. Vivia muito feliz em uma planta à beira da estrada. Era uma lagartinha inteligente também: se o vento soprasse forte demais e balançasse muito as folhas, ela caía no chão; então, quando tudo se acalmava novamente, ela rastejava, subindo pelo caule e se instalava em uma nova folha bonita e verdinha.
Assim, a lagartinha rastejava e comia tanto, que logo estava usando seu quarto casaco verde. Um dia, sendo muito orgulhosa, esqueceu de se esconder. Em vez disso, rastejou impetuosamente a céu aberto e um homem vendo-a, disse:
– Realmente uma bela lagarta, a mais bonita dessa espécie que já vi.
Então, os Espíritos da Natureza, que trabalhavam com as lagartas, contaram o acontecido para o Espírito-Grupo. Depois disso, a lagarta verde foi vigiada e protegida muito cuidadosamente.
Um dia, depois de rastejar mais adiante, mais adiante, e de ficar muito cansada, arrastou-se para baixo da maior folha que encontrou. E ali, para ficar bem mais confortável, teceu uma esteira ou berço com os fios de uma seda bem macios, na parte de baixo da folha. Depois, instalou-se contente e feliz e adormeceu. Vocês sabem por quanto tempo? Ela dormiu por quase duas semanas! Enquanto estava profundamente adormecida, os Espíritos da Natureza ajudaram-na a crescer mais um pouquinho, até que não coube mais no seu berço. Crisálida era o nome do seu berço. Então, em um belo dia quente e luminoso, rompeu-se o casulo, dele saindo a mais bonita borboleta dourada! A lagarta foi libertada de sua concha.
Feliz com a beleza das florzinhas silvestres que cresciam perto da folha que tinha sido seu lar e desfrutando os doces odores trazidos pela leve brisa, a borboleta descansou um pouco. De repente, descobriu que tinha asas que pareciam de ouro puro e com um grito de alegria voou direto para o sol brilhante. Depois de voar por algum tempo, flutuou sobre um lindo jardim e pousou numa flor de trevo. Sentindo sede, desenrolou sua língua comprida que estava enrolada embaixo do queixo, e bebericou um pouco de mel. Como estava feliz! Ela também fez as plantas felizes, pois era como o brilho do sol voando de flor em flor.
– Que linda beleza dourada! Vamos apanhá-la – gritou um jovem que a tinha visto voando entre as flores. Ele amava as borboletas, mas não conseguiu pegá-la.
Oh! Não! Os Espíritos da Natureza a conduziram para uma grande folha verde, onde se escondeu. E ali a borboleta botou ovos minúsculos. Em seguida, desdobrou as belas asas douradas e voou para longe, bem longe mesmo, e nunca mais foi vista.
Você já viu alguma vez o céu tão azul – oh, tão azul – que dá até vontade de sentar-se e ficar olhando para ele o dia todo? Alguma coisa dentro de você canta de alegria e você se sente como se estivesse dançando e muito feliz! Bem, você sabe que o azul do céu é uma maneira de nosso Pai Celeste dar-nos felicidade neste mundo lindo! Quando olhamos para o belo céu azul, lembramo-nos do amor que Ele sente por nós e ficamos felizes.
Em um país distante, do outro lado do mar, sob um também lindo céu azul, há muitos e muitos anos atrás, viveu um menininho. Ele também amava o céu azul que fazia seu coração feliz, animado e alegre. Seu nome era Francisco – lindo nome, não é? Esse menininho italiano – pois tinha nascido na ensolarada Itália – era como os outros meninos, cheio de vida e sempre querendo divertir-se. Seu pai era um rico comerciante e Francisco podia ter tudo o que quisesse; tudo que seu coraçãozinho desejasse. Vestia-se tão ricamente que alguns de seus companheiros olhavam-no com inveja e comentavam: “Parece um príncipe”. Isso naturalmente enchia o seu pai de orgulho, mas deixava sua sábia mãe um pouco triste. Ela sabia que não era bom para as crianças terem tudo o que quisessem, porque isto as torna sempre egoístas. E Deus não quer que sejamos egoístas.
Assim, Francisco continuou alegre, feliz – e egoísta – até que um dia alguma coisa aconteceu. Ele ficou muito doente. Isto muitas vezes acontece quando só pensamos no prazer e fazemos do Egoísmo, um amigo. Contudo, sua adorável mãe que o compreendia tão bem, cuidou dele com seu profundo amor materno, ternamente. Ela rezou ao Pai Celestial e suas preces atraíram os Anjos para ela. Eles também cuidaram de Francisco, e enviaram seus mensageiros de amor para curar seu corpo doente. Esses mensageiros tiraram todas as coisas desamoráveis que estavam vivendo em seu corpo e no lugar delas deixaram somente amor, pureza e meiguice.
E assim, pouco a pouco, Francisco cresceu cada vez mais forte. E, acreditem, durante todo o tempo em que ele ficou doente, o Egoísmo também ficou doente e nunca se recuperou. Em lugar dele, quando Francisco já estava bom, o Altruísmo veio morar em seu coração puro. E, muitas e muitas vezes, sussurrou-lhe tais pensamentos de amor, que ele começou a ver coisas como nunca as tinha visto antes. Quando era egoísta, só pensava em si mesmo o tempo todo, imaginando o que fazer para se divertir; assim naturalmente voltado para si mesmo, não via o que estava acontecendo a sua volta e perdia muitas coisas.
Mas, agora que ele passou a escutar o Altruísmo, começou a encontrar novas alegrias. Seu amor tornou-se tão grande e amplo, que começou a gostar de todas as coisas viventes e a encontrar grande parte de sua alegria sendo bom e ajudando os outros. Passava todo o seu tempo auxiliando as pessoas, falando-lhes sobre Deus e Cristo Jesus, para que eles pudessem viver vidas melhores. Por fim, demonstrava tanto amor e compaixão por todos, que foi chamado “São Francisco”. Fez-se verdadeiro amigo dos pássaros e de todos os animais. Chamavam de seus irmãos e irmãs as abelhas que voavam de flor em flor no jardim e os coelhinhos que saltavam alegremente pelos campos. Os pássaros o compreendiam e não mostravam o menor sinal de medo e chilreavam em resposta quando ele lhes falava. Quando o viam chegar cantavam para ele as músicas mais doces e bonitas, porque ele os compreendia. Então, São Francisco dizia:
– Nossos irmãos, os pássaros, estão agradando a Deus.
Isso fez sua mãe muito feliz, pois ela sempre soube que, escondido no fundo do coração de seu filho, estava este lindo amor pela Natureza e que transbordaria com o passar do tempo e que todos saberiam o que ela sempre soube. Quando ele era ainda um menino despreocupado, ela tinha dito:
– Se ele vive agora como um príncipe, um dia será chamado filho de Deus.
Realmente, ele era um filho de Deus! E cada um de nós também é um filho de Deus. Isto não é maravilhoso?
Hoje em dia, pessoas no mundo inteiro falam com amor do bom São Francisco, o amigo dos pássaros, dos animais, das flores, e também das pessoas. Vocês poderão ler livros sobre ele e saber como ele era compassivo.
Num chalezinho branco, a beira mar, morava a mãe e suas duas filhas pequenas, formando, realmente, uma família feliz. Não tinham pai, pois Deus já o havia levado para o Mundo Celeste, além do céu azul.
Essas duas meninas, além de serem pequenos e lindos tesouros, eram também ajudantezinhas maravilhosas. A mais velha chamava-se Margarida e a mais nova Janete. Mas ninguém chamava Janete por seu nome e sim pelo apelido “Eu também”. Era assim que todos a chamavam. Por que?
Bem, todas as vezes que a mãe ou Margarida precisavam de alguma coisa Janete dizia “eu também”; ou se Margarida ia a algum lugar, Janete acrescentava “eu também”; de modo que a família e os amigos a apelidaram assim.
Na bonita casinha branca havia muitas coisas a serem feitas e as irmãs estavam felizes com as pequenas tarefas que podiam fazer para a mãe. Tudo o que Margarida fazia, a pequenina “Eu Também” sempre a ajudava. A mãe das meninas era uma mãe maravilhosa, que lhes contava muitas coisas interessantes, inclusive sobre os pequenos Espíritos da Natureza que vivem na água e no ar.
Um dia, alguns primos da cidade vieram ao chalé para uma visita à família. Passaram muitas horas agradáveis no pequeno jardim e na areia. Divertiram-se muito no mar, saltando sobre as ondas e deitando-se na areia sob o sol brilhante, enquanto ouviam o barulho das ondas.
Como os priminhos da cidade não sabiam quase nada sobre o oceano e a praia, Margarida contou-lhes tudo o que sabia sobre essas coisas. Eles não sabiam que 3/4 partes da superfície da Terra é água e que o belo Oceano Pacífico é metade disse. Eles pensavam que água era apenas água e não sabiam que nela existiam ilhas grandes e pequenas, e até continentes perdidos e sepultados sob o mar agitado.
Margarida era quem mais falava. Contou a seus priminhos sobre os mares e as tempestades do mar, e mostrou o farol que ficava perto dali e cuja luz brilhante piscava sem parar para conduzir os navios com segurança. Falou-lhes sobre os jardins que existiam sob o mar, dos recifes de coral e de muito mais coisas até que os primos da cidade pensaram que ela era uma menininha muito, mas muito inteligente.
Eles sabiam muito a respeito da cidade grande onde moravam, sobre os rios, o lago onde patinavam no inverno e muitas outras coisas; mas o oceano era tão novo e interessante para eles que queriam saber mais.
Por fim, Margarida concluiu:
– Bem, realmente, eu não sei mais nada para lhes contar.
Todos ficaram muito quietos por alguns instantes, até que a pequena “Eu Também” os surpreendeu dizendo:
– Margarida, querida, você se esqueceu de contar a eles como se formam as tempestades no mar, como Mamãe nos contou.
E isso já era muito para “Eu Também” dizer, pois era uma criaturinha muito tímida. Os primos logo pediram:
– Oh, “Eu Também”, conte-nos!
Então, ela contou:
– Bem, as sílfides que vivem nas nuvens fofinhas recolhem a água que as ondinas derramam e a levam em seguida para as nuvens. Lá, seguram a água até que as ondinas as obrigam a soltar. As tempestades são realmente batalhas entre as sílfides e as ondinas, travadas no mar e no ar. Por fim, as sílfides tem que entregar à água as ondinas, que apanham as gotas de chuva, jogando-as sobre a Terra. Às vezes, as salamandras tomam parte no combate e aí tem raios e trovões. Algumas gotas de chuva caem no solo dando de beber a grama e as flores; outras caem nos rios e lagos e outras ainda voltam diretamente para o mar azul e profundo.
Como eles ficaram encantados com a pequena “Eu Também”! Ela se fez notada naquele dia, e deixou de ser tímida. Sua mãe ficou muito feliz quando soube disso, dizendo que Janete havia demonstrado iniciativa. Depois daquele dia, a menina nunca mais ficou contente por seguir somente os outros, como fazia antes, e ninguém mais a chamou de “Eu Também”. Ela passou a ser chamada, novamente, pelo seu verdadeiro nome: Janete.
Em uma terra além-mar, numa bela casa marrom, muito diferente das casas que temos nesta nossa Terra, morava uma família adorável, tão feliz como feliz uma família pode ser. Esta pequena casa marrom tinha lindas glicínias que trepavam pelas paredes externas e quando suas flores balançavam a brisa, um doce perfume flutuava pela casa.
Não só esta moradia era diferente das nossas, mas as pessoas que nela moravam eram também diferentes. Tinham pele mais escura que a nossa, os olhos pretos e cabelos muito pretos.
Havia no jardim belíssimas cerejeiras em flor, que mais pareciam grandes ramalhetes. Eram árvores tão belas que, algumas vezes, o país era chamado de Terra das Cerejeiras em Flor. No jardim estava um gracioso menino de sete anos de idade. Seu nome era Lino e estava muito ocupado colhendo flores de cerejeira para sua mãe decorar o interior da casa. Com os braços cheios de flores encaminhou-se para dentro da casa e ajudou sua mãe a coloca-las nos vasos. Tudo era luminoso e alegre, e riam e falavam enquanto arrumavam as flores.
Em seguida, o pai de Lino entrou no aposento. Era um homem elegante, vestido com um quimono maravilhosamente bordado. Chamou o pequeno Lino e tiveram uma longa conversa juntos. Depois do jantar, o pai e o menino foram para o jardim e lá ficaram por um longo tempo. Em seguida, esgueiraram-se por um portão secreto e foram para o Templo. Os sinos do Templo pareciam tocar uma música muito suave quando eles entraram para orar. O pequeno Lino pediu ao Grande Pai que o tornasse bravo e corajoso e que o fizesse crescer forte e sábio como seu pai. Saíram do Templo e caminharam muito, muito, até que chegaram a uma floresta escura e o coração do pequenino Lino bateu muito rápido. Durante a caminhada, o pai não pronunciou uma só palavra, mas agora disse:
– Meu filho, vou deixá-lo sozinho nesta floresta, mas não precisa ter medo, porque não há nada a temer. O Grande Pai tomará conta de você.
Rapidamente, ele desapareceu e o pequeno Lino foi deixado sozinho.
Como tudo parecia escuro! As sombras pareciam tão grandes e não havia como sair dali. As folhas farfalhavam e ouvia-se um estranho ruído de pequenos pés andando apressadamente aqui e ali. As árvores eram altas e silenciosas. Parecia não haver saída numa floresta tão espessa.
O pequeno Lino ficou parado por um longo tempo, sem saber para onde ir. Que faria agora? Oh, queria tanto a sua mãe! E, à medida que pensava mais em sua mãe, lembrou-se que ela lhe falara sobre uma luzinha que ele levava consigo onde quer que fosse. Bem no seu coraçãozinho, ela tinha dito, havia uma luzinha que nunca se apagava. Então, desejou e desejou com toda força que essa luzinha fosse tão brilhante que pudesse mostrar-lhe o caminho da casa. Em consequência desse pensamento, encheu-se de esperança e teve a certeza de que a luz o guiaria para sua mãe.
Logo ouviu pequeninas vozes da Natureza ao seu redor e ruídos agradáveis vindo das árvores. Dentro dele, ouviu a vozinha da coragem dizer-lhe suavemente:
– Seja corajoso, meu rapaz; os Anjos de Deus cheios de amor, estão cuidando de você. Caminhe para frente, não tenha medo e tudo sairá bem.
Nesse mesmo instante, sua luzinha começou a brilhar tão intensamente através de seus olhinhos negros, que pode ver claramente a saída da floresta. Bem à sua frente um caminho serpenteava por entre as árvores. Os pequenos Espíritos da Natureza pareciam estar em toda parte e Lino já não estava mais só, nem sentia medo. Caminhando depressa pela floresta quieta, começou a cantar.
Depois de algum tempo, chegou ao fim do caminho. A Lua enviara lindos raios de luz, as estrelas piscavam alegremente como se quisessem alegrá-lo em seu caminho, e ele foi iluminado até o seu querido lar. Aí encontrou sua bondosa mãe e seu pai que estavam esperando o pequeno e bravo Lino, que havia demonstrado tanta coragem.
Esta é a história de um de nossos irmãozinhos, lá longe, no Japão, a Terra das Cerejeiras em Flor. Deixemos que nossa luzinha brilhe muito em nossos corações para que nós também possamos ser bravos e cheios de coragem. Dessa forma, nunca teremos medo do escuro, pois sabemos que “DEUS É LUZ”.
Bem lá no alto das Montanhas Brancas, onde você nunca, mas nunca mesmo, poderia imaginar, aninhava-se um lindo lago com águas claras e calmas, como se fosse um grande espelho. Manso e tranquilo, refletia as lindas nuvens fofas e o céu muito azul. Os galhos das árvores balançavam e se inclinavam para os próprios reflexos neste grande espelho e as nuvens fofas, ao passarem, observavam suas belas formas.
Escondido sob uma árvore, onde ninguém podia vê-lo estava um menino sonhando, imaginando o que as nuvens faziam a noite e se elas continuariam brancas e fofas, por que sopravam os ventos e como a água chegava ao topo da montanha! O nome desse menino era Dick. Passava a maior parte de seu tempo livre junto ao lago, em seu barco ou nadando. Algumas pessoas achavam que era um menino preguiçoso e o chamavam de Dick Preguiçoso, mas ele sabia que estavam enganados. Essas pessoas não sabiam que ele se levantava bem cedinho para fazer todas as suas tarefas, de modo a poder ficar mais tempo no lago.
Bem perto de seu esconderijo, havia um canteiro de lírios d’água que espalhavam suas belas folhas verdes e flores sobre as águas do lago. Eram seus amigos e o menino se interessava muito por eles.
Dick tinha um segredo. Era o único das redondezas que sabia que uma ninfa morava bem no meio daquele canteiro de lírios. Como sabia? Ora, porque ele a viu e conversou com ela.
Vou contar a vocês como isto aconteceu.
Bem, um dia, quando estava muito, muito cansado, Dick adormeceu exatamente onde estava escondido agora e, quando acordou, ali no meio do canteiro, olhando para ele com seus lindos e grandes olhos cheios de admiração, estava uma linda ninfa. Ele nunca tinha deparado em sua vida com uma pessoa tão bonita. Sorriu para ela e aproximou-se um pouco mais para poder conversar com ela. A ninfa saiu do meio dos lírios cor-de-rosa. Seus cabelos eram como ouro formando uma auréola ao redor de sua bela cabeça. O seu corpo era levíssimo, cor-de-rosa e azul, mas Dick não podia ver seus pés, pois somente a parte superior do corpo aparecia entre os lírios. Ele ficou muito quieto para não a amedrontar. Por fim, perguntou mansamente se ela vivia ali o tempo todo. Ela respondeu-lhe que sim e que era o espírito dos lírios da água. Perguntou-lhe se conhecia as ondinas e ela sorrindo respondeu que eram suas irmãs.
A ninfa ia começar a falar sobre as sílfides que moravam nas nuvens fofas, quando ouviram um grito de socorro. Dick verificou de que lado vinha e, como um raio, mergulhou no lago. Com firmes braçadas nadou até uma canoa virada e salvou uma garotinha que havia caído no lago. Ela nunca estivera sozinha antes em uma canoa e não sabia com que facilidade a canoa podia virar. Inclinando-se para apanhar alguns lírios… splash!, caiu na água. Dick segurou-a firmemente com um braço e, com o outro, nadou para terra firme aonde, nesse momento, estavam reunidas várias pessoas que haviam ouvido também o grito de socorro.
O pai de Virgínia (sim, este era o nome da menininha) apertou a mão de Dick, agradecendo por ele ter salvado a sua filha. Elogiou a coragem de Dick e disse:
– Mas isso não foi só coragem, meu rapaz, foi também ação.
Veja bem, Dick não tinha parado nem um minuto para pensar no perigo que ele mesmo estava correndo, pois sabia que tinha que agir rapidamente quando a vida de outra pessoa estava em perigo. Assim, pulara na água, esquecendo-se de si próprio, pensando somente em salvar a menina. Depois disso, ninguém mais o chamou de Dick preguiçoso: sabiam, agora, que agiria rapidamente e com coragem, sempre que houvesse necessidade de ação.
Quando a excitação passou, Dick deitou-se ao sol que brilhava, como se nada de anormal tivesse acontecido, e esperou ver novamente a ninfa das águas. Mas, quando ela apareceu para lhe sorrir, ele não a viu porque dormia profundamente.
Nossa história de hoje é sobre um menininho chamado Tomás Prestativo. Era apenas um rapazinho, mas já tinha um nome especial, pois tinha um coração muito, muito nobre. Seu nome verdadeiro era Thomas, mas todos o chamavam Tomás e seu pai acrescentou o Prestativo. Naturalmente havia uma razão para isso. Sabe qual era? Sim, vocês estão certos!
Era porque Tomás Prestativo estava sempre tentando ajudar alguém. Não importava se fosse à mãe; no preparo do jantar, a irmã; arrumando a mesa, o pai; no conserto da cerca, o irmãozinho; aprendendo a andar; o que quer que fosse, se ele estivesse por perto, estaria ajudando.
Um dia, chegou um homem a casa de Tomás Prestativo com um caminhão muito grande, carregado de pedras; despejou-as ao lado do jardim e foi embora. Logo em seguida, voltou com uma carga de areia, deixando-a em outro monte junto com alguns sacos de cal.
Tomás ficou imaginando o que seria aquilo e quando seu pai voltou, perguntou-lhe. Ficou sabendo que era para construir um muro de pedras ao redor do jardim. Isso agradou muito Tomás Prestativo, pois sabia que iria gostar muito de auxiliar o pai a construí-lo, e quanto mais pensava nisto, mais excitado ficava. Seu pai disse que se ele se levantasse bem cedo no dia seguinte, poderia ajudá-lo a colocar uma linha onde seria construído o muro. Assim, Tomás acordou cedo, vestiu-se rapidamente, amarrou seus sapatos e fez tudo tão depressa que sua mãe comentou que ele era um despertador para já estar de pé tão cedo.
O pai recomendou-lhe que tomasse um bom café da manhã, porque haveria muito trabalho a fazer. Obediente, Tomás comeu muito bem, frutas, leite e cereais, pois, queria estar preparado quando tanta coisa dependia dele. Estava pondo o boné para sair, quando chegou um mensageiro dizendo que o Vovô estava ferido e que Papai deveria ir vê-lo imediatamente.
Pobre Tomás Prestativo! Como ficou desapontado! Também ficou triste porque seu bondoso vovô, a quem tanto amava, estava sofrendo. Teve vontade de chorar, mas queria ser forte como seu pai e resolveu, em vez de criar um problema, ir para o jardim sozinho.
Ali viu as pedras, todas numa grande pilha, parecendo que estavam esperando para serem utilizadas em um muro. Eram pedras redondas e tão redondamente simpáticas, que Tomás Prestativo achou melhor ficar por ali e brincar com elas por algum tempo. Então, ele pensou que talvez pudesse construir o muro de pedra. De repente, ouviu um sussurro:
– Você não pode construí-lo sozinho, Tomás. Não tente.
Parecia que o sussurro vinha de dentro dele mesmo.
Porém, outra voz sussurrou:
– Você pode construí-lo Tomás. Vamos, comece.
Tomás deu ouvidos à segunda voz e começou a empilhar as pedras para fazer o muro. Esqueceu-se de que lhe haviam ensinado a não se intrometer nas coisas de seu pai quando ele estivesse ausente; esqueceu-se de que não sabia como construir o muro; tudo o que pensou naquele momento foi que queria fazê-lo.
Vocês acham que ele foi capaz de construir o muro? Lógico que não! Trabalhou bastante, até aonde pode, mas tão logo empilhava as pedras, elas caiam. Sentia-se infeliz, mas continuou empilhando-as, empilhando-as e as pedras sempre caindo, caindo. Por fim, ficou com tanto calor, cansado e aborrecido, que pôs a culpa nas pedras e decidiu parar.
Mas, que confusão ele havia feito no jardim! As pedras espalhadas por todos os lados e as flores quebradas e amassadas.
Quando o pai voltou para casa, ficou tão aborrecido, que Tomás sentiu-se envergonhado. Quando o pai lhe disse que não poderia chamá-lo mais de Tomás Prestativo se fizesse coisas desse tipo, sentiu-se ainda mais envergonhado e arrependido. Decidiu que, no futuro, só ouviria a voz do bem.
Como vocês veem, ele conhecia tudo sobre as duas vozes que falam com os meninos e meninas e também com os papais e mamães. Uma era do Senhor Amor, que torna todo o mundo feliz; a outra era do Senhor Egoísmo, que traz problemas para as pessoas. Aprendeu que era muito bom ser prestativo para os outros, mas aprendeu também que deveria obedecer aos pais e não ultrapassar os limites estabelecidos por eles.
No dia seguinte, ficou olhando o pai fazer uma mistura de areia, cal e água chamada argamassa. Esta mistura seu pai espalhava entre as pedras, à medida em que ele as empilhava, fixando-as, o que as impedia de cair do muro. E assim foi construindo o muro.
– A argamassa é como o amor, disse o pai de Tomás Prestativo. Ela une as coisas.
Toda vez que vocês virem um jardim com muitas e muitas flores bonitas podem ter certeza de que ali vivem Fadas; pois, as Fadas amam as flores. Raio de Sol Dourado era o nome de uma Fada de amor-perfeito, que vivia num jardim muito florido e tinha um amiguinho chamado Pedro Espinhudo. Fadas amores-perfeitos sempre vivem em flores amores-perfeitos. Ninguém consegue ver uma Fada amor-perfeito a não ser que tenha um par de binóculos de Fada e como não se pode comprá-lo numa loja, muito poucas pessoas possuem um.
Mas, vou contar-lhes como podem descobrir se uma Fada mora em um amor-perfeito. Se você puder sentir um perfume delicado e doce, pode ter certeza que ali vive uma Fada; e quanto mais você amar o cheiro doce, tanto mais bela será a Fada.
Raio de Sol Dourado vivia em um amor-perfeito amarelo, que parecia ouro quando o Sol brilhava sobre ele. Havia outros amores-perfeitos que eram muito bonitos, mas o amarelo era o mais bonito de todos. Agora, vocês sabem que Raio de Sol Dourado era uma Fada maravilhosa, e que tinha uma casa muito bonita.
Seu vestido era de gaze delicada, tecida com raios de Sol; nos cabelos trazia uma estrela brilhante que competia com a luz de seus lindos olhos, sempre cheios de amor e felicidade. Seu rosto era muito bonito e a doçura de seu sorriso era algo para lembrar sempre, tinha os pés e as mãos minúsculas, e a voz assemelhava-se à música de um sininho.
Como Pedro Espinhudo a adorava! Pedro era um pequeno sapo; um sujeitinho muito bonito, de acordo com sua mãe, e tinha um corpinho redondo e chato como um botão, cabecinha numa extremidade e cauda na outra. Tinha dois olhinhos brilhantes, sempre bem abertos para verem este mundo maravilhoso. Da ponta da cabeça, dorso abaixo, até a pequenina cauda, havia fileiras de espinhos pontudos, que o tornavam notável e era a razão de seu nome, “Pedro Espinhudo”. Ele também tinha quatro perninhas curtas e quatro pezinhos pequenos. Quando ficava deitado, quieto, sob uma ameixeira, você provavelmente o confundiria com uma folha caída, a não ser que você tivesse olhos muito vivos, pois sua cor era a de uma folha seca.
Todas as manhãs, quando acordava, Pedro Espinhudo pedia à mãe se podia ir visitar a linda Fada amor-perfeito. E mamãe sapa respondia invariavelmente:
– Sim, Pedro, mas primeiro precisa lavar o rosto, escovar os dentes e tomar sua refeição, depois pode ir.
Raio de Sol Dourado costumava contar-lhe lindas histórias, e todos os dias havia uma nova para ser ouvida. Uma vez, a Senhora Camundongo ouviu a Fada contar a Pedro Espinhudo a seguinte história:
Em uma manhã, bem cedinho, Raio de Sol Dourado disse ter sido acordada pelo canto de um pássaro zombeteiro. Era uma melodia alegre e tão linda, que ela levantou a sua cabeça úmida de orvalho, e enviou-lhe uma mensagem de agradecimento. O pássaro ficou tão contente, que ele veio e pousou na cerca próxima a ela, cantando outra melodia maravilhosa.
Aí chegou o entregador com o jornal da manhã, parecendo tão azul de frio que Raio de Sol Dourado imaginou o que ela poderia fazer para aquecê-lo. Tudo o que conseguiu pensar foi enviar-lhe um pensamento de amor. E você sabe que assim que ele o recebeu, começou a assobiar e a sentir-se feliz?
Um pouco mais tarde, duas crianças entraram no jardim, um menino e uma menina e, realmente, eles estavam quase brigando. O menino tinha uma expressão carrancuda em seu rosto e parecia muito zangado e a pequena menina também. Eles tinham um gatinho que um tentava tirar do outro. O pobre animalzinho gritava de medo e de dor.
– Meu Deus! Meu Deus! disse Raio de Sol Dourado, isso nunca vai terminar.
Pediu para o Vento de Oeste fazer o favor de levar-lhes uma mensagem de amor e ele o fez alegremente; soprou no rosto das duas crianças o suave perfume da Fada amor-perfeito. Nesse instante, o menino parou de puxar o gatinho, a menina sorriu para ele e o gatinho começou a ronronar mansamente. Todos ficaram felizes.
Pedro Espinhudo disse a Raio de Sol Dourado que gostaria de ser uma Fada amor-perfeito para poder tornar as pessoas felizes. Ela respondeu que tanto pequenos sapos espinhudos, como quaisquer outras criaturas poderiam proporcionar felicidade aos outros, se pelo menos tentassem. E lá se foi o sapinho pulando para casa para contar tudo isso à sua mãe. Mas, antes de partir, lembrou-se de agradecer a Raio de Sol Dourado pela linda história.
Um dia, uma linda joaninha estava sentada em um botão de rosa que crescia no jardim. Era um jardim com muitas árvores maravilhosas, flores lindas e folhas verdes delicadas. A joaninha estava muito elegante em sua capa vermelha e, enquanto mordiscava sua refeição da manhã, quem ela vê espiar ao seu lado, senão um grande gafanhoto!
– Bom dia, Senhor Gafanhoto, disse alegremente.
Percebeu que o gafanhoto não estava dando grandes saltos e nem voando pelos ares como geralmente fazia. Devia estar com algum problema. O que seria? Estava mancando apoiado em uma muleta e andando com muita dificuldade. Tinha a cabeça amarrada com um pedaço de flanela vermelha e parecia, oh!, tão pálido e verde! A joaninha percebeu que algo de terrível devia ter acontecido.
– Então, Senhor Gafanhoto, perguntou a joaninha preocupada, está doente?
O Gafanhoto olhou para ela e tinha grandes lágrimas nos olhos quando lhe contou que havia se esquecido de vestir seu gorro de dormir quando foi para cama na noite anterior, e pegara um terrível resfriado quando o nevoeiro soprou do mar. Agora estava com uma grande dor de cabeça, espirrava a cada minuto e sentia-se muito mal, mesmo.
– Por que está usando uma muleta? – Quis saber a joaninha. Quebrou o seu saltador?
Ela queria dizer a sua perna, naturalmente, mas, não era considerado educado dizer “perna” por isso disse “saltador”. Era muito bem educada, pois havia frequentado a Escola Maternal do Senhor e Senhora Besouro, embaixo da parreira, onde todas as joaninhas, formigas, besouros e outros bichinhos aprendiam boas maneiras.
– Estou com reumatismo, fungou o gafanhoto, e é uma coisa muito séria.
E era sério mesmo, pois, a perna do Gafanhoto é uma grande parte dele, o que significa que a dor é também muito grande. Assim, não era de admirar que o pobre coitado gemesse e se sentisse tão mal, perdendo até o apetite.
– Sinto muito por você, disse a joaninha. Acho que se você tivesse uma pequena estabilidade, logo sararia. O Gafanhoto não sabia o que era “estabilidade” e nem sabia ao certo que gosto tinha, por isso ele sentou-se e chorou.
A joaninha sentiu mais pena dele do que nunca. Tirou sua capinha vermelha e colocou-a sobre o Gafanhoto para aquecê-lo e disse-lhe que se animasse. Voou então para a casa do Dr. Abelha Atarefado. O médico estava tomando sua refeição de mel, mas, logo que ouviu falar sobre o estado do Gafanhoto, colocou o seu chapéu, pegou sua malinha preta e saiu imediatamente.
Encontrou o Gafanhoto apoiado em uma roseira.
– Ponha a língua para fora, pediu o Dr. Abelha Atarefado.
O Gafanhoto abriu a boca só um pouquinho e mostrou a pontinha da língua.
– Abra bem a boca, insistiu o médico, e estique a língua o máximo que puder.
Assim fez o Gafanhoto e que língua grande ele tinha!
– Hum! disse o Dr. Abelha Atarefado. Você precisa é de uma boa dose de estabilidade.
– Foi isso o que a joaninha disse, choramingou o Gafanhoto. Tem gosto ruim?
– E agora, o que há com sua perna? continuou o Dr. Abelha Atarefado, sem dar atenção à pergunta do Gafanhoto e pegando a perna para examinar.
– Ui! guinchou o Gafanhoto. Dói!
– Tome um pouco de estabilidade, disse o médico, e você logo ficará bom.
– Como posso consegui-la? perguntou o Gafanhoto debilitado.
– Vou dar uma receita, respondeu o doutor, tirando da malinha preta uma folha de papel e escrevendo alguma coisa nela, com um lápis.
Deu o papel ao Gafanhoto dizendo-lhe que fosse com a joaninha até a Escola Maternal debaixo da parreira e o entregasse para o Senhor ou Senhora Besouro. Então, voou para casa a fim de terminar sua refeição de mel da manhã.
– Venha e lhe mostrarei o caminho, acrescentou a joaninha, ajudando o Gafanhoto a levantar-se.
Quando chegaram à Escola Maternal deram a receita à Senhora Besouro que a leu e depois a entregou ao marido que parecia ser muito severo.
– Nunca é tarde para aprender e corrigir-nos, disse ele.
Colocou o Gafanhoto em uma classe junto com alguns bichinhos, formiguinhas e outros insetos jovens, para aprenderem uma música com estas palavras:
– Todos os dias e de todas as maneiras, devemos amar-nos uns aos outros.
Puxa! Como era grande o Gafanhoto perto dos outros. Mas veja, ele não havia aprendido essa lição quando garotinho e tinha que aprender agora. E vocês sabem, este foi o tônico que o curou, aprendendo a amar as pessoas. Isso foi o que a joaninha e o Dr. Abelha Atarefado entenderam quando lhe disseram que precisava de estabilidade, pois quando amamos nossos semelhantes, todos podem contar conosco para fazer a coisa certa, e isto é estabilidade.
Quando o Gafanhoto aprendeu a amar as pessoas, ele tornou-se sadio, feliz e sábio e sarou do seu reumatismo. Então, jogou fora a sua muleta, conseguiu saltar ainda mais longe do que antes e tão alto, que quase não se conseguia vê-lo.
O melhor de tudo é que, quando aprendemos a amar as outras pessoas e conseguimos sarar das doenças, tornamo-nos sadios, felizes e sábios também.
Bento e Bernardo eram irmãozinhos gêmeos. Moravam no bonito estado da Califórnia, onde o Sol brilha quase todos os dias e as crianças podem sair de casa para brincar ao sol.
Eles tinham feito cinco anos na véspera e tinham ido pela primeira vez à escola. Todas as noites, mamãe permitia que brincassem meia hora com seus brinquedos, antes de irem para a cama. Esta noite eles estavam brincando de escola, contando os pequenos blocos de madeira com figuras de animais e com letras de A, B, C, etc. Talvez vocês também tenham alguns brinquedos iguais a esses.
De repente, mamãe, que conversava na cozinha com Jane, sua filha mais velha, de dez anos, ouviu as vozes alteradas dos dois meninos.
– Está certo, dizia Bernardo.
– Não está, dizia Bento.
– Está.
– Não está.
– Pelo amor de Deus, disse a mãe a Jane, ouça esses meninos!
Querendo saber o que estava acontecendo, foi à sala de jantar, onde eles brincavam. Viu dois rostinhos perturbados e Bernardo segurando um bloco em cada mão.
– Mamãe, disse Bento. Bernardo quer fazer três blocos de dois; escute o que ele está dizendo.
Segurando os blocos no alto, um em cada mão, Billie exclamou:
– Olhe mamãe, este bloco é um, não é?
Sim, respondeu a mãe.
– E este outro bloco é dois, não é? – Sim, Bernardo, é claro, concordou.
– Então, disse Bernardo, um e dois fazem três, não é, mamãe?
– Mas você só tem um bloco em cada mão, Bernardo, argumentou a mãe, e um mais um são dois; porém, se você tivesse dois blocos em uma das mãos e um na outra, aí então seriam três.
– Mas, mamãe, insistiu Bernardo, um e dois fazem três, não é?
– Bento, Bernardo, vejamos, disse Mamãe. Suponha que você dá um bloco para Bento, um para a mamãe e você fica com o terceiro.
Bernardo deu um bloco para Bento e um para a mãe e, como era de se esperar, não restou nenhum para ele, o que o deixou muito embaraçado. Essa foi a maneira como aprendeu a pensar por si mesmo e usar a sua mente.
Mamãe ficou contente porque mostrou que os gêmeos tinham começado a usar os olhos, os ouvidos e a mente, e isto eles estavam começando a aprender na escola.
– Agora, crianças, disse Mamãe, como estamos novamente felizes, guardem os brinquedos direitinhos e vamos para a nossa história de hoje.
Todos os dias, a mãe contava uma história sobre alguém que havia feito alguma coisa de valor para ajudar o mundo. Antes já falara sobre um homem chamado Bell, que havia inventado o telefone, e sobre Edison, que havia feito coisas maravilhosas com a eletricidade. Nesta noite, contou-lhes a história de Henry Ford, que fabricara muitos automóveis e tornara muitas pessoas felizes, porque os preços dos carros não eram muito altos, e assim elas podiam chegar mais rápido e facilmente ao trabalho durante a semana. Aos domingos, após a Escola Dominical, elas podiam passear e mostrar às suas respectivas famílias as belas paisagens do campo.
Essa história fez com que os gêmeos desejassem crescer e se tornarem homens, para que também pudessem fazer coisas úteis neste belo mundo de Deus. A mãe disse-lhes que para isso deveriam ir à escola, onde poderiam aprender muitas coisas úteis. Recomendou-lhes também que não deveriam brigar mais um com o outro; quando discordassem sobre alguma coisa, pedissem ajuda de alguém mais velho para resolver o problema. Desse modo, estariam usando a razão e crescendo tanto em bondade como em sabedoria.
Os gêmeos, Bento e Bernardo, estavam de volta à sua linda casa no Boulevard Plymounth, em Los Angeles. Alguém lhes dera de presente um cachorrinho, que chamava Bennie. Eles o amavam muito e o animalzinho muito feliz brincando com eles.
Um dia, ficaram sabendo que todos aqueles que tivessem um cachorro, tinham que prendê-lo e não deixar que corresse nas ruas, pois alguns cachorros tinham mordido algumas crianças. Os gêmeos ficaram tão receosos de perder o Bennie ou que algum homem da prefeitura o apanhasse e o levasse embora, que planejaram sem dizer nada a ninguém ou a mãe, o que iriam fazer. Como consequência, quase mataram o pobre do cachorrinho, o que prova que é melhor consultar mamãe, antes de fazer qualquer coisa importante.
Na parte de trás da casa havia um armário muito pequeno e escuro, onde mamãe guardava todas as roupas e sapatos que não eram mais usados e, de vez em quando, o Exército da Salvação passava e levava tudo embora. Uma noite, quando mamãe havia saído, os gêmeos pegaram uma tigela de leite na geladeira e a colocaram no armário. Depois foram buscar uma das almofadas da sala de estar e a levaram para lá. Pegaram o cachorrinho e mostraram-lhe o leite. Quando o bichinho entrou para bebê-lo, fecharam a porta. O cachorrinho ficou tão entretido lambendo o leite que não percebeu que os meninos estavam fechando a porta e os gêmeos foram para a cama contentes, pois sabiam que ninguém iria tirar o cachorrinho deles.
Janete achou falta do leite e, na manhã seguinte, os gêmeos ouviram-na dizer isso para a mãe. Sentiram-se culpados, mas não disseram nada.
Depois do café da manhã foram dar uma espiada no seu cachorrinho, no armário e como vocês imaginam que o encontraram? Ele estava todo encolhido perto da porta, tentando respirar, já quase sem forças para se mover. Os gêmeos chamaram a mãe aos gritos, que veio correndo com a Janete para ver o que tinha acontecido. Vendo o pratinho de leite, ela adivinhou o que acontecera. Pegou o coitado do cachorrinho e o levou para o ar fresco. Janete pegou um pouco de água e, abrindo a boca do cachorro foi despejando um pouquinho de líquido de cada vez. Por fim, o animalzinho começou a reviver, abriu os olhos e pôs-se a ganir. Mamãe pegou uma caixa de madeira, colocou nela um saco limpinho e levou o cachorrinho para tomar sol.
Os gêmeos então contaram à mãe por que haviam feito aquilo. Ela explicou que a porta do armário fechava muito bem e não havia buraco para deixar entrar o ar. O cachorrinho tentou respirar ficando o mais perto que pôde da fenda sob a porta; mas, ela era tão estreita que não deixava passar ar suficiente e o pobre cachorro passou a noite inteira lá dentro, quase sufocando. Se os gêmeos não tivessem aberto a porta naquele momento, certamente iriam encontrar o animalzinho morto, pois os animais, como os seres humanos não podem viver sem ar.
Então, Mamãe levou os gêmeos à seção de brinquedos de uma grande loja no centro da cidade e comprou para cada um deles uma daquelas bexigas que você assoprara e ficaram bem grande. Bento e Bernardo tentaram ver quem assoprava mais. Quando pararam de assoprar, o ar saiu e as bexigas murcharam. Mamãe explicou-lhes que foi assim que o cachorrinho se sentiu quando o ar saiu de seus pulmões e não havia mais ar para respirar.
Esta foi outra lição que os gêmeos aprenderam e que, por pouco, não se tornou uma lição muito triste.
Vocês, crianças, que nós amamos – e sabemos que vocês nos amam também, gostariam de se unir a nós para formar uma corrente de rosas brancas, capaz de rodear o mundo? Isso seria uma coisa muito bonita e útil para fazermos.
Se mantivermos nossos corações puros e ternos, assim como uma rosa branca, o Amor unirá os nossos corações. Comecemos agora mesmo. Todas as manhãs, vamos dizer a nós mesmo:
Hoje vou ter bons pensamentos,
E vou praticar somente boas ações.
Para todas as coisas viventes, bom serei,
Meu coração será como uma rosa branca e pura,
E, em tudo que me rodeia, a Deus verei.
A história de hoje é sobre uma galinha chamada Pintadinha. Ela pertencia a uma menininha chamada Shirley.
Pintadinha morava no campo, em uma grande fazenda, com muitas outras galinhas e um Papai Galo. Lá também haviam cavalos e muitas vacas.
Era um lugar muito interessante para se viver. Havia muitas coisas para serem vistas e muito trabalho para fazer. Havia campos de cereais, de capim, de trevo; também um pomar com pêssegos, damascos, uvas e muitos outros tipos de frutas. Os cavalos puxavam os arados e faziam sulcos no solo para que as cenouras, as beterrabas, as outras verduras, os cereais e as frutas crescessem direitinho. As vacas se ocupavam comendo capim e trevo e transformando-os no rico leite para os meninos e meninas beberem.
Até o grande Papai Galo estava sempre ocupado procurando uma minhoquinha gorda. Quando encontrava um petisco bem apetitoso não engolia vorazmente. Oh, não! Era cavalheiro demais para fazer isso. Segurava-o gentilmente no bico e chamava na sua linguagem de frango:
– Venham queridas, tenho uma coisa deliciosa para vocês.
Quando as galinhas ouviam isso, nossa, que correria! Com as asas abertas, cada uma corria o mais que podia. Pintadinha era uma galinha tão esperta, que geralmente chegava primeiro e comia o bichinho.
Se um gavião voava baixo, procurando uma chance de se lançar sobre uma galinha, como Papai Galo ficava indignado! Avisava as suas galinhas para se esconderem rapidamente sob o pé de pimenta, eriçava as penas do pescoço e se preparava para a batalha. Parecia tão ameaçador e pronto para a luta, que o gavião sempre fingia estar procurando alguma coisa no campo vizinho e não parava.
Pintadinha, muitas vezes, gostaria que o galo não levasse tão a sério seu dever de chamar as galinhas para se levantarem de manhã. Porém, isto era um dos seus deveres e como ele era um sujeito muito consciencioso, nunca deixava de cumprir suas obrigações. De manhã, bem cedinho, costumava ficar de pé no poleiro e gritar bem alto:
– Có-có-ri-có – era o seu modo de dizer: “É hora de levantar-se, minhas queridas”.
– Oh, que coisa! – pensava Pintadinha – Certamente, não pode ser ainda hora de levantar. Estou com tanto sono!
Lembrava-se que um dia, Papai Galo se enganara numa linda noite de luar. Pensando que já era dia, chamou- as para se levantarem no meio da noite. Naturalmente, Pintadinha nunca mencionava o ocorrido para não magoar seus sentimentos, mas quando o escutava chamar, costumava abrir um pouquinho um olho e dar uma espiadela. Se estava escuro, colocava a cabeça em baixo da asinha e tirava outra soneca. Quando ele começava a cantar novamente, sabia que era melhor levantar e se vestir depressa para não chegar atrasada para a refeição.
“Vestir-se?”, exclamam vocês. Ora, sim, vocês não sabiam disso? Naturalmente as galinhas não se vestem da mesma maneira que os meninos e meninas, pois não tiram suas vestes de penas nem de dia nem de noite. Sabem como Pintadinha se vestia? Quando se levantava, ou melhor, pulava do poleiro, a primeira coisa que fazia era chacoalhar-se. Não era uma chacoalhadinha só, mas, uma bem grandona; tão grande e forte que todas as suas penas ficavam soltas e fofas. Então, corria para beber um pouco de água, levantando a cabeça, quando bebia, como se fosse para agradecer. Sua ocupação seguinte era alisar as penas com o bico até que ficassem macias e lisas. Tinha uma maneira original de cuidar da cabeça. Simplesmente levantava o pé e coçava a cabeça usando as unhas como pente. Vocês não acham que ela era esperta?
Quando todas as galinhas estavam prontas, Bento, o irmão de Shirley, aparecia com a refeição. Podem ter a certeza, elas sempre se alegravam com sua chegada.
Bento era muito brincalhão. Costumava dizer a Shirley que o nome certo para Pintadinha era “Sardentinha”, pois ela tinha pequeninas manchas marrons no corpo inteiro; Shirley, no entanto, achava Pintadinha mais bonito.
Um dia, Shirley entrou correndo em casa, toda alvoroçada, chamando pela mãe:
– Mamãe! Mamãe! Venha ouvir a Pintadinha! Depressa! Ela está aprendendo a cantar com o Dino (Dino era o canário).
A mãe riu e disse:
– Está bem, querida, espere um pouco só; vou ver se seu irmãozinho está dormindo.
E, com Shirley saltitando a seu lado, foi ver Pintadinha. E lá estava a galinha, com a pequena crista vermelha da cor de uma cereja, correndo pelo galinheiro e soltando um gritinho feliz: “Có-có, có-có-có”, justinho como se fosse uma canção. Realmente, era uma canção de alegria porque se sentia muito feliz.
Mamãe sorriu e ajudou Shirley a preparar, em uma caixa, um bonito ninho de palha para Pintadinha. Alguns dias depois, Pintadinha cantou outra canção. Era uma canção de alegria também, mas os seres humanos que não sabem como dar um nome a esse cantar chamam-no de cacarejo. Pintadinha havia botado um ovo no seu ninho e estava anunciando a boa notícia para todas as amigas, de modo que pudessem se alegrar com ela. Elas cacarejavam também e o grande galo as acompanhou, portanto, o barulho foi grande. Quando Bento voltou da escola, Shirley lhe contou tudo e, segundo ele, as galinhas haviam iniciado um “pequeno conjunto vocal”. Como Bento é sabido! Não acham?
Vocês todos se lembram do alvoroço que aconteceu entre as galinhas, quando Pintadinha botou seu primeiro ovo no ninho preparado por Shirley para ela?
Houve uma razão para isso. Os ovos são coisas maravilhosas. Não só são bons para comer, como também é a origem de novos pintinhos. As galinhas sabem disso e ficam contentes. Essa é a razão porque as galinhas cacarejam suas lindas canções quando botam um ovo. Pintadinha estava agora muito ocupada e feliz. Todos os dias cantava sua canção: “Có-có-có-có-ró”, que queria dizer: “Vou botar um ovo”. Então, saia, sentava-se no ninho e sonhava com o futuro. Depois que botava o ovo, saia voando do ninho e cacarejava alto: “Botei um ovo, botei um ovo”.
Quando já havia uma dúzia de ovos no ninho, Pintadinha achou que era suficiente poder cobri-los bem com suas asas. Amava tanto seus ovos, que decidiu ficar com eles bem aconchegados ao seu peito. E assim, em vez de ficar no pátio com as outras galinhas, apreciando o calor do sol, ficava o dia inteira sentada sobre os ovos. Só os deixava por alguns minutos quando saia apressada para buscar água ou comida. Tinha um modo muito engraçado de dizer as outras galinhas que andava ocupada demais para visitá-las. “Có-có-có” dizia, enquanto comia apressadamente para voltar correndo ao ninho. Não queria que seus ovos esfriassem; esse era o motivo de sua pressa.
Pintadinha sabia muitas coisas para uma galinha de seu tamanho e como conseguiu aprender tudo isso era um mistério que muito poucas pessoas sabiam. Não só sabia como manter os ovos bem quentinhos, como também sabia virá-los todos os dias. Como é que ela fazia isso, vocês sabem? Não tendo mãos como nós, acham que os arrastava com os pés? Oh! não! Isso seria muito rude. Ela os virava delicadamente com o bico, um ovo após o outro, até virar todos. Como ela sabia que uns já tinham sido virados e outros não, é ainda um mistério. Levava muito tempo nisso, mas nunca parava até estarem todos virados, sem se importar com o cansaço.
Todos os dias, Shirley saía para ver Pintadinha e dar-lhe alguma coisa saborosa para comer. Pintadinha estava ficando tão magra que parecia cansada e fraca. Sua crista que costumava ser bem vermelha antes estava pálida. Mesmo assim, sentava-se no ninho, pacientemente, mantendo os ovos quentes com seu corpo. Em uma manhã, porém, teve uma experiência maravilhosa. Sentiu um movimentozinho embaixo do seu peito. Um dos ovos parecia vivo, depois outro e outro. Oh, como isso a emocionou! Coraçõezinhos estavam batendo dentro dos ovos, corpos pequeninos lutavam para quebrar as suas cascas de prisões, pintinhos, preparando-se para abandonar os ovos.
– Meus nenês! Meus queridos nenezinhos! Sussurrava Pintadinha. Vão sair logo da casca!
Nesse dia, não largou o ninho nem por um minuto.
Shirley lhe trouxe um pouco de pão macio embebido em leite e ela comeu agradecida.
Pintadinha podia ouvir as bicadinhas dos pintinhos tentando quebrar suas cascas. Um após outro conseguiram fazer uma abertura minúscula. Assim que respiraram o ar em seus pequenos pulmões, sentiram-se tão fortes que esticaram as suas perninhas e empurraram a casca com toda força que podiam. Pouco a pouco, conseguiram partir as cascas em dois e saíram aos tropeços para se aninharem entre as penas macias de sua mãe, Pintadinha.
No dia seguinte, quando Shirley foi ver Pintadinha, ouviu tanto “Piu-Piu,” que imediatamente soube que os pintinhos tinham nascido. Foi correndo chamar a mãe para vê-los. Quando entraram no galinheiro, um pintinho pôs a cabecinha para fora, a fim de olhar o mundo maravilhoso. Era tão bonitinho que Shirley teve vontade de pegá-lo. Mas, quando estendeu a mão em sua direção, Pintadinha eriçou as penas e ralhou tanto, que Shirley se ofendeu. A mãe, porém, lhe disse para não se importar, pois Pintadinha estava só chamando a atenção de Shirley para não machucar seus pintinhos; mas se ela fosse boazinha e os alimentasse todos os dias, Pintadinha confiaria nela e deixaria que os tocasse.
Então, Pintadinha e sua ninhada foram colocadas em uma casinha especial, toda de ripas, com espaço suficiente entre elas para permitir que os pintinhos entrassem e saíssem livremente. Eram tão pequeninos e macios! Shirley adorava vê-los correr por ali.
Como as crianças, os pintinhos tinham muita coisa a aprender. Quando mamãe Pintadinha os chamava “Piu-piu-piu,” logo aprenderam que ela tinha algo para comer.
A galinha segurava o alimento no bico e os pintinhos disputavam-no. Eram pintinhos tão saudáveis e famintos que estavam sempre prontos para uma nova refeição.
Como cresceram depressa! Em duas semanas tinham rabinhos muito engraçados. Em quatro semanas já estavam tão crescidos que foram colocados no galinheiro com Pintadinha. E como se divertiam correndo para todos os lados com a mãe! Ela era muito boa para eles e sabia tanta coisa! Podia escavar buracos enormes no chão para encontrar minhocas, as maiores e mais gordinhas. Podia apanhar besouros e moscas. Encontrava brotos macios no capim. Sabia quando ia chover, assim como muitas outras coisas, como se esconder de um corvo preto que vivia do outro lado do desfiladeiro. Pintadinha ensinou essas coisas todas para os filhotes e, como vocês podem imaginar, doze ativos pintinhos para alimentar e educar era uma grande tarefa. Quando ficavam exaustos e aninhavam-se debaixo de suas asas, Pintadinha tinha sempre uma linda canção de ninar, que cantava suavemente em língua de galinha. A letra era mais ou menos assim:
– Durmam, durmam queridinhos. Mamãe os manterá quentinhos.
Eram pintinhos bonzinhos e tentavam obedecer à mãe; mas, à medida que iam crescendo, às vezes se afastavam dela para passear. Entretanto, ficavam sempre felizes quando achavam o caminho de volta para casa.
Benjamin era o mais aventureiro de todos os filhos de Pintadinha. Ele lhe causava realmente muita ansiedade, embora não tivesse essa intenção, naturalmente. Mesmo quando era um pintinho fofo e redondo, já se perdia fora de seu viveiro. Começava com uns gritinhos agudos de “Piu-piu-piu”, que queria dizer:
– Estou perdido, estou perdido.
Como só ia até ao lado de fora do galinheiro, Pintadinha podia ouvir seu chamado e cacarejava:
– Có, có, estou aqui, Benjamin, estou aqui.
Assim, aprendeu a confiar em sua mãe, mas não aprendeu a cuidar de si mesmo.
Perdia-se várias vezes em um dia e, no dia seguinte, a mesma coisa acontecia. Era mesmo bom que Pintadinha tivesse bastante paciência com ele, não era?
Algumas vezes, Benjamin corria para outra galinha pensando que era sua mãe. Porém, logo descobria o engano, ao ganhar uma boa bicada. Essa era a maneira de as (excluir a palavra das) galinhas puxarem as suas orelhas e o mandarem de volta à mãe.
O quintal em que Benjamin vivia era cercado por uma tela de arame. Em alguns lugares havia buracos na tela, suficientemente grandes para permitir a passagem de um pintinho. Pintadinha avisava os filhos para nunca se aventurarem fora da tela, pois havia muito perigo lá fora. Benjamin não era realmente travesso ou desobediente, mas um dia, quando estava perseguindo um besouro, atravessou um buraco na tela sem mesmo saber o que estava fazendo. Depois, quando percebeu onde estava, olhou ao redor com muita surpresa. Ele achou o lugar muito bonito e, como não visse nada que lhe parecesse perigo, pensou que Pintadinha havia se enganado. Encontrou uma quantidade tão grande de gafanhotos para perseguir que se divertiu muito, embora fosse difícil apanhá-los. Correu e correu até ficar exausto. Quando estava quase conseguindo um gafanhoto, este voava com um farfalhar de asas e Benjamin tinha que correr atrás de outros.
Finalmente, decidiu voltar para casa e descansar sob as asas de Pintadinha. Mas onde estava sua casa? Onde estava Pintadinha? Alarmado, ele levantou sua cabeça e gritou: “Piu, piu!”. Ficou escutando, mas nem um som ouviu em resposta. Nenhum “Có, có” de boas-vindas da mãe dele. Ficou nas pontas dos pés, esticou seu pescoço e chamou, chamou, chamou até ficar rouco, mas em vão. Começou a correr, a correr em todas as direções. Suas perninhas doíam de tanto correr, mas não conseguiu achar sua casa.
– Oh, se achar o caminho de minha casa, nunca mais serei descuidado, prometeu a si mesmo. Depois piou novamente: Estou perdido. Oh! Mamãe, onde está você?
Nesse instante, Benjamin ouviu um barulhinho no capim e viu uma grande cobra rastejando. Nunca vira uma antes, mas tinha certeza de que não era uma minhoca. Deve ser perigosa, pensou, assim correu o mais rápido possível, soltando gritos de medo. Ficou novamente na ponta dos pés e soltou um grito desesperado de socorro.
A sombra de um gavião voando baixo sobre sua cabeça projetava-se ao longo do gramado. Foi bom para Benjamin que Pintadinha tivesse ensinando muito bem seus filhos a se esconderem de coisas que voavam. Escondeu-se dentro de um arbusto, chorando baixinho e tremendo de medo. Depois de algum tempo, saiu do esconderijo, gritando novamente pela mãe.
O Sol já se punha e logo chegaria à noite. Como poderia ficar ali sozinho, naquele campo enorme? Só de pensar nisso tremia de frio e medo. Caminhou sem rumo, por um longo tempo, tropeçando em galhos e pedras por estar muito cansado e fraco, soltando a cada momento um grito desesperado:
– Mamãe estou perdido, estou perdido. Oh, Mamãe, onde está você?
Já estava para desistir quando pareceu ouvir, à distância, a voz da mãe dele. Ficou à escuta. Sim, tinha certeza. O “Có-có” da mãe era a música mais linda para o ouvido dele. Esqueceu-se o quanto estava cansado e como correu! A cada momento parava e chamava:
– Onde está você?
– Estou aqui, respondeu Pintadinha.
Correu, então, na direção da voz dela. Finalmente, chegou à cerca, mas tão cansado que não conseguiu encontrar o buraco. Pintadinha ficou cacarejando, encorajando-o a não desanimar e finalmente ele encontrou o lugar certo e entrou no quintal. Coitado do pequeno, empoeirado e cansadíssimo Benjamin. Correu para baixo das asas de sua mãe e aninhou-se bem juntinho dos irmãos e irmãs. Que lugar maravilhoso era sua casa! Nunca mais seria descuidado a ponto de perder-se. Nunca se esqueceu da cobra e do grande gavião. Aprendera uma lição que jamais esqueceria.
Beto queria um cachorro. Foi mesmo a primeira coisa que ele quis na vida e se lembrava muito bem disto, e já fazia muito, muito tempo; porque meninos e meninas também podem se lembrar de coisas passadas, se pensarem bastante sobre elas.
Bem, quanto mais Beto pensava como seria bom ter um cachorro, tanto mais queria ter um.
– Oh! dizia ele, se eu tivesse um cachorro, seria o menino mais feliz do mundo!
E que tipo de cachorro vocês acham que Beto queria? Um collie? Um fox? Lógico que ambos são bons cachorros; mas não, Beto não queria nem um, nem outro, e nenhuma raça especial de cachorro; queria um companheiro, um amigo para amar, que fosse alegre e divertido.
Finalmente, Papai e Mamãe concordaram em arrumar-lhe um cãozinho. Como o garoto ficou contente! Pensava que encontraria o tal cachorro imediatamente. Mas, depois de se passarem semanas e semanas, viu que não era tão fácil assim, pois, apesar de suas buscas, ainda não tinha cachorro. Havia muitos cachorros por aí, mas nenhum cujo dono estivesse disposto a dá-lo de presente. Havia o inteligente collie do tio Bruno, por exemplo, mas Beto sabia que não adiantava pedir, pois, tio Bruno precisava dele para trazer as vacas na hora da ordenha. Havia também o pequeno poodle da tia Matilde, mas ela não se separaria dele.
Mas, em algum lugar do mundo deveria haver um cachorro que lhe fosse destinado, sendo assim, Beto em vez de ficar sentado e chorar, continuou procurando, pois, era realmente um garotinho inteligente. Toda vez que encontrava um homem, perguntava-lhe:
– Por favor, Senhor, onde posso encontrar um bom cachorro?
O homem quase sempre conversava algum tempo com ele até descobrir que tipo de cachorro queria e a resposta era:
– Não, meu rapazinho, não sei. Mas se eu souber de alguém que tenha um cachorrinho bonito para lhe dar, avisarei.
E a intenção do homem era mesmo essa, pois ainda se lembrava do tempo em que era criança e tinha um cachorro que amava; entretanto, se também não tivesse tido um cãozinho, sabia perfeitamente quanto o desejara naquela época.
Finalmente, quando Beto já estava bastante desanimado, chegou um homem com um cachorrinho chamado Cuffee. Que nome estranho para um cachorro! E que cachorrinho desgrenhado e desajeitado era Cuffee! Mas Beto não pensou assim, nem por um minuto. Para ele, aquele cachorrinho estranho e magricela, com pelo marrom, áspero como arame e com seus esquisitos olhinhos marrom-avermelhados que brilhavam como duas bolas de fogo, era uma criatura linda. Quando correu para afaga-lo, uma pequenina língua vermelha e úmida esticou-se para lamber-lhes os dedos, dando-lhe uma estranha e vibrante sensação e ele teve a certeza de que o cachorrinho tinha gostado dele. Tremendo de emoção e quase que temendo perguntar e ficar desapontado olhou para o homem, que estava sorrindo, e pediu-lhe se podia ficar com o cão.
– Ora, sim, filho, respondeu o homem, pode ficar com ele, se o quer tanto. Fiquei sabendo que havia um menino por aqui querendo um cachorro, por isso o trouxe. Você é o garoto?
Com os olhos brilhantes, Beto assegurou-lhe que era, e ajoelhou-se para abraçar o animalzinho.
– Oh, Beto, protestou sua irmã Helena, ele é tão feio. Espere mais um pouco para ver se arruma um cachorrinho gordinho e fofo como o da tia Katia.
– Não é a aparência que conta, senhorita, disse o estranho, e sim o que o cachorro é. Este aqui vale muito. Não tem medo de nada. Quando ficar um pouco mais velho e engordar um pouquinho, vai ficar uma beleza. Mas você tem que tratar bem dele, filho, ou ele não vai prestar para nada.
– Serei bom para ele, prometeu Beto, quase sem folego, tentando se esquivar de uma amigável lambida no rosto. Desce Cuffee, desce! ordenou energicamente.
– Assim é que se fala com ele, filho, mas não bata nele para não o estragar. Naturalmente ele vai fazer alguma travessura, o que é de se esperar de um bichinho ou de uma criança. Os cachorros têm que ser educados como os seres humanos, e aprender o que é certo e o que é errado.
No minuto seguinte, a confusão era total. De um salto, Cuffee deixou Beto estatelado no chão, tropeçando em Helena que caiu, e partiu a toda pressa atrás de uma risca preta e branca que passou voando e subiu ao alto da vara de roupas. Cuffee ficou embaixo, latindo. Mickey, o precioso gatinho de Helena, curvou-se no alto da vara, tendo o pelo todo eriçado, o rabo levantado e olhou fixamente para Cuffee, tentando desafiá-lo.
– Cuffee é um cachorro mau, soluçou Helena, levantando-se e correndo para salvar o gatinho.
– Não, não é mau, Helena, acalmou-a a mãe. Apenas um cachorrinho ignorante que não aprendeu ainda a ser amigo de gatos. Leve Cuffee embora, Beto, e o amarre até Mickey se recuperar do susto.
Enquanto amarrava Cuffee, Beto falava com ele num tom tão magoado que o cãozinho ficou triste e confuso, pôs o rabinho entre as pernas e estendeu a patinha como que pedisse um aperto de mão ao Beto com jeito tão bajulador que o menino teve que rir. Vocês percebem que Cuffee precisava ser ensinado a diferenciar o certo do errado, pois, quando não se sabe é fácil cometer um erro, não é?
Vocês sabem o que é um nanico? Não? Então vou lhes contar. Um nanico é um animal que não cresceu o quanto deveria. Existe, geralmente, em todas as famílias de porquinhos um nanico – um coitado de porquinho que é menor e mais fraco que seus irmãos e irmãs. Quantos de vocês já viram um porquinho desses? São animaizinhos tão esquisitos e gritam tanto! Um nanico não é acariciado e mimado por sua mãe e por isso não tem chance de tornar-se grande e ficar forte. Realmente, ele é sempre empurrado de um lado para outro, como se ninguém o amasse.
Na hora das refeições, quando a grande mamãe porca chama os filhotes para jantar, vocês deveriam ouvir o barulho que eles fazem. Talvez vocês até tapassem os ouvidos para não ouvir, pois quando a mãe guincha cada um corre e grita mais que o outro. “Wee-ee-eh, wee-ee·eh”. Grunhindo e gritando, procuram conseguir o melhor lugar para comer mais que os outros. Realmente, o barulho é bem desagradável. E o coitado do porquinho nanico é empurrado de um lado, derrubado de outro e é até de se admirar que consiga comer alguma coisa. Como vocês veem a mamãe porca nunca se incomoda em ensinar aos filhotes as boas maneiras a mesa, nunca tendo aprendido também. Ela simplesmente deixa que comam como quiserem. Assim, se os porquinhos são gulosos e egoístas, não devemos nos admirar, pois nunca foram ensinados a se comportarem de maneira melhor.
Não seria chocante se nos deixassem crescer desse jeito e se nossas mães e professores nunca nos ensinassem a respeitar os outros? Ora avançaríamos e empurraríamos uns aos outros rudemente. Iríamos querer o melhor de tudo para nós mesmos, ser sempre os primeiros, e não teríamos boas maneiras à mesa. Na verdade, seriamos tão gulosos e egoístas como os porquinhos, não é mesmo? Mas sabemos também que essa não é a melhor maneira de sermos felizes, não é? Assim, devemos nos lembrar do que o belo Anjo Planetário, Saturno, nos diz. Quem se lembra o que Saturno diz? Ele nos diz:
– Parem e Pensem.
Se pararmos e pensarmos poderemos fazer muitas coisas bonitas e úteis.
Bem, voltando ao porquinho nanico, ele vivia na fazenda do pai de Bento e dava pena ver o coitadinho. Ele era pele e osso! Mas ele era muito forte em uma coisa – sua voz. Podia gritar mais alto do que todos os irmãos e irmãs. E que gritos desagradáveis também.
Talvez vocês se lembrem de como, em nossa última história, Mickey, o gato, ficou perturbado ao ser perseguido por Cuffee. Mas, Mickey não foi o único animal a ser perturbado por Cuffee. Todos os cavalos, vacas, porcos e galinhas eram de alguma forma, molestados pelo cãozinho, que tinha a mania de correr no meio deles. Era realmente muito ativo e brincalhão, achando que era seu dever manter ativos todos os outros animais. Quando os cavalos estavam trabalhando, disparava atrás deles, latindo e mordendo suas patas traseiras. Gostava de fazer uma agitação total entre as vacas, costumava segurar o rabo delas fazendo-as disparar pelo pasto afora. Quanto aos porcos, gritavam e grunhiam quando Cuffee lhes mordia as orelhas, enquanto que as galinhas estrilavam e batiam as asas, cacarejando feito louco quando o viam chegar.
Bento começou a ensinar muitas coisas a Cuffee e, entre elas, como manter as galinhas fora do jardim. Cuffee logo aprendeu que não devia machucá-las, mas ficava feliz em lhes pregar um bom susto. Mas, elas logo se esqueciam do susto e voltavam, pois no jardim havia muitas coisas saborosas que elas gostavam de comer.
Os porquinhos logo descobriram um jeito de entrar no jardim também. Cuffee se divertia fazendo-os sair, enquanto a mamãe porca se lançava furiosa contra ele do outro lado da cerca. Imaginem a surpresa de Bento quando, um dia, encontrou o porquinho nanico comendo o jantar de Cuffee enquanto este permanecia satisfeito, a seu lado.
– Venha ver o que Cuffee está fazendo, ele disse para Helena.
Helena achou aquilo tão estranho, que correu para chamar a mãe a fim de que ela visse também. Todos sabiam o quanto Cuffee gostava de sua comida e estranharam o fato dele deixar o porquinho nanico comê-la. Quando Mickey olhava somente para um de seus ossos, ele rosnava furioso, mostrando-lhe os dentes. E aqui estava ele, todo feliz, dando todo o seu jantar ao porquinho nanico.
Isso mostra o que o amor pode fazer até mesmo para um cachorrinho. Cuffee aprendera a amar o porquinho nanico e por isso se tornou generoso. Todos os dias, a partir de então, o porquinho nanico atravessava a cerca para comer um pouquinho do jantar de Cuffee e, deste modo, logo começou a crescer. Em poucos meses estava grande e forte que suas costelas estavam cobertas por uma bela camada de gordura. Bento estava muito contente com Cuffee e quando vinham visitas, ele as levava sempre para ver Cuffee e seu amigo, o Porquinho Nanico.
Bento e seu cachorro Cuffee divertiam-se muito brincando juntos! Cuffee era um bom companheiro de brincadeiras, pois estava sempre pronto para divertir-se. Aprendia muito depressa. Interessava-se por tudo que Bento lhe ensinava e aprendia sem perceber como o fazia; levantava a cabeça e virava as orelhas para o lado, ouvindo com atenção o que Bento dizia. Vocês não acham que ele fazia tudo isso porque gostava de Bento?
Deixou de brincar de caçar o próprio rabo, porque havia outras coisas melhores para ele fazer, por exemplo, jogar bola com Bento. Ficou tão bom nisso, que não só corria para pegar a bola, mas apanhava-a no salto, errando apenas uma em cada seis vezes. Era um cachorrinho muito inteligente, não acham? Mas, como odiava ter que entregar a bola! Segurava-a com a boca, com tanta força, que era de se admirar como seus dentes não faziam buracos nela. Depois, olhava para Bento, com aqueles seus grandes olhos marrons, como dizendo: “Por favor, Bento, não quer me deixar ficar com ela? É minha agora, eu a peguei”. Mas, quando Bento lhe tirava a bola não perdia o bom humor, latia como se estivesse conformado e falasse: “Está bem Bento. Não me importo nem um pouquinho”. Não era uma atitude bem mais simpática do que ficar zangado ou emburrado?
Naturalmente Cuffee caiu em muitas enrascadas. Um dia, ganhou um belo osso e, depois de procurar um pouco, encontrou um bom lugar para enterrá-lo. Vocês já viram um cachorro enterrar um osso? Ele cava um buraco com as patas e deixa cair o osso dentro. Em seguida, usa o nariz como pá e cobre todo o osso com a terra. Quando Papai foi ao jardim para ver como estavam crescendo seus feijões, encontrou várias plantinhas arrancadas, quebradas ou cobertas com terra. Mas, ele não ralhou com Cuffee, pois evidentemente ele não sabia o que estava fazendo.
Com o passar dos meses, Cuffee tornou-se maior e mais forte e, na verdade, tão bonito que todos o admiravam. Tornou-se cada vez menos travesso e até o gato
Mickey ficou amigo dele, perdoando-lhe as maldades do passado.
Bento e seu pai fizeram um arreio para Cuffee aprender a puxar um carrinho. Cuffee não gostou muito da ideia, a princípio, porque se enroscava todo nos arreios quando se sentava e, quando corria, era muito desagradável ter algo rodando atrás e fazendo tanto barulho. Mas, logo se acostumou e Bento e Elena deram ótimos passeios com ele. Quando a mãe viu como Cuffee estava forte e como tinha boa vontade em puxar o carrinho perguntou ao pai se Cuffee poderia ajudá-la a bater creme para fazer manteiga. Papai arranjou uma roda movida a passos, de modo que, à medida que Cuffee andava na correia ligada à roda, fazia girar a batedeira. Cuffee não se opôs a ser atrelado à batedeira, mas quando descobriu que não podia correr com ela, não gostou nem um pouco, pois o trabalho era muito cansativo e não tinha graça nenhuma. Mas, como havia aprendido a ser obediente, mesmo que não fosse agradável, fazia sua obrigação, batendo manteiga todas as semanas.
Não é de se admirar que Bento amasse Cuffee, não era? Todos amariam um cachorro assim. Devemos nos lembrar de que a generosidade e o amor ajudam tanto os cachorros como as pessoas a se tornarem nobres, leais e boas.
Era uma vez uma caranguejinha chamada Crusti. Morava em uma linda praia, onde havia centenas e centenas de outros caranguejinhos, como também besouros marinhos e outras minúsculas criaturas marinhas. Era um lugar encantador. Podia-se ver o oceano por quilômetros e quilômetros de distância. Em dias claros, se via ao longe grandes navios passando e, bem distante da praia, uma pequena ilha rochosa.
Crusti era só um bebê caranguejo. Ela não era maior do que uma unha de seu polegar. Isso é ser muito pequenininha, não é? Mas, embora fosse tão pequena, chegou o dia em que ela e seus irmãozinhos e primos tiveram que tomar conta de si mesmos e conseguir suas próprias refeições, porque todos os papai e as mamãe caranguejos tinham ido de férias para a ilha rochosa. Lá, a água era fria e funda e, quando o vento do norte soprava, grandes ondas rugiam e se lançavam sobre os rochedos. Era um lugar perigoso demais para os bebês caranguejos e foi essa a razão de terem sido deixados para trás, em suas casinhas na praia.
Vocês já viram uma casinha de caranguejo? É muito diferente das nossas. Os pisos são de areia úmida e fofa e as paredes também são de areia e muito leves. As casinhas não têm janelas nem portas. Quando um caranguejinho quer entrar ou sair, somente precisa fazer um buraco na parede e passar por ele. O teto é a única parte sólida da casa. Consiste em uma pedra lisa e achatada sobre a areia. Talvez alguns de vocês já tenham visto estas casas. Geralmente ficam ao longo da beirada da água. Se alguma vez um de vocês viesse a pegar uma dessas pedras, que é o teto de uma casa de caranguejo, que comoção teria provocado. Todos os caranguejinhos e os besouros marinhos fugiriam o mais rapidamente possível para se esconderem em uma casa vizinha. Pensem vocês também: não levariam um susto se um gigante enorme aparecesse e lhes tirasse o teto da casa? Vocês não correriam para se esconder?
A pequena Crusti tinha muitos amigos. Era realmente uma caranguejinha muito esperta. Ela podia correr de lado e para trás também. Seu amigo predileto era um grande besouro marinho preto. Era tão preto e brilhante como um botão de sapato e tinha maneiras educadas. Em verdade, pertencia a uma família nobre e muito antiga de besouros marinhos. Gostava muito de Crusti e os dois costumavam comer juntos todos os dias na Poça da Alga Marinha.
Um dia, quando a sineta de conchas do mar tiniu, Crusti não apareceu. O besouro marinho esperou, esperou e ela não veio. Apesar de estar com muita fome não pensava em começar a comer até que sua amiguinha chegasse. Era um cavalheiro muito educado! Quando já estava ficando realmente alarmado, viu-a correr em sua direção. Imediatamente ofereceu-lhe o braço e conduziu-a para um canto calmo onde o jantar os aguardava. Crusti não conseguiu comer nada e quando lhe foi perguntado o motivo, quase chorou. E teria chorado se não fosse uma caranguejinha valente, que sabia que chorar era tolice. Disse ao besouro que havia decidido lançar-se ao mar e ir para a ilha rochosa.
O pobre besouro ficou muito transtornado. Ficou muito pálido e também não conseguiu comer. Na verdade, sentiu-se tão mal que uma lágrima rolou pelo seu nariz, mas limpou-a rapidamente com uma de suas antenas, pois não queria que Crusti o visse chorar. Sabia que, apesar de ser um bebê caranguejo, Crusti tinha “opinião própria” e gostava de fazer o que queria. Portanto, se ela tinha decidido ir para o mar, ele não poderia impedi-la.
Só que não podia suportar a ideia de perder sua companheirinha e, então, lhe pediu que ficasse. Entretanto, ela decidiu que estaria mais segura nas águas profundas.
– Você não imagina que experiência terrível tive esta manhã, disse Crusti, se soubesse não me pediria para ficar.
– Conte-me, pediu o besouro.
– Ouça bem, eu lhe contarei tudinho, disse ela. Esta manhã estava me divertindo, brincando com os peixes-lua em sua poça, quando o chão começou a sacudir e a tremer. Não sabia qual era a causa, talvez um tremor de terra e isto me fez sentir tonta. Nesse instante, duas criaturas enormes, espirrando água para todos os lados, apareceram ali onde eu estava. Que coisas bem estranhas elas eram! As cabeças eram esticadas para cima de um jeito ridículo e tinham só duas pernas para andar. Imagine ter só duas pernas, acrescentou com desdém. Eu morreria mortificada se eu tivesse somente duas pernas, e olhou cheia de admiração para suas próprias e bonitas dez pernas.
O besouro empertigou-se todo com um estalo das mandíbulas, declarando que, se Crusti lhe contasse quem eram essas criaturas, ele iria imediatamente e as beliscaria bem e rudemente. Estava realmente disposto a isso.
Crusti, porém, não sabia quem ou o que eram.
– Você não acha que poderiam ser gigantes? Perguntou ela.
O besouro tocou de leve sua orelha esquerda com uma de suas pernas tortas, uma atitude habitual que o ajudava a pensar.
– Mas isso não foi o pior que aconteceu, continuou Crusti. Quando corria para me esconder nas algas-marinhas, passei sobre um pé enorme que estava no meu caminho e você deveria ter escutado o grito horrível que a criatura deu. Era simplesmente aterrorizante. Então, a outra criatura correu para mim, colocando um de seus pés na água e tentou me agarrar. Oh, fiquei com tanto medo! Perseguiu-me tanto, que fiquei tão cansada que já não aguentava mais correr; finalmente me agarrou e me colocou numa latinha suja. Era tão quente e abafado lá dentro que quase morri. Se o vento não tivesse virado a lata, tenho certeza que não teria condições de escapar. Então, escondi-me sob uma pedra até que as criaturas se fossem. Foi por isso que me atrasei para o jantar e decidi ir para o mar. Mas, diga-me, você tem alguma ideia quem são essas criaturas?
O besouro pensou intensamente por alguns minutos e respondeu um pouco indeciso:
– Estou imaginando que talvez sejam Doroti e Jaque.
– Sim, sim, gritou Crusti, toda excitada. Lembro-me que foi assim que se chamaram.
– Mas, Doroti e Jaque são seres humanos – pessoa, você sabe.
– São? indagou Crusti. Já ouvi falar nas raças humanas. Elas são coisas muito malvadas, não são?
– Não, eu não diria isso, respondeu o besouro.
– Ora, de certo que são, declarou Crusti com indignação. Por que me pegaram então, se não são maus? Minha tia Bengala de Caranguejo bem que me avisou para ter cuidado com eles. Disse-me que, se alguém aparecesse eu deveria me esconder rápido como um relâmpago, para que não me pegassem e cozinhassem para o jantar.
– Não acho que Doroti ou Jaque fossem capazes disso, comentou o besouro. Só as pessoas que não sabem nada melhor para fazer, é que fazem esse tipo de coisa. Tenho certeza de que não tinham intenção de serem cruéis com você. Bem sabe que as pessoas frequentemente fazem coisas sem pensar. Pode ser que tivessem aprendido que você era uma irmãzinha mais jovem deles e estivessem ansiosos por conhecê-la. Talvez não tivessem intenção de ser grosseiros ou fazer-lhe algum mal.
– Bem, disse Crusti, se eles são meus irmãos e irmãs, acho que seria melhor perdoá-los desta vez, e aguardarei mais um pouco antes de ir morar na ilha. Mas, espero que alguém ensine Doroti e Jaque, e também a todos os outros garotinhos e garotinhas, que não está certo perseguir caranguejinhos ou colocá-los em latinhas sujas, mesmo quando só quiserem fazer amizade..
Na casa branca enorme que ficava bem longe da estrada havia grande excitação. Movimento e alvoroço – todo mundo estava ocupado com os preparativos de um casamento. Oh, que maravilha!
Fora, no jardim, a alegria era a mesma. As flores, erguendo suas cabeças, balançavam-se com a suave brisa do verão. As rosas estavam especialmente excitadas.
Então, chegou o jardineiro, colheu-as e colocou-as cuidadosamente em uma cesta e levou-as para dentro da grande casa.
Jovens saíram de dentro da casa cantando docemente e falando baixinho e juntaram carinhosamente as rosas brancas para o buquê da noiva. Oh, como as rosas estavam emocionadas e contentes! Estavam esperando por aquele momento durante toda sua vida, ansiosamente. Logo depois, as rosas vermelhas foram colhidas e tudo ficou em silêncio no jardim.
Escondida na grama, uma florzinha azul sentiu algo diferente e ouviu um som como de um suspiro. Olhou para cima e viu, sozinha, uma linda rosa branca; a mais bela rosa que já vira. O suave vento do sul também ouvira o suspiro e sussurrou:
– Que aconteceu, rosa branca?
– Oh, meu Deus, como puderam esquecer-se de mim, disse a rosa chorando.
Então, a florzinha azul disse:
– Virão buscá-la logo, pois você é uma flor maravilhosa. Porém, eu sou tão minúscula que ninguém me vê, e por isso é que sou chamada de “Não-te-esqueças-de-mim”.
Na fragrância do jardim, tudo era paz, e a linda rosa esperou com paciência. Pouco depois, apareceu uma graciosa pomba branca que vivia no jardim, a qual arrulhou ternamente para ela. As abelhas zumbiram alegres ao redor dela, e as borboletas voavam rapidamente de um lado para outro. Um bondoso Espírito da Natureza, um beija-flor, empoleirou-se num galhinho do qual podia ver e proteger a rosa. Às vezes, os amados Espíritos da Natureza parecem-se com beija-flores e ficam onde possam vigiar as flores escolhidas para uma missão especial.
O Sol já havia se posto, e tudo estava tranquilo no jardim, quando se ouviu um farfalhar de saia e uma moça parou em frente à rosa.
– Que linda rosa! Exclamou ela. Que sorte eu tenho por encontrá-la! Como ninguém a viu antes?
E a moça colheu a rosa branca.
À noite, na terra onde os espíritos das flores estavam todos reunidos, chegou, como uma centelha de luz, o espírito da rosa branca. Todos os espíritos das flores ouviam, contendo o fôlego, o que ela contava sobre sua emocionante aventura.
– A moça encantadora que me colheu, levou-me ternamente para uma Capelinha. Ela levou-me pela nave da igreja e lá, sobre o altar, havia uma cruz branca; ela colocou-me justamente no centro da cruz. Ao meu redor estavam sete rosas vermelhas e a cruz apoiava-se em uma estrela dourada. Em volta da estrela estava um azul belíssimo – como o azul do céu. Tudo era paz e quietude e, então, ouviu-se uma música suave. Cores do arco-íris flutuavam ao redor do altar e a maravilhosa presença do Espírito de Cristo abençoou a cruz.
Uma voz disse:
– A cruz branca, pura, representa o Corpo do Auxiliar Invisível; e as rosas vermelhas o seu sangue purificado; a rosa branca simboliza o coração do Auxiliar Invisível e a estrela dourada representa a veste nupcial.
Então, o silêncio voltou e os Anjos e Arcanjos enviaram raios luminosos para a cruz. De repente, a força curadora do Grande Médico foi sentida! Quando tudo estava acabado, a moça encantadora voltou e delicadamente tirou-me da cruz e levou-me para longe, para uma casa em que havia lágrimas em olhos que deveriam estar alegres. Uma criancinha precisava de ajuda e ela me colocou no travesseiro, perto do rostinho bonito do bebê. Depois, a força vital do Grande Médico chegou com os Anjos; a criança sorriu e as lágrimas se foram. Não é maravilhoso? Depois disso, apressei-me em vir contar-lhes a verdadeira missão da rosa branca.
Vocês podem estar certos de que todos os espíritos das flores ficaram muito felizes com a experiência da rosa branca no Serviço de Cura da Capelinha.
Duas sementinhas estavam, lado a lado, no chão de um pequeno jardim entre as montanhas. Uma delas tinha a pele enrugada e tão esquisita. Seu nome era Gerda; ela era uma sementinha de chagas (N.R.: Planta da família das Tropeoláceas, também conhecida como agrião-do-méxico, agrião-grande-do-peru, agrião-maior-da-índia, capuchinha-de-flores-grandes, capuchinha-grande, chagas, flor-de-chagas, capucina, capuchinho, chagas-de-flores-grandes, chagas-da miúda, cinco-chagas, cochlearia-dos-jardins, coleária-dos-jardins, curculiare, flor-de-sangue, mastruço, mastruço-do-peru, nastúrcio, nastúrio, sapatinho-do-diabo). A outra se chamava Derbi e parecia uma bolinha redonda; ela era uma semente de ervilha de cheiro.
As duas pequeninas sementes olhavam para cima, querendo saber o que o céu azul sobre suas cabeças deveria ser. Ouviam os pássaros cantando suas canções na grande árvore do bordo (N.R.: tipo de árvore em climas frios que armazenam o açúcar em suas raízes antes do inverno, e a seiva, que se eleva no começo da primavera; no Canadá a extração da seiva do bordo canadense, gera o famoso xarope – maple syrup, um dos produtos mais conhecidos do país; a bandeira canadense tem uma folha dessa árvore) e sentiam-se tão sonolentas que se aconchegavam uma na outra no seio da Mãe Terra e adormeciam profundamente. Elas não tinham nada com que se cobrir, mas não se importavam, pois os dias eram quentes e, de qualquer modo, eram muito pequenas para pensarem nessas coisas. Mas, pouco a pouco, as noites tornavam-se cada vez mais frias, mais frias e as coitadinhas sementinhas, Gerda e Derbi, começaram a tremer e tremer. A Mãe Terra ficou com tanta pena delas, que perguntou à árvore de bordo se poderia dar a elas algumas de suas folhas para fazer um lençol para cobri-las.
A árvore de bordo olhou para baixo e viu as duas sementinhas tremendo enquanto dormiam e respondeu:
– Claro que sim!
Ela se sacudiu o quanto pôde, mas nenhuma folha caiu, porque todas estavam bem presas.
– Vou chamar o vento para me ajudar, adiantou ela.
Assim o fez, e o vento veio voando rápido. Então, a árvore de bordo pediu-lhe para soprar o mais forte que pudesse para derrubar suas folhas sobre as duas sementinhas.
O vento olhou para baixo e viu as duas sementinhas tremendo enquanto dormiam e disse que ficaria feliz em poder ajudá-las. E o vento soprou, soprou tanto que suas bochechas ficaram estufadas, mas não conseguiu mesmo derrubar as folhas para fazer a coberta.
– Vou lhe dizer o que farei, disse o vento. Pedirei ao Jack Gelado para vir e ajudar-nos.
Então, ele voou até o Polo Norte, onde encontrou Jack Gelado cortando flocos de neve.
– Venha comigo, pediu. Há duas sementinhas que precisam de um cobertor para cobri-las ou morrerão de frio.
Quando Jack Gelado ouviu isso, pediu ao vento para apressar-se e lhe mostrasse onde estavam as sementinhas. Assim, eles voaram para o pequeno jardim no alto das montanhas, onde as sementinhas dormiam tremendo. Quando Jack Gelado viu-as ali deitadas, tão pequenas e desprotegidas, tocou as folhas das árvores com seus dedos para soltá-las. Quando as folhas sentiram seu toque suave, algumas delas tornaram-se avermelhadas e outras em um bonito amarelo dourado. A árvore ficou muito bonita com aquelas amorosas cores. Mas o mais importante é que ela estava desejando dar suas folhas para esquentar as pequenas Gerda e Derbi.
O vento brincou entre os galhos e derrubou as folhas, que pareciam formar um lindo tapete. Elas caíram suavemente sobre as duas sementinhas, deixando-as bem agasalhadas e quentinhas. Ali, elas dormiram durante todos os dias frios do inverno, enquanto do lado de fora chovia e nevava. Que longo e longo sono elas tiveram! Aos poucos, quando a primavera chegou e os pássaros voltaram a cantar, as sementinhas mexeram-se um pouco em seu sono. Elas sorriram também porque estavam sonhando com coisas bonitas que as fadas tinham sussurrado em seus ouvidos.
Um dia, Gerda acordou com uma voz que a chamava:
– Acorde, Gerda, acorde!
Ela esfregou os olhos; espiou através das folhas e viu o Sol sorrindo para ela. Esticou a cabeça e começou a espreguiçar-se.
Então, o Sol chamou Derbi:
– Acorde, doçura!
Quando Derbi ouviu a voz do Sol chamando-o e sentiu seus beijos quentes no rosto, começou a cantar.
Gerda e Derbi sabiam tudo sobre exercício de respiração e como vocês acham que elas o fizeram? Como vocês respiram? Com seus pulmões! Quem sabe onde Gerda e Derbi tinham seus pulmões? É realmente muito curioso, mas seus pulmões estavam nas suas folhas; portanto, elas respiravam pelas folhas, como fazem todas as plantas. É por isso que as plantas não crescem bem em lugar com muito pó. O pó as sufoca e elas não conseguem respirar bem, tornando-se fracas e doentes, como muitas pessoas que deixam de respirar bastante ar puro.
Gerda e Derbi cresceram viçosas e ambas deram muitas flores. As de Gerda eram vermelhas e brilhantes.
As de Derbi eram cor-de-rosa e violetas e tinham um doce perfume.
Quando alguma flor murchava, em seu lugar nascia uma minúscula semente bebê. Havia milhares de sementinhas em cada planta e cada uma delas precisava de bastante alimento. A pobre Gerda começou a murchar e ficar pálida, porque tinha de alimentar muitas sementinhas e não lhe sobrava tempo para si mesma. Derbi também estava cansada. Ela carregava seus bebês em graciosas vagens e, quando estas se retornaram duras e secas, abriam-se libertando as sementinhas.
Finalmente, lado a lado, Gerda e Derbi tornaram-se velhas e fracas. Tiveram, ambas, vida maravilhosa, alegrando com suas flores todos os que por elas passavam. Cuidaram muito bem de seus bebês sementes. Mas, estavam agora tão fracas, que quase não podiam aderir-se à cerca, agarrando alegremente como faziam quando eram jovens e fortes. Com surpresa, ouviram uma voz suave dirigindo-lhes a palavra. Era a Mãe Terra chamando-as para o lar:
– Vocês foram boas e leais, minhas filhas. Voltem para o lar para descansar.
Gerda e Derbi afundaram-se felizes, lado a lado, no colo da Mãe Terra, que lhes cantou uma suave canção de ninar.
PALAVRA-CHAVE: Parceria
Esta é a história de um menino chamado João, que era sempre tão bom e generoso para os animais, flores e plantas que os Espíritos da Natureza gostavam de conversar com ele.
Um dia, João estava deitado em um parque, sobre a sombra de um grande Abeto (N.T.: Nome comum às árvores do gênero Abies, de folhagem perene, de porte alto e aparência típica e atraente; apreciadas por sua madeira e resina), ouvindo o vento que sussurrava e que balançava os galhos de lá para cá. De repente, oh! Ouviu vozes muito doces falando. Olhando para a árvore de onde as vozes vinham, ele viu duas lindas criaturas. Uma era mais esguia e maior que a outra. A maior tinha a cabeça e os ombros como a de um ser humano. Raios dourados saíam de seus ombros e tinham a forma de asas. Seu rosto era bonito e tinha um doce sorriso. Ela também tinha cabelos longos e ondulados que a cobriam como um manto. Era jovem e muito bonita. João sabia que ela era o Espírito do Abeto.
A outra era um Espírito do Ar. Era de pequena estatura, mas também muito bonita. Raios dourados e rosados saiam de todo o seu corpo. Ela levantou sua varinha de condão, quase do tamanho de seu antebraço, e acenou-a para João. Então, inclinou-se, graciosamente, para ele e continuou falando com o Espírito da Árvore.
O menino ouviu o Espírito da Árvore dizer:
– Tenho feito o melhor que posso para servir com amor desde que comecei a crescer aqui. Espalhei bastante meus galhos para que as crianças e os adultos, que vêm descansar em baixo deles, possam ter uma boa sombra. E os fiz tão densos que muitos passarinhos fazem seus ninhos neles todos os anos, o que os protege do vento e da chuva.
– Oh, sim, respondeu o Espírito do Ar, eu sei disso, pois quando nós, Sílfides, sopramos os ventos do norte, sul, leste e oeste, os pássaros estavam tão abrigados que nunca caíram de seus ninhos. Mas, amiga, fiquei sabendo que você vai embora. Não se sente mais feliz?
– Oh! Estou muito feliz, disse o Espírito da Árvore, mas acho que não sirvo para mais nada, assim, para que continuar a viver? Vou morrer, mas acho que isto está chegando mais cedo do que esperava. Você vê, já faz muito tempo que não chove e as pessoas aqui ficam esperando pela chuva em vez de regar o chão e nos dar de beber. Elas deixam nossas raízes tão secas, que ficamos ressecadas e eu ficarei contente em voltar para casa, para o nosso Espírito-Grupo, e descansar. Algum dia eu voltarei e trabalharei um pouco mais.
– Bem, disse o Espírito do Ar, anime-se! Vou ver se posso marcar uma reunião com as ondinas e as sílfides e conseguir uma chuva para aliviá-las. Darei uma atenção especial a seu caso e para as outras árvores do parque, junto à comissão e estou certo que logo vocês terão uma boa chuva.
– É tarde demais, suspirou o Espírito da Árvore, sei que vou morrer, sinto que algo está para acontecer.
– Tolice, disse o Espírito do Ar, você está é deprimida.
Enquanto discutiam sobre isso chegavam voando dois pequenos pintarroxos. Eram recém-casados e estavam em lua de mel. Enquanto todos os passarinhos convidados para o casamento se divertiam, brincando na fonte e comendo deliciosas e gordas minhocas que a mãe da noiva tinha preparado, os noivos saíram em silêncio para a lua de mel e estavam, agora, procurando uma boa árvore para fazer o seu ninho e um lugar para sua prole. Vendo nosso Abeto, logo pousaram nele. Estavam tão ocupados arrulhando e se acariciando que não ouviram a conversa do Espírito do Ar e do Espírito da Árvore.
O Espírito da Árvore os viu e teve pena deles e disse:
– Passarinhos, não façam seu ninho em meus galhos, pois não vou viver muito tempo; todo o seu trabalho será perdido e seus filhotes não serão suficientemente grandes para voarem quando chegar a hora de minha morte.
– Ora! Exclamou o noivo, que tolice. Seus galhos são belos, verdes e tão unidos, que este é o lugar ideal para construirmos um lar para nossos filhos. Estou disposto e posso pagar aluguel para minha esposa e minha futura família. Quanto é?
– Eu não quero nenhum aluguel, só estou avisando, disse o Espírito da Árvore. Se não querem aceitar o conselho de alguém muito mais velho, não posso fazer nada. Podem decidir sozinhos, mas não me culpem quando surgirem problemas.
– Muito obrigado pelo conselho, disse o noivo com petulância. Somos perfeitamente capazes de tomar conta de nós mesmos. E assim começaram a construir seu ninho no Abeto.
João viu e ouviu tudo. Correu para casa e contou para sua mãe. Ela, que sabia que ele via e conversava com os Espíritos da Natureza, disse:
– Você acha que os pintarroxos estão certos em construir um ninho no abeto depois de serem avisados do perigo pelo Espírito da Árvore?
– Não, mamãe, acho que estão errados, não estão usando o bom senso, disse João.
– Bem, querido, vamos esperar para ver o que acontece.
Em nossa próxima história contaremos o que aconteceu ao Abeto e aos pintarroxos.
Todos os dias, João sentava sob o abeto e ficava vendo os pintarroxos fazerem seu ninho. Quando ficou pronto, a noivinha instalou-se lá e seu marido trouxe-lhe minhocas e outros bichinhos e colocou-os em sua boca.
O Espírito do Ar estava longe fazendo tudo que podia para que as ondinas e as sílfides fizessem chover, para que seu amigo abeto não morresse de sede. O abeto já tinha desistido de avisar o jovem casal para não fazer a casa em seus galhos; eles não lhe deram ouvidos.
Passado algum tempo, apareceram nos galhos do abeto alguns amigos dos pintarroxos. Vieram festejar o nascimento dos filhotinhos que logo iriam sair dos ovinhos e isso seria comemorado com muita alegria. Finalmente, os bebês chegaram, mas o papai passarinho não deixou ninguém se aproximar deles; ele ficou muito importante. Naturalmente tinha de arrumar comida para as quatro boquinhas e também para mamãe, pois ele não queria que ela saísse de perto dos filhotes. Quando finalmente ele permitiu que ela saísse do abeto, por pouco tempo que fosse ele a chamava o tempo todo, “piu, piu, piu”, até que voltasse.
Eles estavam todos tão felizes, que João pensou que o Espírito da Árvore talvez houvesse se enganado. Mas continuou indo lá todos os dias. Até que, um dia, o Espírito do Ar chegou apressado, a uma velocidade de 80 quilômetros por hora, dizendo para o Espírito da Árvore que a comissão de ondinas e sílfides tinham decidido mandar uma boa chuva, e que os gnomos também estavam se preparando para recebê-la. E acrescentou:
– Se as salamandras puderem juntar-se a nós, será ótimo.
– Quando virá à chuva? – perguntou o abeto.
– Oh – respondeu a líder das sílfides – quando a Lua estiver no Signo aquoso de Câncer. Ela durará alguns dias e você terá água suficiente para viver por muito tempo ainda.
E foi embora.
João ouviu o Espírito da Árvore perguntar aos pintarroxos sobre seus filhotes e dizer-lhes que haveria uma grande tempestade e que ela não queria que eles ficassem molhados. Mas o papai Pintarroxo apenas riu do Espírito do abeto; ele estava muito feliz e ocupado para prestar atenção.
Quando João chegou em casa, naquela noite, pediu à sua mãe que visse quando a Lua estaria no Signo de Câncer e contou a ela o que o Espírito do Ar havia dito. A mãe viu que a Lua estaria no Signo de Câncer dentro de dois dias. João estava muito agitado, principalmente na manhã do segundo dia, pois o Sol não brilhou e o céu estava nublado. Escurecia cada vez mais. Algumas gotas enormes caíram para avisar que muito mais ainda viria e viam-se relâmpagos ao longe; as salamandras estavam entrando em ação. O vento estava cada vez mais forte, o céu cada vez mais escuro, com horríveis nuvens pretas e todos os pássaros tentavam chegar a seus ninhos antes da tempestade.
João viu que os pintarroxos e seus filhotes estavam encolhidos nos galhos do abeto e todos os pássaros estavam amontoados quando, de repente, se ouviu um forte trovão. Então, começou a chover e as árvores arqueavam-se quase até o chão. João não ousou esperar mais, pois prometera a sua mãe não ficar fora de casa durante a tempestade. Ele mal pode dormir naquela noite pensando nos pintarroxos. A tempestade continuou até a manhã do dia seguinte.
A primeira coisa que João fez, quando pôde sair de casa, foi correr ao parque. O chão estava coberto de galhos quebrados, os bueiros entupidos e as ruas inundadas. Adivinhem o que João viu? O grande abeto estava completamente desraizado e caído no chão. Empoleirados em um galho da árvore estavam os pais pintarroxos, agarrados um ao outro, procurando por entre os galhos. Chamavam seus filhotes, “piu, piu, piu”, mas eles estavam afogados. Eram muito pequenos para voar, exatamente como supusera a bondosa árvore.
João ficou atento, mas não pôde ouvir nada, e deduziu que o Espírito do Abeto já tinha ido juntar-se ao Espírito-Grupo. Andou por entre os galhos caídos para ver se encontrava os filhotinhos. Eles estavam no chão, sob a árvore e João não podia alcançá-los. Ele correu para casa, contou para sua mãe tudo que tinha visto e chorou de pena dos passarinhos, da mãe e do pai pintarroxos que ficaram sós.
Vocês podem ver que é muito melhor ouvir os mais velhos, que são mais sábios, do que ouvir a nós mesmos, não acham? Se os pintarroxos recém-casados não tivessem sido tão insensatos, hoje estariam felizes com sua pequena família.
Em nossa próxima história, contaremos mais sobre João e o Espírito do Ar.
Nossa última história mostrou como os Espíritos do ar, da água e do fogo causaram uma tempestade tão forte, que o lindo abeto do parque foi totalmente arrancado e derrubado no chão. E ali ficou durante uma semana, antes de ser removido. João foi lá todo o dia para sentar-se sobre os galhos e não sob eles. Gostaria de ter enterrado os filhotinhos, mas não pôde pegá-los, pois havia muitos galhos pelo meio. Logo depois, percebeu que os pais pintarroxos tinham desistido de procurar seus bebês e começaram a construir um novo lar, em um galho grosso de uma trepadeira que subia em um muro.
Um dia, o Espírito do Ar apareceu, subitamente, à frente de João e sorrindo tristemente disse:
– Irmãozinho, todos nós erramos, não é? É assim que aprendemos nossas lições. Eu não sabia que as salamandras iriam lutar tanto e isso fez com que nós, sílfides, ficássemos tão ofendidas, que sopramos e sopramos com todas as forças que tínhamos. As ondinas também exageraram e encharcaram a terra. Então, em vez de ajudarmos nosso amigo abeto, nós só pioramos as coisas, nós o matamos; ele não pôde aguentar. Mas eu serei bem mais cuidadoso de agora em diante.
– Talvez tenha chegado a hora da sua amiga abeto morrer, disse João. Sabe que ela pressentiu que algo ia acontecer. Lembra-se de como ela avisou os pintarroxos para não construírem o ninho em seus galhos? Acho que queria ir, achava que já tinha feito todos os serviços de amor que veio para fazer.
– Pode ser João, mas eu aprendi uma lição e não repetirei o erro. Não deveria ter perdido a calma e ficado zangado com as salamandras, disse o Espirito do Ar.
– Mas veja como os pintarroxos esqueceram depressa os seus filhotes, disse João.
– Você sabe por quê? – perguntou o Espírito do Ar.
– Não. Diga-me, por favor.
– É porque mamãe pintarroxo está esperando mais bebês e eu ouvi dizer que eles são os mesmos bebês que voltaram para a mesma mãe e o mesmo pai. Eles morreram muito cedo! .
– Oh, que bom! É por isso que eles parecem tão felizes. Gostaria muito de encontrá-lo novamente, concluiu João.
– Claro que me encontrará. Nós, sílfides, nunca estamos longe de meninos como você, que sempre procuram auxiliar os outros.
João comentou: – Mamãe disse que a tempestade fez grandes estragos: os bueiros ficaram entupidos, a água entrou nas casas e nas lojas, estragando muita coisa. Foi muito difícil para os pobres que não têm muito dinheiro.
– Meu Deus, disse o Espírito do Ar, eu direi isso à nossa líder sílfide na próxima reunião. E prometo que seremos mais cuidadosos, não deixando que isso aconteça novamente.
– E eu tomei uma decisão, disse João. Ouvirei sempre os mais velhos; jamais agirei como os pintarroxos, que construíram seu ninho no abeto e perderam o seu lar e a família.
Enquanto eles conversavam; os jardineiros chegaram com machados para cortar os galhos do abeto antes de removê-lo. Era muito difícil para o Espírito do Ar ver seu amigo ser cortado e seus olhos encheram-se de lágrimas. Disse adeus a João e prometeu que o veria de novo. Então, acenou com a varinha de condão sobre sua cabeça e foi embora, voando.
Era um lindo dia – daqueles em que todos deveriam estar alegres e felizes. Nosso amiguinho Dino tinha começado assim o seu dia, quando uma pequena nuvem apareceu no céu dele. Ele não podia imaginar como aquilo tinha acontecido e estava realmente perplexo. Ele tinha intenção de ajudar Rosália – sim, ele queria realmente ajudá-la – mas, em vez disso, tinha quebrado o pião cantante dela. Isso é, tirou todo som dele, pois dando corda, esticando demais, a mola se rompeu. O pião rodaria, mas nunca mais cantaria.
Claro que Rosália estava muito triste vendo pião cantante dela inutilizado. Nenhum dos dois sabia o que fazer. Então Rosália começou a brincar com suas bonecas e tentou esquecer o pião. Dino andou sem rumo certo e foi para bem longe. Finalmente, cansou e jogou-se no chão sobre a grama verde. Ouviu um zumbido e olhou ao redor para ver de onde vinha. Adivinhem o que ele viu?
Mexendo-se de um lado para outro, lenta e atarefadamente entre os talos da grama, estavam minúsculos e verdes Espíritos da Natureza – as menores criaturas que ele já vira. Estavam muito ocupados, trançando-se de um lado para outro no meio da grama. Eram tão verdes quanto a grama – e minúsculos, do tamanho do polegar dele. Eles tinham pequenas asas, por isso se quisessem podiam voar até o topo da grama mais alta. Ao se movimentarem, tagarelavam alegremente e foi isso que Dino ouviu. Ele estava fascinado e observou aqueles minúsculos duendes verdes por um longo tempo, até que finalmente teve que voltar para casa.
No caminho, em volta dele, os pássaros, as flores, as árvores e toda a Natureza pareciam estar felizes e contentes. Ele sentiu que devia estar alegre também, então começou a assobiar enquanto ia pela estrada. Alguma coisa dentro dele parecia estar empurrando-o, mas não sabia o que era. Em pouco tempo, estava de novo em casa e, então, lembrou-se do pião. O que ele deveria fazer? O que ele poderia fazer? Bem, decidiu perguntar a sua mãe, ela certamente saberia. Procurou-a por toda parte e finalmente encontrou-a no jardim.
Primeiro, contou-lhe sobre os minúsculos duendes, verdes como a grama e muito ocupados. Depois, falou sobre o pião cantante. Sua mãe sorriu e ouviu-o em silêncio. Quando ele terminou, ela disse:
– Dino, qual o seu verdadeiro nome?
Isso realmente surpreendeu Dino. Ele sorriu e respondeu:
– Ricardo, mas todos me chamam de Dino.
Então, sua mãe o surpreendeu novamente ao dizer que Ricardo significava coração rico, um bonito nome, mas muito difícil de estar à altura dele. E ela contou-lhe o que fez seu coração ser rico. Querem que eu conte?
– Bem, disse a mãe de Dino, do Grande Espírito de Vida que vive no Sol emana constantemente uma profunda força que nunca termina e que nos dá vontade de fazer coisas. Foi isso que fez os verdinhos Espíritos da Natureza trabalharem tanto na grama alta e era um pouquinho dessa força vital no seu coração, Dino, que o estava sempre incentivando a fazer as coisas. Essa força vital deu-lhe um coração rico, rico no amor que induz as boas ações. É exatamente como se uma vozinha dissesse: “Faça isso, faça isso!” E essa grande força vital está em todos os lugares – nas pedras, plantas, pássaros, animais, no vento e na eletricidade, em todas as coisas que vivem e se movimentam. Às vezes, continuou sua mãe, estamos tão cheios de energia, que exageramos. Foi o que aconteceu quando você deu corda no pião cantante. Seu coração rico o incentivou a fazer uma boa ação, mas você usou muita energia e seus dedos ficaram tão fortes que você deu muita corda e a delicada mola se quebrou. Quando a vozinha disser: “Faça isso, faça isso!” devemos esperar um pouquinho e provavelmente ouviremos outra voz dizer: “Seja gentil, faça com amor”. Então, seremos sempre cuidadosos para não exagerarmos.
Sua mãe também lhe disse que tinha certeza de que se ele se lembrasse do seu coração rico, seria sempre guiado por esse amor que vem do seu interior.
Bem, vocês sabem, o rico coração de Dino estava cheio de vontade de fazer algo imediatamente e, naquela hora, essa vontade era de comprar um novo pião cantante para Rosália. O amor em seu rico coração sussurrou:
– Deixe Rosália dar corda sozinha. E ele deixou.
Agora, o novo pião canta sem parar. Não foi bonito da parte de Dino?
Era uma vez um menininho alegre, cheio de vida e sempre bem-humorado. Todos os seus companheiros gostavam muito dele, pois podia contar as mais belas histórias de aventura e sabia muitas coisas interessantes sobre países longínquos, pessoas estranhas e Espíritos da Natureza, e também sobre muitas outras coisas que a maioria deles desconhecia.
No entanto, esse garotinho era muito esquecido. Parecia que nunca, nunca, conseguia lembrar-se das coisas.
Ele se atrasava para o café da manhã quase todos os dias e, quando finalmente chegava à mesa, tinha esquecido de pentear os cabelos, amarrar os sapatos, ou – bem – sempre esquecia de alguma coisa.
Saia para a escola e esquecia de levar todos os livros, ou ainda ia embora sem levar o lanche, e sempre esquecendo de fazer as coisas certas nas horas exatas.
Até a época em que esta história começa, sua querida mãe estava constantemente tomando conta do filhinho, chamando-o de volta para pegar os livros esquecidos, ou o que quer que fosse. Mas, em um dia memorável e como sempre, ele esqueceu algo muito importante, e nossa história é sobre isso.
Era um maravilhoso dia de sol quente, e o ar estava cheio de vida. Planejou-se um gostoso piquenique e todos estavam animadíssimos com esse feriado delicioso!
Como de costume, nosso amiguinho esqueceu de se vestir adequadamente, e ainda se atrasou para o café. E assim foi-se atrasando para tudo. Finalmente, a família cansada de esperar, saiu sem ele. Ao sair, sua mãe recomendou:
– Não se esqueça dos fósforos.
O alegre grupo saiu em direção ao bosque e enquanto caminhavam, comentaram sobre o esquecimento do menino.
Alguém disse:
– Que pena ele ser tão esquecido. Que se pode fazer?
Um outro ponderou:
– Se ele se esforçasse para lembrar ao invés de sempre esquecer, com certeza melhoraria.
Outro concluiu:
– É só uma questão de força de vontade. Qualquer coisa que você deseje fazer, você pode fazer se realmente o desejar.
Finalmente, nosso menininho saiu para o alegre passeio e, depois de já ter andado muito, lembrou-se dos fósforos. Virou-se e fez novamente todo o caminho de volta até sua casa. Isto tornou o passeio muito longo e ele estava bastante cansado quando chegou ao piquenique.
Sentiu-se um pouco envergonhado ao aproximar-se do alegre grupo; eles o importunaram, perguntando-lhe se tinha esquecido os fósforos.
– Ande logo, disse um do grupo.
– Estamos com fome e não pudemos acender o fogo até que você chegasse com os fósforos, censurou outro.
Da próxima vez, nós traremos os fósforos conosco, e não fará diferença nenhuma se você vier ou não.
Essa última observação realmente ofendeu o menino que sempre esquecia algo, e ele meditou a respeito disso o resto do dia. Mesmo assim, ajudou a juntar os gravetos. Então, um dos meninos disse:
– Agora, se você não esqueceu os fósforos, acenda o fogo.
Ele acendeu e sentou-se para ver as labaredas. No começo os gravetos queimavam lentamente, então houve um leve assobio, um som meio estalado e logo em seguida, uma minúscula voz disse:
– Bem, bem, não fique aí sentado, só olhando; dê-me mais papel se você quer que eu queime logo estes grandes galhos. Depressa, seja rápido ou morrerei antes!
O menino ficou surpreso, mas jogou um enorme pedaço de papel sobre os galhos. Estalos, estalos, os galhos crepitando e, então, surgiu uma esplêndida chama. Fascinado, o garoto olhou e olhou fixamente porque não podia acreditar em seus próprios olhos. Que era isto? O fogo teria vida? Sim, tinha! As faíscas estavam realmente vivas enquanto pulavam entre os gravetos.
– Ah, ah, disse a vozinha, você não teria fogo sem nós. Oh, nós acendemos fogos e os fazemos queimar, gritaram as faíscas vivas.
– Quem são vocês? Perguntou o menino.
– Você não sabe? Disseram as sinuosas coisinhas no fogo.
– Não, eu nunca tinha visto lagartixas no fogo, disse ele.
– Lagartixas? Disse o fogo zangado. É assim que você chama os Espíritos do Fogo? Lagartixas, ora essa! Nós somos as Salamandras, e você nunca em todo o extenso mundo poderia ter um fogo sem nós. Não ousaríamos esquecer de vir, e temos que ser pontuais, pois muita coisa depende de nós neste mundo. O grande Espírito do Sol manda-nos trabalhar no mundo, e nós temos um trabalho muito importante a fazer. Algumas salamandras vivem nas fogueiras como esta; outras vivem nos fornos, nas casas das pessoas; outras ainda, nos enormes fornos das usinas, e outros lugares como esses.
Então, as Salamandras riam e saltavam alto, cada vez mais alto e a vozinha continuou:
– Nós, Salamandras, só trabalhamos com o fogo e estamos sempre juntas, em grupos, guiadas pelos sábios Espíritos-Grupo que nos ensinam como fazer fogo e relâmpagos também. Mas, isto é um segredo, às vezes, por esquecimento ou travessura maliciosa de alguns de nós, alguma coisa sai errada e acontece uma explosão; algumas vezes até um vulcão soltará fogo, bem alto.
– É melhor chamar sua mãe, senão o fogo ficará muito quente para cozinhar, disse outra pequena voz.
Mas espere só um minuto, pois primeiro quero dizer-lhe algo mais! Se eu fosse você, garoto, pararia de esquecer agora mesmo. Não espere mais. Use sua força de vontade, sem vacilação. Diga para você mesmo, a partir de agora: “Eu quero me lembrar,” e vá em frente e lembre-se. Logo seu lembrador estará tão forte, que não saberá mais como esquecer.
– Que fogo animado! Disseram algumas das pessoas presentes.
– Sim, disse o nosso menino, e esse fogo me ensinou uma grande lição. A partir de agora, eu transformarei meu esquecimento em recordações e, se alguém de vocês precisar de alguma coisa, pode contar comigo.
E vocês, fiquem sabendo que em pouco tempo as pessoas diziam dele:
– Que menino simpático! Tão responsável, ele nunca esquece de nada!
PALAVRA-CHAVE: Coragem
No fundo, bem no fundo da Terra, existem ricos leitos de carvão ou minas. Vocês sabiam disso, não é? Não sabiam? Bem, agora vocês sabem e algum dia aprenderão tudo sobre essas camadas de carvão, mas nossa história de hoje é sobre algo um pouco diferente.
Alguém que tem ouvidos muito aguçados ouviu certo dia uma conversa muito, muito interessante. Os gnomos que trabalham com o carvão estavam conversando com os raios do Sol. Vocês sabem, eles entendiam-se perfeitamente. Eis o que falou o Mais Sábio dos Gnomos:
– No fundo da Terra há uma faísca de luz insatisfeita, sempre dizendo: “Deixe-me sair! Estou cansada de ser prisioneira. Quero sair. Estou tão tolhida aqui neste carvão tão, tão negro! Deixe-me sair, por favor! Por favor! Não pertenço a este lugar porque sou uma faísca de luz. Por que tenho que ficar trancada no escuro? Oh, deixe-me sair! Quanto tempo mais terei que ficar aqui”?
Os raios do Sol dançavam e brincavam à volta de onde estava sentado o Mais Sábio dos Gnomos.
– Pare de dançar por um minuto, Alegre Raio de Sol, disse o Mais Sábio dos Gnomos a um dos raios mais alegres e animados. A Faísca deve ter algum parentesco com vocês. Vamos ver se pensamos em alguma maneira de ajudar essa pobre encerrada. Como vocês acham que uma faísca de luz conseguiu ficar dentro do leito do carvão? Mas já que está lá, talvez possamos tirá-la.
Alegre Raio de Sol, sempre tão brilhante disse:
– Sábio Gnomo, você não sabe que todas somos faíscas de luz do Grande Espírito do Sol, manifestadas em diferentes aspectos, maneiras e formas? Algumas faíscas, como os raios do Sol, brilham de dia, enquanto os raios lunares e o das estrelas brilham à noite. Algumas estão totalmente escondidas dos olhos, nos corações dos seres humanos e nas flores; algumas escondidas nas pedras e rochas e sim, até mesmo no negro, negro carvão. Mas todas elas pertencem ao Grande Espírito do Sol. Sempre, sem falhar, quando o tempo certo chega, as faíscas são todas libertadas de seus esconderijos. Agora, Mais Sábio Gnomo, apresse-se, continuou o Alegre Raio de Sol, e conforte essa Faísca insatisfeita. Diga-lhe para ser um pouco mais paciente. Ela ficará escondida por algum tempo – talvez cem anos, ou por aí, mas isso não é muito tempo. Algum dia, o carvão será descoberto pelos seres humanos e trazido para a luz do dia, para fora da terra totalmente. Então, em algum dia de muito frio, o carvão se encontrará em um fogo maravilhoso, todo vermelho e brilhante, e de dentro dele sairá a Faísca. Ela voará diretamente para o Sol e estará junto com os outros raios outra vez e brilhará, brilhará, brilhará. Então, dançará com os raios do Sol nas árvores, nas flores, e será feliz e brilhante.
O Mais Sábio dos Gnomos achou que o plano do Alegre Raio de Sol era muito bom e concordou em fazer o que lhe fora sugerido.
Novamente, o Alegre Raio de Sol falou, murmurando muito baixinho:
– Por favor, Sábio Gnomo, diga também para a Faísca não ficar mais se lastimando, ela deve ser corajosa. Algum dia se libertará do negro, negro carvão e será uma linda faísca de luz. E diga-lhe que nunca se esqueça de que mesmo estando escondida no fundo da terra, ela é uma faísca de luz do Grande Espírito do Sol, o dador da luz e da vida.
Logo na esquina do enorme prédio de apartamentos onde moravam Dino e Rosalina, ficava uma antiquada casinha térrea. Ela tinha sido branca há muito, muito tempo atrás, pois agora era qualquer coisa menos branca, quando nossa história começou.
Dino e Rosalina nunca tinham notado aquela casinha estranha. De fato, eles não sabiam que ela estava ali, até que certa manhã o jornal não chegou. O pai de Dino parecia perdido de manhã sem o jornal e já estava saindo para comprar um, quando Dino disse:
– Por favor, papai, deixe-me ir.
E Dino saiu para comprar o jornal. Quando chegou à porta da frente, perguntou ao porteiro porque o jornal não tinha vindo.
– Bem, meu rapazinho, eu não sei, mas acho que deve ter havido algum tipo de problema na casinha da esquina.
Dino não estava interessado na casa da esquina, mas estava ansioso para conseguir um jornal para seu pai, por isso indagou:
– Você sabe onde eu posso conseguir um jornal da manhã?
– O entregador mora na casinha da esquina; você pode tentar lá. Não custa tentar.
Assim, Dino correu até lá para ver. Quando chegou, sem fôlego, ia bater na porta, mas parou rapidamente porque ouviu vozes.
– Lauro, meu filho, por favor, comece logo a entrega. Você pode perder sua freguesia se você não for e amanhã você estará contente por continuar a fazê-lo. Lauro, meu filho, você deve ir, ainda que seja só para agradar sua mãe.
– Não posso fazer isso, nem mesmo para agradá-la, querida mamãe. Tenho que me transformar em um homem, agora. Não posso continuar sendo entregador de jornais a vida toda. Preciso ter mais oportunidades.
– Oportunidades, querido? Esta é uma palavra estranha para um garotinho. Você sabe o que ela significa?
– Sei mamãe, significa que eu posso ser livre e ter a oportunidade de fazer grandes coisas.
– Você é um menino inteligente, Lauro e eu temos orgulho de você! Mas não acha que poderia aparecer uma oportunidade para um trabalho melhor que lhe dê liberdade, mesmo sendo entregador por mais algum tempo?
– Mas, mamãe como posso cuidar de você neste mundo, sendo apenas um entregador de jornal?
– Meu querido, é por aí que a oportunidade virá.
Se você continuar neste emprego por mais um tempo, ficará mais conhecido e seus fregueses vão encomendar revistas também. E aí não demorará muito para que possa até pintar a casa. Já pensei em tudo. Teremos a nossa casa limpa e bonita e logo estarei forte de novo.
Com as revistas e jornais, quem sabe, poderemos ter um verdadeiro negócio e você voltar para a escola.
– Oh, mamãe, eu realmente acredito que você tem razão. Você pensou em tudo. Eu queria uma oportunidade, mas não sabia como consegui-la depressa e ia jogar fora a única coisa que me daria liberdade e meios de progredir. Sim, mamãe, vou entregar meus jornais agora mesmo. Estou um pouco atrasado, mas é a primeira vez, e acho que meus fregueses vão me perdoar.
Saiu bem na hora em que Dino bateu na porta. Imaginem a surpresa de Dino quando Lauro a abriu. Ele mal podia acreditar que, à sua frente, estava Lúcio Gordon, o aluno mais brilhante da classe, que desistira repentinamente de estudar. E pensar que ele nunca soubera que Lauro morava ali na esquina.
Bem, vocês podem imaginar que Dino contou a seu pai tudo sobre o menino Lauro e sua “oportunidade”. Toda a família, o pai, a mãe, Rosalina e Dino, decidiram ajudar Lauro a conseguir sua liberdade.
Um pouco mais tarde, a “casinha branca da esquina” conseguia a tão necessitada pintura, como Mamãe disse. Na janela havia flores coloridas e toda a casa era tão atraente que um dia chamou a atenção de um homem muito rico. Ele gostou tanto da casa que a comprou, pagando uma enorme quantia em dinheiro, suficiente para que Lauro e sua mãe tivessem várias e novas oportunidades, como também mais liberdade para Lauro estudar e se divertir.
Vocês vêm: é fazendo realmente bem e com amor as coisas que temos que fazer todos os dias, que surgem novas oportunidades, por isso, vamos fazer com toda a nossa força o que nossas mãos e as nossas mentes têm para fazer.
Há muito tempo atrás – sim, há centenas de anos – era uma terra distante e em cima de uma montanha, vivia um homem que todos amavam. Vou contar-lhes algumas coisas que ele fazia.
Pode até parecer estranho, mas, embora tivesse uma linda casa e tudo que pudesse desejar, não pensava só no próprio prazer e conforto – não mesmo! Viajava muito e em todo o lugar que ia era sempre amado. Às vezes ele ia, inesperadamente, a uma cidade desconhecida, mas nem parecia um estranho e rapidamente fazia amigos. As pessoas queriam sempre a sua companhia e se alegravam com ele.
Tinha os olhos mais brilhantes que você já viu – cheios de luz, a verdadeira luz do amor. Você sabia que olhos são chamados, geralmente, de janelas – janelas da alma? Sim, realmente o são. Bem, sua alma era tão pura e brilhante que a luz do amor resplandecia em seus olhos. Por causa dessa amorosa luz, ele podia ver, a sua volta, às minúsculas criaturas que nós sabemos que vivem no ar, na água e na luz do Sol, embora não possamos vê-las; e ele também podia falar com elas. Elas sabiam que ele não lhes fazia mal, porque ele as amava e elas o amavam também. Elas tinham um entendimento secreto com ele e muitas, muitas vezes faziam trabalhinhos de amor e carinho por ele.
Quando essa Pessoa Amada viajava de uma cidade para outra, ele tinha seus olhos bem abertos para ver o que acontecia ao seu redor. Se alguém estivesse em apuros, logo estava pronto para ajudar. Seu coração amoroso era tão grande e bom que abrigava todo mundo, rico ou pobre, jovem ou velho, doente ou saudável, triste ou feliz. Havia amor suficiente para todos. Ele achava que todas as pessoas do mundo eram uma grande família de irmãos e irmãs.
Às vezes, ficava sentado por horas pensando, pensando, oh! que pensamentos lindos! Eram pensamentos de alegria e ajuda ao próximo. Ficava tão ansioso para compartilhar esses pensamentos com os outros, que eles voavam tão longe e rápidos, como pequenos pássaros de luz, e se alojavam na mente de outras pessoas boas.
Christian Rose Cross (Cristão Rosacruz) – era o nome da Pessoa Amada – formou ao seu redor um grupo de pessoas boas e amorosas, e cujo único desejo era ajudar seus irmãos e irmãs na grande escola da vida. Eles queriam ensinar e ajudar todos a compreender lições de amor, de paciência e de humildade. Logo, seus pensamentos amorosos chegaram muito longe e as pessoas começaram a falar das boas ações desse grupo de seres humanos. Aos poucos foram sendo chamados de Irmãos da Rosacruz e seu líder era Cristão Rosacruz, nosso Irmão Maior. Desde então, durante todas as centenas de anos, esses irmãos têm enviado alegria, amor e compaixão para todo o mundo.
Querem que eu conte a vocês sobre a Rosa e a Cruz?
Bem, a cruz representa seu corpo. Um dia, quando você estiver no Sol, abra os seus braços retamente e olhe para sua sombra; será uma cruz perfeita. Bem no centro da cruz está o seu coração, e bem no fundo dele está um pedacinho de Deus, que é como uma rosa branca. Se conservarmos nossos corações puros e brancos, algum dia algo maravilhoso vai nos acontecer, pois Cristo Jesus disse:
– “Abençoados sejam os puros de coração, pois eles verão a Deus”.
Vocês sabem que os Irmãos da Rosacruz só nos pedem que sejamos bons e amorosos para com toda gente e que só tenhamos e enviemos pensamentos bonitos? Quando transmitimos pensamentos que não são bonitos, o que vocês acham que acontece? Todos os dias esses bondosos Irmãos juntam os maus pensamentos de todo o mundo e, através do amor, transformam-nos em lindos pensamentos de amor e compaixão, que enviam como doces mensagens de conforto e alegria para pessoas de todos os lugares.
Vamos honrar e reverenciar Cristão Rosacruz e auxiliá-lo e a nossos Irmãos Maiores da Rosacruz fazendo uma corrente de pensamentos amorosos que irão crescer e crescer, até que juntem todos os nossos corações no amor – uma corrente viva de corações tão brancos e puros como uma linda rosa branca.
Era uma vez, há muitas e muitas centenas de anos, uma linda deusa. Porque ela era tão linda e seu coração tão amoroso, as mais lindas cores flutuavam a seu redor. Era chamada a Deusa da Dança. E vocês sabem que sua risada era tão borbulhante e com tão lindos tons, que realmente parecia música. Não era de admirar que todos amassem esta graciosa e linda deusa.
Uma noite, quando tudo estava em paz e em silêncio, a deusa foi ao jardim e, ao passear entre as flores, um esplendor, uma luz suave, espalhou-se toda ao seu redor. As delicadas cores do arco-íris pareciam flutuar no ar perfumado. A deusa começou a cantar. A melodia era suave e clara e atraía para ela todos os Espíritos da Natureza que moravam no jardim. Logo, as flores estavam se balançando agradavelmente na suave brisa da noite, e elas acenavam com prazer, umas para as outras. Rapidamente, difundiu-se a boa notícia de que haveria dança ao luar. As árvores ajudaram a espalhar a notícia também.
De repente, por entre as árvores, pôde ser vista uma Lua de prata no alto dos céus, emitindo uma suave luz branca.
Nos brilhantes raios lunares flutuavam os pequenos e ágeis espíritos das flores, todos em suas mais belas vestes.
Um encantador espírito da flor saiu de um lírio cantando:
– Eu sou a pureza do coração.
Saiu depois o espírito da margarida, balançando-se graciosamente, de um lado para o outro e cantando:
– Eu sou a inocência.
Lentamente, flutuando pacificamente ao redor do perfume da rosa, outro espírito de flor disse:
– Eu sou o amor, eu sou o amor. O amor é como uma rosa vermelha.
Depois, veio o espírito de uma flor de laranjeira, seguida timidamente pelo modesto espírito da violeta que, inclinando sua linda cabeça ao luar, murmurou:
– Eu sou a lealdade.
Ouviu-se um fraco ruído e todos pararam para ouvir o doce espírito de uma florzinha azul cantando:
– Não te esqueças de mim.
Havia dúzias e dúzias de outros espíritos de flores, todos cantando e dançando graciosamente ao som das melodias das fadas, no jardim encantado. Sinos suaves estavam tocando, chamando todos os Espíritos da Natureza. A música da floresta estava cada vez mais alta e, um a um, os ágeis espíritos começaram a dançar à luz do luar. Ao se moverem suave e delicadamente à luz prateada do luar, eles formavam um lindo quadro. Alguns dos espíritos se movimentavam para cima e para baixo; outros para frente e para trás, e outros iam em direção às árvores. Brilhando, com asas brancas, ao flutuarem no ar, eles pareciam uma névoa descendo para beijar as flores.
A Lua de prata sorria para o alegre grupo e, você sabe, alguns espíritos marotos riam também para ela. Ela gostou e continuou sorrindo. Era como se sua luz fosse ficando cada vez mais brilhante, enquanto os raios lunares se espalhavam cada vez mais pelo jardim.
Os ágeis espíritos das flores cantaram e dançaram, e foram felizes até bem depois da meia noite. Mas, ao final tinham de ir. Um a um, eles flutuavam graciosamente sobre a deusa, dizendo:
– Boa noite, linda deusa. Obrigado pela linda festa. Que seus sonhos sejam doces!
Então, todos entraram nas lindas formas de suas flores, todos ficaram em paz, e o silêncio voltou a reinar no jardim encantado, enquanto a Luz e as estrelas os guardavam, velando por eles.
[1] N.R.: Pátio rodeado por colunas
[2] N.T.: Ouro de Ofir era um tipo de ouro da mais alta qualidade, que podia ser encontrada em uma região chamada Ofir. Esse ouro era muito puro e muito raro. Por isso, o ouro de Ofir se tornou símbolo de raridade e preciosidade.
HISTÓRIAS DA ERA AQUARIANA PARA CRIANÇAS
Volume 6
Compilado por um Estudante da
The Rosicrucian Fellowship
Centro Rosacruz de Campinas – SP – Brasil
Avenida Francisco Glicério, 1326 – conj. 82
Centro – 13012-100 – Campinas – SP – Brasil
Revisado de acordo com:
1ª Edição em Inglês, 1951, Aquarian Age Stories for Children, editada por The Rosicrucian Fellowship
1ª Edição em Português, 1990, Histórias da Era Aquariana para Crianças, editada por The Rosicrucian Fellowship
Pelos Irmãos e Irmãs da Fraternidade Rosacruz – Centro Rosacruz de Campinas – SP – Brasil
contato@fraternidaderosacruz.com
fraternidade@fraternidaderosacruz.com
SUMÁRIO
CAPRICÓRNIO – 22 DE DEZEMBRO A 20 DE JANEIRO.. 6
AQUÁRIO – 20 DE JANEIRO A 20 DE FEVEREIRO.. 13
PEIXES – 20 DE FEVEREIRO A 20 DE MARÇO.. 21
ÁRIES – 20 DE MARÇO A 21 DE ABRIL.. 28
TOURO – 21 DE ABRIL A 22 DE MAIO.. 35
GÊMEOS – 22 DE MAIO A 22 DE JUNHO.. 42
CÂNCER – 22 DE JUNHO A 23 DE JULHO.. 49
LEÃO – 23 DE JULHO A 24 DE AGOSTO.. 56
VIRGEM – 24 DE AGOSTO A 23 DE SETEMBRO.. 64
LIBRA – 23 DE SETEMBRO A 24 DE OUTUBRO.. 72
ESCORPIÃO – 24 DE OUTUBRO A 23 DE NOVEMBRO.. 80
FORÇAS SECRETAS DA NATUREZA.. 80
SAGITÁTIO – 23 DE NOVEMBRO A 22 DE DEZEMBRO.. 86
Este novo volume de histórias foi preparado especialmente para servir de ajuda no ensino da Astrologia para os nossos estudantes adolescentes. São dadas as características básicas de cada signo juntamente com a época do ano coberta por cada mês solar. Além disso, as histórias apresentam, como um modo prático de vida, os altos ideais a serem conquistados em nossa vida diária.
Acreditamos que este volume irá preencher a necessidade de histórias desta espécie.
Os desenhos eram excelentes, principalmente por terem sido feitos por uma estudante do curso colegial e sem habilitação em arquitetura. O Sr. Creighton tinha concordado em vê-los porque teve pena de Diana e admirava sua persistência, mas ficou surpreso pelo talento que os desenhos demonstravam.
Desde pequenina e sempre – mesmo antes de saber o que a palavra significava – Diana se interessava por arquitetura. Desenhar projetos para casas era seu passatempo favorito quando era criança. Quando cresceu e começou a estudar seriamente e por sua conta a matéria, seus desenhos infantis foram gradualmente transformados em plantas sofisticadas e surpreendentemente precisas.
Com uma família numerosa para sustentar e recebendo salários exíguos, o pai de Diana não tinha condições de pagar estudos universitários para seus filhos. Porém, quando Diana percebeu inteiramente a situação, determinou a si mesma que lutaria e frequentaria uma escola de arquitetura. Amigos bem intencionados insistiam em observar que arquitetas eram ainda raras, e sugeriam que, embora frequentar uma universidade fosse muito louvável, ela deveria se especializar em outra matéria que lhe abrisse mais portas, tanto na escola como no mundo. Contudo, Diana resolvera ser arquiteta, e disse que “Nem todos os pessimistas vão conseguir me assustar e me fazer desistir!”.
Sabendo que só conseguiria bolsa de estudos se mostrasse aptidão especial, Diana, além de trabalhar para ter sempre boas notas na escola, também dedicava grande parte de seu tempo em estudos independentes dos princípios da arquitetura. Ela tinha lido na biblioteca todos os livros que podia entender sobre o assunto e, no ano anterior, seus desenhos deixaram de serem passatempos. Ela se empenhava e aperfeiçoava cada planta de estudos como se tivessem que ser submetido à aprovação. Também tinha tido a sorte de conseguir um emprego de datilógrafa, depois das aulas, na firma de arquitetura do Sr. Creighton, e não perdeu tempo em fazê-lo conhecer suas ambições.
– Muito bem, Diana, ele disse um dia com simpatia e tolerância, eu vou dar uma olhada nas suas plantas.
– Oh, obrigada, Sr. Creighton, elas estão na outra sala. Eu vou buscá-las, ela disse.
Ele sorriu quando ela saiu e franziu suas sobrancelhas e pensou:
– Como poderia dizer, delicadamente, que ela deveria esquecer toda aquela bobagem de querer ser uma arquiteta? Ela era uma garota boa e adorável e com certeza havia muitas coisas mais adequadas para empregar sua vida. Essas “plantas”, seja lá que forem, poderiam ser rabiscos mal acabados que não poderiam, nem remotamente, ser relacionados com realidades estruturais.
Ele tomou as plantas de Diana que estavam enroladas cuidadosamente e recostou-se na cadeira, com a intenção de dar uma olhada superficial. Contudo, sua atenção foi logo presa aos papéis sem acreditar no que via. Os desenhos eram surpreendentemente bons, quase profissionais. Claro que havia falhas e os desenhos não tinham algumas das mais modernas concepções. Mas, era evidente uma noção dos princípios de arquitetura que só se adquirem com bastante estudo, e os projetos básicos eram sólidos.
– Você tem certeza que foi você que fez isto, Diana? Ele perguntou.
– Oh, sim senhor, palavra de honra, ela respondeu nervosamente.
O Sr. Creighton examinou mais um pouco, depois olhou longamente para Diana.
– Eles são bons, Diana. Você realmente tem talento, disse finalmente.
– Obrigada, ela disse simplesmente e suspirou de alívio.
– Você estudou e treinou muito, não foi? Perguntou o Sr. Creighton.
– Eu li sobre arquitetura tudo o que podia entender – e um bocado também do que não entendi, Diana respondeu pesarosa.
– Sim, alguma coisa disto é puramente técnica, riu o Sr. Creighton. Mas logo ficou sério, Você sabe os obstáculos que vai ter que enfrentar, não sabe? Não é tão fácil para uma mulher se formar em arquitetura.
– Eu sei disso, senhor, disse calmamente Diana. Muita gente já me preveniu.
– E mesmo assim você decidiu continuar?
– Certamente.
– Muito bem, continuou o arquiteto. Acho que você também sabe que eu faço parte do conselho da universidade – na verdade aposto que você sempre pensou nisso, não é?
Diana corou e olhou para o chão.
– Sim – sim senhor, pensei, confessou.
– Não tem importância, riu o Sr. Creighton. Gosto do jeito que você tenta conseguir o que quer. Vou recomendar você para uma bolsa de estudos e, com meu apoio, não tenho dúvida de que vai consegui-la. Mas isso vai ser apenas o começo. Você lutou muito para chegar até aqui, mas vai ter que trabalhar muito mais para realizar seus sonhos. Eu posso ajudar você a entrar na faculdade, mas é você que vai ter que conseguir ficar lá.
– Muito obrigada, Sr. Creighton, disse Diana radiante. Pode confiar em mim.
Mais tarde, nesse dia, a Sra. Creighton ficou ligeiramente surpresa ao ouvi-lo dizer, inesperadamente:
– Querida, talvez daqui a cinco anos tenhamos na firma uma jovem arquiteta muito promissora.
Com um guincho de freios o carro deu uma guinada na curva.
– Gente, ele é bom mesmo! Maravilhou-se Tom que, sem ligar para a urgente necessidade de diminuir a velocidade, pisou de novo no acelerador.
– Acho bom que o carro tenha bom controle; você com certeza não o têm! Disse Pamela zangada. Você prometeu ter cuidado se eu deixasse você dirigir.
– O que é que há com você? Perguntou Tom impaciente. Só porque eu tive que diminuir um pouco a velocidade. Não aconteceu nada, não é?
– É um milagre que nada tenha acontecido. Vá mais devagar, está ouvindo?
– Poxa! Eu não sabia que você era tão medrosa. Você nunca foi assim antes.
Aborrecido, Tom aumentou mais ainda a velocidade.
– Quando você dirigir o seu próprio carro, o problema é seu e se isso me der medo, não vou com você.
Mas este é o meu carro – novo em folha – e há uma porção de motivos porque eu gostaria que ele, e nós, chegássemos em casa inteiros. Tom vá devagar. Sabe que você está em zona de velocidade controlada?
– E daí? Zombou Tom. Não vejo nenhum guarda.
– Muito bem, pare o carro. Eu vou dirigir.
Tom nunca ouvira Pam tão decidida.
– Poxa! Tenha dó! Implorou. Estou apenas começando.
– Você vai é parar já! Censurou Pam. Pare aqui AGORA!
Tom ficou tão espantado com a atitude de Pam que encolheu os ombros, parou o carro e deixou que ela tomasse a direção sem replicar. Partiram zangados e em silêncio. Pam obedecendo rigorosamente o limite de velocidade e Tom agitado no seu banco. Logo foram ultrapassados por dois jovens em um conversível vermelho, que acenaram para eles com superioridade.
– Você vai deixar que eles avancem assim? Explodiu Tom. Esta belezinha pode vencê-los quando quiser.
– Tenho certeza que pode, mas eu não estou em nenhuma corrida, respondeu Pam.
– Ufa! Foi tudo que Tom pode dizer.
– Escute Tom – disse Pamela pouco depois, tentando quebrar o silêncio opressivo – Não nego que eu gosto de correr. Na verdade eu adoro correr, e nas pistas de alta velocidade e rodovias tudo bem. Mas você não vê que correr nestas estradinhas estreitas é comprar encrenca?
– Não; se você tiver cuidado, disse Tom.
– Se você estiver correndo em uma estrada como esta, você não pode ser cuidadoso.
– Tolice, explodiu Tom.
– Bem, acho que você só vai aprender quando sofrer um acidente – suspirou Pam.
– Bonita coisa para se dizer – disse Tom sarcasticamente. Você está desejando um para mim?
– Claro que não, mas você parece estar pedindo um.
Pam começou a brecar e Tom olhou para a placa de velocidade que estavam passando.
– Agora você vai baixar para 32 km. Só porque a placa indica? Ele perguntou ainda com sarcasmo.
– É isso mesmo. Tenho certeza que você não faria, mas se não está gostando pode descer e ir a pé.
Pam estava outra vez zangada e Tom ficou carrancudo e não disse nada.
Daí a um momento aconteceu várias coisas ao mesmo tempo. Entraram em uma curva fechada, Pam pisou no breque rápido e, mesmo estando em baixa velocidade, por um triz não apanhou um garoto que estava curvado sobre sua bicicleta no meio da estrada.
Pam encostou-se ao banco, respirou fundo e olhou para Tom, que estava branco como papel!
– Felizmente não estávamos a 96 ou mesmo 40, conseguiu murmurar, e saiu lentamente do carro seguida por Tom.
O garoto, que parecia não se dar conta do risco que correra, disse simplesmente:
– A corrente escapou e a bicicleta não anda.
– Como é que você estava pedalando essa coisa bem no meio da estrada? Você não sabe que é perigoso? Perguntou Tom asperamente e Pam, com o coração ainda disparado, conseguiu olhar para ele intencionalmente.
– Não sei, gaguejou o garoto.
– Bem, eu vou consertar a corrente para você, mas você vai prestar atenção a algumas regras de segurança enquanto eu conserto, e vai prometer que vai obedecer a todas. A voz de Tom ainda estava áspera.
Enquanto Tom consertava a corrente e severamente instruía o garoto, Pam colocou o carro em lugar seguro e sentou-se, subitamente exausta. Tom ainda pálido mandou o garoto embora e entrou no carro.
– Espero que ele tenha aprendido a lição, murmurou.
– Tenho certeza que sim, disse Pam, que poderia ter dito algo mais, mas decidiu que não era necessário.
Não falaram muito indo para casa, mas quando saiu do carro, Tom disse:
– Será que você – será que você quer ir ao show comigo sábado à noite? – perguntou. Prometo dirigir com muito cuidado.
– Claro, vou gostar de ir, sorriu Pam, que estava bem certa de que desta vez Tom cumpriria sua promessa.
– Como é que você aguenta passar tanto tempo com aquele sujeito? Perguntou Gary.
– Porque eu gosto de ficar com ele. Estou aprendendo muito com ele e estou interessado nas coisas em que ele trabalha. Acho que é principalmente porque somos amigos, respondeu Kevin, que já estava acostumado aos comentários desdenhosos de seu colega sobre seu relacionamento amigável com o Dr. Patterson.
– Mas não é chato passar todo o tempo com um homem tão velho? continuou Gary.
– Em primeiro lugar, ele não é tão velho assim, replicou Kevin. Quarenta e dois anos não é exatamente senilidade. E eu não me enturmo com ele o tempo todo. Eu também faço muitas coisas com vocês, passo meus dias na escola, como você bem sabe. Acontece que eu gosto de estar com ele e ele gosta de estar comigo – talvez porque ele não tenha filhos – e eu faço coisas com ele que eu faria com qualquer outro amigo.
– Quer dizer que você realmente gostou de ir a essa convenção científica com ele na semana passada, e ouvir aqueles “cabeleiras”, ler papéis, ou o que quer que eles tenham feito?
– Sim, e você ficaria surpreso com o que aprendi com aqueles “cabeleiras”. Dr. Patterson apresentou-me a alguns cientistas famosos, e ouvi-los conversar durante o jantar abriu meus horizontes. Acho que por eu me interessar por física nuclear é uma forte razão para que Dr. Patterson e eu sejamos amigos. Amizade habitualmente significa que você tem qualquer coisa em comum com a outra pessoa, não é?
– É claro, concordou Gary, mas eu ainda não entendo como você pode ter tanto em comum com alguém tão velho quanto seu pai.
– E eu não entendo por que você continua a arrastar idade na conversa, disse Kevin. Você tem dezesseis anos, e você não se liga muito com garotos com apenas dois anos mais novos. Mas há algumas pessoas com mais de dez anos que você, e você olha para eles como ídolos, certo?
– Ah, isso é diferente, resmungou Gary. Eu não acharia ninguém com 42 anos um Ídolo, e com certeza eu não teria um amigo tão velho!
Gary saiu pisando duro e Kevin sacudiu os ombros, resignadamente.
– Você está muito calado hoje, Kevin, disse Dr. Patterson, alguns dias mais tarde, quando Kevin estava encarapitado em um banco no laboratório do doutor, observando sua última pesquisa. Alguma coisa aborrece você?
– Bem – você acha que há algo de errado em ser amigo de alguém muitos anos mais velho, acha?
Kevin levantou os olhos, embaraçado.
– Bem, sorriu gentilmente Dr. Patterson, você conheceu o Dr. Benjamin na convenção. Quantos anos você pensa que ele tem?
– Sessenta anos, eu acho, arriscou Kevin.
– Ele tem quase oitenta e, embora ele tenha praticamente o dobro da minha idade, ele tem sido um dos meus melhores amigos já há muitos anos. E por falar nisso, também não vejo nada de errado em ser amigo de alguém mais jovem do que eu. Dr. Patterson deu uma piscadela e Kevin riu baixinho. E o doutor continuou:
– Acho que alguém andou caçoando de você por causa de seu amigo, o velho esquisito e enrugado que passa todo seu tempo no laboratório e tem um pé na cova.
– Não exatamente caçoando, eu creio, riu Kevin, mas os caras não entendem como eu possa ter algo em comum com uma pessoa da sua geração. Eu continuo tentando fazê-los entender que a idade nada tem a ver com isso, mas eles não estão convencidos. Acho que eles me consideram maluco.
Dr. Patterson sorriu, depois ficou pensativo.
– Kevin, se você acha a nossa amizade embaraçosa, eu entenderei perfeitamente se você decidir não voltar ao laboratório ou deixar de viajar comigo, ele disse.
– Oh, não, exclamou Kevin, realmente alarmado. Eu não me sinto envergonhado. Ser seu amigo é muito importante para mim, e não me importo com o que esses caras pensem. Eu só tenho pena de que nenhum deles tenha uma amizade como a minha com o senhor. Da maneira como eles pensam, mesmo que tivessem oportunidade de fazer alguma coisa com uma pessoa mais velha ou poder conhecê-la melhor, eles não o fariam. Gostaria de conseguir convencê-los de que a verdadeira amizade é apoiada em algo muito mais importante do que a idade.
– Em que você acha que ela se baseia? Perguntou o doutor.
– Oh, em interesses comuns, e suponho que também em respeito e admiração, e em se gostar realmente tanto de uma pessoa que você se sente bem quando essa pessoa está por perto, e quando você pode fazer coisas com ela.
Kevin, que nunca tinha posto isso em palavras, embora sentisse tudo isso com relação ao Dr. Patterson, falou devagar e pensativamente.
– Mas o senhor sabe, falou depois de algum tempo, eu acho que talvez não se possa dizer aos outros o que é uma verdadeira amizade e esperar que eles entendam só por palavras. Amizade é alguma coisa que você sente bem no fundo e se você não experimentou isso, você não pode realmente saber como é.
– E isso mais ou menos o que eu sinto também, disse Dr. Patterson. A amizade é uma das maiores bênçãos que a vida pode oferecer, e se você tiver sorte bastante para encontrar alguém com quem partilhar uma amizade, como a nossa, com certeza a idade ou qualquer outra consideração desse tipo não pode fazer muita diferença. Bem, nós temos muito que fazer. Que tal usar alguns de seus conhecimentos de matemática e tentar resolver esta equação?
Com olhar fixo e desafiante, mãos na cintura e cabelos em desalinho esvoaçando ao vento, Art discursava para os estudantes reunidos ao seu redor, nos degraus do ginásio.
Sem que ele soubesse, o diretor, Sr. Hodges, estava ouvindo tudo da janela do seu escritório.
– Nós temos regras para isto, regras para aquilo, exclamava pretensiosamente Art. Daqui a pouco, vamos ter que pedir permissão até para respirar. A minha opinião é que se as regras podem ser dispensadas na faculdade, também podem ser dispensadas aqui.
Nesse momento bateu o sinal e os estudantes começaram a se encaminhar para a porta e Art disse:
– Está vendo? Assim que bate o sinal, vocês todos se enfileiram docilmente como um bando de carneiros. Eu declaro, abaixo os sinais – nós não precisamos deles.
Depois da última aula, Art foi chamado a diretoria.
O Sr. Hogdes disse:
– Sente-se Art, eu soube que você não está muito de acordo com as regras daqui. Quais as que você não gosta?
– De nenhuma delas, murmurou Art.
– Bem, cite uma e diga-me o que você não aprova nela, insistiu o Sr. Hodges.
– Eu não gosto de ter de parar o que estou fazendo cada vez que esse sinal dispara e tem que fazer outra coisa. Eu não gosto de não poder ter rádio com fone de ouvido na sala de estudos. Eu não gosto de ter que esperar até ser chamado nas aulas quando quero dizer alguma coisa. Eu não gosto de não podermos enforcar uma aula sem uma nota de autorização de casa – é como se estivéssemos no jardim da infância.
Art parecia não acabar mais, mas o Sr. Hodges o interrompeu.
– Muito bem, Art. Dá para perceber que você está nervoso com isto. O que você está querendo dizer é que você acha que os alunos não tem a liberdade de agir como tem direito. Não é?
– Sim, disse Art brevemente.
– Muito bem, continuou o Sr. Hodges. Quer você acredite ou não, eu compartilho de seu ressentimento pela repressão. É muito comum nos jovens e eu mesmo já tive essa reação. Contudo, nossas regras foram elaboradas pelo corpo docente com a colaboração – como você bem sabe – dos membros do Conselho dos Alunos, porque nós todos achamos que elas são necessárias para a escola cumprir seu objetivo planejado. Bem, eu vou dar-lhe uma tarefa para executar nos próximos dias e espero que você seja absolutamente honesto – com você mesmo e comigo. Quero que você pegue cada uma dessas regras com as quais você não concorda, analise o mais objetivamente que você puder, porque quem as redigiu as considerou necessárias, e anote essas razões. Depois, exponha por que você acha que elas não são necessárias, e o que você honestamente acha que seria o resultado se elas não fossem aplicadas. Lembre-se, eu confio que você seja objetivo e justo, e eu tentarei igualmente ser objetivo e justo quando ler o seu ponto de vista.
Habitualmente, Art teria dito que não haveria razão válida para nenhuma das regras, sentia-se ressentido e, a despeito de si próprio, percebeu que o pedido do Sr. Hodges para que fosse objetivo e honesto, mexeu com sua consciência. Meditou sobre o assunto por muitos dias e só uma semana depois voltou ao escritório do Sr. Hodges, de papel na mão. Ele examinou-o cuidadosamente, depois levantou os olhos.
– Não foi fácil para você escrever isto, não foi Art? – perguntou com bondade.
Art arrastou seus pés desconfortavelmente.
– Não, senhor, disse baixinho.
Mas você foi honesto e objetivo, e você deixou de lado suas próprias emoções violentas, e eu o admiro por isso. Se eu posso resumir todos os seus excelentes pontos de vista em uma única frase, diria que você chegou à conclusão de que todas as regras são necessárias – não para serem arbitrárias, mas porque não é razoável esperar que sem elas todos os alunos, em todas as ocasiões, comportem-se com responsabilidade. Você concorda?
– Sim, senhor, disse Art.
– Bem, então, Art, qual você acha que deva ser a atitude dos estudantes com respeito às regras?
– Bem – eu acho que antes que eles tomem uma atitude, deveria ser-lhes explicada por que as regras foram feitas. Quero dizer, poderia haver regras que não fossem realmente necessárias – a voz de Art foi diminuindo e ele olhou indeciso para o diretor.
– Com certeza que poderiam – Art concordou o Sr. Hodges. Eu não vou discutir isso com você. Continue.
– Então, eu acho que eles deveriam cooperar e seguir as regras. Mesmo que eles achem que poderiam fazer o mesmo sem regras, a escola não funcionaria direito se todos não cooperassem, e algumas pessoas precisam de mais regras do que outras, por isso é justo que todos as obedeçam para que possam se habituar.
– Bem apresentado, Art. Você usou uma palavra realmente importante duas vezes. Você lembra qual foi? – perguntou o diretor.
– Ah! Cooperar?
– Sim, Se nós vamos aprender a conviver pacificamente, nós todos temos que cooperar uns com os outros. O Sr. Hodges olhou para Art pensativamente, depois continuou.
– Que tal participar de uma assembleia de estudantes sobre a questão das regras e cooperação em geral ou, e sorriu, você acha que isso mancharia muito a sua imagem?
Art riu.
– Talvez esteja na hora de eu fazer uma nova imagem para mim mesmo, disse.
Kim desligou o rádio com um estalo.
– Realmente, eu não consigo gostar dessa coisa, ela queixou-se a sua mãe. A rapaziada acha que eu sou esquisita, mas essa música me deixa nervosa e irritada.
Quanto mais alto for, mais eles se acendem e mais eu me apago! Eu devo ser louca.
– Não, Kim, confortou sua mãe. Você não é louca, não. Você é sensível e alguns dos barulhos que passam por música hoje em dia, naturalmente irritam uma pessoa realmente sensível. Fico contente que você sinta isso, o suficiente para não gostar dessa música.
– Mas, algumas das melodias são bonitas – quando há alguma melodia – e às vezes eu gosto do ritmo também, protestou Kim. O que eu não aguento é quando eles tocam esse negócio tão alto e a dissonância que acontece é pior e o jeito que alguns cantam. Parecem berros; não música. Não sei como os garotos podem estudar ouvindo isso. Eu também gosto de música quando estou estudando, mas não essa!
– E você se aborrece realmente por não gostar de música rock? Perguntou a mãe de Kim.
– Bem, sim; fico aborrecida por não ter prazer com ela como os outros garotos – ou talvez porque eu não seja como os outros garotos, disse Kim pensativamente, mas acho que ela não me aborrece tanto que eu não consiga ficar ouvindo quando não tenho o que fazer. Mas, às vezes, você não pode fugir dela.
– Eu sei, disse a mãe. A coisa importante e que você se sente contrariada por essa música, mesmo que você não consiga entender inteiramente os seus efeitos.
– Você me explicou isso, mãe, mas acho que eu ainda não entendi bem, disse Kim. Podia tentar de novo?
– Bem, querida, começou a mãe, você sabe que o Corpo de Desejos dos jovens da sua idade está em processo de desenvolvimento, e que suas Mentes ainda não amadureceram ao ponto de conseguir controlar adequadamente suas emoções. A música rock, com sua dissonância, seu barulho, seus ritmos super-enfatizado e exagerados, e a vocalização sensual e feia, que quase sempre faz parte dela, atrai e fortalece os aspectos inferiores e mais passionais da natureza de desejo. Ela excita as emoções básicas de uma pessoa a um grau inacreditável, e isto, sem dúvida, é particularmente nocivo para vocês jovens, cujas Mentes ainda não estão em condições de controlar essas emoções. Você bem sabe que na maioria são os adolescentes que se ligam na música rock, que vão aos concertos rock e compram esses discos. Isso e porque sua natureza de desejo é especialmente receptiva a esses sons, e suas Mentes ainda não estão controlando as emoções básicas. A maioria dos cantores de rock é jovem. Quantos cantores de rock com mais de trinta e quarenta anos você conhece1[1]?
Kim riu.
– Muito poucos, assim de repente. E, se existirem, não posso imaginar a garotada ouvindo tais pessoas, com tanta frequência.
– É claro que não. Você foi aquele concerto de rock no mês passado e não gostou. Você se lembra do que você não gostou além da música? – Continuou a mãe.
– Foi o jeito como o auditório gritava e gemia junto com a música, e o jeito como os cantores e todo o mundo se sacudiam. Até fiquei enjoada.
– Sim, causa indisposição pelo menos para quem desenvolveu – ou evoluiu – o suficiente para sentir instintivamente a natureza perniciosa dessa música e o efeito ruim que tem sobre a baixa natureza de desejo. Todos esses gritos e contorções eram realmente os mais baixos desejos dessas pessoas se manifestando, disse a mãe. Você não sabe como estou contente que você seja bastante sensível para sentir isso, e que você não deixe a opinião de seus amigos influenciá-la. Futuramente todos desenvolverão essa sensibilidade, mas tenho medo que isso ainda demore muito.
– Acho que você tem razão, disse Kim. Eu tentei dizer para algumas das garotas como eu me sinto, mas elas dizem que eu sou quadrada, ou que eu pertenço a sua geração – ou mesmo a da vovó! Parece que eu não consigo me comunicar com elas. Talvez eu deva deixar de tentar.
– Não tem sentido hostilizar seus amigos, concordou a mãe, se eles não estão prontos para entender seus sentimentos ou seus argumentos. Mas seria tão bom para eles se entendessem os resultados desastrosos que a inclinação para essa espécie de música pode ter. Não é coincidência que a música rock faz parte da “cultura da droga”. A música estimula os instintos baixos, torna-os bastante poderosos para dominar a personalidade, e o resultado só pode ajudar no vício de drogas, no crime, na delinquência, promiscuidade, e muito mais coisas que estão prejudicando os jovens – e fazendo-os prejudicar outros – nos dias de hoje.
– Bem, vou fazer o que puder, disse Kim, embora provavelmente muito poucos garotos me ouçam. Mas estou muito feliz por não me sentir atraída pela música rock, embora isso me faça “diferente”.
– Eu também estou contente, disse sua mãe.
Kim ligou o aparelho de som e sorriu quando a melodia de uma música de Beethoven encheu a sala.
– Que maravilhosa e sensação diferente você tem ouvindo este tipo de música – suspirou contente. Há nela uma força que nos dá uma nova perspectiva sobre a vida. Se mais pessoas a ouvissem, tenho certeza de que o mundo seria um lugar mais feliz!
Os rapazes olharam para Burton, que estava sentado do outro lado da sala olhando distraidamente pela janela.
– Nós temos que perguntar a ele? – perguntou Lance.
Eu tenho pena dele e tudo, mas ele não vai fazer nada além de continuar sentado ali. Ele vai estragar a festa.
– Eu acho que vai ser bom para ele se a gente perguntar.
Ele sempre foi deixado de lado, comentou Frank.
Além disso, como é que ele vai estragar a festa ficando sentado ali? Nós podemos nos divertir do mesmo modo.
Que tal, gente?
Muitas cabeças aprovaram com relutância e Lance disse:
– Muito bem, mas é você que vai perguntar. Eu não quero fazer isso.
Burton, dois anos mais velho do que seus colegas, era retardado mental, mas não havia nenhuma escola especializada nas vizinhanças para onde seus pais pudessem mandá-lo. Eles o tinham matriculado no curso secundário onde ele tinha aulas de comércio, arte e educação física, mas ele lia mal e não conseguia aprender as matérias acadêmicas. Ele era geralmente reservado e não criava problemas, e os outros alunos, embora vagamente aborrecidos pela situação, não tentaram mais atrai-lo para seu círculo depois das primeiras e poucas tentativas, que resultaram sem sucesso.
Frank ficou muito tempo pensando no isolamento de Burton. Na verdade, ele não tinha mais vontade do que Lance e os outros de “arrastar” Burton em seus programas, mas ele tinha pena do rapaz, e sua consciência estava sempre dizendo que eles deviam se esforçar mais para serem bons com ele.
Burton balançou a cabeça indeciso quando Frank o convidou e Frank não estava certo de que ele sequer tivesse entendido. Contudo, quando de tarde ele telefonou para a mãe de Burton, ela disse que ele só falava do convite e disse a Frank que não sabia como agradecer pelo que ele havia feito. Todos tinham que levar um prato para a festinha e a mãe de Burton prometeu bater um bolo.
Quando Frank e Lance chegaram no dia seguinte, Burton saiu de casa todo orgulhoso trazendo o bolo em uma caixa. Ele se esforçou um pouco para conversar com os rapazes, mas levou o bolo cuidadosamente no colo, sorrindo. Na festa, ficou sentado quieto apreciando o movimento. Os convidados se esforçaram, por turnos, para sentar perto dele e conversar e, embora ele ficasse quase sempre calado, seu olhar habitualmente apagado, brilhava interessado e, de vez em quando, ele sorria e acenava para os outros. Ele batia o pé ao ritmo da música barulhenta do aparelho de som e se mostrava menos retraído do que o habitual.
Quando a comida foi posta em uma mesa comprida, Frank sugeriu que talvez Burton gostasse de cortar seu bolo. Relutante a princípio, Burton acabou cedendo a gentil sugestão de Frank e começou a cortá-lo. Ele trabalhava com incrível lentidão, e seu rosto era uma verdadeira máscara de concentração, mas as fatias eram regulares.
Depois de certo tempo, Frank sugeriu que ele comesse e deixasse outra pessoa acabar, mas Burton pareceu tão ofendido que Frank não disse mais nada. Finalmente Burton acabou e com muito sucesso e quando alguns amigos o cumprimentaram pelo seu belo trabalho, ele ficou radiante de alegria.
Na tarde seguinte, a mãe de Burton apareceu de surpresa na casa de Frank.
– Eu só queria dizer o quanto você fez o Burton feliz, ela disse. Tenho certeza que ele não falou muito na festa – ele nunca fala com as pessoas até conhecê-las bem e se sinta seguro com elas – mas ele estava tão entusiasmado em casa. Até chegou a dizer: ‘eu acho que eles gostam de mim’.
A mãe de Burton enxugou os olhos e Frank ficou sem jeito.
– Pedir a ele para cortar o bolo foi uma ideia de mestre, continuou a mãe de Burton. Como é que você pensou nisso? Ele não pode fazer muita coisa, mas você não pode imaginar como ele fica outra pessoa, quando consegue fazer alguma coisa bem feita e é elogiado por isso.
Desde então, a vida de Burton na escola foi diferente. Sabendo agora o motivo de seu silêncio, os colegas falavam com ele, mesmo que ele não respondesse. Pediam para ele fazer coisas para eles, mesmo que fosse só apontar um lápis ou devolver livros para a biblioteca. Ficavam atentos para que sempre houvesse um grupo com ele na mesa do lanche, e Frank e Lance iam buscá-lo em casa cada manhã, assim sua mãe não precisava levá-lo para a escola. Ele era convidado para as atividades de classe e festinhas; algumas vezes ainda ele ficava quieto em um canto, distraído e retraído, mas cada vez mais ele ria e falava com os outros – quase sempre uma conversa infantil, mas animado, e visivelmente feliz.
Uma vez, o professor mandou Burton dar um recado e a mãe dele veio até a sala de aula.
– Eu não sei se vocês realmente entendem o quanto significa para meu filho sua compaixão e compreensão, disse aos alunos. Ele se sente parte do grupo – a primeira vez que ele já sentiu ‘pertencer’ a algum lugar. Eu sei que ele é muito limitado, mas graças à ajuda de vocês, ele está trabalhando inteiramente dentro desses limites, e levando uma vida com algum sentido. Que Deus abençoe a todos.
– Sabe, Sr. Lewis, estava dizendo Paul, nós sabemos que o Conselho da Cidade tem falado muito em providenciar mais parques de recreio, mas nada tem sido feito. Bem, aquele lote estreito que o Senhor tem na Rua 10, está vazio e nós pensamos – bem – nós pensamos que se o senhor quiser, nós poderíamos limpá-lo e montar um parque de recreio. As crianças dessa parte da cidade bem que precisam de um!
O Sr. Lewis observou os dois adolescentes sentados no seu escritório, representantes de uma organização estudantil chamado “ACT!” (Aja), sobre a qual ouvira falar muito ultimamente.
– E como vocês pretendem equipá-lo? perguntou.
– Nós achamos que podemos conseguir doações, respondeu Sara. Deve haver muita gente por aqui cujas crianças já ultrapassaram a fase das balanças e escorregadores do quintal. Também podemos construir alguns tanques de areia, e conseguir de uma companhia de construção a doação de algumas barricas grandes e outras coisas e construir um labirinto que as crianças gostam de atravessar.
– E quanta à segurança? perguntou o Sr. Lewis. Um grupo de crianças pode causar confusão com facilidade se for deixado sozinho, especialmente nessa área.
– Oh, as crianças não vão ficar sozinhas, disse Sara. Muitos membros da nossa associação se ofereceram voluntariamente para passar algumas horas por semana supervisionando o parque de recreio e, assim, poderemos mantê-lo funcionando depois das aulas e nos fins de semana.
Sara hesitou e depois continuou:
– O grande problema vai ser a cerca. Acho que não seremos capazes de construir a mais apropriada, mas esperamos receber bastantes contribuições para mandar colocar uma.
– Nós já falamos com o chefe de polícia e ele já nos autorizou a continuar, acrescentou Paul.
– Um-hum, ponderou o Sr. Lewis – Vejo que vocês já planejaram tudo muito bem. E o que é que eu ganho com isto?
– A satisfação de saber que a sua propriedade está sendo usada para alguma coisa que vale a pena, respondeu Paul rapidamente.
O Sr. Lewis riu. – Então, eu não posso mesmo dizer não, posso? Muito bem, vocês tem minha permissão e minha benção. E, se vocês tiverem dificuldade para erguer a cerca, falem comigo e eu verei o que posso fazer.
– Muito obrigado. Sabemos que o senhor vai ficar satisfeito em ter feito isto, disse Paul.
Trocaram apertos de mãos e os estudantes foram embora. Nas semanas seguintes houve muita atividade no terreno baldio da Rua 10, e também em outros bairros, onde equipamentos de jogos fora de uso eram retirados de porões e garagens e carregados no furgão do pai de Paul. Uma firma local doou vários caminhões de areia, e outra aplicou o asfalto.
Os estudantes limparam e pintaram as peças, construíram tanques de areia, labirintos e uma casa em uma árvore que prometia ser uma grande atração. Conseguiram arrecadar dois terços do dinheiro necessário para a cerca, em uma difícil campanha de casa em casa, e o Sr. Lewis inteirou o que faltava.
Os membros da ACT! passavam todo seu tempo livre trabalhando no, ou para o parque de recreio, e um mês depois da primeira conversa com o Sr. Lewis, Paul voltou para convidá-lo para a cerimônia de inauguração. No dia da inauguração, o parque estava repleto de crianças agitadas e de pais contentes. O prefeito, o chefe de polícia e o Sr. Lewis, todos tinham lugar de honra no palanque. Paul e Sara proferiram algumas palavras adequadas, os pais aplaudiram e as crianças pularam.
Então, o prefeito se levantou:
– Eu vou ser breve, prometeu. Aliás, este é um lugar de recreio, não um lugar para ouvir políticos com muito fôlego. Contudo, não podemos deixar estas crianças estragarem estes brinquedos sem antes agradecer a um belíssimo grupo de jovens que, espero, servirá de exemplo para os garotos. Os adultos desta cidade discutiram os prós e contras da instalação de um parque de recreio por tanto tempo, que nem consigo me lembrar, mas foi necessário que um dedicado grupo de adolescentes nos mostrasse o que é iniciativa e assim conseguiram construir um! Eles merecem nossa admiração e nossos agradecimentos.
Depois de aplausos calorosos, a fita em volta do balanço foi cortada, o Sr. Lewis deu uma escorregada desconfortável no escorregador, o prefeito e o chefe de polícia balançaram ainda menos confortavelmente na gangorra, sob os gritos divertidos da criançada. Afinal, as crianças tiveram permissão de brincar e gritos alegres e risadas encheram o parque de recreio. Os pais também pareciam felizes e Sara ficou particularmente comovida ao observar na multidão muitas fisionomias cansadas se abrirem em sorrisos satisfeitos.
– Não sei como lhe agradecer, disse uma das mães, aproximando-se de Sara e estendendo-lhe a mão. Meus cinco filhos estão sempre atrapalhando lá em casa, mas eu tenho medo de deixá-los brincar na rua. Agora eles podem vir aqui e eu sei que estarão seguros.
– Eu gostaria de lhe agradecer também, disse um homem. Minha esposa tem estado adoentada e agora ela poderá descansar mais, quando as crianças vierem brincar aqui.
Depois Paul se aproximou de Sara e, um pouco afastados, eles sorriram um para o outro.
– Parece que tomando as rédeas em nossas próprias mãos tivemos um bom desfecho, disse Paul.
– No começo, eu estava com um pouco de medo, admitiu Sara. Mas, quando vi como as pessoas correspondiam e como as coisas iam bem, perdi o medo. Acho que se você planejar cuidadosamente e depois tomar a iniciativa e fizer com determinação o que planejou, os resultados só podem ser bons.
Lisa estava novamente sonhando acordada enquanto ia lentamente para casa, observando, pensativamente, as vitrinas por onde passava. Ela sonhava muito acordada, e frequentemente planejava este, aquele ou aquele outro projeto ambicioso. Contudo, raramente executava esses planos. Viu um tecido que seria ideal para o vestido que estava planejando fazer há semanas, mas deixou para comprar no dia seguinte. Não havia necessidade de começar o vestido imediatamente. Justamente nessa tarde, sem motivo algum, deixou passar o prazo para o teste de habilitação para o Drama Club, sem ler o papel que imaginara para si, mas consolou-se com o pensamento de que haveria outras peças e outros testes de habilitação “mais tarde”. Uma exposição de cartões de felicitações fê-la lembrar-se que havia planejado há muito tempo desenhar um cartão elaborado para as bodas de ouro de seus avós, que seria daí a dois dias.
– Bem, acho que afinal não dá mais tempo, disse para si mesma. Amanhã eu comprarei um cartão.
Quando chegou em casa, sua mãe estava misturando os ingredientes de uma nova receita.
– Oh, eu ia bater isso ontem para come-lo hoje, disse Lisa.
– Eu sei, querida, você disse que ia fazer, respondeu sua mãe resignadamente, mas, como você não chegou a fazer, eu achei melhor fazer agora.
Lisa estava descendo as escadas para a sala de jogos e parou ao ouvir a voz de sua irmã ao telefone.
– Eu sei que ela prometeu angariar donativos neste bairro, mas você sabe que não podemos contar com ela. Ela está sempre dizendo que vai fazer alguma coisa e nunca faz. A campanha se encerra sexta-feira e ela ainda nem começou. A Sra. Marshall disse que ela tem uma pilha de roupas usadas, mas que vai doa-las para o seu grupo da igreja, se nós não formos busca-las logo. A irmã de Lisa era presidente do clube de auxílios das meninas do ginásio, que estava patrocinando uma campanha de angariar roupas para crianças de outros países. Lisa, com seu entusiasmo habitual, tinha dito:
– Claro, eu apanharei as do nosso bairro. Apenas algumas casas por dia e em duas semanas terei todas as roupas. Agora, ela se lembrava bem do olhar desconfiado de sua irmã, quando disse:
– Você tem certeza que vai fazer?
Sua resposta foi zangada:
-Eu disse que vou, não disse? – Eu acho que minha irmã tem razão, pensou Lisa, com remorso. As pessoas não tem podido confiar muito em mim. Bem, eu vou lhes mostrar. Eu vou apanhar essas coisas agora, mesmo que já seja um pouco tarde. No princípio, sua mãe relutou em lhe emprestar o carro, mas quando Lisa explicou que queria reparar sua preguiça anterior e recolher nessa tarde todos os donativos em roupas de seu bairro, e quando viu a expressão rara e decidida de Lisa, ela cedeu. Algumas horas depois, a família ia começar a jantar quando Lisa entrou impetuosamente em casa.
– O banco de trás e o porta-malas do carro estão cheios de roupas usadas, disse tão informalmente como pede, para sua irmã. Se a mamãe deixar, eu as levarei amanhã para a escola.
– Você quer dizer que você conseguiu arrecadar tudo? perguntou a irmã maravilhada.
– Sim, consegui. disse Lisa. Daqui por diante acho que as pessoas podem começar a confiar em mim um pouco mais.
– Oh, está tudo bem, sorriu ao ver sua irmã ficar vermelha.
– Eu ouvi o que você disse no telefone, e doeu no começo, mas agora estou contente por ter ouvido. Acho que muita gente ficou desgostosa comigo por eu não cumprir o prometido, mas tudo vai mudar. Já é tempo de eu me corrigir.
– Você não imagina como eu estou feliz em ouvir você dizer tudo isso, Lisa, disse sua mãe. Nós estávamos imaginando o que fazer com você, e todos os seus planos que nunca se concretizavam em ação, Acho que não teremos mais com que nos preocupar.
– Você não terá que imaginar ou se preocupar, disse Lisa sorrindo. E, de agora em diante, quando eu disser que vou assar um bolo, eu vou mesmo!
Lisa comeu pensativamente por alguns minutos e depois disse:
– Sabem, eu acho que é mais interessante fazer coisas do que apenas pensar em faze-las. Eu realmente me sinto como se tivesse feito hoje alguma coisa muito importante. Acho que é isso que as pessoas chamam de ‘uma sensação de satisfação’. E há outra coisa que as pessoas dizem que eu vou começar a lembrar: ‘atos falam mais alto do que as palavras’. – Puxa, estamos tendo esta noite uma boa dose de filosofia, disse rindo o pai de Lisa. Conheço algumas pessoas na fábrica que poderiam fazer uso destes ensinamentos. Será que você poderia ir lá e nos dar uma palestra sobre ação?
– Talvez eu deva esperar até ter um pouco mais de prática, disse Lisa sorrindo. Entretanto, se vocês me derem licença, eu quero fazer um cartão de aniversário para a vovó e o vovô. Eu posso fazer um bem bonito se eu começar agora mesmo!
Ouviu-se uma resposta muito zangada de uma das vozes alteradas lá em cima, uma porta foi batida e tudo ficou em silêncio. A mãe suspirou. Os meninos estavam brigando de novo – aliás, o que eles tinham feito toda a vida e quanto mais cresciam, mais isso incomodava. A sua diferença de idade era apenas de um ano, tinham os mesmos amigos e interesses, iam bem na escola e seus pais não conseguiam saber qual a razão da desinteligência contínua entre eles.
– Bruce, Don, venham aqui, chamou a mãe. Eu quero falar com vocês.
Eles desceram devagar, adivinhando porque a mãe os estava chamando. Ela e o pai se preocupavam tanto com suas brigas, mas eles até que se divertiam. Preocupados, eles sentaram-se na beirada das cadeiras, ansiosos por dar o fora, enquanto a mãe perguntou:
– O que foi desta vez?
– Oh, nada, mãe, disse Don, confuso.
– Quer dizer que foi por uma coisa tão boba que você nem quer me contar, não é? Perguntou a mãe.
– Acho que sim, foi a resposta hesitante. Por que você e o papai se preocupam tanto com nossas brigas? Nós não perturbamos vocês.
– Não mesmo? Perguntou suavemente a mãe. Lembram-se do concerto que assistimos a semana passada? Até vocês gostaram! Eles concordaram. Agora me digam, exatamente, por que vocês gostaram tanto da música?
– Bem – ela soava boa, disse Bruce depois de uma pausa.
– Teria sido assim tão boa se os pistonistas e os violonistas estivessem tocando uma melodia diferente da que estava sendo executada pelo resto da orquestra, ou só tocassem quando e como eles quisessem em vez de obedecer ao maestro? Continuou a mãe.
– Claro que não, respondeu Bruce.
– Então, o que os músicos devem fazer antes que um orquestra possa tocar peças que soem boas?
Bruce e Don se entreolharam, achando que a conversa estava se tornando muito infantil e imaginando onde a mãe queria chegar.
– Bem, acho que eles precisam tocar juntos, disse Don. Se eles não o fizerem, então a música também não estará combinando.
– Certo, disse a mãe. Não será harmoniosa. Agora eu quero que vocês ambos pensem no seguinte. Nossa vida aqui em casa, sua vida na escola, a vida do papai no escritório, tudo pode ser comparado ao trabalho de um músico na orquestra. Todas as pessoas desta casa tocam juntos a mesma música. Todos os alunos da escola tocam juntos a mesma peça musical. Todos os trabalhadores do escritório do papai tocam juntos a mesma peça musical. Se todos os músicos se harmonizarem uns com os outros, a música será boa e agradável para todos, mas se um só dos músicos se recusar a harmonizar-se com os outros, a música ficará prejudicada e será desagradável para os que a estão executando ou os que a estão ouvindo. Quando um aluno da sua classe causa problemas, o que acontece?
– O professor fica louco, e algumas vezes nós também ficamos, disse Don.
– E os outros conseguem aprender as lições quando isso acontece? Perguntou a mãe.
Os rapazes abanaram as cabeças.
– E o que vocês acham que acontece quando alguém no escritório do papai se recusa a cooperar com os outros ou a fazer o seu trabalho?
– Com certeza será despedido, disse Bruce.
– Claro, se isso durar muito. Bem, eu não posso despedir vocês, a mãe continuou e os garotos sorriram embaraçados, mas com certeza eu não posso fazer o meu trabalho com tranquilidade, nem o papai, quando vocês estão no meio de uma discussão. Quando vocês brigam, ou lutam, ou o que quer que vocês chamem a isso, vocês estão perturbando a harmonia da nossa casa e, pelo fato da harmonia estar perturbada, as pessoas da casa ficam perturbadas e a vida não é tão agradável como seria se houvesse harmonia.
Os rapazes ficaram em silêncio por algum tempo. Por fim, Bruce disse:
– Acho que nós nunca pensamos nisso deste modo.
De vez em quando, você e o papai também discutem – mas nunca como Don e eu, acrescentou depressa, e nós sempre nos sentimos mal quando vocês discutem. Deve ser por causa disso.
– Mas nós nunca pensamos que quando nós estamos brigando isso pudesse fazer vocêsse sentirem assim, acrescentou Don. Acho que nós também somosparte da música nesta casa.
– Vocês são mesmo, sorriu a mãe, muito mesmo. Vocês dois são tão importantes nesta família como qualquer um de nós, e o que vocês fazem ou como vocês agem nos afeta a todos.
– Muito bem, companheiro, Bruce disse para Don, vamos tentar ser mais harmoniosos? Eu não vou mais desafinar se você também não sair do tom.
– Concordo, disse Don e, rindo, os rapazes trocaram um aperto de mãos.
– Minha senhora, disse Don, ainda rindo para a mãe, a sua orquestra vai ser bem mais afinada daqui por diante. Acho até que você deve começar a cobrar para os concertos.
A mãe sorriu, olhando seus filhos subirem a escada, pela zombaria bem humorada deles, bem diferente das palavras ofensivas que usaram na sua última briga.
– Por que eu não pensei nisto antes, disse para si mesmo. Eu tive sempre a certeza que, bem lá no fundo, esses rapazes eram muito amigos um do outro. Vai ser maravilhoso ter uma prova disso, de hoje em diante.
Quando o caminhão da mudança foi embora, Bill e Sue deram uma olhada nos seus quartos. Os tapetes e a mobília pesada estavam nos seus lugares, mas ainda tinha muita coisa espalhada e em desordem. Sue entrou desconsolada no quarto de Bill e sentou na cama.
– Bem, parece que afinal estamos aqui, disse com resignação.
– Ânimo, maninha, disse Bill, que era três anos mais velho e sempre um amigão para sua “irmãzinha”. Você vai se ambientar, fazer novas amizades, e em um mês vai parecer que você sempre morou aqui.
– Talvez seja para você, mas não para mim. Lá eu tinha a minha turma, a praia aos sábados, o time de basquete, a sociedade de canto – e aqui eu não conheço ninguém.
— Você vai conhecer gente, e aqui também eles devem ter time de basquete, coral; não tem praia, mas tem montanhas – você pode aprender a esquiar. Pense nisso! Depois, lembre-se que papai tem que começar em um emprego completamente novo. Nós também vamos começar em uma nova escola.
– Eu sei, eu sei, suspirou Sue, e mamãe teve que deixar o vovô e a irmã e o seu clube – mas ainda assim eu acho que é mais fácil para qualquer um de vocês do que para mim.
Sue saiu e começou a pôr as coisas nos lugares, sem o menor entusiasmo.
Tanto quanto ela podia se lembrar, as situações novas sempre a perturbaram. Quando estava no jardim da infância chorou todos os dias, durante uma semana, antes de se acostumar com a ideia da escola. Mais tarde, mesmo sendo uma boa estudante, ficava desesperada na época de provas. Ficava nervosa antes de ir a alguma festinha, embora se divertisse bastante depois. Mas agora, mudando para mais de 1.600 km de distância da sua cidade, onde não conhecia ninguém e tinha que começar tudo de novo, sentia-se mais aflita do que nunca.
Como é que Bill podia estar tão calmo? Ela pensava.
Amanhã ele iria para a escola sorrindo e voltaria com um montão de amigos e contando coisas interessantes.
E ela? Por que é que ela não poderia, pelo menos uma vez, fazer o mesmo? Ainda ontem a mamãe estava dizendo que ela precisava começar a ser mais segura. Coisas inesperadas iriam aparecer durante toda a sua vida – não devia deixar que elas a perturbassem tanto. Sue sabia que a mãe tinha razão – ela iria ficar um trapo se continuasse assim pela vida afora!
Na manhã seguinte seu coração estava batendo acelerado e nem queria ouvir falar em tomar o café da manhã. Contudo, apareceu com um alegre “bom dia”, esforçou-se para manter-se calma e comer normalmente. Mais tarde, apresentou-se na secretaria da escola, fez a matrícula e foi encaminhada para uma classe. Seu pior momento foi ao entrar na sala de aulas, apresentar-se a professora e sentir todos os olhares sobre ela. Em vez de encolher-se, ficou ereta, continuou sorrindo, respondeu com segurança as perguntas gentis da professora, e depois, embora seu coração parecesse querer sair pela boca, ela sorriu e acenou para os colegas mais próximos enquanto sentou-se no seu lugar.
Daí por diante, tomou-se tudo mais fácil. Duas colegas imediatamente se tornaram suas amigas, e no recreio lhe falaram muito sobre a escola e as atividades do bairro. Soube que uma delas morava pertinho dela, na mesma rua, e que um rapaz da sua classe tinha sido colega de seus primos em Pittsburgh. Quando seus colegas souberam que ela nunca tinha esquiado e muito poucas vezes vista neve, convidaram-na para entrar para o clube de esqui, que ia fazer uma excursão nas montanhas na próxima semana. Voltou para casa trocando confidências com sua nova amiga e prometeu esperá-la na manhã seguinte.
Bill, como era de se esperar, durante o jantar, falou pelos cotovelos; seu dia tinha sido um sucesso brilhante. O papai também tinha se dado bem com seus novos associados, e a mamãe, desempacotando livros tinha ficado muito contente quando as vizinhas vieram com um ensopado e uma sobremesa para o jantar.
– Bem, Susie, perguntou o pai, como foi o seu dia?
– Ótimo! exclamou entusiasmada.
A mãe e o pai ficaram surpresos e Bill sorriu.
– O pessoal quer me levar para esquiar na semana que vem – o treinador vai me ensinar. Mas eu preciso de esquis, papai.
Sue olhou para o pai, interrogativamente.
– Acho que isso se pode arranjar, sorriu o pai.
Então, você teve mesmo um bom dia. Hein?
– Oh, sim, disse Sue. Não sei por que eu estava tão preocupada antes. Os garotos são legais – vou adorar tudo aqui. Depois ficou pensativa. Sabe, mamãe, você tinha razão sobre eu me sentir segura. Só porque uma coisa é diferente não significa que seja ruim. Acho que o mais importante e ficar calma por dentro e agir com calma, aconteça o que acontecer, e se você pensar que tudo vai dar certo, vai mesmo.
– É isso mesmo, meu bem, disse a mãe. E agora acho que sou euque devo ter calma, porque parece que vamos ter que investir em uma roupa de esquiar para acompanhar os esquis!
– O problema, Dennis, não é que você não possa, mas que você não quer – estava dizendo o Sr. Norton – Não tem motivo para você não pode resolver esses problemas tão bem como qualquer um na aula de física, se você se propuser a parar e tentar resolvê-los. Segundo as leis da física, determinadas causas sempre produzem determinados efeitos, e, se você sabe quais são essas leis, não é difícil raciocinar como elas vão proceder sob condições específicas. Ouvi dizer que você e campeão de esqui e também surfista, não é?
– Hum, bem, sim, acho que sim – Dennis concordou surpreso.
– Bem, para esquiar e fazer surfe não há certas regras de movimentos que você deve conhecer bem? Você não tem que estar preparado para ondas que quebram de diferentes maneiras, sobre correntes submarinas, sobre o grau de inclinação do declive de uma montanha, da velocidade que você desenvolve, e a que ângulo e como tomar uma curva, e muitas outras considerações dessa espécie?
– Sim, claro- disse Dennis -mas eu nunca pensei sobre todas essas coisas como leis da física.
– O que mais poderia ser? – Perguntou sorrindo o Sr. Norton.
– Bem, divertimento…quero dizer…puxa – gaguejou Dennis – eu não paro para pensar em tudo isso todas às vezes. Acho que apenas sinto.
– Claro. Já se tornou automático em você. Se você tivesse que parar e resolver isso cada vez, você não iria muito longe com os esquis ou na prancha de surfe. Mas, quando você estava aprendendo, você tinha que estar muito mais atento sobre todas as possibilidades e muito mais consciente de que cada passo que você desse poderia trazer tal ou qual resultado. Você não passava horas com seu instrutor de esqui, sem esquiar, mas estudando com ele todas essas coisas, matematicamente, na ponta do lápis?
– Sim, e eu também não gostava muito disso – Dennis fez uma careta.
– Não, Dennis, não acho que você gostasse, do mesmo modo que você não gosta de sentar aqui na classe e resolver os problemas de física. Você é um jovem ativo, e quer estar sempre se movimentando. Mas, chegou a hora de você aprender a usar sua cabeça, da mesma maneira que você usa seus talentos para o atletismo. Essas sessões de teoria com o instrutor não foram valiosas?
– Acho que sim – concordou Dennis – acho que eu não teria progredido tanto sem elas.
– É isso mesmo. Há muitos esquiadores amadores que nunca tiveram essas aulas, mas sem elas você não teria chegado ao grau de campeão. Acredite ou não, a física, ou qualquer outra matéria que ensine a praticar suas possibilidades de raciocínio, valem a pena, muito mesmo. Não tenho dúvida de que você tem uma boa cabeça – continuou o Sr. Norton – mas a mente precisa ser exercitada, da mesma maneira que o corpo. Bem, quero que você pegue esta folha de problemas e tente resolvê-los neste fim de semana. Aplique o que você aprendeu em classe e, se você não aprendeu tudo que foi dado, que eu acho que é o caso, torne a ler o livro de texto. Vamos ver se segunda-feira você traz os problemas resolvidos da melhor maneira possível.
Na manhã seguinte, de má vontade, Dennis atacou os problemas. Sua maior dificuldade era concentrar-se, e teve que tentar recomeçar várias vezes durante o dia até conseguir trabalhar seriamente, bem no fim da tarde. Contudo, quando conseguiu fixar sua mente no trabalho, achou, como dissera o Sr. Norton, que as respostas se adaptavam, mais ou menos, nos lugares certos se ele tentasse resolvê-las com lógica. Certas causas sempre tinham certos efeitos e, quando encaradas com uma série de fatores, não era muito difícil, usando o raciocínio e o processo de dedução, determinar o efeito composto que poderia resultar.
No domingo, quando ele atacou a última parte da sua tarefa, Dennis descobriu que estava ansioso pelo desafio – que era divertido tentar resolver os problemas com raciocínio. Sorriu quando se lembrou das palavras do Sr. Norton sobre exercitar a mente. De certo modo, eslava sendo tão agradável quanto exercitar seus músculos nas rampas de esquis. Ele sabia que não podia ficar sentado quieto por muito tempo – como o Sr. Norton havia dito, ele era agitado – mas se ele dedicasse curtos períodos de tempo para “exercitar a mente”, e pudesse concentrar-se nisso, apenas nisso, nesse espaço de tempo, talvez ele conseguisse tornar também a sua mente em um instrumento de campeonato. Certamente, não era tão difícil resolver os problemas sozinhos.
No dia seguinte, Dennis sorria ao entregar o trabalho ao Sr. Norton.
– Não sei se eu deveria admitir isto, disse, mas eu me diverti fazendo esses problemas quando finalmente consegui entendê-los.
– Eu pensei que isso ia acontecer – sorriu o Sr. Norton – Desafios mentais, a seu modo, são tão satisfatórios quanto os desafios físicos, e quanto mais você desenvolver o seu poder de raciocínio, mais oportunidades você terá de vencer toda espécie de obstáculos que venha a enfrentar durante toda a sua vida.
– Acho que o senhor pensou que eu era um desses atletas musculosos que mal sabem escrever seu próprio nome – sorriu Dennis.
– Tolice – disse o Sr. Norton – se eu pensasse assim não teria me preocupado em falar com você como fiz ou ter-lhe dado àqueles problemas. Eu sempre soube que você tinha capacidade de raciocinar, se você conseguisse sentar e tentar. Na verdade, muita gente tem boa capacidade de raciocínio, mas este talento é como qualquer outro: tem que ser cultivado.
– Eu vou tentar, disse Gwen. Não deve ser difícil.
Gwen, nunca havia trabalhado como balconista ou feito troco antes, mas quando Jean ficou doente, alguém tinha que tomar conta da barraca das Bandeirantes no bazar, e Gwen se ofereceu como voluntária.
Gwen sempre estava disposta a experimentar qualquer coisa nova e sempre com sucesso. Podia-se contar com ela para intervir e ajudar em qualquer emergência, e se lhe pedissem para fazer alguma coisa que ela desconhecesse, ela se esforçava até aprender. Ela sabia cozinhar e fazia suas roupas, fazia parte do clube de teatro era secretária de sua classe, tirava boas notas, gostava de crianças e, frequentemente, bancava a babá.
– De fato- dizia sua irmã Jô, mal humorada – Gwen sabe fazer de tudo. Tem gente que tem muita sorte.
– Na verdade não é somente sorte- a mãe tentou dizer-lhe muitas vezes – Gwen decide que vai conseguir o que quer que se proponha, e trabalha até conseguir. Ela não tem medo de tentar.
Contudo, Jô nunca quis aceitar essa explicação e continuou a insistir que as habilidades de Gwen eram pura sorte.
– -Como é que vai indo? – Perguntou Jô, parando na barraca das Bandeirantes.
– Bem – disse Gwen – Tenho tido muitos fregueses, é bem divertido. Escute Jô, você pode tomar conta um pouquinho? Já passou muito da hora do almoço e eu estou morrendo de fome.
– Eu não sei o preço das coisas, não sei nada – protestou Jô – e eu vou ficar toda enrolada fazendo troco. Eu trago um sanduiche para você, se você quiser.
– Oh! Por favor, Jô. Eu queria sair um pouquinho daqui. Os preços estão todos marcados e fazer troco não é tão difícil, se você contar. Por favor?
Jô concordou, relutante, em assumir a barraca por uma hora, e a primeira freguesa apareceu assim que Gwen virou as costas. Atrapalhada, Jô procurou os preços nas mercadorias e embaralhou tudo fazendo o troco. A cliente parecia aborrecida e Jô se surpreendeu por ela ter comprado alguma coisa.
– Eu preciso melhorar – suspirou consigo mesma – Como e que eu fui me meter nisto?
Vários outros clientes se aproximaram. Desta vez, Jô respirou fundo e disse:
– Desculpem se eu for um pouco lenta. Eu comecei agora mesmo e estou ainda tateando. Bem, o que é que vocês querem ver?
Os clientes se mostraram pacientes, Jô percebeu a sua boa vontade e, sentindo-se mais tranquila, concluiu as vendas com mais segurança. À medida que outros clientes foram chegando, Jô descobriu que ela aprendera a maioria dos preços e percebeu que fazer troco era bem simples se ela prestasse atenção.
Quando Gwen voltou, encontrou Jô elogiando uma mercadoria para uma freguesa, e se comportando como se tivesse trabalhado numa barraca toda a vida.
– Já de volta? – Perguntou Jô – Por que você não descansa mais um pouco ou faz qualquer coisa? Estou me divertindo tanto.
– Então fique aqui me ajudando, riu Gwen. Parece que hoje tem muita gente aqui e vamos precisar de duas pessoas.
Muitos clientes vieram nessa tarde e Gwen achou muito bom ter a ajuda inesperada de sua irmã. A mercadoria foi vendida rapidamente e em um dado momento, Jô comentou:
– Gostaria que houvesse mais coisas em estoque. No próximo ano já sabemos que deveremos ter um maior sortimento.
Gwen sorriu, lembrando o quanto Jô relutou em se meter com o bazar, quanto mais de trabalhar como vendedora. Será que Jô se tornaria uma das grandes colaboradoras para o bazar do próximo ano?
Algumas horas depois, a mãe delas ficou surpresa por veias juntas na barraca, Jô trabalhando com tanta segurança e jeito como Gwen. Ficou observando de longe e depois, sem ser percebida pelas meninas, seguiu seu caminho.
Nessa tarde, Gwen colocou na fazenda o molde para seu vestido novo e começou a cortar. Jô observava criticamente.
– Não parece muito difícil – disse – Aposto que eu posso fazer isso.
– Claro que pode – disse Gwen – Tudo que você tem a fazer é ler a indicação e segui-las.
– Acho que vou comprar um tecido amanhã e experimentar – murmurou Jô – Sabe, é muito divertido tentar fazer coisas novas. Se alguém me tivesse dito hoje de manhã que eu estaria conduzindo uma barraca, e que acabaria gostando, acho que teria voltado imediatamente para a cama! Mas, eu consegui fazer tudo sem dificuldade depois daqueles primeiros erros e, acredite ou não, fiquei triste quando chegou a hora de ir embora.
A mãe aproximou-se com um prato de doces de chocolate.
– Bem, Jô, vejo que você também teve sorte hoje – sorriu ela.
– Hein? – Jô olhou-a, confusa – Oh! Isso! Bem – ela explicou para a mãe – Não foi realmente sorte, sabe. Eu resolvi que ia fazer o que me propus e batalhei até conseguir. Eu posso fazer qualquer coisa. Entendeu?
– Entendi – riu a mãe – e também percebi que tenho em minhas mãos duas garotas versáteis. Acho que vou ter que me esforçar muito para me igualar a vocês. Que tal isto como começo?
Ela apresentou o prato e as duas garotas avançaram nos doces de chocolate.
Marsha recuou, sufocou um gemido em sua garganta e sentou-se novamente na cama.
– Dói – disse com uma careta.
– Sim, dói, mas quanto mais você demorar em usar a sua perna, mais difícil será para andar de novo – disse o Dr. Miller, que se mostrou inflexível.
Marsha achou que ele era desumano. Ela tinha sofrido um acidente algumas semanas antes, mas agora estava melhorando rapidamente, menos a perna. Ainda estava inchada, e os ligamentos e músculos afetados protestavam cada vez que ela se mexia. O doutor quis que ela ficasse em pé sobre essa perna nos últimos dias, mas a dor era insuportável e ela continuava se recusando a tentar.
– Não posso Doutor – choramingou Marsha – Dói!
– Muito bem, você é quem sabe – disse o médico – mas você vai ter alta dentro de alguns dias. Nós precisamos desta cama para pacientes que estão realmente doentes. Você acha que sua mãe vai carregar você para lá e para cá quando você voltar para casa?
E com isso ele saiu do quarto .
Marsha começou a chorar baixinho. Aquele médico era tão mau. Era muito fácil ele falar – não doía neIe. E porque ele tinha que falar aquilo sobre a mamãe? Ela também estava no acidente e embora não tivesse ficado ferida, ela estava muito abalada e preocupada com Marsha, e estas semanas não tinham sido fáceis para ela. E é claro que ela não podia carregar Marsha pra lá e pra cá na casa!
Marsha parou de chorar e ficou deitada, quietinha algum tempo, olhando para o teto e pensando. Depois se sentou.
– Muito bem – disse em voz alta – eu vou mostrar para esse médico!
Cautelosamente, ela deslizou da cama, e gemeu quando se apoiou na perna doente. Doía mesmo, e, por um momento, tudo pareceu escurecer ao seu redor. Ela se agarrou na mesa de cabeceira e esperou passar a tontura. Deu um passo, depois outro, e ainda que a dor não diminuísse, havia um alívio quando levantava a perna ferida e se apoiava na outra.
– Bem – pensou – tudo que preciso fazer é pensar como vai ser bom apoiar no pé esquerdo, depois de levantar o pé direito. De qualquer maneira, já é alguma coisa.
Marsha manquitolou ao redor do quarto por várias vezes e finalmente caiu na cama, extenuada pela dor. Adormeceu quase que imediatamente e só acordou na hora do almoço. À tarde, tentou de novo e, embora a dor não tivesse diminuído ela achou um pouco mais fácil andar. Não falou a ninguém sobre a sua façanha. A mãe não desconfiou que Marsha já pudesse estar andando, e o Dr. Miller, que a examinava por um minuto, não falou mais no assunto.
No dia seguinte, depois do café da manhã, quando a enfermeira tinha saído, Marsha saiu da cama outra vez. A dor era ainda bem forte, mas Marsha raciocinou que era por não ter se apoiado naquela perna durante toda a noite e, então, ela se apoiou nela firmemente. Novamente teve a sensação de “escurecimento”, e novamente Marsha suou frio e aguentou e depois começou o seu passeio ao redor do quarto. Gradualmente a dor pareceu diminuir e ela não ficou tão exausta como no dia anterior. Quando à tarde tornou a experimentar, a dor foi menor e, na manhã seguinte, embora ainda desagradável, Marsha percebeu que andar já era bem mais suportável.
Ela se levantou muitas vezes durante o dia, mas só quando estava sozinha, e achava que ninguém sabia o que ela estava fazendo. Nessa tarde, durante a visita de sua mãe o Dr. Miller chegou.
– Sra. Fulton, vamos dar alta para Marsha amanhã; acho que a senhora vai querer alugar uma cadeira de rodas.
– Sim – suspirou a mãe de Marsha – e também vou ter que transformar o sofá em cama. Vai ser difícil até que Marsha possa andar.
Marsha calmamente levantou o cobertor e ficou de pé.
– Para que você quer uma cadeira de rodas, e por que eu não posso dormir lá em cima na minha cama? – perguntou ela, atravessando o quarto e olhando casualmente pela janela.
Dr. Miller tentou esconder um sorriso e a Sra. Fulton olhava espantada.
– Ela está andando – ela disse ao doutor, sem poder acreditar.
– Sim, está. Ela vem fazendo isso nestes últimos dias e eu sei o quanto doeu no começo.
Marsha voltou-se.
– Como é que soube? – perguntou.
– Minha querida – disse Dr. Miller bondosamente – nós temos que averiguar o que nossos pacientes estão fazendo. Teria sido prejudicial a você andar quando você não deveria fazê-lo. Mas, em determinado momento, você precisava começar, e nós estamos orgulhosos de sua força de vontade. Valeu a pena, não acha?
Marsha sorriu.
– Sim, valeu. Acho que se alguma coisa vale a pena mesmo, é importante começar e seguir em frente, por mais difícil que seja. Obrigada por ter-me incentivado a fazê-lo, doutor.
A mãe de Marsha, surpresa, perguntou:
– O senhor estava usando uma terapia que eu não conheço, Dr. Miller?
– Sim, estava, e suponho que por um tempo Marsha achou que eu era um bruto insensível e sem coração. Mas, como vocês veem, obtivemos ótimos resultados.
No dia seguinte, devagar, mas sem desanimar, Marsha subiu as escadas até o seu quarto. Ela sabia que mais uma semana, já estaria correndo para cima e para baixo como antes do acidente. Que horror, pensou, se ainda tivesse que dar aqueles primeiros passos dolorosos.
– Divirta-se e não se preocupe – gritou Amy quando sua mãe subiu no avião. Amy esperava poder dirigir a casa enquanto a mãe estivesse fora, por uma semana, visitando o irmão, e achava absurdo que sua mãe tivesse medo de deixá-la tomando conta de tudo na casa.
Eram as férias da primavera, assim Amy estava livre para se dedicar inteiramente ao lar e à família, e para ela isso era tão divertido como se viajasse. Já tinha panejado uma série de jantares elaborados para seu pai e seus dois irmãos, e tinha prometido aos garotos fazer panquecas todas as manhãs, se eles quisessem. Iria forrar os armários da cozinha com novo papel de prateleira, preparar uma quantidade de pratos que pudessem ser congelados, assim a mãe não teria que ir para a cozinha logo que chegasse em casa, e talvez até pintasse o seu quarto. Mas, seu grande projeto sobre o qual não tinha falado nada, era fazer cortinas novas para a sala de visitas. As velhas estavam desbotadas, e a mãe já tinha, algumas vezes, falado vagamente em substituí-las.
Na volta do aeroporto, Amy parou para comprar o tecido – uma linda cor bronze-dourada que ia combinar com o tapete e clarear a sala. Ela queria começar a fazê-las imediatamente, mas, como já era tarde, achou melhor começar a preparar o jantar e esperar para começar as cortinas da manhã seguinte.
De manhã, os garotos reclamaram sobre suas panquecas e Amy teve que preparar duas receitas, senão ela ia ficar sem nada. Quando ela estava lavando a louça, seu irmão mais velho avisou que estava lavando um botão na sua camisa e que sua calça precisava ser passada. Recusou-se a seguir a sugestão de Amy para que usasse outra coisa, por isso ela teve que cuidar das suas roupas. Mais tarde, quando estava arrumando as camas, seu irmãozinho se queixou que não conseguia achar luva de beisebol porque a mamãe tinha arrumado o quarto. Amy achou-a dentro do armário, no lugar certo.
Depois, como era sábado, achou melhor limpar a casa antes de começar as cortinas, e mal tinha guardado o aspirador, os rapazes chegaram pedindo o almoço. Aí, ela se lembrou de que ainda não tinha ido fazer as compras, nem mesmo tinha feito à lista. Depois do almoço, preparou os cardápios para a semana, foi fazer compras e voltou para casa carregada de mantimentos e muito cansada. Ela se recostou por meia hora com uma revista e depois, tendo já passado o vestido que ia usar nessa noite e regado às plantas de dentro de casa, achou que era muito tarde para começar o seu grande projeto.
O domingo estava todo preenchido com a ida à igreja, jantar de domingo para o qual os avós tinham sido convidados, um convite à tarde para uma partida de tênis e assim, sendo, na segunda feira, Amy estava ocupada lavando, passando roupa e cozinhando de novo. Tinha prometido tomar conta das crianças do vizinho na terça-feira, e embora conseguisse cumprir a rotina caseira, com duas crianças pequenas no meio do caminho, ainda não tinha conseguido começar as cortinas. Na quarta-feira de manhã, Amy achou melhor arrumar a desordem que se acumulou no quarto de seu irmão menor, uma vez que ele havia ignorado seu pedido para que ele mesmo arrumasse. Conseguiu também, limpar e forrar de novo os armários da cozinha. Na quinta-feira, uma nova pilha de roupa suja já tinha se acumulado e Amy estava no meio dessa operação, quando o super entusiasmado cachorro apareceu coberto de lama na qual ele tinha rolado. Amy achou que não tinha alternativa senão dar-lhe um banho, depois do qual ela estava ensopada. Seu irmão perguntou se dois de seus amigões, com quem estivera brincando, podiam ficar para almoçar, e Amy se viu de repente preparando milk-shakes e outros petiscos favoritos para aqueles garotos de onze anos. Depois seu pai telefonou para dizer que ele tinha elogiado tanto a comida que ela fazia, que o seu chefe praticamente tinha se convidado, mais a esposa, para jantar, ela se importava? Na realidade Amy não se importava – ela tinha confiança nos seus dotes culinários – mas claro que isso implicava em arrumar a casa e fazer o jantar, verificar se o irmãozinho estava bem limpo e se tinha “lavado atrás das orelhas”.
Na sexta-feira de manhã, Amy anunciou, desesperadamente, à sua família espantada, que ela ia passar o dia todo costurando cortinas, que os garotos teriam que arrumar suas camas e se arrumar na hora do almoço, e que nesse dia, tudo que ela ia fazer para eles era preparar o jantar. O pai deixou a mesa do café da manhã sorrindo e os garotos resmungando, mas quando eles voltaram para casa nessa tarde, as cortinas novas estavam penduradas, e até os garotos elogiaram muito.
Sábado foi dedicado à limpeza da casa para a mamãe ficar contente. Amy ficou acordada até tarde no sábado e dormiu até mais tarde no domingo e teve que correr com seu trabalho da casa. Depois da igreja, eles foram buscar a mamãe no aeroporto e no caminho a mãe perguntou:
– Bem, Amy, que tal tomar conta de uma casa?
– Eu gosto – eu realmente gosto tanto quanto imaginei que ia gostar. Mas, como é que você acha tempo para fazer todas as coisas que você faz?
A mãe riu da cara perplexa de Amy.
– Isso vem com a prática, meu bem. Você foi muito bem esta semana, e você será uma ótima dona de casa, algum dia.
A classe estava uma loucura quando Jeff entrou e olhou em volta, com surpresa. Por causa de sua função de monitor, ele chegava alguns minutos atrasado as manhãs e a classe, geralmente, já estava trabalhando. Hoje, contudo, havia grupos espalhados falando e rindo, alguns rapazes estavam com os pés em cima das carteiras, fingindo que estavam dormindo, uma bola de papel jogada da outra ponta da sala atingiu uma garota que gritou, e o barulho era ensurdecedor.
Obviamente a Sra. Trask ainda não havia chegado e não tinha substituta. A rapaziada também estava aproveitando o máximo. Alguns, tampando os ouvidos, tentavam ler, mas a maioria parecia estar adorando o feriado.
– Hei Jeff, junte-se a nós – gritou um deles, e ele se dirigiu para um grupo que fazia planos para o fim de semana.
– Não é o máximo? – dizia um garoto corpulento que estava com problemas para continuar no time de futebol por causa de suas notas – Eu não fiz a lição de história e se ela não vier hoje, eu estarei salvo!
– Eu te pego amanhã – falou Jeff franzindo a testa.
Pensei que você fosse fazer um esforço; você sabe que faz falta no time.
– Está certo, Capitão, está certo – o rapaz se inclinou ironicamente fazendo uma careta – mas eu ainda estou contente que ela não esteja aqui.
Outro rapaz passou correndo, perseguido por uma garota que gritava:
– Marty, me dá minha bolsa!
Jeff esticou o braço e com mão forte agarrou o ombro de Marty.
– Devolve a bolsa. Você não está mais no primeiro ano, está? – disse severamente.
– Traidor! – resmungou Marty, mas devolveu a bolsa.
Jeff, com as mãos nos bolsos, ficou observando mais um pouco, franzindo a testa. O barulho estava aumentando, os dois agitadores da classe estavam planejando algo ruim, e as coisas ameaçavam chegar a ficar incontroláveis.
Jeff pensou um pouco e endireitou os ombros.
Depois, andou a passos largos para frente da sala, bateu na mesa com uma régua.
– Muito bem, turma, relaxem – berrou.
Alguns olharam, mas levou alguns minutos para obter silencio.
– Não admito que nos chamem de irresponsáveis, se nos comportamos desta maneira quando nos deixam sozinhos – disse Jeff, firmemente.
– Vejam quem está querendo bancar o professor – gritou um dos bagunceiros zombeteiramente – Está procurando emprego, Fessô?
– Basta!
Jeff se voltou para seu contestador com tal autoridade na voz e no rosto, que a zombaria cessou.
– Bem – ele prosseguiu – não há ninguém aqui que não tenha o que fazer. Lembrem-se do exame de geometria amanhã.
Gemidos de todos os lados fizeram-no sorrir.
– Está vendo? que tal agir como adultos, sentar e tentar fazer alguma coisa. Eu, por exemplo, posso aproveitar o tempo.
Ouviram-se poucas objeções em voz baixa, mas a maioria voltou para seus lugares.
– O Jeff tem razão – disse um deles- acho que nós parecíamos um bando de gralhas.
– Pior que isso! – riu Jeff.
Levou algum tempo mais e com palavras encorajadoras e também ameaçadoras de Jeff, pouco a pouco, todos estavam sentados – se não exatamente estudando, mas pelo menos quietos. Jeff também foi para seu lugar e abriu um livro, mas mantinha seu olhar atento nos dois bagunceiros que continuavam a cochichar e olhar significativamente para Jeff.
Em breve, todos na classe estavam entregues ao trabalho e tudo estava quieto. De repente, a porta se abriu e o diretor entrou e estacou espantado. Olhou a classe e abriu um sorriso.
– Ora – ele disse – isto é uma surpresa. Por um instante pensei que a Sra. Trask tivesse vindo. Ela teve um problema com o carro e estará aqui em meia hora. Eu ia ficar aqui com vocês, mas vejo que não é preciso. Até Marty e Jock estão em seus lugares!
Marty e Jock sorriram angelicalmente.
– Quem conseguiu este milagre? – perguntou o diretor.
Jeff não disse nada, mas uma das meninas respondeu:
– Jeff pôs a gente na linha, Sr. Hoover. No começou nós não estávamos assim quietos.
Todos riram e o Sr. Hoover também.
– Não, imagino que não estavam – mas tudo está bem agora. Bom trabalho, Jeff. É preciso ser um bom Líder para conseguir uma organização assim, e você fez um bom trabalho.
O St. Hoover saiu, os alunos continuaram aplicados em seus trabalhos e, quando a Sra. Trask chegou esbaforida, meia hora depois, todos estavam felizes com o trabalho que tinham conseguido acabar.
– Graças a Jeff eu não vou ter lição de casa para fazer hoje à noite – disse alguém e todos aplaudiram.
– O Sr. Hoover me disse o que Jeff fez – disse a Sra. Trask – e eu queria cumprimentá-lo. Não é fácil manter na linha uma classe de ginásio – eu sei disso muito bem – e estou contente que ele tenha sido capaz de fazer vocês se conscientizarem de como é importante aproveitar o tempo e, principalmente, lembrá-los porque vocês estão aqui. Frequentemente ouvimos dizer que o mundo precisa de bons líderes, e a melhor época para começar é quando vocês são jovens.
– Há mais alguma coisa, Sra. Trask – disse Jeff. Um líder não conseguirá muito se as pessoas que ele tentar dirigir não cooperarem. A turma cooperou muito.
– Sim, é verdade – disse a Sra. Trask sorrindo – e acho que hoje aqui nós todos aprendemos uma boa lição.
– Sinto muito fazer isto com você, Ted. Você sempre foi um bom funcionário e eu gostaria de mantê-lo, mas eu não tenho mais condições para isso.
O velho. Sr. Gallagher estava abatido quando entregou a Ted seu pagamento.
– Eu entendo Sr. G – disse Ted. Eu também sinto muito, mas eu sei que o senhor não está fazendo negócios agora. Bem – ahn – a gente se vê.
Ted foi para casa devagar. Foi um choque, mas ele conseguiria outro trabalho. O Sr. Gallagher é que realmente tinha problemas. Por muitos anos, o “Sr. G.” tinha sido o único empório da sua cidadezinha. Depois abriu aquele enorme supermercado a 1 km de distância e parece que todos os fregueses do Sr. G. começaram a comprar lá. Ted, que trabalhava já há dois anos com o Sr. G., depois das aulas, tinha acompanhado a sua transformação nestes últimos meses. De um indivíduo alegre, ele tornou-se um velho triste, tenso, nervoso, que parecia liquidado.
– Derrotado! – pensou Ted – É assimque ele parece estar. Antes ele nunca pareceu um velho, mas agora sim. Quem vai empilhar as caixas para ele e entregar os pedidos? Ele está muito velho para fazer esse tipo de coisa.
Ted não falou a ninguém sobre o que tinha acontecido, mas esteve muito quieto o resto do dia.
No dia seguinte, na escola, sua cabeça parecia estar longe das lições. Depois das aulas, ele foi para o Sr. G. como de costume e estava varrendo o depósito quando o Sr. G. o descobriu.
– Ted! – disse surpreendido – Ué, pensei que tinha dito a você que não podia continuar a lhe pagar.
– Sim, o senhor disse Sr. G., mas não tem importância. Eu ainda não estou quebrado – na realidade Ted não sabia de onde ia tirar o dinheiro para o cinema de sábado – e gostaria de ficar mais algum tempo para ajudar. Além do mais – Ted sorriu – o senhor não quer me ver andando pelas ruas arranjando encrenca, não é? Olá, tem uma freguesa. Não deixe ela ir embora!
O Sr. G. ficou estranhamente engasgado quando quis falar com Ted, por isso, pouco mais foi dito, e Ted acabou seu trabalho e foi para casa. Entretanto, nessa noite seu pai recebeu um telefonema sobre o qual não disse nada, mas possua mão carinhosa no ombro de Ted, longamente, quando voltou à mesa do jantar. Quando Ted foi para a cama, seus pais ficaram conversando até muito tarde.
Na noite seguinte, os pais de Ted foram a uma reunião especial no clube cívico da cidade, e quando eles voltaram, ele estava muito ocupado com suas lições de casa para perguntar o que tinha acontecido. Depois, veio o fim de semana e Ted só voltou para o “Sr. G.” na segunda-feira. Ele entrou e encontrou quatro freguesas na loja, uma senhora estava saindo com um pacote grande nos braços. Ted ficou olhando para ela por alguns segundos até que se lembrou e disse:
– Eu levo o pacote para a senhora, Sra. Ames.
Quando chegaram ao carro, ela disse:
– Você e um bom menino, Ted. Nós estamos muito orgulhosos de você.
Ted não entendeu muito bem aquela história, assim, depois de fechar a porta do carro, encolheu os ombros e voltou para a loja. Outra freguesa entrou e o Sr. G. parecia quase tão ocupado como nos velhos tempos. Não teve tempo de conversar com Ted, que também estava tão ocupado que quase chegou atrasado para o jantar.
Desta vez, ele não ficou calado.
– Vocês deviam ver quantas freguesas o Sr. G. teve hoje – quase gritou – Aposto que ele fez mais dinheiro do que em toda a semana passada. Acho que o supermercado devia estar fechado.
Os pais se entreolharam e o pai disse:
– Não, o supermercado não estava fechado. Eles estão fazendo bastante negócio com as pessoas que moram ao redor. Mas, foi preciso que um excelente ginasiano nos fizesse ver que algumas coisas – ou algumas pessoas – em nossa cidade, são mais importantes do que um moderno supermercado.
De repente, Ted percebeu o que seu pai estava querendo dizer, ficou vermelho e começou a comer depressa.
Seu pai sorriu.
– Não fique sem jeito, Ted. Sua lealdade para com o Sr. G. nos ensinou uma lição. O Sr. G. serviu muito bem esta cidade todos esses anos e seu serviço e seus produtos são tão bons agora como sempre o foram. Não há nada de errado em comprar no supermercado e as pessoas novas da cidade com certeza só vai comprar lá, mas os velhos fregueses do Sr. G., garanto que vão querer que ele continue no comércio!
O rosto de Ted se iluminou.
– Que ótimo! Então, foi esse o assunto da reunião especial que vocês tiveram.
– Sim, disse o pai. Depois, que o Sr. G. me contou o que você fez, eu achei que toda a cidade poderia aproveitar essa ação de lealdade.
– Bem aventurados os puros de coração porque eles verão a Deus.
A Sra. Nelson leu essa passagem para sua classe da Escola Dominical e fechou a Bíblia.
– Vocês todos ouviram esta citação muitas vezes – disse ela – mas gostaria de saber se vocês podem me dizer o que significa. O que sendo puros de coração significa para vocês?
Depois de uma pausa, Ron falou:
– Suponho que significa só ter pensamentos bons; que não são contra ninguém ou contra qualquer coisa.
– E significa não se deixar contaminar por coisas ao seu redor que são nocivas ou ruins – acrescentou Mimi – Como, por exemplo, se alguém diz alguma coisa mesquinha sobre outra pessoa, você deve fechar sua mente a isso e imediatamente pensar em alguma coisa boa sobre essa pessoa.
– Na realidade, significa estar limpo por dentro, não é? – perguntou Terry – Quero dizer, como disse a Mimi, não se deixar contaminar por coisas ruins ao seu redor. Tantas pessoas pensam que é “moderno” fazer coisas como ler livros inconvenientes ou assistir filmes impróprios, quando tudo que eles fazem é satisfazer os desejos inferiores, mesmo que você pense que nunca faria uma coisa dessas. Se você conservar esses pensamentos e imagens na sua mente, nem que seja só um pouquinho, você já não é tão puro como deveria ser.
– Não significa também trabalhar conscientementepara ser puro? – contribuiu Dave – Ron disse que devemos ter pensamentos bons, mas que nãoconseguiremos se não nos esforçarmos. Quero dizer, muitas vezes acho que nossa mente está vazia e pega qualquer coisa que apareça, ou não liga muito para nada, e as formas de pensamento não são nem boas nem más; são apenas nada. Isso também não é ser purode coração. Acho que quando você é realmente puro de coração, você deve se obrigar a manter seu pensamento todo o tempo em coisas boas e puras. Depois de você manter isso conscientemente, por um longo tempo, talvez isso venha inconscientemente e você não terá que se esforçar tanto, mas, no começo, acho que você tem que trabalhar nisso.
– Você acha que nós realmente somos puros de coração, se ainda precisamos nos esforçar para isso? – perguntou a Sra. Nelson.
Dave ficou um tanto perplexo, considerando a pergunta.
– Não, não, acho que não – disse refletindo – Acho que sei o que a senhora quer dizer. Somente quando os bons pensamentos e os bons sentimentos vêm de forma natural, espontaneamente, é que somos na verdade, puros por dentro. Acho que enquanto trabalhamos neles conscientemente, estamos indo na direção certa, mas a purezareal é espontânea. Não é isso?
– Bem, o que é que vocês outros pensam? – sorriu a Sra. Nelson.
– Eu acho que se você é realmente puro e limpo por dentro, você não tem necessidade de parar para pensar se o que você está dizendo ou pensando ou fazendo ou sentindo é meritório, bom ou não. De certo modo, você sabe isso automaticamente, e nunca tem que se preocupar se você deve ou não se deixar absorver por um determinado ato ou pensamento. Você sentea resposta sem necessitar perguntar – contribuiu Jean.
– Penso – murmurou Dennis – que a pessoa realmente pura de coração deve ser compassiva e compreensiva para com os outros. Não pode ser egoísta, ciumenta, ou zangada, ou qualquer coisa assim, porque esses sentimentos são corruptos. Acho que a única emoção pura é a espiritual ou…qual é a palavra? …altruísta. E, se essa pessoa só tem sentimentos como estes, só pode ser boa e humana.
– Em outras palavras – sugeriu a Sra. Nelson – você quer dizer que a pureza é uma condição de ser altruisticamente ativa, em lugar de ser apenas passiva.
– Sim – alegrou-se Dennis – acho que é isso que estou tentando dizer. Se você é realmente puro de coração, você não consegue ficar de lado e ver as outras pessoas sofrerem; e acho que você também seria muito infeliz vendo outras pessoas serem impurase ver o que estão fazendo a si mesmas. Você provavelmente estaria muito ocupado tentando ajudar as pessoas e fazê-las ajudar-se a si mesmas.
– Acho que uma pessoa realmente pura de coração está sempre rodeada por uma linda aura – arriscou Anne – Seu Traje Nupcial Dourado deve estar bem desenvolvido e, embora a maioria das pessoas não possa ver a luz, tenho certeza de que quem tiver sensibilidade poderá sentir as maravilhosas vibrações vindas dessa pessoa. Acho que apenas a presença de tal pessoa poderá de algum modo, influenciar outras pessoas a ter melhores pensamentos e praticar melhores ações, ainda que por pouco tempo.
– Sim, Anne, acho que você está certa – interrompeu a Sra. Nelson – Tal pessoa com certeza não poderá ser ignorada, onde quer que esteja. Bem, sinto muito ter que interromper esta conversa tão proveitosa, mas o tempo está se esgotando. Vocês mencionaram várias facetas sobre o conceito de pureza, e tenho certeza que outras irão lhes ocorrer, à medida que forem pensando sobre isso, o que espero que façam. A pureza se aplica a todas as fases da vida, e só quando tivermos aprendido a viver continuamente dentro de seu contexto, teremos tornado realmente “puros de coração”.
Bárbara conduziu a paciente a uma cadeira no solário, delicadamente afofou o travesseiro atrás de sua cabeça e sorriu.
– Bem, Sra. Simons, se precisar de mais alguma coisa e só tocar a campainha.
– Deus a abençoe, querida – disse a Sra. Simons, apertando a mão de Bárbara – Vocês, as Voluntarias novas, são meninas tão encantadoras. Não sei a que este hospital faria sem vocês.
Bárbara deu uma rápida olhada em torno do quarto, recolheu algumas revistas do chão, virou a cadeira de rodas de outro paciente para que o sol não desse diretamente nos seus olhos e dirigiu-se para o vestíbulo com um vaso de flores murchas. Estava trocando as flores do vaso quando chegou à enfermeira chefe.
– Você pode ler um pouco para o Sr. Wilkins? – perguntou – Ele está muito inquieto hoje.
– Claro – disse Bárbara e foi para o quarto onde estava deitado o velho Sr. Wilkins, que ia ficar com os olhos vendados por mais uma semana.
– Que tal mais um pouco de Oliver Twist? – perguntou –
Não aguento esperar para saber a que vai acontecer.
– É a minha garota preferida? – sorriu a Sr. Wilkins pela primeira vez nesse dia – Quando me tirarem estas vendas, a primeira pessoa que quero ver é você, principalmente se você for tão bonita como a sua voz.
Bárbara deu uma risadinha e ficou contente porque o Sr. Wilkins não podia vê-la chorar. Sentou-se e começou a ler, levantando os olhos de vez em quando e sorriu ao ver a expressão de contentamento no rosto do idoso. Depois de vinte minutos ele adormeceu, ela largou o livro e saiu na ponta dos pés.
Uma estudante de enfermagem, com aspecto cansado, passou apressada pelo corredor, empurrando um carrinho cheio de instrumentos.
– Oh, Bárbara, você está livre? Quer guardar isso para mim? Eu vou perder a aula se eu não for já, e não posso deixar este negócio.
– Está bem – riu Bárbara – e relaxe!
A estudante de enfermagem entregou-lhe o carrinho agradecida e foi embora correndo. Bárbara continuou pelo corredor, parando para ajeitar a cama de um paciente, encher a jarra de água de outro, e encaminhar alguns visitantes para o quarto certo, antes de chegar ao depósito. Tinha acabado de guardar os instrumentos quando chegou um médico e disse:
– Oh! Você está aí, Srta. Peters?
Bárbara que ainda não estava acostumada a ser chamada “senhorita” tentou não mostrar sua surpresa e disse:
– Posso fazer algo para o senhor, doutor?
– Sim – respondeu ele – Eu tenho uma nova paciente no quarto 115, a Sra. Gabriel. Ela vai ser operada amanhã e está muita nervosa e preocupada com seus filhos, e, além disso, ela não fala muito bem o inglês. Se você puder fazer um pouco de companhia a ela e tentar acalmá-la, seria um grande favor.
Quando Bárbara entrou no quarto 115, viu a Sra. Gabriel com as mãos fortemente apertadas e quase chorando, sentada na beira da cama.
– Oh, Sra. Gabriel, a senhora não parece muito à vontade – ela disse – Vamos melhorar isso. Deixe que eu arrume a cama e a senhora poderá se acomodar.
Antes que a Sra. Gabriel pudesse dizer qualquer coisa, ela viu-se acomodada na cama, a fotografia da sua família na mesinha de cabeceira, virada de maneira que ela pudesse vê-la, e um copo de água na sua mão.
– Que crianças lindas! – exclamou Bárbara, admirando a fotografia – Que idade elas têm?
Logo depois a Sra. Gabriel, em um inglês atrapalhado, estava falando entusiasticamente sobre os seus filhos, e quando um residente chegou quinze minutos mais tarde, encontrou a paciente e Bárbara rindo com gosto por causa de uma peça que o caçula tinha pregado no irmão.
Depois disso, Bárbara ajudou a distribuir as bandejas do jantar, pôs em ordem a sala dos visitantes e guardou as bandejas quando os pacientes acabaram de comer.
Ficou espantada quando ouviu a enfermeira chefe dizer:
– Bárbara, não está na hora de você ir para casa?
Olhou para o relógio e viu que já era mais de 6 horas.
– Meu Deus, é mesmo – disse – minha mãe já deve estar me esperando.
Pegou o casaco, disse boa noite para a enfermeira e saiu, onde a mãe já a estava esperando no carro. “Meu Deus” – repetiu, afundando no banco e sorrindo para a mãe.
– Dia muito ocupado, querida? – perguntou a mãe, dirigindo-se para casa.
– Nem me diga! Não parei um minuto. Desculpe o atraso, mas eu não olhei o relógio. Não sei como o tempo passou.
– Isso significa que você trabalhou muito – riu a mãe – O que é que você fez hoje?
Bárbara começou a contar o que tinha feito, quanto mais pensava no que tinha feito e mais entusiasmada ela ficava, mais detalhes contava. Estavam quase chegando em casa, quando ela parou e ficou pensando um momento.
– Mamãe – disse – você se lembra daquela vez na igreja em que o ministro falou que servir era gratificante? Eu não entendi o que ele quis dizer, mas, agora acho que eu sei. Realmente, adorei esta tarde, e acho que foi porque eu estava ajudando as pessoas. Era trabalho gostoso e agradável; não trabalho de verdade.
A mãe riu.
– Oh, Bárbara, o que você fez é trabalho de verdade, e trabalho de verdade e servir de verdade, podemser tarefas agradáveis. Se você se lembrar sempre do que aprendeu hoje, querida, você terá uma vida muito gratificante e útil.
Mike acendeu o bico de gás de Bunsen, estudou a experiência um momento e se afastou um pouco com um suspiro de satisfação. Estava trabalhando com perfeição e, se ele conseguisse ir assim até o fim, poderia escrever um trabalho de química que iria agradar até ao Sr. Turner.
Seu entusiasmo diminuiu ao pensar em escrever. Ele era bom em química e os rapazes o consideravam um “bambam” em matemática. Mas, para escrever Mike não era lá grande coisa. Ele sabia o que estava fazendo, mas parece que nunca conseguia achar as palavras certas para pôr no papel e explicar os “por que”, os “por que não”, os “portantos” e os “comos” de suas experiências. O Sr. Turner era tão insistente em ter cada passo do processo explicado, cuidadosamente, em um relatório escrito que, por melhor que fosse a experiência, ele teria uma nota baixa se o relatório não estivesse à altura.
Um barulho estranho no outro lado do laboratório interrompeu os pensamentos de Mike.
– Oh, não, de novo! – gemeu Jan, que estudava química só porque precisava dela para poder entrar na faculdade, e só fazia desastres.
Mike abaixou a chama do bico de gás de Bunsen e foi para perto de Jan sorrindo.
– O que aconteceu desta vez?
– Eu estava tentando colocar o líquido neste tubo de ensaio e escapou tudo da minha mão.
Jan contemplava desoladamente a bagunça no chão.
– Eu nunca vou acabar esta experiência e eu nunca vou entrar no curso se eu não conseguir. O melhor é esquecer a faculdade agora mesmo.
– Ei, ânimo. Não pode ser assim tão ruim – Mike começou a limpar o chão com um pano – Venha, vamos limpar isto.
Enquanto trabalhavam, Mike começou a pensar em uma coisa, e quando acabou ele pediu a Jan que desse uma olhada na sua experiência. Ela olhou meio desanimada, sem nem mesmo ver e disse:
– Parece ótimo. As suas coisas sempre estão ótimas. Você podia tirar um dez neste curso de olhos fechados.
– Ora, não é isso que eu quero dizer – disse Mike impaciente – O que você acha disto? O Sr. Turner disse que nós poderíamos fazer nossas experiências em parceria, não é? Então, suponha que eu faça e depois explique para você e você faça o relatório por escrito. Que tal?
O rosto de Jan começou a se alegrar ao considerar a ideia. Se havia uma coisa que ela sabia fazer era escrever. Ela vinha escrevendo histórias há anos, escrevia para o jornal da escola e quase sempre o professor de inglês lia o seu trabalho para a classe.
– Que legal! – exclamou ela, depois olhou desconfiada para Mike – Você tem certeza que quer me explicar tudo isso? Provavelmente eu não vou entender nem o começo.
– Não se preocupe – disse Mike – Se você não entender, eu explico outra vez; e mais outra. Você vai entender e eu vou ficar muito contente por não precisar escrever o relatório.
Assim, eles concordaram. Jan sentou-se e ficou observando com atenção, enquanto Mike explicava cuidadosamente, ponto por ponto, à medida que prosseguia. Como ela temia, não entendeu nada, mas Mike, que de qualquer modo queria melhorar a experiência, concordou em voltar no dia seguinte depois da aula e repassar tudo de novo desde o começo.
No dia seguinte, Jan, que tinha parado de se preocupar com suas próprias derrotas e, portanto, em condições de poder se concentrar melhor, teve muito menos dificuldade em entender as explicações de Mike e até descobriu que as respostas a algumas questões simples que ela sempre teve vergonha de perguntar em classe, pareciam se encaixar em seus lugares com o resultado do que Mike estava fazendo.
No terceiro dia, tentaram de novo e, desta vez, Jan conseguiu dizer a Mike, ponto por ponto, como fazer e sentiu que estava preparada para fazer o relatório da experiência.
Ela fez isto durante o fim de semana e quando Mike o leu na segunda-feira, olhou para ela admirado e disse:
– É um belo trabalho. Eu nunca poderia tê-lo feito.
– Ora, claro que podia. Você explicou tudo pra mim, não foi? E você sabe que eu não consigo entender uma explicação de química a não ser que seja muito simples e clara. Eu entendi a sua experiência e estou entendendo mais sobre química só por causa de sua explanação.
– Está certo – riu Mike – você me convenceu. Outro trabalho que eu fizer, vou tentar escrevei-o e você vai ver se consegue entender.
– Ótimo – disse Jan – E também aposto como vou.
Alguns dias mais tarde, o Sr. Turner estava discutindo os trabalhos na classe.
– Jan e Mike – disse – o de vocês é uma das melhores colaborações que já vi. Essa experiência é muito sofisticada – algo que sabia poder esperar de Mike – mas ele nunca me apresentou um relatório tão conciso e completo. E você, Jan, eu sei que você não poderia escrever o relatório tão bem se você não tivesse realmente entendido a experiência. E, se você conseguiu entender, você aprendeu muito.
– Eu entendi de verdade, Sr. Turner, sorriu Jan, e a química já está até começando a ter sentido para mim. Contudo, há outra coisa que entendo agora e é o valor de trabalhar juntos. Acho que todos têm que aprender a fazer tudo por nós mesmos, mas, às vezes, podemos aprender muito quando alguém, que sabe fazer uma coisa, e alguém que quer fazer outra coisa se unem, e se ajudam, mutuamente.
Sandy estava abatida quando desligou o telefone.
– Linda está doente – anunciou.
– Oh, isso é mau – disse a mãe. Espero que não seja nada sério.
– Não é, mas ela não pode fazer aquela palestra no Clube Cívico esta noite, e a Sra. Greer quer que eu faça.
Sandy e Linda tinham passado o verão trabalhando em um acampamento para crianças desprotegidas. Elas tinham sido convidadas pelo Clube Cívico para falar sobre suas experiências, e Linda, sempre espontânea e comunicativa, ficou encantada em fazer uma palestra. Sandy, que ficava gelada só de pensar em se apresentar a um grupo de pessoas, disse que iria com ela só para dar apoio moral e mostrar alguns slides das atividades no acampamento. Agora, a presidente do Clube Cívico queria que Sandy fizesse a palestra.
– Eu não posso fazer uma palestra, mãe – lamentou-se Sandy – toda aquelas pessoas olhando para mim – eu morreria.
A mãe sabia o quanta Sandy era acanhada, mas estava contente porque ela finalmente ia ser obrigada a sair de sua concha e enfrentar um auditório.
– Você não vai morrer meu bem, e você pode falar sobre as experiências do acampamento do mesmo jeito que Linda ia fazer.
– Eu não sei falar como Linda, mãe – protestou Sandy – Ela sabe tudo na ponta da língua, e diz tudo como uma história, e qualquer coisa que perguntarem ela arranja um jeito de responder.
– Por que você teria que falar como Linda? – Perguntou a mãe – Fale do jeito que Sandy fala. Você gostou do seu trabalho no acampamento, não é?
– Claro que sim! – exclamou Sandy – Foi maravilhoso ver aquelas crianças carentes começarem a se mostrar felizes e saudáveis. Imagine que algumas daquelas crianças nunca tinham visto um coelho antes.
Sandy falou com entusiasmo por mais algum tempo, enquanto o sorriso da mãe aumentava.
– Está vendo – interrompeu, por fim – você está falando sobre o acampamento sem nenhum problema, fazendo tudo parecer maravilhoso. Do que você tem medo?
– Oh, mamãe! – Sandy ficou desanimada outra vez. Eu estou falando para você. Você compreende. Esta noite terei que falar para todos aqueles desconhecidos.
– Você não acha que eles vão entender? Eles são pessoas, não monstros. E não pense neles. Pense em todas as coisas maravilhosas que aconteceram no acampamento e a palestra sairá naturalmente.
Depois que a mãe saiu, Sandy ficou arrasada por um tempo, depois foi para seu quarto e começou a fazer anotações. Pelo menos, raciocinou se tivesse algumas anotações poderia consultá-las e não teria um branco total em sua mente; conseguiria dizer alguma coisa, embora parecesse sem graça. Passou quase toda a tarde ensaiando o queria dizer e ficava cada vez mais e mais nervosa, e na hora do jantar mal conseguiu comer.
Seu pai brincou com ela esperando fazei-a sorrir, mas parou quando percebeu que ela estava quase chorando. Foram de carro até o Centro Cívico, em silêncio, e quando desceu, o pai abraçou-a e a mãe segurou sua mão, desejando-lhe boa sorte.
– Obrigada – murmurou Sandy, muito pálida, com as mãos tremendo tanto, que mal podia segurar suas anotações.
Tomou seu lugar no palco, ficou sentada, totalmente alheia enquanto se processavam os preliminares do programa. Por fim, a presidente disse:
– Agora, senhoras e senhores, a Srta. Sandra Davis vai nos falar sobre seu trabalho no acampamento Cascade.
Entre aplausos, Sandy caminhou até ao centro do palco. Com voz fraca e trêmula ela começou a falar. Ouviu-se um arrastar de pés no auditório e ela viu seu pai; sentado nas primeiras filas, formar com os lábios as palavras “mais alto” e sorriu encorajadoramente.
– Oh, meu Deus – pensou Sandy – eles já estão impacientes e não conseguem me ouvir.
Então, de repente, ela endireitou os ombros e ergueu o queixo.
– Muito bem. Eu vou fazê-los me ouvir.
Largou os papéis, e disse:
– A minha amiga Linda Johnson deveria estar fazendo esta palestra. Eu não sou capaz de fazer como ela teria feito, mas eu gostaria de lhes falar sobre o acampamento à minha maneira, se vocês tiverem paciência de me ouvir.
Houve um começo de aplauso encorajador e Sandy sorriu e ficou um pouco mais à vontade.
– Vocês sabiam que há crianças na nossa cidade que estão no 3º ano primário e nunca viram um coelho? No meu primeiro dia no acampamento… e ela continuou com tanto entusiasmo como havia feito com sua mãe de manhã.
Falou, sem consultar os apontamentos, por quase meia hora, ficando tão absorvida pelo assunto que quase não percebia as pessoas que por sua vez, ouviam encantadas. Por fim, Sandy disse:
– Eu tinha planejado mostrar alguns slides depois da palestra de Linda. Vocês ainda querem vê-los?
Mais aplausos. Sandy projetou os slides e depois respondeu às perguntas.
Depois do programa, enquanto era servido um lanche, muitos membros do cube rodearam Sandy fazendo mais perguntas. Sandy, sorridente e à vontade, deu as respostas adequadas, e estava visivelmente muito satisfeita.
Uma amiga íntima da família aproximou da mãe de Sandy e sussurrou:
– Eu sempre achei Sandy uma menina acanhada, o que aconteceu com ela?
– Ela está adquirindo equilíbrio hoje, sorriu a mãe. Não está ainda totalmente à vontade, mas está aprendendo a se controlar diante de um público. Agora que ela teve a sensação de segurança, estou certa que vai se esforçar para tornar isso uma parte natural do seu caráter.
Lucas era fascinado por animais desde o dia em que, com apenas dois anos de idade, apanhou seu primeiro besouro e levou-o triunfalmente para casa. A mamãe, com uma careta, jogou fora o besouro, mas nessa época não tinha a menor ideia de que esse bichinho era apenas o primeiro de uma infinita procissão de insetos, taturanas, ratos, hamsters, sapos, cachorros e gatos, para não falar no pato, alguns esquilos órfãos, e outros diversos representantes da fauna, destinados a morar na sua casa por períodos curtos ou longos, enquanto seu filho crescia.
Contudo, a mãe tinha que admitir que Lucas cuidava dos seus bichinhos, compreendia e aceitava de bom grado a responsabilidade pelo seu bem estar. Nunca foram um peso para a família e apenas, raramente, causavam problemas. Lucas passava parte do seu tempo estudando os hábitos de seus animais e de outras vidas selvagens que encontrava, e possuía muitas notas sobre o comportamento animal; notas que, à medida que crescia, foram sendo cuidadosamente documentadas, em descrições concisas e inclusive científicas. Quando ainda estava no ginásio resolveu ser zoólogo e dirigiu seus estudos nesse sentido, tanto quanta possível. Logo se tornou uma “enciclopédia ambulante” sobre conhecimento de animais e podia citar fatos e números sobre este assunto tão bem quanto seus amigos podiam falar sobre futebol ou informações sobre carros de corrida.
Lucas sempre ficava intrigado e confuso pela maneira pela qual se podia esperar que membros da mesma espécie animal agissem do mesmo modo em determinadas circunstâncias. Por que as aves migravam seguindo rotas idênticas, nas mesmas épocas, ano após ano, e o que as guardava para não se perderem? Na realidade, em primeiro lugar, o que as levava a migrar? O que motivava o salmão, em sua difícil jornada contra a correnteza, ir para o seu lugar de desova? Por que certas criaturas hibernavam e outras tinham conhecimentos para armazenar alimentos para o inverno? O que torna o puma feroz, o coelho tímido e a raposa astuta? Sabia, por seus estudos, que essas perguntas tinham sempre intrigado os naturalistas, mas em nenhum dos seus livros tinha encontrado respostas convincentes.
O dia em que Lucas aprendeu sobre Espíritos-Grupo foi um dos dias mais importantes de sua vida. Um amigo lhe deu um panfleto chamado “Entendendo os Animais” que explicava que cada espécie era governada por um Espirito-Grupo que dirigia as atividades de todos os membros. Espíritos-Grupo eram Arcanjos e, como tal, dotados de sabedoria superior. Eles sabiam o que era melhor para seus comandados – quase sempre muito melhor do que o ser humano sabe o que é melhor para ele. As reações do animal para qualquer situação, tanto de crise, simples necessidade e desejo, como envolvendo relacionamento com outros animais e pessoas, eram governadas, não pelo que os cientistas chamam de “instinto”, mas pelas ordens dos Espíritos-Grupo. Os seres humanos eram individualizados, portanto, imprevisíveis. Os animais ainda não eram individualizados, mas eram, em todos os aspectos, ligados e governados por seus Espíritos-Grupo, que não eram caprichosos. Portanto, animais eram previsíveis. Lucas soube em seguida que muitas das perguntas não respondidas pelos naturalistas sobre o comportamento animal seriam imediatamente respondidas se eles conhecessem e aceitassem a presença e atividades dos Espíritos-Grupo.
No princípio, Lucas falou muito pouco sobre sua descoberta. Compreendeu, imediatamente, a importância disso, mas também sentiu que as outras pessoas não estariam inclinadas a aceitar e acreditar na teoria dos Espíritos-Grupo. Para ele era a única explicação lógica. Sabia que alguns cientistas, mais avançados, haviam sugerido a existência de uma espécie de “força” oculta no universo que impelia os animais a fazer o que faziam, e esta “força”, com certeza, poderia ser facilmente traduzida por “Espíritos-Grupo”. Contudo, outros observadores se contentavam em atribuir o comportamento animal ao “instinto” – sem nunca explicarem inteiramente, pelo menos a contento para Lucas, o que era “instinto” e como funcionava. Sabia que muitos desses observadores iam achar a ideia de uma entidade invisível, como a do Espirito-Grupo, simplesmente ridícula, semelhante a um conto de fadas.
Grato por seu novo conhecimento, Lucas sabia que, embora não tivesse intenção de conservá-lo só para si, no momento não podia fazer muito para revolucionar o mundo cientifico. Contudo, no próximo ano, na universidade, tinha certeza que os professores iam ficar surpresos com algumas das teorias que iria expor, e, eventualmente, quando iniciasse sua carreira, ele estaria em melhor posição de transmitir essa informação para os colegas. Enquanto isso, tencionava aprender tudo que pudesse nesse sentido. Se existiam Espíritos-Grupo, sobre os quais relativamente poucas pessoas tinham ouvido falar, certamente era possível que outras entidades sobre as quais os cientistas ainda não tinham noção, também desempenhassem importantes papeis nos trabalhos da Natureza. Lucas sabia que quanto antes à existência de tais seres fosse reconhecida e aceita, mais depressa seria explicado muito do que ainda intrigava os cientistas.
– Você sabe o que acontece com garotos que ficam viciados – a voz de Lili era urgente – Você esteve na clínica e os viu passando pelo processo de recuperação. Você quer que isso aconteça com a Mônica?
– Lili, você não tem o direito de contar para a mãe dela. O que Mônica está fazendo é coisa só dela. Ela tem tanto direito de viver sua vida como você, e o que ela quer fazer com ela é problema dela – disse Gerson zangado. Contar para a Sra. Paranhos significa interferir na vida de Mônica. Você gostaria de ter alguém bisbilhotando todos os seus passos? Além disso, você não sabe que você vai ter que se ver com a turma se contar? Você será rejeitada – ou pior.
– Sei disso muito bem – disse Lili. Mas eu não posso ficar de lado e ver Mônica se matar. Acredite, vou precisar de toda a minha coragem para contar para a mãe dela, sabendo que eu vou fazer com que Mônica e todos me odeiem. E também eu não sinto prazer algum em transmitir as belas notícias para a Sra. Paranhos. Mas, o que e que eu posso fazer?
– Você pode não meter o nariz onde não é chamada – retorquiu Gerson.
– Como é que você pode dizer isso? – Implorou Lili – Eu pensei que você era amigo dela.
– Eu sou amigo dela – disse Gerson – e é por isso que eu digo: não se meta e deixe-a em paz.
Lili suspirou.
– Nunca vou fazer você entender, Gerson. Ela também é minha amiga, e é justamente por isso que eu acho que devo fazer alguma coisa para salvá-la, mesmo que isto faça todos ficarem contra mim. Eu já falei com ela, mas não adiantou nada. Alguém tem que ajuda-la, e não conheço ninguém que tenha maior intimidade com ela e que possa ajudá-la tanto neste momento, como sua própria mãe. Por isso, eu vou falar com a Sra. Paranhos hoje de tarde. Como a rapaziada vai me tratar depois, não é tão importante para mim como o que possa acontecer com a Mônica.
Gerson saiu zangado e Lili dirigiu-se devagar, mas decidida, para a casa dos Paranhos. Sua conversa com a mãe de Mônica foi tão desagradável como ela havia previsto.
No começo, a Sra. Paranhos recusou-se a acreditar que sua filha estivesse tomando drogas – embora depois admitisse ter notado alguns sintomas em Mônica, mas, não querendo admitir o fato, ela realmente havia afastado a suspeita de sua mente. Contudo, concordou que Mônica deveria receber assistência e orientação profissional.
No dia seguinte, Mônica não estava na escola e a maioria dos estudantes ignoravam Lili acintosamente, exceto por ocasionais zombarias. Evidentemente, Gerson tinha espalhado a notícia. Por muitas semanas, Lili ficou isolada. Quando as pessoas a viam chegar, deliberadamente paravam de conversar e viravam-lhe as costas. Antigos amigos a evitavam, e o fato de que os professores e o diretor pareciam tratá-la com especial bondade, somente contribuía para tornar a sua posição entre os estudantes ainda mais incomoda.
Lili não tentou justificar o seu ato – na verdade, não lhe pediram para fazê-lo e o tratamento que lhe dispensavam era muito pior do que teria sido defender-se verbalmente. Contudo, continuou convencida de que havia feito à coisa certa e, embora inegavelmente infeliz, tivesse certeza de que com o tempo seria justificada. Os relatórios sobre o progresso de Mônica, que recebia quase diariamente da Sra. Paranhos, conseguiam animá-la. Mônica estava em uma instituição particular, equipada especialmente para tratar de viciados em drogas, e tinha passado muito bem a pior fase da recuperação.
Depois de muitas semanas, inesperadamente, Mônica voltou à escola, com muito melhor aspecto do que tivera por muito tempo. No fim do dia, pediu para falar à classe.
– Pessoal, eu não sei como dizer isto, começou, masdepois de ter conversado com alguns de vocês, estou vendo o que a Lili tem passado todo este tempo. Confesso que quando fiquei sabendo que fora ela que havia contado à minha mãe, eu a odiei por se meter. Eu tinha medo de ir para aquele sanatório e tinha pavor da recuperação. Mas, bem no fundo, eu desejava me livrar da droga. Ninguém que esteja viciado quer realmente o ser. Eu precisava de ajuda, mas tinha medo de pedir a alguém, por isso me afundava cada vez mais. Ainda agora não tenho certeza de estar completamente curada, mas foi graças a Lili que eu tive outra oportunidade e apenas espero desta vez conseguir ficar no caminho certo. Contudo, se não fosse por Lili, eu agora estaria em bem piores condições e se não tivesse tido essa ajuda, não poderia me livrar da droga. Dizem que não é preciso muita quantidade dessa coisa, para que se fique terrivelmente viciado e agora eu acredito nisso. De qualquer modo, eu devo toda minha vida à Lili. Não creio que alguém tivesse feito o que ela fez, e gostaria que vocês voltassem a serem seus amigos. Eu também teria agido como vocês se ela tivesse interferido com algum outro, mas agora vejo que, às vezes, é preciso interferir. Foi preciso ter muita coragem para fazer o que ela fez, e eu nunca poderei lhe pagar.
Mônica sentou-se e houve um longo silêncio. Depois Gerson se levantou.
– Acho que todos devemos pedir desculpas a Lili e mais do que isso. Fala-se muito neste mundo em “coragem moral”, mas foi necessário alguém que realmente a tem, para nos mostrar o que ela é.
– Eu adoraria, Laura – disse a mãe de Karen com entusiasmo – ir para Nova York por alguns dias, principalmente para ir ao teatro. Seria como ir ao céu, mas eu não posso fazer isto com Karen. Ela vem sonhando com este fim de semana a tanto tempo, eu não posso pedir a ela para ficar com as meninas. E você sabe que eu não posso pagar uma acompanhante por 72 horas.
– Você não acha que já é tempo de você pensar em si mesmo? – perguntou a Sra. Reese impacientemente. Você não tem ido à parte alguma desde que Ralph… – ela parou e ficou vermelha.
– Desde que Ralph morreu – completou a mãe de Karen suavemente – Não, não tenho mesmo, mas vai chegar a hora. No momento, minha obrigação é com as crianças.
– Seu dever é com você também! Você trabalha o dia todo, depois chega em casa e vai para a cozinha, costura, faz faxina, tudo para as meninas. Até quando você acha que isto pode continuar? Nós já temos as passagens, o Harry tem que ir de qualquer jeito; pense como a gente vai se divertir!
– Eu sei, Laura, e eu adoro você por ter me convidado, mas está fora de cogitação agora. Divirta-se, eu vou ficar pensando em você.
As senhoras se levantaram, a Sra. Reese ainda insistindo e Karen, que tinha ficado parada do lado de fora da porta, foi na ponta dos pés para o seu quarto. Que bela oportunidade para sua mãe tirar umas férias, pensou.
Por que tinha que aparecer logo neste fim de semana?
Ela vinha esperando com grande ansiedade e há tempo por este baile de sábado à noite. Olhou para o lindo vestido novo pendurado na porta e lembrou-se, com tristeza, que a mãe tinha ficado costurando até quase 2 horas da madrugada para acabá-lo.
– Oooh! – resmungou zangada consigo mesma. Por que a Sra. Reese não podia ir na próxima semana?
Mas a Sra. Reese ia nesta semana, e talvez esta fosse a única oportunidade, por muitos meses, de sua mãe ter umas férias. Karen sentou-se pensativa e, aos poucos, desfranziu as sobrancelhas e sua expressão tornou-se calma e decidida.
Foi até o guarda-roupa de sua mãe, pegou um tailleur e um vestido bonito, e estava passando-os a ferro, quando sua mãe a surpreendeu.
– O que é que você está fazendo? – ela perguntou.
– Você vai para Nova York com a Sra. Reese e eu pensei que podia ajudar você a se aprontar.
Karen desligou o ferro e pegou uma mala do armário.
– Para três dias esta pequena dá, não acha?
A mãe de Karen estava olhando boquiaberta.
– Meu bem, eu não vou para Nova York – conseguiu dizer por fim.
– Vai, sim – respondeu Karen com firmeza – Olhe esta é uma chance única e se eu conheço a Sra. Reese, ela vai ver tudo o que houver para ver. Eu ficarei com as meninas. Afinal, este fim de semana não é tão importante; outros bailes vão aparecer e eu vou ter muito tempo para usar meu vestido novo. Já era hora de você também se divertir um pouco!
Karen pegou o telefone e ligou para a Sra. Reese.
– Sra. Reese, aqui é Karen. Afinal a mamãe vai para Nova York com a senhora. Diga a que horas a senhora pretende sair e ela estará pronta.
Parece que a mãe de Karen não conseguia dizer ou fazer qualquer coisa. Ela protestou, fracamente, que Karen não devia estragar seu fim de semana, mas Karen ignorou os protestos, arrumou a mala, conferiu a cozinha para ficar certa de ter de tudo para o fim de semana, telefonou para Jack para dizer que não podia ir com ele ao jogo, nem ao baile. Foi a parte mais difícil, e Karen não ficou sabendo que sua mãe a tinha visto assuar o nariz e enxugar os olhos depois de conversar no telefone. Depois que Karen saiu da sala, a mãe deu um telefonema e quando desligou seu sorriso era um misto de alívio e contentamento. Depois disso, ela se entregou feliz as sugestões de Karen sobre que roupas levar e falaram sobre espetáculos que iam ver em Nova York. Karen ficou encantada com a súbita animação de sua mãe, e conseguiu esconder sua própria decepção. Acabou de arrumar a mala e a colocou no hall de entrada.
Quando o carro dos Reese chegou, a mãe saiu, só para voltar correndo, muito animada.
– Karen, a irmã da Sra. Reese disse que está disposta a passar a noite de sábado aqui com as meninas, assim você vai poder ir ao baile. Sabe, se o Jack não se importar com a companhia de duas estudantes de curso primário, por que você não as leva ao jogo de tarde? Elas vão adorar!
Karen gritou de alegria, abraçou sua mãe e dançou com ela pela sala.
– Oh! Que maravilha! E Jack não vai se importar de levá-las por uma vez. Ele gosta mesmo das meninas e elas o adoram. E eu adoro você. Agora, vamos embora, eles estão esperando.
Karen, brincando, empurrou a mãe para o carro e ficou acenando enquanto eles saiam. Sorriu até as orelhas correndo para casa, pensando no maravilhoso fim de semana que todos iam ter.
Mark andava devagar pela trilha do bosque, perdido em seus pensamentos. As palavras que seu pai dissera na véspera ainda predominavam em seus pensamentos, embora admitisse relutantemente, perturbavam-no de forma estranha.
– Há coisas mais importantes do que concertos de rock, motos, ou mesmo suas notas e sua carreira – o pai tinha dito – tudo isso são considerações materiais e, embora escola e carreira certamente sejam importantes, considerações espirituais o são ainda mais. Claro que você sabe que não pode levar com você os bens materiais, quando sua vida se acabar, mas há outros bens internos que você precisa ter e deve obter por si mesmo se sua vida tiver que ter um significado real. Eu sei que você já conhece as expressões “trabalho desinteressado” e “compaixão”, enfatizadas cada vez mais na Escola Dominical, mas gostaria de saber se você realmente compreende a sua importância ou se interessa. Você aprendeu que você é uma divina centelha de Deus, destinado a se tornar um Ser Criador por virtude de seu próprio esforço e conquista, e que trabalho desinteressado é o “mais curto, mais seguro e o mais agradável caminho que nos conduz a Deus.” Eu não estou pedindo, Mark, que você renuncie a se divertir, ou que você deixe de economizar para comprar um carro, ou acabar com a sua coleção de discos. O que estou pedindo e que você ponha essas coisas em seus devidos lugares, e que também você reconheça e pense sobre essa parte de sua vida que deveria ser devotada a assuntos espirituais. Espero que, eventualmente, você eleve sua visão mais alto do que parece fazer agora.
Irritado e perturbado, Mark passou uma noite agitada. Na manhã seguinte, como era sábado, saiu de casa cedo, e esteve andando no bosque por um tempo. Depois de tentar, sem sucesso, tirar da mente as palavras de seu pai, finalmente se conformou a enfrentá-las com honestidade.
Claro que o pai tinha razão em ficar preocupado, pensou Mark. Seus principais interesses eram sua moto e sua coleção de discos e, embora conseguisse ir bem na escola, ele o fazia não por causa de aprender, mas para não ter os pais “pegando no seu pé” e para que pudesse entrar na faculdade e, em consequência, arranjar um bom emprego. Embora estivesse familiarizado com os preceitos espirituais e os Ensinamentos enfatizados na Escola Dominical Rosacruz, a que assistia porque seus pais queriam, nunca chegou a pensar sobre eles ou relacioná-los consigo.
Sabia que havia na vida alguma coisa a mais do que sua estreita esfera de interesses, e agora que estava ficando mais velho, ele deveria começar a prestar mais atenção a coisas além do imediato prazer material. Seu pai disse que ele devia elevar sua visão e, à medida que Mark começou a considerar este pensamento sob uma luz mais positiva, gradualmente sentiu uma sensação de leveza e antecipação. Começou a pensar seriamente sobre o que havia aprendido na Escola Dominical, e quanto mais pensava nos Ensinamentos com relação a sua própria vida e potencial, mais curioso e entusiasmado ficava.
Que valor permanente tinham os discos, motos, carros e todas as outras coisas, as quais ele e seus amigos davam tanta importância? Qual o resultado permanente que viria de todo o tempo perdido em atividades de lazer? Mark estava surpreso por estar fazendo essas perguntas a si próprio, mas tentou responder a elas analisando-as com todo cuidado. Ele sentou-se, ainda pensando intensamente, para comer o sanduiche que havia trazido e depois continuou seu passeio.
Pelo meio da tarde, cansado, mas com o começo de um sentimento de bem-estar que nunca havia experimentado, Mark estava pronto para voltar para casa – uma pessoa diferente do garoto que havia entrado no bosque nessa manhã. Ele não estava preparado para renunciar aos seus interesses do momento, mas seu pai não tinha pedido, ou esperado que ele fizesse isso. No entanto era a primeira vez em sua vida que estava preparado a considerá-los secundários e dedicar a eles apenas parte do seu tempo, e de si mesmo. Estava preparado para ampliar seus horizontes, para incluir neles assuntos espirituais, e a perspectiva o atraia como nenhum objetivo puramente material o havia atraído até então.
De repente, Mark sentiu-se muito agradecido por ter “enfrentado'” os Ensinamentos na Escola Dominical ainda que o impacto inicial tenha sido suave. Agora que estava interessado, sabia, sem ter que procurar mais o que significava “viver a vida”; podia tentar imediatamente viver de conformidade com os preceitos, e concentrar-se, pelo menos de vez em quando, em “coisas mais elevadas”. Mark sabia que não iria se tornar da noite para o dia um exemplo de espiritualidade – nem queria. Ainda iria andar de moto, ouvir discos, continuaria com suas ocupações habituais. Mas, também sabia que a semente de alguma coisa nova e muito mais significativa tinha sido agora plantada dentro dele, alguma coisa que iria amadurecer cada vez mais, e ajudaria a colocar todos os acontecimentos e detalhes de sua vida, no caminho da verdadeira perspectiva. As palavras de seu pai tinham aberto seus olhos e o tinham colocado no caminho certo: o resto dependia dele. Reconheceu o desafio – e a oportunidade – e agora estava ansioso por enfrentar a ambos.
[1]Apesar da tendência jovem ao rock, atualmente, várias artistas do Rock que começaram na década de 70 e 80 ainda fazem turnês pelo mundo.
Assim, mesmo que tenham começado jovem, a fama os fez não amadurecerem e permanecerem na mesma condição. Além disso, com a Idade de Aquário se aproximando cada vez mais, muitos respondem a isso de modo invertido, e assim, a excentricidade e a heterogeneidade das coisas estão absurdas! Então, veem-se pessoas mais velhas fazendo coisas que apenas jovens fazendo e o contrário também é verdadeiro.
HISTÓRIAS DA ERA AQUARIANA PARA CRIANÇAS
Volume 7
Compilado por um Estudante da
The Rosicrucian Fellowship
Centro Rosacruz de Campinas – SP – Brasil
Avenida Francisco Glicério, 1326 – conj. 82
Centro – 13012-100 – Campinas – SP – Brasil
Revisado de acordo com:
1ª Edição em Inglês, 1951, Aquarian Age Stories for Children, editada por The Rosicrucian Fellowship
1ª Edição em Português, 1990, Histórias da Era Aquariana para Crianças, editada por The Rosicrucian Fellowship
Pelos Irmãos e Irmãs da Fraternidade Rosacruz – Centro Rosacruz de Campinas – SP – Brasil
contato@fraternidaderosacruz.com
fraternidade@fraternidaderosacruz.com
SUMÁRIO
A EVOLUÇÃO PREMATURA DE CLYDE.. 60
VÉSPERA DE NATAL NA FLORESTA.. 83
Este volume de Histórias da Era Aquariana é dedicado a todas as crianças, jovens e adultos. Possa a sua harmonização com Duendes, Fadas, Ondinas e Salamandras e com nossos irmãos mais jovens do Reino Animal. Conservá-los sempre jovens de coração.
Uma nota especial de agradecimento a um dos nossos membros que generosamente contribuiu com as encantadoras ilustrações deste volume.
Porco Montanhês levantou seus espinhos e alisou-os novamente.
— Gostaria de ser um coelho, resmungou.
— UM COELHO?, repetiu Esterlino, outro porco-espinho. Para que?
— Assim eu não teria que carregar estes espinhos nas minhas costas o tempo todo. São pesados e eles coçam.
— São a sua proteção, protestou Esterlino. Eu não trocaria meus espinhos pelas cascas de todas as arvorezinhas do mundo.
— Não me diga que você gosta de carregar essas coisas para onde quer que você vá, disse Porco Montanhês.
— Não, eu não gosto muito, admitiu Esterlino, mas não me importo em ficar um pouco desconfortável. Os espinhos valem a pena. O que você faria se viesse um urso, perseguisse você e você não tivesse os espinhos?
— Se eu fosse um coelho, eu fugiria saltando, disse Porco Montanhês.
— Só isso, hein, disse Esterlino.
— Só isso, concordou Porco Montanhês.
— Bem, você deveria ficar agradecido por seus espinhos e ficar contente por não poder se livrar deles, admoestou Esterlino. Para os coelhos é muito mais difícil do que você pensa. Eles estão sempre tremendo e fugindo toda vez que um galhinho estala. Acho que eles nem podem comer sossegados.
— Azar deles se são como gatos assustados, disse Porco Montanhês com desprezo. Eu não fugiria quando um galhinho estalasse. E, com certeza, não ficaria tremendo. Eu continuaria a comer tranquilo. Além disso, nenhum urso ainda me perseguiu.
— Ele perseguiria, se você fosse um coelho, disse Esterlino. Mas eu não vou discutir com você. Eu vou procurar alguma coisa para comer.
Esterlino saiu gingando pesadamente. Porco Montanhês ficou observando-o e suspirou.
— Ele parece tão pesado como eu. Oh, como eu gostaria de me ver livre destes espinhos e ser um coelho!
— É isso mesmo que você quer?, perguntou uma voz atrás dele.
Porco Montanhês se virou tão depressa quanto pode e ficou de olhos arregalados. Lá estava o porco-espinho mais esquisito que ele já tinha visto. Pelo menos ele pensou que era um porco-espinho, embora ele fosse roxo e com espinhos dourados.
— Quem é você? perguntou Porco Montanhês.
— Eu sou o Porco-Espinho Perfeito, respondeu ele.
Eu posso transformar você em um coelho, se você realmente quer ser transformado em coelho, mas você precisa ter certeza que quer ser um coelho, que depois que você virar coelho, você vai ter que ficar sendo coelho.
— Você pode mesmo me virar em um coelho? perguntou Porco Montanhês.
— Eu acho que foi isso mesmo que eu disse, respondeu impaciente o Porco-Espinho Perfeito.
— Então, por favor, me transforme em coelho, pediu Porco Montanhês.
— Você entendeu bem que depois que você virar coelho, você vai ter que ser coelho para sempre, mesmo que você queira muito voltar a ser porco-espinho de novo?, perguntou o Porco-Espinho Perfeito.
— Eu entendo, respondeu Porco Montanhês. Eu não vou querer nunca mais ser porco-espinho.
— Eu não teria tanta certeza disso, disse o Porco-Espinho Perfeito. Mas, se é isso que você quer…
O Porco-Espinho Perfeito soltou um dos seus espinhos dourados, que caiu no chão na frente de Porco Montanhês e se balançou para os lados tão depressa, que ele só viu uma luz dourada.
— Sylvilagus Lepus Cuniculus! entoou o Porco-Espinho Perfeito.
No mesmo instante, Porco Montanhês se sentiu tão leve como uma pena. Tentou dar um passo para frente, mas em vez disso, ele deu um pulo. Tentou dar outro passo, e só deu outro pulo. Seus espinhos tinham desaparecido. Havia uma sombra branca atrás dele e torcendo o corpo como um U, viu que tinha um rabo de algodão.
— Sou um coelho! Sou um coelho! exclamou, pulando em círculos, entusiasmado. Obrigado, Porco-Espinho Perfeito, obrigado!
Mas, o Porto-Espinho Perfeito tinha desaparecido.
Porco Montanhês saiu pelo prado fazendo com que cada pulo fosse mais longo do que o anterior. Era maravilhoso sentir-se tão leve e levantar-se tão alto no ar, sem espinhos pesando para fazê-lo descer. Era quase como um instante, Porco Montanhês alcançou Esterlino, que ainda estava indo no seu jeito lento, pesado, procurando comida. Porco Montanhês pulou por cima de Esterlino e caiu bem na frente dele.
— Vuuuh! exclamou Porco Montanhês. Veja como eu pulo!
Você não está com pena de não ser um coelho?
— O que — Porco Montanhês? É você? perguntou espantado Esterlino quando conseguiu falar.
— Eu mesmo! disse Porco Montanhês. O Porco-Espinho Perfeito me transformou em coelho. Eu não peso quase nada! Eu posso pular, pular e ir a qualquer lugar dez vezes mais depressa do que você.
Porco Montanhês pulou e pulou em volta de Esterlino, mostrando como ele podia pular e como podia ir bem depressa.
— Pare! pediu Esterlino. Você está me deixando tonto. E para responder à sua pergunta, não, eu não tenho pena de não ser coelho. Espero que você não venha a sentir pena de ser um coelho. Boa sorte, meu velho. Você vai precisar dela.
Com isso, Esterlino continuou seu caminho, sem prestar mais atenção a Porco Montanhês.
— Ora, ele está com ciúmes, disse Porco Montanhês para si mesmo. Se ele vai ficar assim, é melhor eu esquecer dele. De qualquer forma, é hora de eu fazer amizade com coelhos.
Porco Montanhês foi pulando até que encontrou muitos coelhos comendo num canteiro de trevos. Deu um belíssimo pulo e caiu bem no meio deles. Os coelhos fugiram, pulando para todos os lados.
— Pra onde eles foram? Porco Montanhês pensou alto, quando um coelho grande veio devagar para perto dele.
— O que você quer dizer com “pra onde eles foram?”, perguntou zangado o coelho grande. Você os assustou tanto que eles se esconderam. Que espécie de coelho é você, afinal? Você não tem nada melhor que fazer do que assustar seus irmãos? Nós já temos muitas coisas de que ter medo!
— Desculpe, disse Porco Montanhês, que lá no fundo achou que era uma grande bobagem os coelhos terem medo de outro coelho. Eu sou coelho há pouco tempo, e não sabia que vocês se assustavam por tão pouco. Eu pulei por cima de Esterlino e ele não se assustou.
— Esterlino é um porco-espinho. Os porcos-espinho têm espinhos para protegê-los. Eles sabem disso e os outros animais também. Na verdade, há muito pouco do que os porcos-espinho possam ter medo. Nossa única proteção contra o perigo é fugir dele o mais rápido possível, e há muitas coisas que assustam os coelhos.
O coelho grande falou com se estivesse explicando as coisas para um bebezinho.
— Bem, disse Porco Montanhês, eu era porco-espinho até uma hora atrás e nunca me assustei. E também não vou começar a ficar assustado agora. Acho que vocês coelhos tinham que aprender a ser mais valentes.
— Você era um porco-espinho e agora você é um coelho!
O coelho grande repetiu essa informação suavemente.
— Você está procurando encrenca! Boa sorte, meu amigo. Você vai precisar dela.
Com isso, o coelho grande foi embora, pulando, deixando um Porco Montanhês aborrecido atrás dele.
— Que é que há com todo mundo? perguntou a si mesmo. É a coisa mais fácil do mundo ser coelho. É só pular e…
O som de latidos o interrompeu. Um cachorro enorme vinha correndo pelo prado bem na sua direção. Porco Montanhês já tinha lidado com cachorros antes e não se preocupou nem um pouco. Quando O cachorro visse seus espinhos, com certeza iria voltar correndo com o rabo entre as pernas.
Porco Montanhês tentou eriçar seus espinhos e nada aconteceu. Tentou de novo — e, então, ele se lembrou. Ele não tinha espinhos. Ele não tinha absolutamente nada que pudesse protegê-lo contra o cachorro.
Pela primeira vez na vida, Porco Montanhês teve medo. Seu coração bateu duas vezes mais depressa que o costume, e ele tremeu desde o focinho até ao rabo. O cachorro estava quase alcançando-o e tinha todos os sinais de querer agarrá-lo com seus dentes afiados.
Não havia outra coisa a fazer, senão fugir. Porco Montanhês começou a pular o mais depressa que conseguiu. O cachorro estava bem nos seus calcanhares. Mesmo correndo muito, o cachorro também corria igual, latindo tão ferozmente que Porco Montanhês sentia seu bafo quente.
Assim foram, sem cessar, o cachorro correndo e latindo, e Porco Montanhês pulando para salvar a pele. Atravessaram o prado, atravessaram o bosque, subiram e desceram a colina e ainda assim o cachorro estava bem atrás de Porco Montanhês.
Ele sabia que já não podia ir muito longe. Estava sem fôlego e suas pernas, que não estavam acostumadas a pular, doíam terrivelmente. Estava quase caindo, quando viu um buraco no chão na sua frente. Dando um último pulo, mergulhou no buraco, deixando o cachorro escavando na entrada e latindo loucamente.
Porco Montanhês ficou deitado no chão de um túnel. Ele não podia se mexer, quase não podia respirar e não queria pensar. Tudo em volta estava escuro e, à distância, ouviam-se latidos, latidos, latidos …
Depois do que lhe pareceu um tempo muito longo, Porco Montanhês percebeu que havia muitos coelhos ao seu redor.
— Quem é ele? disse um. Que sujeito, trazer aquele cachorro bem aqui na nossa toca! Agora nós vamos ter que nos mudar.
— Meu nome é Porco Montanhês, disse ele. Porque vocês vão ter que se mudar?
— Porque você trouxe o cachorro até nossa toca, seu palerma, foi a resposta. Agora que ele sabe onde nós moramos, ele não vai nos deixar em paz. Ele é capaz de ficar lá fora a qualquer hora, esperando a gente aparecer. Que tipo de coelho você é que não sabe disso?
— Bem, eu era um porco-espinho até há pouco tempo atrás, explicou Porco Montanhês, que estava ficando cansado de explicar isso. Desculpem por eu ter guiado o cachorro até sua toca, mas eu esqueci que eu já não tinha meus espinhos. O cachorro quase me pegou. Eu pulei, pulei, e quando vi este buraco eu me joguei dentro.
— Talvez fosse melhor se o cachorro tivesse pegado você, disse maldosamente o coelho. Nós, os coelhos de verdade, já temos bastantes problemas. Nós não temos necessidade de porcos-espinho-coelhos que não se lembram que não têm espinhos e levam os inimigos até nossa porta!
— Mas eu estava com medo, choramingou Porco Montanhês. Eu não sabia mais o que fazer.
— Você estava com medo! zombou o coelho. O que é que você esperava? Os coelhos passam metade de suas vidas assustados. Você devia ter pensado nisso antes de se tornar um coelho. Agora saia daqui e volte para onde você pertence. Não permitimos meios-coelhos aqui.
Os coelhos se uniram e empurraram Porco Montanhês pelo túnel e depois para fora da entrada. Parece que o cachorro tinha ido embora, mas agora estava escuro, e Porco Montanhês não sabia o que poderia estar escondido atrás das árvores e moitas. Ele estava aterrorizado, e seu coração batia tão forte, que ele nem podia ouvir seus próprios pensamentos.
— E não volte! gritaram os coelhos no túnel, atrás dele.
Porco Montanhês deu alguns pulos para a frente na escuridão. Um galhinho estalou, e ele quase morreu de medo antes de perceber que ele mesmo tinha feito o galhinho estalar quando pisou nele.
Uma coruja piou por perto e, de novo, ele pulou de susto.
— O que há comigo? pensou. Eu nunca tive medo de corujas antes.
Porco Montanhês foi pelos bosques escuros, pulando, parando e ouvindo. Qualquer barulhinho o assustava, e ouvia barulhos que não existiam. Não sabia aonde estava. Estava com fome. Estava cansado. Estava tão só!
Por fim, achou um tronco oco. Arrastou-se para dentro dele e deitou-se. Pensou que ali estaria tão à salvo como em qualquer outro lugar. Ali passou longas e escuras horas, esperando pelo amanhecer. Estava certo que bem ali, fora do tronco, havia cachorros, ursos, raposas e lobos, todos a espera para agarrá-lo.
Quando finalmente o Sol apareceu, o pobre Porco Montanhês estava em péssima forma. Meteu o nariz para fora do tronco e teve medo da própria sombra. Tremia o tempo todo, ainda mais quando um galho estalava. Estava morrendo de fome, mas muito assustado para procurar a sua refeição da manhã. Estava exausto, mas muito assustado para poder dormir.
— Oh! como gostaria de ter meus espinhos de novo, murmurou, porque estava muito assustado para poder falar alto. Gostaria de nunca ter desejado ser um coelho! Gostaria de ser outra vez um porco-espinho!
— É, eu acho que sim! disse uma voz na frente do tronco.
Lá estava o mais estranho coelho que Porco Montanhês já tinha visto. Era roxo e seus bigodes e a cauda eram dourados.
— Suponho, murmurou Porco Montanhês, que você é o Coelho Perfeito?
— Sou, disse o Coelho Perfeito. Não precisa murmurar. Saia desse tronco e pare de tremer. Você é o coelho mais covarde que eu já vi.
— Eu não quero mais ser coelho, Porco Montanhês estava quase chorando.
— Não foi isso o que eu ouvi ontem, disse zangado o Coelho Perfeito. Você estava louco para ser um de nós.
Pular fora de qualquer perigo com a maior facilidade!
Ser coelho é a coisa mais fácil do mundo! Bah!
— Gostaria de ser um porco-espinho, choramingou Porco Montanhês.
— Você não se lembra que o Porco-Espinho Perfeito disse que você não poderia se transformar de novo? perguntou o Coelho Perfeito.
— Eu me lembro, fungou Porco Montanhês, começando a chorar.
— Oh! pare de lamentar-se! disse o Coelho Perfeito.
Você é uma vergonha para a família Coelho. Eu tenho o poder de fazer uma exceção para a regra Não-Transformar-de-Novo, se acontecer de eu não querer você na nossa família. E é claro que eu não quero! Eu vou virar você de novo no que você era antes e espero que tenha bastante juízo para ficar daquele jeito.
O Coelho Perfeito agitou os bigodes até que eles se mexeram tão rapidamente, que tudo que Porco Montanhês viu foi uma luz dourada.
— Erethizon Hystricidae! entoou o Coelho Perfeito.
Imediatamente Porco Montanhês se sentiu mais pesado.
Tentou pular, mas em vez disso só deu um passo lento, pesado. Seus espinhos estavam outra vez no lugar. Ele era de novo um porco-espinho!
— Obrigado, Coelho Perfeito, disse Porco Montanhês agradecido, mas o Coelho Perfeito tinha desaparecido.
Agora Porco Montanhês sabia que nunca mais precisaria ter medo de cachorros, homens, corujas, galhos que estalavam ou de sua própria sombra. Seus espinhos eram tão pesados como sempre, mas Porco Montanhês se sentia leve, despreocupado e muito mais aliviado.
— Agora, disse, finalmente posso tomar minha refeição da manhã em paz.
Nesse momento, chegou Esterlino, movendo-se pesadamente.
— Oi, cumprimentou-o Porco Montanhês.
— Olá, você voltou a ser o mesmo, disse Esterlino. Você não gostou de ser coelho?
Porco Montanhês estremeceu.
— Não, não gostei de ser coelho, respondeu com firmeza. E também ninguém gostou de mim como coelho. Foi assustador e horrível: Eu nunca mais vou querer ser outra coisa a não ser um porco-espinho.
Era uma vez, uma sombra subindo na colina
Melancólica, abatida e sozinha.
Sua silhueta caída, pesada para baixo, pois não tinha
Uma só pessoa que pudesse chamar: minha
Tristemente se arrastou ladeira acima,
Embora não tivesse um objetivo a ver;
Era a coisa mais lastimável de todas —
Uma sombra sem alma ter.
Uma vez, pertenceu a um rapaz bom e robusto
Cujo físico era direito, alto e encorpado.
Nesses dias abençoados, a vida era infinitamente boa,
Pois a sombra nada tinha cometido de errado.
Andava sempre nos passos do rapaz,
Cada movimento repetia com precisão,
E imitava tudo que o rapaz fazia
Suas maneiras destras e discretas são.
Aqueles dias silenciosos foram um tempo de delicias,
De correr e bem alto pular,
Pois o rapaz era um ginasta de muitas perícias,
Todas as proezas ele queria tentar.
A sombra é despreocupada, feliz e contente,
Com mais sorte do que ela própria supõe
Para muitos, uma sombra não consegue empreender
O que seu dono fazer lhe propõe.
Há muitas sombras que estão hoje acorrentadas
A um complicado e desajeitado alguém,
Ou a uma pessoa indolente e que considera
O exercício com um arrogante desdém.
Essas são as sombras com motivos de se lamentar,
Que são abafadas e reprimidas,
São elas que devem ficar sentadas, imóveis,
De vigor e anseios destituídas.
Nossa sombra contudo, desacorrentada e livre,
Para se lamentar, não tinha motivos,
Não poderia ter tido um rapaz mais cortês,
Nem de mais versáteis objetivos.
Mas, sempre insatisfeita, sempre aborrecida,
A sombra em protesta rebelou-se;
Achando que não tinha suficiente espaço
Para mostrar habilidades nas quais aprimorou-se.
Então, passou a se exibir sozinha,
Ficando de ponta cabeça e fazendo saltos mortais
Precisamente quando o rapaz estava em repouso
E ela realmente estava a pedir demais.
Esperando que o rapaz ficasse quietamente a olhar
Sua própria sombra, sempre a revirar,
Sem orientação, direção ou planos a
De quem tivesse a cabeça no lugar.
No começo, o rapaz ficou um pouco aborrecido
E pediu, por favor, à sombra que parasse
De se comportar de maneira tão imprópria,
E com seus excêntricos caprichos cessasse.
A sombra, contudo, audaciosa por seus impulsos,
Em um indulgente mundo novo pensou,
Recusar-se a viver pelas leis de suas iguais,
E assim em maiores proezas se lançou.
Mais uma vez, o rapaz lhe pediu para parar
De manter esse capricho pueril e irrefletido,
“Mas numa feroz independência quiz se afirmar;
E o comportamento da sombra cresceu decidido.
“Não mais vou me submeter às suas leis”,
A sombra com audácia ousou informar.
“Daqui para diante vou rodopiar quanto eu quiser;
Farei o que jovialmente me agradar”.
“Muito bem”, disse o rapaz, “uma vez que você usa esse tom,
Não vou mais com você argumentar;
Vai aprender por experiência própria,
Você está fazendo o que as sombras não devem realizar”.
“Mas isto eu vou lhe dizer, pois você parece insistir
Que dona de si mesma quer ser,
Fique longe de mim e não volte,
Até que todas as travessuras da mocidade você possa resolver”.
“Sem ‘mas’!”, disse o rapaz quando a sombra começou
A protestar que preparada não podia se sentir
Para, por si sozinha, num mundo físico viver,
E no qual até agora ambos tinham estado a dividir.
“Você disse que às minhas regras não iria se submeter”.
O rapaz foi severo, sem ceder.
“Sendo esse o caso, não quero você por perto —
Ande sozinha, então, para aprender!”
Assim, com rebeldia que já não sentia,
A sombra virou-se e saiu correndo,
Sem um adeus para seu dono de anos,
Para em completa coragem ir vivendo.
À princípio, tudo parecia ser uma grande brincadeira —
Divertida, engraçada, com alegria.
“De qualquer modo, quem precisa desse rapaz?”, perguntou alegre,
Quando viu que pular e correr ainda podia.
Assim, por todo o dia alegremente foi
Por seu audacioso, desinibido caminho,
Até que, ao pôr do sol, o sol desapareceu da vista,
E ali ficou ela no escurinho.
Sempre antes na escuridão, solitárias horas.
Bem junto do seu rapaz cia se aninhava
E não havia diferença entre ele e ela
Assim, em segurança, seu sono aproveitava
Mas agora, tão só na terrível escuridão.
Uma noite inquieta passou.
Nunca antes conhecera o tremor,
E nunca antes o pavor a assolou.
Finalmente, apareceram os primeiros raios do Sol
A sombra pensou “Ah! por fim,
Meu caminho posso de novo eu mesma o fazer
É melhor que vá depressa, sendo assim”
A sombra, deliciada, levantou-se de um pulo
E caiu de novo no chão, atordoada.
Não tinha mais força, esta pertencia ao rapaz
Ao qual a sombra, em sua fraqueza estava ligada.
Portanto, a verdade da questão ficou clara;
A sombra sozinha, era impotente.
Necessitava da força que o rapaz emanava;
Sem ela, era uma parasita somente
Então, angustiada, mais uma vez a sombra
Tentou levantar-se e se movimentar.
Com cuidadoso esforço conseguia ficar em pé.
Mas suas forças, estas não conseguia melhorar.
Continuando, foi em seu caminho, debilitada,
Incerta, pesarosa e assustada;
Sem saber ao certo o que fazer depois;
Sem conhecer alguém que a levasse amparada.
Seus passos eram pura agonia, cambaleantes e fracos,
Nenhuma vez tentou saltar ou pular,
Nem voar ou cabriolar no ar;
Seus instintos todos avisaram-na a parar.
Compreendeu que logo necessitaria retomar
Sua fonte de proteção e poder,
Do contrário, ela teria de ir embora deste mundo;
Nunca mais voltaria a florescer.
Tentou unir-se, então, onde pudesse,
A quem quer que à sua vista fosse aparecer.
Mas todos recusaram dizendo “Sombra já tenho.
Diga-me, por que duas eu preciso ter?”
Os animais também repeliram suas tentativas
Para em seu grupo ela insinuar-se:
“Não saberíamos o que fazer com tão estranha
Coisa, como duas sombras a enrolar-se.
Nenhum grupo de leões, tigres, teixugos, caracóis,
Hipopótamos, patos ou seus parentes,
Dignar-se-ão aceitar como coisa permanente
Uma sombra que é uma gêmea, somente”.
Até as plantas se espantaram ao pensar
Em viver com sombras gêmeas de repente,
Por favor, não nos perturbe com uma ideia que,
Está claro, é louca completamente”.
E, assim, a pobre sombra continuou sozinha,
Seus passos cada vez mais lentos se tornaram.
Apenas podia arrastar os pés, um de cada vez,
E suas costas não mais se endireitaram.
Chegou a uma colina e começou a subir,
Esperando no topo descansar a sua dor.
Sua ilusão de libertar-se de leis e controles
Tinha perdido todo vestígio e sabor.
Chegando ao fim de sua trabalhosa escalada,
Para sua surpresa e alegria, ela encontrou
Seu dono grandalhão sentado à sombra de uma árvore,
Que com seus olhos observou-a e questionou.
“Ora, disse o rapaz, posso dizer que você
Com aspecto jubiloso não ficou.
Pensei que sua vida estivesse transbordante de alegria
Quando de mim você se afastou”.
“Oh’“, a sombra chorou, “sem sarcasmos agora, por favor.
Estou muito fraca para um ataque suportar.
Você sempre soube que sozinha eu ia falhar
Eu imploro, por favor, deixe-me voltar”.
“Não foi fácil, posso ver”, disse o rapaz,
“Acho que essa lição você aprendeu.
Muito bem, se você pensa agora que deve viver com as regras
Mais uma chance, eu acho, você mereceu”.
Com gratidão e alegria, a sombra novamente
Bem junto a seu dono se ligou.
Em seguida, sentiu uma sensação de força e de bem estar
E com calor seu ser se impregnou.
Depois, para cima e para baixo da colina, ambos correram.
Seus passos e seus pulos eram compactos;
O rapaz guiando, ensinando como ir;
A sombra, sem erro algum, a seguir.
E nunca mais a sombra quiz tentar
O mundo conquistar por si somente;
Como lhe é mostrado, ela assim vai copiar
Seguindo as leis de sua espécie, fielmente.
Era uma vez, uma Princesa com pés doloridos, que morava num castelo rodeado por altas muralhas de pedra e um fosso guardado por um dragão.
Seus pés estavam sempre doloridos. Doíam quando ela usava chinelos. Doíam quando usava sapatos de baile ou sapatos para caminhar, sapatos de escola ou sapatos de domingo. Doíam quando usava sapatos novos, doíam quando usava sapatos velhos. Doíam quando usava botas na neve, galochas na chuva, sandálias ao sol ou tênis nos intervalos.
A Princesa não gostava de andar, correr ou saltar, porque sempre que fazia essas coisas seus pés doíam. Não gostava de pular corda, disputar uma corrida, brincar de boca de forno ou de amarelinha, porque quando fazia essas coisas, seus pés doíam. Não gostava de passear no bosque, arrastar os pés nas folhas caídas do outono, andar nas águas dos regatos ou correr na areia, porque quando fazia essas coisas, seus pés doíam.
A Princesa só gostava de sentar-se e ler, sentar-se e comer, deitar-se e dormir, deitar-se e ficar sem fazer nada, porque quando fazia essas coisas, seus pés não doíam. Ela só gostava de ser carregada na sua liteira, passear na sua carruagem ou ser carregada para cima e para baixo nas escadas por um lacaio, porque quando fazia essas coisas, seus pés não doíam.
Mas, como a Princesa passava muito tempo sentada e deitada, sendo sempre carregada e quase nunca andando, correndo ou subindo escadas, ela fazia muito pouco exercício. E, porque fazia muito pouco exercício, engordava.
Embora os cortesãos não lhe dissessem nada, comentavam bastante quando ela virava as costas.
— Você notou como a Princesa está engordando? – perguntavam uns aos outros. A Princesa está ficando muito gorda, contavam para seus parentes em outras partes do país, quando iam visitá-los.
O Rei e a Rainha estavam muito preocupados com a princesa e seus pés doloridos. Estavam muito preocupados porque ela estava engordando tanto. Eles não gostavam de vê-la sentada e deitada em todos os lugares e ser carregada para todos os lugares. Eles queriam que ela andasse, corresse e subisse escadas. Eles queriam que ela emagrecesse. Eles queriam que ela se apoiasse em seus próprios pés.
Até que um dia, o Rei resolveu oferecer uma recompensa a quem pudesse ajudar a Princesa. Mandou mensageiros para os quatro cantos da Terra, proclamando que daria a mão de sua filha em casamento, a quem conseguisse fazer passar a dor de seus pés.
Depois que os mensageiros do Rei espalharam a notícia, sapateiros de terras distantes começaram a chegar ao castelo.
Um sapateiro trouxe o couro mais macio que o Rei e a Rainha já tinham visto, disse que se a Princesa usasse sapatos feitos com aquele couro, poderia subir até a mais alta montanha facilmente, e seus pés nunca mais doeriam.
Então, o sapateiro tomou cuidadosamente a medidas dos pés da Princesa e fez um par de sapatos tão leves, que não pesavam mais que uma folha, e tão macios que podiam ser dobrados de todos os lados e enrolados como uma bola.
Mas, quando a Princesa os calçou, ela gritou:
— Ai! Chorou. Ai! Ai! Eles machucam! Eu não aguento! Tirem!
O sapateiro ficou aflito. O Rei e a Rainha ficaram aflitos. Os cortesãos ficaram aflitos. A Princesa continuava a chorar.
— Tirem! tirem! Eu não os aguento!
Então, um velhinho com longos cabelos brancos e uma longa barba branca se apresentou. Era o mais sábio dos conselheiros do Rei.
— Majestade, disse, é o couro do qual os sapatos foram feitos que está machucando a Princesa. O couro vem de animais que foram mortos para se poder obtê-lo. Por isso, há muita maldade no couro. A Princesa é sensível e não pôde suportar a dor dessa maldade.
O Rei refletiu sobre as palavras de seu conselheiro.
— Sim, eu entendo, disse por fim.
Então, ordenou ao sapateiro:
— Remova os sapatos.
E o sapateiro não pôde fazer outra coisa senão tirar os sapatos dos pés da Princesa e abandonar o castelo, envergonhado.
No dia seguinte, chegou outro sapateiro. Ele trouxe um rolo da mais linda e macia casca de árvore que o Rei e a Rainha já tinham visto. Disse que se à Princesa, usasse sapatos feitos com aquela casca de árvore, poderia subir até a mais alta montanha facilmente e seus pés nunca mais doeriam.
Então, o sapateiro tomou cuidadosamente a medida dos pés da Princesa e fez um par de sapatos tão leves que não pesavam mais do que uma folha, e tão macios que poderiam servir de travesseiro para a cama da Princesa.
Contudo, quando a Princesa os calçou, ela gritou:
— Ai! chorou. Ai! Ai! Eles machucam! Eu não aguento! Tirem!
O sapateiro ficou aflito. O Rei e a Rainha ficaram aflitos. Os cortesãos ficaram aflitos. A Princesa continuava a chorar.
— Tirem! Tirem! Eu não aguento!
Então, o velhinho de longos cabelos brancos e longa barba branca se apresentou de novo.
— Majestade, disse, é a casca da árvore da qual os sapatos foram feitos que está machucando a Princesa. A casca da árvore é realmente muito macia e muito bonita, mas não é muito resistente e os sapatos não iriam durar muito. A Princesa é sensível e não pôde suportar a dor dessa fraqueza.
O Rei refletiu sobre as palavras de seu conselheiro.
— Sim, eu entendo, disse por fim.
Então, ordenou ao sapateiro:
— Remova os sapatos.
E o sapateiro não pôde fazer outra coisa senão tirar os sapatos dos pés da Princesa e abandonar o castelo, envergonhado.
No terceiro dia, chegou outro sapateiro. Ele trouxe um pedaço de vidro tão claro que brilhava ao sol da manhã. Disse que se a Princesa usasse sapatos feitos com aquele vidro, poderia subir até a mais alta montanha facilmente e seus pés nunca mais doeriam.
Então, o sapateiro tomou cuidadosamente a medida dos pés da Princesa e fez um par de sapatos que eram transparentes como cristal e brilhavam ao sol da manhã.
Mas, quando a Princesa os calçou, ela gritou:
— Ai! chorou. Ai! Ai! Eles machucam! Eu não aguento! Tirem!
O sapateiro ficou aflito. O Rei e a Rainha ficaram aflitos. Os cortesãos ficaram aflitos. À Princesa continuava a chorar.
— Tirem! Tirem! Eu não aguento!
Então, o velhinho de longos cabelos brancos e longa barba branca se apresentou mais uma vez.
— Majestade, disse, é o vidro do qual os sapatos foram feitos que está machucando a Princesa. O vidro é realmente transparente como cristal e brilha ao sol da manhã, mas é muito duro. Nada pode passar através dele. Nada de bom, que está do lado de fora pode vir para dentro, e nada de ruim que possa estar por dentro, pode sair. A Princesa é sensível e não pode suportar a dor dessa dureza.
O Rei refletiu sobre as palavras de seu conselheiro.
— Sim, eu entendo, disse por fim.
Então ordenou ao sapateiro:
— Remova os sapatos.
E o sapateiro não pode fazer outra coisa senão tirar os sapatos dos pés da Princesa e abandonar o castelo, envergonhado.
Então, a Princesa ficou tão infeliz que ordenou ao lacaio que a levasse para cima, onde ela se reclinou em sua cama e comeu uma caixa inteira de doces. O Rei e a Rainha estavam tão infelizes que não comeram nada, mas passaram o resto do dia na biblioteca consultando manuscritos antigos, quase desfeitos, esperando encontrar algo que orientasse o que fazer para pés doloridos. Os cortesãos estavam tão infelizes que comeram um farto jantar em silêncio, na sala de banquetes, e depois foram para seus quartos, dormir.
Somente o velhinho de longos cabelos brancos e longa barba branca não estava infeliz. Ele deixou o castelo quando os cortesões estavam jantando e ninguém o viu sair. Ele voltou quando os cortesãos estavam dormindo e ninguém o viu voltar.
Contudo, no dia seguinte, quando a Princesa, o Rei, a Rainha e os cortesãos estavam tomando o café da manhã, um jovem estranho entrou na sala de banquetes. Ele era alto, garboso, belo, seu andar era firme, seu olhar doce. Seu rosto resplandecia como se fosse feito da luz do sol e seu sorriso iluminava toda a sala. Era Jovem, mas havia nele qualquer coisa que fazia com que ele parecesse ter mais sabedoria do que sua idade aparentava.
Ele se inclinou diante do Rei, da Rainha e da Princesa, saudou graciosamente os cortesãos e perguntou se ele podia acompanhá-los no café da manhã, enquanto lhes contava sua história. Deram-lhe um lugar de honra na mesa, entre o Rei e a Princesa, uma taça de ambrosia e uma colher de prata foram colocadas diante dele.
Depois de ter comido, ele disse à Rainha que a ambrosia era a mais deliciosa que já tinha saboreado, e começou a sua história:
— Eu sou um sapateiro da Terra do Sol, e tendo ouvido as palavras de seus mensageiros, eu também gostaria de ter a honra de tentar obter a mão da Princesa em casamento.
— A Terra do Sol! exclamou o Rei, atônito. Mas a Terra do Sol é inacessível para nós. Nenhum habitante da Terra pode cruzar suas fronteiras. Meus mensageiros não poderiam ter entrado nesse reino de luz.
— É verdade, Majestade, concordou o sapateiro. Nenhum mortal pode agora entrar na Terra do Sol, embora algum dia todos os homens viverão lá conosco. Mas nós, da Terra do Sol, sabemos de tudo que acontece na Terra, e há muito tempo que sentimos pena da Princesa por sua aflição. Agora que vocês pediram auxílio, estamos ansiosos por ajudar. Recebi permissão do Rei da Terra do Sol para confeccionar um par de sapatos para a Princesa, com os quais ela poderá subir até a mais alta montanha facilmente. Se ela usar estes sapatos, seus pés nunca mais doerão.
O Rei olhou para o sapateiro longa e pensativamente.
Depois disse:
— A Princesa experimentou muitos sapatos e teve muitas desilusões desde que meus mensageiros saíram. Eu não desejo que ela fique novamente decepcionada. Mas, como você é da Terra do Sol, talvez seus sapatos lhe deem o alívio que ela espera. Vou deixar que ela decida.
Voltou-se para à Princesa e disse:
— Minha filha, você ouviu as palavras deste sapateiro e sabe de que lugar ele veio. Você quer experimentar seus sapatos?
— Quero, Papai, disse a Princesa com um leve sorriso. Se um sapateiro da Terra do Sol não puder fazer os sapatos que eu preciso, ninguém mais poderá. Por favor, deixe-o tentar.
— Muito bem, disse o Rei, pode fazê-lo.
Então, o sapateiro tomou cuidadosamente a medida dos pés da Princesa e disse que tinha que ir à floresta que cercava o castelo, para buscar o material com o qual faria os sapatos. O Rei, a Rainha, a Princesa e os cortesãos, muito intrigados, o seguiram.
No meio da floresta havia um círculo encantado, onde a Princesa frequentemente pedia para ser levada em sua liteira. Aí, o sapateiro parou. Andou lentamente ao redor do círculo, tocando delicadamente cada uma das árvores que o circundavam e, quando já havia feito toda a volta, foi até ao centro do círculo e levantou os braços em direção ao Sol. Ao fazê-lo, um raio de sol o envolveu e ele desapareceu na Terra.
O Rei, a Rainha e os cortesãos abafaram um grito, consternados, mas antes que pudessem fazer alguma coisa, a não ser olhar uns para os outros, o sapateiro reapareceu no centro do círculo. Em suas mãos havia um pedaço de ouro que tinha saído do fundo da Terra.
Ele segurou o ouro à luz do sol e ele brilhou e cintilou. Parecia receber os raios da luz do sol e refleti-los. O sapateiro mergulhou o pedaço de ouro no frio regato da montanha que corria suavemente por ali, e depois deixou-o secar, segurando-o contra a fresca brisa que soprava.
Depois começou a amassar o pedaço de ouro com os dedos e, ante os olhos espantados de todos que estavam observando, o pedaço de ouro transformou-se em um par de sapatos de ouro.
O sapateiro ajoelhou-se na frente da Princesa e delicadamente calçou-lhe os sapatos.
A Princesa deu um passo, cautelosamente, depois outro. Seus olhos se arregalaram e os cantos de sua boca se transformaram num pequeno sorriso, que não sabia de que tamanho iria ficar.
— Eles servem, murmurou.
O Rei e a Rainha olharam-se felizes e alguma coisa parecida com um suspiro veio de todos os cortesãos, que tinham estado segurando a respiração.
— Ande um pouco mais, Alteza, insistiu o sapateiro. Ande em volta do círculo.
Então, a Princesa deu uma volta inteira no círculo encantado, a princípio devagar, mas, gradualmente, foi mais depressa, mais depressa, até que no fim estava quase correndo.
— Eles servem mesmo! exclamou. Meus pés não doem nada!
Depois, ela olhou para o sapateiro e o pequeno sorriso em seu rosto tornou-se radiante. Os cortesãos nunca tinham visto sua Princesa tão bonita.
— Eu vou subir a montanha, ela disse ao sapateiro, que fez um sinal que sim.
— Eu vou com você, ele disse.
— Você tem certeza de que está preparada para isso, meu bem? – perguntou o Rei, avançando para impedi-la.
Contudo, antes que ele pudesse segurar sua mão, a Princesa se virou e correu pelo bosque em direção à mais alta montanha. O sapateiro, correndo também, alcançou-a facilmente, e o Rei e a Rainha, que os seguiam, não estavam longe deles. Atrás do Rei e da Rainha vinha uma longa fila de cortesãos, alguns correndo, alguns andando, e alguns apenas conseguindo avançar um pouco.
A Princesa e o sapateiro logo chegaram à base da montanha e começaram a subir. A encosta era inclinada e rochosa e, em muitos lugares, parecia impossível encontrar um lugar para colocar o pé. Mas, para os que estavam olhando, parecia que a Princesa e o sapateiro tinham asas nos pés, pois eles mal tocavam o chão, pulavam de rocha em rocha até que desapareceram de vista.
O Rei e a Rainha, que podiam tê-los seguido, ficaram na base da montanha. Nenhum dos cortesãos teve coragem de tentar a subida inclinada.
Quando a Princesa e o sapateiro chegaram ao topo, a Princesa olhou ao redor e ficou extasiada. Lá, abaixo deles, até onde a vista podia alcançar, estavam todas as terras, oceanos e rios do mundo. Havia florestas de pinho verde-escuro e bosques verde-claro de álamos e choupos. Havia picos de montanhas cobertos de neve que refletiam a luz do Sol, torres e torreões de castelos distantes. Os oceanos eram azuis escuro e rios serpejavam pelo mundo como fitas de prata. Havia muitas manchas de cores vivas onde flores se abriam. Acima da linha do litoral, muito longe, havia nuvens escuras de onde caia uma chuva prateada e, ainda mais longe, havia um magnífico arco-íris.
Enquanto a Princesa e o sapateiro estavam olhando, uma águia solitária voando abaixo deles, mas muito acima da Terra onde o Rei, a Rainha e os cortesãos estavam esperando, levantou as asas como se estivesse saudando-os e continuou seu voo.
Por muito tempo, a Princesa ficou olhando o mundo sem dizer nada. Depois, deu um grande suspiro e virou-se para o sapateiro.
— É lindo, murmurou. Gostaria que todos pudessem ver o mundo como ele realmente é.
— Algum dia eles o verão, garantiu o sapateiro. Seu pai e sua mãe já o viram e há outros que logo irão subir na montanha mais alta, com sapatos iguais aos seus. Aos poucos, todas as pessoas da Terra o farão.
Depois, de mãos dadas, a Princesa e o sapateiro desceram a montanha e foram calorosamente recebidos pelos que estavam esperando embaixo.
Logo no dia seguinte, a Princesa e o sapateiro da Terra do Sol se casaram. Construíram um castelo no topo da mais alta montanha, onde não havia necessidade de muralhas, nem fosso guardado por um dragão, e moraram nesse castelo por muito mais luas do que o mais brilhante matemático da Terra poderia contar.
A nuvenzinha cinza-claro estava muito infeliz. Ela era tão pequena e tão cinza-claro. Nos dias bonitos, ela mal podia ser vista por causa do brilho do sol e do resplandecente céu azul. Nos dias feios, ela mal podia ser vista porque todas as grandes nuvens escuras de tempestade a empurravam para fora do caminho.
A nuvenzinha cinza-claro queria tanto ser uma nuvem ruidosa. Queria ser escura e assustadora e fazer com que todos que a vissem fugissem e se escondessem.
Mas, mesmo que se esforçasse muito por mudar, continuava exatamente do jeito que era. Mesmo que se esforçasse muito para ficar escura, continuava exatamente o mesmo cinza-claro. Mesmo que se esforçasse muito para ser barulhenta, continuava silenciosa como sempre.
Derramava algumas lágrimas, esperando que, ao menos, elas causassem um pouco de chuva, mas apenas caiam dois ou três pingos que nem eram percebidos pelas pessoas lá embaixo. A pobre nuvenzinha ficava cada vez mais infeliz.
Por fim, as sílfides e as salamandras que vinham observando a nuvenzinha, não aguentaram mais vê-la assim infeliz. Se puseram a trabalhar. A nuvenzinha ficou muito animada ao ver que estava ficando cada vez mais escura. Ventos sopravam em volta dela e clarões de relâmpagos e tremendos estrondos de trovões vinham deles. Uma chuvarada caia dela para a Terra. A nuvenzinha cinza-claro tinha se tornado uma nuvem ruidosa.
Então, veio uma tempestade. As pessoas lá embaixo disparavam para suas casas ou abriam os guarda-chuvas. As senhoras que mexiam nos jardins corriam para dentro. As pessoas que assistiam ao jogo de futebol, colocavam jornais na cabeça. Às estradas ficaram molhadas, os carros ficaram molhados, e os policiais que dirigiam o trânsito ficaram encharcados.
Ninguém podia acreditar que toda aquela chuva, raios e trovões vinham daquela nuvenzinha. Não conseguiam entender como ela era tão escura e barulhenta, quando tudo em volta no céu era azul.
Cientistas corriam para fora de seus laboratórios para examinar seus aparelhos. Mas, os aparelhos só lhes diziam que havia uma nuvem ruidosa no céu, o que eles já sabiam. Os aparelhos não diziam por que uma nuvenzinha ruidosa estava provocando tamanha tempestade, quando todo o céu estava azul.
A nuvem ruidosa, sentindo-se muito poderosa e muito barulhenta, choveu, trovejou e relampejou até que tudo de fora ficou encharcado e tudo de dentro ficou muito quente, porque as janelas estavam fechadas.
Depois, ela se afastou da cidade e foi para o campo. Encontrou um prado de margaridas, crisântemos e rainhas-margaridas, todas murchas e tristes porque não tinham recebido chuva há muitas semanas. A nuvem ruidosa era bastante grande para chover em todo o prado, o que ela fez com prazer. As flores estavam com sede e beberam e beberam. Logo levantaram as cabeças, estenderam suas folhas, realmente muito agradecidas à nuvem ruidosa.
A nuvem ruidosa passou acima das montanhas. Ali ela encontrou algumas nuvens enormes, escuras, carrancudas e frias. Elas riram quando a nuvenzinha apareceu. Acharam que ela era uma nuvenzinha muito boba, tentando achar um lugar entre elas que eram tão grandes e poderosas.
Mas, quando a nuvenzinha deixou cair uma nova chuvarada e alguns trovões de quebrar os tímpanos, elas pararam de rir.
— Nada mau, disseram com admiração. Nada mau mesmo.
A nuvenzinha também achou que estava muito bem, quando viu sua chuva se transformar em chuva de pedra no alto das montanhas. Ela ribombou, troou e fez tanto barulho quanto pode, e as montanhas lá embaixo pareciam mesmo sombrias e assustadoras.
Pouco depois, a nuvenzinha, ainda chovendo, dirigiu-se para o deserto. É claro que todos sabiam que no deserto nunca chovia nessa época do ano.
— Meu Deus! exclamou um professor que estava examinando um cacto com uma lente e nem imaginava que uma nuvem ruidosa pudesse estar a menos de 800 km de distância.
— Santo Deus! exclamou um viajante, com uma mochila nas costas, que estava com muito calor, muita sede e desejando poder ter mais água no seu cantil.
— Por Deus! exclamou um senhor enorme, gordo que estava tomando sol ao lado da piscina e estava todo satisfeito antes de se encontrar, de repente, ensopado da cabeça aos pés.
A nuvem ruidosa move-se daqui para lá sobre o deserto, fazendo com que muita gente ficasse olhando para o céu, sem acreditar o que estava acontecendo e, quando ficaram encharcados, disseram:
— Isto não está acontecendo!
Finalmente, depois de atravessar todo o país, a nuvem ruidosa se achou sobre uma das grandes cidades perto do oceano. Ela já estava ficando cansada, mas ainda queria produzir uma tempestade gigantesca. Juntando todas as suas energias, relaxou-se com um relâmpago que iluminou todo o céu e um violento ribombar de trovão e de chuva muito forte.
As pessoas nos escritórios fecharam as janelas rapidamente. As pessoas que estavam lavando os carros fecharam as torneiras e correram para dentro. As crianças que estavam no recreio voltaram correndo para dentro da escola.
A nuvem ruidosa fez tanto barulho que as pessoas não podiam ouvir seus rádios. As crianças não podiam ouvir as professoras ensinando aritmética.
Os cachorros não podiam ouvir seus donos chamá-los. As secretárias não podiam ouvir os chefes ditando. Um maestro, que estava ensaiando um concerto, não podia ouvir a música que sua orquestra estava tocando.
A nuvem ruidosa continuou com seu terrível temporal de raios e trovões por dez minutos. Foi o suficiente para que os meteorologistas pudessem descobrir que nenhum de seus mapas geográficos, aparelhos, livros e artigos científicos explicassem porque uma nuvenzinha escura podia estar isolada em um céu azul e causar tanta agitação.
Repórteres de televisão e de jornal, excitados, escreveram artigos sobre o tempo mais incrível daquele dia. Um avião cheio de cientistas já tinha deixado a capital e estava perseguindo aquela estranha nuvem ruidosa que estava causando tanta perturbação.
Mas, a nuvem ruidosa, muito orgulhosa de si mesma, satisfeita e feliz, estava também muito cansada. Já chegava. Tinha sido muito feliz por ter seu desejo satisfeito e ter sido uma nuvem ruidosa por algum tempo. Agora, estava bem contente para voltar a ser uma nuvenzinha comum cinza-claro, vagando no céu, quase despercebida.
Agradeceu às sílfides e às salamandras por sua grande ajuda e flutuou preguiçosamente por cima do oceano. Em breve, bem alto no céu, ela desapareceu da vista das pessoas. A nuvenzinha cinza-claro tinha passado um dia muito feliz, do qual nunca mais se esqueceria.
— O Que?
O Pica-pau parou no meio de uma bicada, deixando escapar o inseto que estava pegando. Ficou olhando para os galhos da macieira.
— Para que você quer uma fenda no seu tronco? Normalmente eu não posso picar buraquinhos tão pequenos que agradem vocês, árvores.
— Eu sei, eu sei, disse a árvore impacientemente, mas isto é diferente. Neste ano eu vou cobrar uma moeda por cada uma de minhas maçãs. Elas estão quase maduras e eu preciso dessa fenda depressa.
— O que? disse novamente o Pica-pau. Você perdeu o juízo?
— Ao contrário, disse a árvore. Agora é que eu achei meu juízo. Toda minha vida, os seres humanos têm encontrado escadas bem na minha cara e subido em cima de mim por todos os lados, arrancando minhas maçãs sem pedir licença. E o que é que eu ganhei com isso? Nada!
A árvore fez uma cara tão feia que um sabiá que ia pousar em seus galhos, fugiu depressa.
— Nada? duvidou o Pica-pau. Você não se sente bem, por dentro, por saber que as pessoas gostam de comer seus frutos, os quais lhes dão saúde? O pessegueiro se sente bem.
— O pessegueiro é um sentimental exagerado, respondeu a macieira. O que você pode fazer com “sentir-se bem por dentro?”, Você não pode usar isso. Você não pode comprar nada com isso. Se eu cobrar uma moeda por cada maçã, eu vou poder comprar muitas coisas.
Mais uma vez, o Pica-pau olhou duro e longamente para os galhos da macieira.
— Eu acho que você está louca, ele afirmou.
— Faça-me um favor, disse a árvore. Poupe-me a análise psicológica e comece a fazer a fenda.
O Pica-pau continuou a olhar fixo para a árvore e por tanto tempo, que finalmente a árvore disse, impaciente:
— Você sabe o que é uma fenda, não sabe? Você conhece essas máquinas automáticas nos postos de gasolina nas estradas. Elas têm…
— Sim, eu sei o que são fendas e já vi as máquinas automáticas nos postos de gasolina. Coisas horríveis. Todas de metal e vidro, sem raízes na terra e sem folhas por cima.
— É claro que elas não têm raízes nem folhas. A árvore parecia desgostosa. Elas são produtos da civilização. E eu também vou ser um produto da civilização. Eu vou ser rica. Por favor, você quer começar agora a fazer a fenda?
— Oh! Muito bem. O Pica-pau suspirou e sacudiu a cabeça. Acho que não adianta pedir para você desistir dessa bobagem. Você vai ter que aprender por um caminho mais duro. Onde é que você quer a fenda?
— Bem embaixo, disse a árvore, onde os humanos possam alcançá-la. Principalmente as crianças. São elas que pegam mais as minhas maçãs.
— E isso não faz você feliz? Você não fica feliz sabendo que todas essas crianças vão ter mais saúde comendo as suas maçãs?
— Não, isso não me faz feliz, rosnou a árvore. Mas eu vou ficar feliz se pagarem as minhas maças. É agora você quer trabalhar?
— Muito bem, disse o Pica-pau, mas lembre-se, foi você que pediu. Isto vai doer.
— Não tem importância, disse a árvore. Eu aguento. Nada mais vai doer quando eu ficar rica.
— Há! zombou o Pica-pau e começou a trabalhar vingativamente.
Ele não estava se sentindo delicado, e não tentou ser delicado. Ele picou com força, ele picou fundo e ele picou rápido. R-a-tat, rat-a-tat, fazia seu bico afiado, e a árvore sentiu como se tivesse uma dúzia de abelhas picando o seu braço ao mesmo tempo.
— Aaai, gemeu a árvore. Você precisa ser assim tão cruel?
— Eu disse que ia doer, disse o Pica-pau indiferentemente. Você quer que eu pare?
— Não! exclamou a árvore. Eu posso aguentar. Continue, continue!
Então, o Pica-pau continuou, ra-a-tat-rat-a-tat, cada vez mais depressa, cada vez mais forte. A árvore se encolheu, estremeceu, gemeu e sofreu, mas não gritou, nem chorou ou se queixou. Em vez disso, dizia:
— Nada mais vai doer quando eu ficar rica.
— Puah! disse por fim o Pica-pau, cuspindo um pedaço amargo da casca da árvore. Já está pronto. Espero que você esteja satisfeita.
— Oh! sim, disse a árvore. Muito obrigada. Está perfeito. Agora você pode também esculpir ’10 centavos’ embaixo da fenda? Os humanos não saberiam para que é a fenda se não lhes for explicado.
— Devo admitir que você me espanta, admirou-se o Pica-pau. Você pensa realmente que só porque está escrito ‘10 centavos’ embaixo de uma fenda no seu tronco, as pessoas vão colocar uma moeda dentro, toda vez que quiserem uma maçã?
— Claro, disse a árvore. Eles estão condicionados a colocar dinheiro nas fendas para qualquer coisa. Não tem problema!
— Há! bufou o Pica-pau outra vez. Acho que você está a caminho de um triste despertar. Além disso, você vai ficar desfigurada se começar a ter preços gravados no seu tronco.
— Eu não me importo, disse a árvore. Vale a pena, quando eu ficar rica não vai fazer diferença.
Então, o Pica-pau começou de novo a trabalhar. Rat-a-rat, Rat-a-tat. De novo a árvore se encolheu, estremeceu, gemeu e sofreu, mas de novo não gritou, nem chorou ou se queixou. Em vez disso, ficou dizendo de novo:
— Nada mais vai doer quando eu ficar rica.
Finalmente, o Pica-pau acabou.
— Puah! disse cuspindo outro pedaço da casca da árvore. Aí está. Uma fenda e escrito ‘10 centavos’, E eu não vou fazer mais nada. Estou cansado desse negócio. Adeus!
— É tudo que eu preciso, gritou a árvore quando o Pica-pau foi embora voando. Obrigada!
— Hum! disse o Pica-pau. Árvore idiota! Ela vai se arrepender. Mas a árvore não ouviu.
Uma semana depois, duas crianças vinham alegremente pela estrada, carregando uma cesta.
— É aquela a árvore, disse a maior. E as maçãs estão maduras. Eu vou subir e jogo as maçãs pra você.
— Ah! pensou a árvore, meus primeiros fregueses. Vejam como o dinheiro vai correr agora.
A árvore tinha um sorriso tão desagradável na sua cara, que um azulão, que ia pousar nos seus galhos, voou rápido para longe.
— Hei, veja! chamou a criança menor. O que é isto?
Ela apontava para a fenda no tronco da árvore.
— Ahn! disse a maior, observando com atenção. É – é uma fenda e embaixo está escrito 10 centavos. Acho que é para a gente colocar uma moeda por cada maçã.
— Mas nós não temos uma moeda por cada maçã, protestou a menor. Nós não temos nem mesmo uma moeda.
— Eu sei, disse a maior. Bem, vamos. Lá está outra macieira que não tem fendas. Podemos tirar nossas maças dela.
Então, as duas crianças foram pela estrada balançando a cesta entre elas.
— Pequenos miseráveis, rosnou a árvore. Tinha uma expressão tão sem caridade em sua cara, que um sabiá, que ia pousar nos seus galhos, voou rápido para longe.
Um homem velho vinha pela estrada, apoiado numa bengala e carregando um saco de estopa nas costas. Ficou em frente da árvore, pousou o saco e a bengala com um suspiro.
— Ah! Pensou a árvore. Outro freguês. Agora o dinheiro vai correr.
— Oh! Meu Deus, disse o velho, que caminho comprido. Mas, se eu puder encher o saco com maçãs, valeu a pena. O que é isto?
O velho tirou seus óculos do bolso e colocou-os no nariz. Pôs a cara bem perto do tronco da árvore e leu ‘10 centavos’.
— 10 centavos? exclamou. 10 centavos por cada maçã? Bem, eu não posso pagar isso. Já tenho bastantes problemas para o dinheiro chegar. Acho que vou ter que ir até aquela outra árvore do caminho. Lá não tem fendas.
Lentamente, o velho se curvou, recolheu o saco e a bengala. Depois, foi pela estrada apoiado na bengala e carregando o saco nas costas.
— Pão duro! rosnou a árvore. Tinha um sorriso tão desagradável na sua cara, que um melro, que ia pousar nos seus galhos, voou rápido para longe.
Nesse momento, um carro preto grande parou na beira da estrada. Um homem careca com um terno caro desceu do carro, e uma senhora de cabelos brancos penteados para cima e usando um vestido caro desceu pela outra porta.
— É esta a árvore, meu bem, disse o homem. Parece que está carregada de maçãs.
— Ah! pensou a árvore. Estas pessoas são ricas.
Agora eu vou ganhar um bom dinheiro.
— Mas, olhe aqui, disse a senhora em voz alta, lamuriando-se. Aqui diz 10 centavos. Vamos ter que por 10 centavos na fenda por cada maçã. Nunca vi uma coisa assim.
— Que abuso! exclamou o homem. Eles devem pensar que somos feitos de dinheiro. Venha, meu bem. Há outra macieira sem fendas, mais adiante. Vamos pegar nossas maçãs, lá.
Então, o homem com o terno caro e a senhora com o vestido caro entraram de novo no carro e partiram numa nuvem de poeira.
— Avarentos! rosnou a árvore. Tinha uma expressão tão pouco amigável na sua cara, que um papa-figo, que ia pousar nos seus galhos, voou rápido para longe.
Logo depois, um furgão parou na beira da estrada. Um pai uma mãe e seis crianças pularam para fora.
— É esta a árvore, papai? perguntou a menininha menor.
— É esta mesma, disse o pai. Tirem a escada da furgão, meninos. Vamos ter bastante trabalho.
— Ah! pensou a árvore. Uma família numerosa. Agora sim, vou ganhar dinheiro.
O rapaz mais velho encostou a escada na árvore e, de repente, parou.
— Ei! venham cá, chamou, apontando para o tronco da árvore.
— O que foi, filho? perguntou o pai. Puxa! Não acredito! Uma fenda para moedas! Querem uma moeda para cada maçã!
— 10 centavos por cada maçã. Nós somos oito, se cada um de nós apanhar 50 maçãs, serão 400 moedas, disse a menina maior que era bamba em aritmética. Nós temos 400 moedas?
— Não, nós não temos 400 moedas, disse o pai. E, se tivéssemos, não iríamos gastá-las assim. Todo mundo para o furgão. Há outra macieira sem fendas, mais adiante. É lá que vamos fazer a nossa colheita.
Então, o pai, a mãe e os seis filhos se ajeitaram no furgão e partiram numa nuvem de poeira.
— Unhas de fome! rosnou a macieira. Tinha uma expressão tão mesquinha na sua cara que um corvo, que ia pousar em seus galhos, voou rápido para longe.
E, assim, foi por todo o outono. Nenhum humano apanhou nenhuma maçã daquela árvore. Nenhum quati subiu na árvore para pegar um bom petisco, e nenhum pássaro deu sequer uma bicada em uma maçã. Até os insetos, quando sabiam o que estava acontecendo, rastejavam para longe da árvore e não ligavam para as maçãs. Aos poucos, as maçãs endureceram, murcharam e caíram. No chão estavam as frutas de um ano inteiro, escurecidas e podres — coisas mortas, espalhadas, desprezadas.
Tudo tinha dado errado para a macieira. Ela não ficou rica. Em vez de ter centenas de moedas, não tinha sequer uma. E o que era muito pior, ninguém gostava dela. Os seres humanos a ignoravam e os animais e pássaros ficavam longe dela. Outras árvores e plantas que tinham sido suas amigas, a ignoravam. Pela primeira vez, a macieira sentiu o que era a solidão. Finalmente, parou de rosnar e começou a chorar.
— Por que eu fui tão gananciosa? chorava. Eu queria ser rica de dinheiro, quando eu já era rica de amigos e frutos. Agora, eu não sou rica de nada. Eu sou tão pobre, eu não tenho nada.
Mas, sem que a árvore soubesse, uma das maçãs não tinha caído. Pendurada no galho mais baixo, aninhada junto ao tronco e escondida peias folhas, estava uma maçã grande, brilhante, vermelha, que cada dia ficava mais doce, mais suculenta e mais deliciosa.
Uma manhã, quando o Pica-pau voou por perto, mas sem dirigir-lhe uma palavra, a árvore chamou-o:
— Sr. Pica-pau, eu sei que o senhor está desgostoso comigo e o senhor tem razão. Mas será que o senhor pode dar um jeito de me fazer um favor?
Relutante, o Pica-pau parou o seu voo.
— Um favor? perguntou. Eu lhe fiz um favor antes e veja no que deu! Agora, o que é que você quer?
— Por favor, risque a fenda e o letreiro de 10 centavos do meu tronco, pediu a árvore.
— Você não os quer mais? perguntou sarcástico o Pica-pau.
— Não, eu não os quero mais, disse a árvore, quase chorando. De agora em diante, vou dar as minhas maçãs. Nunca mais vou cobrar por elas. Talvez eu nem tenha maçãs o ano que vem. Eu não mereço. Mas se eu as tiver, eu quero que as pessoas vejam que já não existe mais a fenda.
— Hummmm, disse o Pica-pau, olhando fixamente para a árvore. Acho que você está mudando seus sentimentos. Mas você deve saber que isto vai doer mais do que na última vez, porque eu vou ter que cortar fundo.
— Eu sei, suspirou a árvore, eu sei. Mas acho que eu mereço isso também. Por favor, pode fazer.
— Então, lá vou eu, disse o Pica-pau. Segure-se.
O Pica-pau começou a trabalhar e doeu. Puxa, como doeu! A pobre árvore se encolheu, estremeceu, gemeu e sofreu, mas não gritou, nem chorou ou se queixou.
— Você tem certeza que já tirou tudo? Não quero que sobre nada da fenda e da inscrição.
— Estou tirando tudo, respondeu o Pica-pau. Mas, você vai ter uma grande ferida exposta na sua casca que vai doer por muitos meses.
— Não tem importância, disse a árvore.
E, quando o Pica-pau acabou, é evidente, ficou uma grande ferida exposta na casca e a árvore sabia que isso ia doer por meses. Mas, ela disse:
— Obrigada Sr. Pica-pau, não posso nem dizer o quanto lhe sou grata por isto. Mesmo que eu não dê maçãs no ano que vem, é maravilhoso estar livre da fenda e do letreiro.
— Não tem de que, respondeu o Pica-pau. Devo dizer que eu me sinto muito melhor tendo que desfazer isso, do que me senti da primeira vez, quando o fiz.
Logo depois, o inverno chegou e, para surpresa de todos, bem antes do tempo. Parecia que quase não tinha havido outono. Numa semana, as árvores ainda tinham folhas, na semana seguinte as folhas já tinham desaparecido, levadas por um vento frio, frio.
Foi aí que os pássaros, os animais, as árvores e os arbustos viram uma maçã grande, brilhante, vermelha, doce, suculenta, ainda pendurada no galho mais baixo da macieira. Os quatis se assombraram, mas não a tocaram. Os pássaros se maravilharam, mas não a picaram.
As árvores e os arbustos ficaram espantados, mas não disseram nada. E a macieira viu, mas teve até medo de acreditar.
Depois caiu uma tempestade de neve por dois dias e duas noites, quando acabou, só o que se podia ver era a neve branca, os galhos marrons e uma maçã grande, brilhante, vermelha, pendurada no galho mais baixo da macieira.
Os quatis tinham que se virar para arranjar comida. Os pássaros que tinham sorte achavam migalhas e sementes jogadas para eles nas fazendas das vizinhanças. Mas, nenhum pássaro ou animal tentou comer aquele misterioso fruto vermelho da macieira.
No dia seguinte da tempestade de neve, viu-se um vultozinho marcando os primeiros sinais na camada funda de neve que ainda cobria a estrada. Lentamente, com dificuldade, o vulto avançava como se cada passo fosse o último que conseguia dar.
À medida que o vulto se arrastava, alguns centímetros de cada vez, a macieira viu que era um garoto que parecia muito pequeno para estar abrindo caminho na neve. O garoto chegou até a macieira, parou e se encostou nela com todo seu peso.
— Puxa, como eu estou cansado! disse. E também com fome. Daqui até o armazém, ainda tem 1 Km e meio. Não sei se eu vou conseguir.
Nem as árvores, nem as criaturas selvagens que espiavam por trás das moitas, sabiam que a mãe do garoto estava muito doente. Como ela estava de cama, ela não sabia de que altura estava a neve e o quanto seria difícil andar nela. Por isso, ela tinha pedido a ele que fosse ao armazém comprar comida e remédios, e ele já tinha saído há muitas horas.
O garoto ficou muito tempo encostado na árvore antes de ver a maçã vermelha pendurada no galho mais baixo.
— Ei! exclamou sem acreditar no que seus olhos estavam vendo. Isto é de verdade?
Estendeu a mão e a maçã estava bem na altura para ele pegar. Quando ele a puxou do galho, parece até que ela pulou para a sua mão. A primeira mordida foi doce e suculenta e, logo que a mordeu, sentiu-se ficar mais forte e menos cansado.
— Puxa, como está gostosa! disse o garoto, dando outra mordida. Encostou-se na árvore, saboreando a maçã, e apreciando-a mais do que se lembrava de alguma vez ter apreciado um sorvete, doce, milke-shake ou seu bolo favorito.
Quando acabou, endireitou o corpo.
— Oba! exclamou, já nem estou cansado! Isso é que é uma maçã especial!
Retomou seu caminho, andando muito mais depressa do que antes. Quando ele desapareceu pela estrada, a macieira não teve dúvida de que ele conseguiria chegar ao armazém sem dificuldade.
— Foi uma beleza de maçã que você produziu, disse o Pica-pau que tinha ficado a observar. Parabéns.
— Oh, não, disse a macieira. Não me felicite. Do jeito que eu me comportei, durante todo o verão, eu não merecia ter essa maçã especial no meu galho. Ela me foi dada de presente, só para me mostrar que eu tenho outra oportunidade de não ser egoísta. E acredite, eu não vou desperdiçar essa chance no próximo verão.
Realmente, no verão seguinte a macieira produziu centenas e centenas de lindas maçãs. E, quando estavam no ponto de serem colhidas, vinha gente de muito longe para apanhar aquelas frutas deliciosas. Eles colhiam, colhiam, e cada uma delas parecia perfeita.
— Havia uma fenda para dinheiro nesta árvore, disse alguém um dia, mas já não está mais aqui. Alguém a cortou fora. Isso deve ter machucado a árvore.
“Mas, à essa altura, já não doía mais. Ela estava tão feliz dando seus frutos a todos que os quisessem, que nunca mais sentiu dor.
Chiado e Faísca, que faziam tudo junto; tinham vivido a maior parte de suas vidas em fogueiras que as pessoas acendiam na praia. Eram Salamandras muito jovens e conheciam muito pouco do resto do mundo, mas, Chiado pelo menos, achava que sabia muito sobre todas as coisas.
Durante todo o verão, Chiado e Faísca tinham pulado de uma fogueira para outra. Competiram para ver quem conseguia provocar a chama mais alta ou a maior faísca. Eram muito bons para aparecer no ar no momento em que um fósforo era riscado, mas nem sempre eram cuidadosos sobre como os fósforos queimavam. Às vezes, o Mestre Salamandra tinha que lhes dar uma boa reprimenda por quase terem queimado os dedos das pessoas e, muitas vezes, tinha que pô-los em terra. Então, eles só podiam arder no carvão, enquanto seus companheiros se divertiam muito nas chamas altas e crepitantes.
Uma noite, Chiado e Faísca estavam no meio de uma fogueira muito grande e muito especial.
— Puxa! exclamou Faísca, diminuindo a língua de uma chama. Que belo fogo. Tomara que eles continuem pondo lenha nele a noite toda.
— Está muito quente, queixou-se Chiado, dando desconsolado um pontapé em uma brasa.
— Muito quente? Faísca olhou para ele espantada.
O que você quer dizer, muito quente? Você sabe que fogo é quente.
— Eu sei, eu sei, disse Chiado, mas gostaria que tivéssemos fogo como esse negócio que as pessoas chamam de ar condicionado. Ele deve refrescar as coisas.
— Ar cond… Você ficou biruta. Você deve ter andado ultimamente rondando muitas chamas azuis.
— Não, não, não, resmungou Chiado. Eu só gostaria que houvesse fogo com ar condicionado, só isso.
E tão fora de propósito?
— Bem, disse Faísca, eu acho que é fora de propósito. Mais ainda, acho que é loucura. Ora, vamos. Esqueça esse estúpido ar condicionado e vamos nos divertir.
— Não, disse Chiado, endireitando os ombros. Eu vou dizer para o Mestre Salamandra que eu quero morar num fogo com ar condicionado. Eles inventaram o raio e inventaram o granizo, com certeza podem inventar fogo com ar condicionado.
— Chiado, disse Faísca. Você está doido! E é melhor não falar com Mestre Salamandra desse jeito. Ele vai pôr você numa chama de vela onde não terá condições de pular para cima e para baixo, de jeito nenhum.
— Não, ele não vai fazer isso, disse Chiado com firmeza. O Mestre Salamandra é esperto. Ele deve saber como fazer um fogo com ar condicionado, Você vai comigo ou está com medo? Faísca suspirou.
— Não, eu não sou covarde, disse, sim, eu vou com você. Nós sempre fazemos tudo junto e eu não vou recuar agora. Mas, continuo pensando que você está louco.
Então, Chiado e Faísca foram procurar Mestre Salamandra, que estava descansando depois de um dia duro, pois esteve reavivando raios de quinze tempestades diferentes. Ele não parecia muito satisfeito em vê-los.
— O que é que vocês, meninos, estão fazendo aqui? perguntou impaciente. Quem está cuidando das fogueiras?
— Oh, os outros estão fazendo tudo direito. Eles não precisam de nós, senhor, respondeu Chiado, o mais respeitosamente que pôde, a fogueira é muito quente. Nós queremos morar num fogo com ar condicionado.
Mestre Salamandra arregalou os olhos para Chiado.
— Misericordiosos Fósforos! exclamou. O que é que esta nova geração vai inventar mais? Em nome de tudo quanto é explosivo, para que você quer um fogo com ar condicionado?
— Senhor, disse Chiado de novo, é que aquela fogueira está muito quente. Um fogo com ar condicionado vai fazê-la ficar mais fresca. O senhor deve saber como fazer isso. Por favor, senhor.
Mestre Salamandra olhou para Faísca.
— Você também está nesta loucura? Perguntou.
— Não senhor, respondeu Faísca. Eu também acho que é loucura. Não existe fogo com ar condicionado. Mas como Chiado e eu sempre fazemos tudo junto, achei que era melhor ficar de olho nele, porque eu acho que ele está ruim da cabeça.
Um som estranho, zangado veio da garganta de Chiado, mas ele engoliu-o.
— Hummmm, hummmm, murmurou Mestre Salamandra pensativamente. Sua preocupação com seu amigo certamente é digna de elogios. Mas, na realidade, existe mesmo fogo com ar condicionado.
— Ah! gritou Chiado, virando-se triunfante para Faísca. Eu não disse? E você disse que eu era louco.
— Contudo, continuou Mestre Salamandra. Não creio que você possa gostar de morar nele. Não é muito confortável.
— Oh, sim, senhor, eu gostaria de morar lá. Por favor, mande-nos para lá, pediu Chiado.
— Você não sabe nada sobre ele, Chiado, avisou Mestre Salamandra.
— Oh, eu sei, senhor, eu sei. Por favor, mande-nos para lá.
Mestre Salamandra ficou pensativo por um longo momento e por fim disse:
— Muito bem, se você insiste. Acho que só vai aprender por experiência própria. Agora, você, Faísca, não precisa ir se não quiser. Você é muito bonzinho em querer vigiar Chiado, mas estou avisando, lá para onde vocês vão, não é agradável.
— Eu — eu suponho que não é, senhor. Mas, de qualquer modo, eu vou com Chiado, disse Faísca lentamente. Eu ainda acho que devo ficar de olho nele.
— Talvez sim, disse Mestre Salamandra, talvez sim. Muito bem, dirijam-se para longitude 158.2 Oeste, latitude 73.4 Norte, amanhã de manhã. Lá vocês vão encontrar seu fogo com ar condicionado.
Duas horas depois, Chiado e Faísca deslizavam rapidamente pelo ar, bem acima da Terra. Eles vinham de muito longe e ainda tinham um longo caminho pela frente. Tinham visto estrelas que nunca viram antes, e tinham corrido sobre correntes de vento nas quais nunca tinham corrido antes.
Uma vez, o caminho deles tinha sido bloqueado pela maior e mais feroz Salamandra que já tinham visto, que reclamou, querendo saber o que eles estavam fazendo no seu território.
Chiado estava tão assustado que nem podia falar, mas Faísca arquejou e conseguiu dizer:
— Nós vamos para a longitude 158.2 Oeste, latitude 73.4 Norte. O Mestre Salamandra nos enviou. Meu amigo quer morar num fogo com ar condicionado e eu vou ficar de olho nele.
Mesmo estando muito assustado, Chiado produziu um som estranho e zangado, mas Faísca e a Salamandra o ignoraram.
— Ele vai precisar mesmo de ter cuidado. Esse garoto biruta — fogo com ar-condicionado, bolas! Imagino quem é que vai tomar conta de vocês. Bem, podem atravessar meu território, rapazes. Eu não invejo vocês.
Finalmente, chegaram à longitude 158.2 Oeste, latitude 73.4 Norte e mergulharam para pousar na Terra. O solo estava coberto por uma coisa branca, e as únicas cores que podiam ver por quilômetros ao redor, eram o branco do solo e o cinza de um céu pouco amistoso.
— Como é que isto tudo é tão branco? Perguntou Chiado. Que negócio é este?
— Isto deve ser neve, disse Faísca. Eu ouvi falar nisto. É qualquer coisa como água, só que mais fria. Se você puser muito disto em um fogo, o fogo apaga.
— Ah! estremeceu Chiado. Faz frio também. Brrrr. Eu não gosto daqui. Este não deve ser o lugar certo. Eu não vejo fogo algum.
— É aqui mesmo, sim, disse Faísca, que também não estava contente. Olhe ali.
No chão, havia uma coisa branca com o formato de metade de uma bola de baseball, como as que as crianças humanas jogam nas praias. Um fio de fumaça estava saindo de uma abertura.
— Venha, disse Faísca. É melhor resolver isto.
— Lá? disse Chiado recuando.
— Onde então? Mestre Salamandra disse que a gente não ia gostar disto aqui. Talvez agora você acredite nele. Venha.
Faísca deslizou através daquela construção branca. Chiado não teve outro remédio senão segui-lo. O lugar onde eles entraram era úmido e frio, frio de amargar. Fez os dois Salamandras sentirem-se tão fracos, que nem tiveram energia suficiente para acender um vagalume.
Dentro, muitas pessoas estavam amontoadas em redor de um fogo, que as salamandras acharam sem personalidade alguma. Não troava, não estalava, não subia alegremente pelo ar. Mas, também não era quente, pelo menos comparado com uma fogueira.
— Aí está o seu fogo com ar condicionado, disse Faísca. É justamente o que você queria. Você deve estar contente agora. Não posso entender por que você não parece ser feliz.
— Oh, não amole! resmungou Chiado. Eu não sabia que ia ser assim. Por que este lugar é tão frio?
— Eu pensei que você queria que fosse frio, retorquiu Faísca. Faz frio porque aqui é o Círculo Ártico e nós estamos em um iglu, que é o mais próximo do ar condicionado que se pode ter.
— Como é que você sabe? perguntou Chiado.
— Porque eu presto mais atenção na aula de geografia do que você, disse Faísca indiferentemente. Bem, vamos entrar no fogo. Foi para isso que viemos.
Então, Faísca e Chiado entraram no fogo, mas perceberam que não tinha graça nenhuma. O fogo era tão fraco que Chiado, pulando nele para cima e para baixo, quase o apagou.
— Devagar, avisou Faísca. Você agora não está numa fogueira. Você não pode pular para cima e para baixo como lá.
— Eu sei que não estou numa fogueira, rosnou Chiado, e eu preciso pular para cima e para baixo porque eu estou com frio.
— Você queria ficar com frio, lembrou-lhe Faísca, pouco simpaticamente. E se você apagar esse fogo, não haverá mais fogo algum, aí sim, é que você vai sentir frio.
E, com essa feliz observação, Chiado e Faísca acomodaram-se para morar no seu fogo com ar condicionado. Dia após dia, eles se movimentaram com cuidado dentro dele, sem nunca subir ou pular, nunca escorregando pelas línguas de fogo, nunca espalhando faíscas chiando para todos os lados. Algumas vezes, ficavam com frio e outras ficavam gelados mesmo — mas, certamente, não podiam se queixar de estar com calor!
Até que uma manhã, Chiado não pôde nem se mexer. Ficou encolhido numa brasa e nem prestava atenção à Faísca, que estava fazendo alguns exercícios de aquecimento.
— Vamos, Chiado, levante, insistia Faísca. Você vai ficar mais quente se você se mexer um pouco.
— Está frio demais para eu me mexer, murmurou Chiado, com voz tão fraca que Faísca quase não podia entendê-lo. Eu vou ficar sentado aqui.
Faísca olhou para ele, preocupado.
— Você não pode ficar sentado, disse, você vai morrer de frio.
— Eu sei, murmurou. Eu não me importo.
— Chiado! exclamou Faísca, realmente alarmado. Você tem que se importar. Você não pode simplesmente morrer de frio! Vamos — Levante-se!
— Deixe-me em paz! murmurou Chiado, mal abrindo a boca.
— Levante-se, ordenou Faísca, agarrando Chiado e levantando-o.
Mas, quando ele o largou, Chiado despencou outra vez.
— Deixe-me em paz! murmurou outra vez.
— Não, eu não vou deixá-lo em paz! Gritou Faísca quase chorando. Levante-se e fique em pé!
Mais uma vez Faísca pôs Chiado de pé. Ele o arrastou para lá e para cá no fogo.
— Vamos, Chiado, mexa-se, ordenou. Mexa-se! Mexa-se!
— Não, murmurou Chiado. Deixe-me em paz!
— Pare de dizer isso! gritou Faísca. Eu não vou deixar você em paz. Eu não vou deixar você morrer de frio. Agora, ande, continue andando. Hum — dois — três — quatro, hum — dois — três — quatro!
Durante todo o dia, Faísca arrastou um Chiado relutante para lá e para cá em um fogo fraquinho. Chiado não cooperava nada, ele só queria se esparramar no chão e morrer de frio.
Até tarde da noite, Faísca ficou arrastando Chiado para lá e para cá. Tentou tudo o que podia para aquecer Chiado. Insultou-o, fez piada sobre o fogo com ar condicionado, xingou-o. Mas, Chiado não ficava em pé sem que Faísca o segurasse, e tudo o que dizia era: Deixe-me em paz! Deixe-me em paz!
Então, quando Faísca completamente exausto, estava quase desistindo, um brilho quente encheu o iglu.
— Bom trabalho, Faísca, estou orgulhoso de você, disse Mestre Salamandra. Eu vim assim que recebi sua mensagem por pensamento, e acho que cheguei na hora certa. Chiado certamente estaria perdido sem você para cuidar dele.
Dizendo isso, Mestre Salamandra fez duas chamas e numa embrulhou Faísca e na outra Chiado. As chamas eram quentes — ardentemente quentes como a maior fogueira. Num instante os dois salamandras estavam quentinhos e fortes de novo, como se nunca tivessem estado num fogo com ar condicionado.
Chiado quase se esqueceu que há um minuto atrás a única coisa que queria era morrer de frio. Mas, lembrou-se o suficiente para dizer:
— Obrigado, Mestre Salamandra. E obrigado, Faísca. Vocês dois salvaram a minha vida.
— Oh isso não foi nada, disse Faísca embaraçado.
— Não, Faísca, isso foi muito, disse Mestre Salamandra com voz severa. Chiado fez um jogo muito perigoso quando pensou que sabia melhor do que eu, o que era melhor para ele. Se você não tivesse sido tão leal com ele, Faísca, na certa ele teria morrido de frio. Você quase perdeu a sua vida por causa da tolice de Chiado. Espero que ele tenha aproveitado a lição.
— Aprendi a lição, sim, senhor, disse Chiado com voz tão humilde como ninguém ainda o tinha ouvido usar. De agora em diante, prometo ouvir o que as pessoas mais sensatas e com muita experiência disserem, e pensar com muito cuidado sobre as coisas que eu quero fazer.
— Ótimo, Chiado. Espero que seja verdade. E agora, disse Mestre Salamandra, acho que é hora de voltarmos para a nossa praia. Amanhã é sábado e haverá muitas fogueiras. Vamos embora.
Clyde era um peixe grande e desajeitado do mar,
E divulgava que, na sua vida, apenas desejava
Suas nadadeiras imprestáveis abandonar
E num elefante com presas e pele grossa se transformar.
Depois de muitas consultas, os Poderes Que São,
Embora em dúvida e hesitantes, resolveram concordar
Que uma oportunidade dariam a Clyde para mostrar o que poderia fazer,
Como se sua ordem de progresso pudesse ordenar e torcer.
Assim, lhe deram quatro pés, grandes orelhas e rabo
E presas, pele grossa e uma tromba para poder açoitar.
Pintaram-no de cinza e fizeram-no tão grandão,
Que parecia a seus amigos um desajeitado batelão.
O polvo avisou que ele nunca poderia trabalhar,
Pois passar de peixe para um enorme mamífero, um grande choque era.
O boto deu-se ao trabalho de repetir a lei severa
De que o progresso na Terra, é como à escola ir.
Não se pode ser um elefante até que se possa adquirir
Todas as habilidades que essa criatura possui e que lhe são natas.
Mas Clyde não ligou para esses apelos de razões sensatas,
Achava que experiência de muitas outras vidas
Era algo de que ele não necessitava. Talvez outro qualquer
Tivesse de aprender primeiro a gingar antes de poder andar.
Mas, para Clyde, esse lento progresso o iria frustrar.
Então, um de seus tremendos pés tentou levantar,
Mas, desceu-o tão pesado, como se fosse o concreto quebrar.
Abriu a boca e um alto som de trombeta saiu,
E, na beira da praia, um grupo se reuniu,
Eram os amigos marinhos de Clyde, de seus dias molhados,
Que sua partida saudavam em altos brados!
Clyde ergueu sua tromba em majestosa saudação,
Virou-se para entrar no seu novo reino da selva,
E assumiu o que pensou ser uma astuta expressão,
Mas, o peso de seu corpo o esmagava.
Ele, cujo peso anterior fora sua conquista,
Deu um tropeção, e, bem à vista
De todos reunidos para sua despedida,
Caiu de cara, em grande gritaria ouvida
Até do lado oposto da Terra.
Pobre e mortificado Clyde, quando tentou se levantar,
Compreendeu que na terra não era fácil se equilibrar.
Ele, que estava tão seguro, que à situação penso poder dominar!
Sua dignidade injuriada, sua majestade destruída,
Tão ignobilmente estragada, sua imponente partida.
Tudo que Clyde podia fazer agora, era seguir cambaleando
Sobre grossas pernas, que feitas de barro mole estavam parecendo.
Ouviu enquanto se esforçava, uma risada abafada,
Ao voltar-se, viu uma jovial girafa,
Que estava perto da trilha postada,
E de onde confortavelmente podia ver
As contorções que o pobre Clyde tinha que fazer.
“Credo! que espécie de criatura você é?”
Perguntou olhando para Clyde, escarnecendo.
“Com certeza não é um elefante, pois eu temo
Que embora um grande paquiderme esteja parecendo
Seus modos sugerem mais um antílope enfermo”.
“Claro que sou um elefante”, respondeu Clyde prontamente
Mas, por dentro, suspirou profundamente.
“Mas ainda esta manhã, eu só podia me mexer
Dentro da água”, (e isso muito mal).
“A arte de andar ainda não pude aprender.
Ficaria muito grato se embasbacada você não ficasse,
Pois não é fácil elefantizar-se
Se você recebeu um novo corpo para andar.
Um peixe eu era até hoje,
Mas agora sou elefante, e assim vou ficar”.
A girafa encarou de novo Clyde, que parecia tão desajeitado,
E riu até sentir uma dor do lado.
“Um elefante você quer ficar?
Meu amigo, eu suponho que em um curto dia somente
Desta nova vida, será para você o suficiente.
É difícil manter este ritmo de mamífero continuamente.
Para voltar ao seu líquido lar você vai pedir
E da vida como um peixe não mais vai querer desistir”.
“Ridículo!”, respondeu indignado,
E Clyde permitiu-se um bufar malcriado.
“Um elefante eu pretendo ficar,
E nada, nada, meu caminho vai barrar”.
Isto dizendo, virou-se € foi-se a cambalear,
Enquanto a trocista girafa continuou a zombar.
Clyde, à medida que entrando pela selva ia,
Achou que agora já passava do meio dia,
E decidiu uma boa refeição obter.
Imaginava o que mais apetitoso poderia ser.
Não sabendo bem o que os outros elefantes comiam,
Pensou que não fosse difícil encontrar
Um viveiro de peixes ou um lago, que com certeza teriam
A comida de que gostava no seu reino do mar.
Mas nenhum corpo aquático foi encontrado.
A selva era densa e o terreno solidificado.
Então, Clyde, avistando um gigantesco avestruz”,
Ergueu a tromba e educadamente disse: “Como vai?
Por acaso, pode me dizer onde existe um lugar
Em que eu consiga comer uma refeição do mar?”
“Ahn?”, o avestruz com seu olhar de míope, disse:
“Pensei que um elefante você fosse,
Mas se você procura comida do mar somente,
Alguma criatura esquisita deve ser, certamente”.
Clyde ergueu-se em toda sua altura e com voz vibrante
Pediu que ele pronunciasse “elefante”,
E explicou que tendo estado na condição de peixe anteriormente,
Tinha vontade daquilo que comia normalmente.
O avestruz, cujo cérebro pequeno não podia entender
O que isto significava, com voz assustada passou a dizer:
“Um elefante que quer obter sua comida do mar
Não é companhia que eu deseje conservar.
Acho que seria mais sensato se você aderisse
A dieta de folhas suculentas dos elefantes e as comesse.
Até lá, eu deixo você sozinho”, e sem se despedir
Correu para a selva atropeladamente.
“Folhas”, resmungou Clyde com petulante zombaria.
“Então é isso que nós comemos? Saber que espécie de folhas são, eu gostaria,
E como consegui-las? Saber eu precisaria.
Só em pensar nesse regime fico cheio de pesar”.
Então, Clyde olhou em volta para as folhas comparar,
E pensou que poderia começar em qualquer lugar.
Abriu sua boca o máximo que suportou,
E agarrando um galho, pensou: “Tomara que seja bom!”
Deu um puxão no galho, e o arrancou,
Ficar com a boca doendo foi só o que arranjou.
“Puaf!”, exclamou Clyde, largando o galho escolhido,
“Não acho que folha seja meu alimento preferido”.
“Claro que não, seu bobo”, disse uma voz que ele ouviu,
“Se não quiser usar sua tromba”.
Lá estava um elefante, grande e preto, como nunca vira
E à cuja vista Clyde ficou surpreendido
“Quem —?”, disse gaguejando, “quem é você?”
“Se não me engano você é comigo parecido,
Que há uma semelhança, eu devo confirmar,
Mas, duvido que você seja capaz de enganar
Qualquer um que julgue que você realmente venha a ser
Um elefante, pois seu comportamento bizarro e maçador
Deixa claro que sua condição é bem inferior”.
“Ahn, bem…, murmurou Clyde, em cuja mente um branco se formou
“Eu — ahn — isto é — bem — não faz muito tempo que eu estou
Com o ilustre grupo dos elefantes.
Esta manhã eu era ainda um peixe do mar, sim,
E agora sou um elefante — olhe para mim!”
“Estou vendo, estou vendo”, disse o amigo recente
Não admira que você seja um quadrúpede diferente.
Pois muito de peixe os seus modos ainda trazem,
E simplesmente você não consegue fazer o que os elefantes fazem”.
“Uma conversa!”, disse Clyde que já estava ficando cansado
De ser como um vira-latas olhado.
Estou certo que saberei fazer bem se você me mostrar,
E, então, serei igual a você, sem me embaraçar”.
“Ah!”, foi a resposta do mamute grosseiro.
“Mas, enfim, acho que posso ser um bom companheiro.
É assim que se consegue comida. Fique olhando”.
A ponta da tromba foi se levantando,
E em volta da mais suculenta folha foi se enrolando,
E quase como se a roubasse, cortou-a delicadamente
E a tromba depois, com um gesto, enrolou-a habilmente,
Formando com ela um arco perfeito,
Colocando a folha em sua boca com treinado jeito.
Engoliu o bocado e disse calmamente: “Aí está,
É assim que se faz. Se Você conseguir assim fazer,
Não vai mais ter falta do que comer”.
Com isso, o elefante virou e afastou-se,
Deixando Clyde certo de que já sabia como proceder.
Enrolou a tromba como tinha visto fazer
É disse para si mesmo: “Bem, isto deve ser de colher!”
Mas, mesmo torcendo e virando com todo o seu poder,
Não pôde enrolar a tromba em nenhuma folha sequer.
Sua pontaria era horrível, seu equilíbrio de lascar,
Seus músculos ficaram entorpecidos e sua tromba não podia beliscar.
Respirou pólen que o fez tossir,
E, apesar de todos os seus esforços, nenhuma folha pôde possuir.
Por fim, com cara desapontada, resolveu desistir.
Olhou com desgosto as folhas desse lugar
E, pela primeira vez, pôs o pensamento a funcionar.
Ser um elefante podia, deixá-lo perturbado,
Tristemente foi de novo pela trilha adiante
Sentindo-se desanimado, abatido, fraco e desencorajado.
Um papagaio, em algum galho lá no alto distante,
Gritou trocista quando o pobre Clyde passou.
Uma tartaruga com o mais malicioso olhar falou:
Nunca em meu 500 anos tive a oportunidade de olhar
para um paquiderme tão errado.
Não vejo como alguém possa atestar
Que você seja o que tem declarado”.
Lágrimas encheram os olhos de Clyde; já não podia ver.
Às cegas, incautamente, pelas moitas cerradas andou,
“Pare de estragar nossas árvores!”, um tordo assim lhe ralhou.
Uma zebra desafiou-o com uma enorme gargalhada,
E chamou para perto seus parentes distantes,
Para gozarem a presença daquela peça aloucada,
Que assim por lá cambaleava — um bruto desconjuntado!
Um leão apareceu, de juba majestosa, enfeitado,
Mas, depois de um momento, com desdém real manifestado,
Foi embora em sua realeza, certo que a presença de Clyde
Não era perigosa para seu orgulho amado.
“A única pessoa que ele pode ferir é a si mesmo;
Em uma prateleira de refugos devia ser colocado”.
Uma cacatua soltou um grito bem gozado.
Uma gazela e um grande antílope ambos
Repreenderam Clyde por estar tão despreparado
Para seu papel na vida, mas Clyde não mais se importou.
Por seu velho lar nas águas salgadas suspirou,
Onde velhos amigos e companheiros eram tão bondosos.
Em lágrimas, sem esperança, Clyde desejou ardentemente
Que pudesse viver como um peixe novamente
Ante ele, de súbito apareceu o Poder Que É.
“Você está pronto, afinal, para o mar voltar?
Perguntou, e Clyde, com uma onda de esperança disse,
Que ser elefante lhe causara muita chatice.
“Acho que não estou preparado para tal salto.
De peixe para elefante, é um pulo muito alto.
É claro que você tem razão e eu deveria dar
Um passo de cada vez e em ritmo lento andar.
Se você, outra vez, em peixe me transformar, eu vou prometer
Fazer o melhor onde estiver,
E aprender o que na escola do mar devo saber,
E aperfeiçoar inteiramente cada passo seguinte”.
Então, o Poder Que É, com grande força de vontade,
Um coração compassivo, e grande habilidade,
Fez desaparecer a longa tromba de Clyde, suas presas e suas grandes orelhas,
Deu-lhe de volta as barbatanas, que tinha deixado reservadas,
Tendo certeza que Clyde concordaria finalmente
Que progresso não é coisa que se obtenha facilmente.
Era uma vez, uma princesa que não queria ser princesa. Vocês acham isso impossível? Vocês não acham que todas as moças ficariam felizes com à oportunidade de serem princesas?
Bem, não essa princesa. Todas as noites quando ia para a cama pensava, “Espero que amanhã quando acordar, eu seja uma cozinheira. Ou, “Espero que amanhã quando acordar, eu seja uma costureira. Ou, “Espero que amanhã quando acordar, eu seja uma florista”. Mas todas as manhãs quando acordava, ainda era princesa.
E por que a princesa não queria ser princesa? Por que em vez disso, ela queria ser uma cozinheira, uma costureira ou uma florista? Porque era duro ser princesa. Pelo menos, ela achava que era duro ser uma princesa. Ela achava que era duro ser sua qualidade de princesa.
Bem, é verdade que algumas princesas são mimadas e conseguem tudo que desejam em bandeja de prata, e despedem seus servidores se não forem servidas suficientemente bem ou suficientemente depressa ou com suficientes saudações e salamaleques, para satisfazê-las. Algumas princesas são soberbas e andam com o nariz para o ar, recusando-se a dar atenção às pessoas que elas acham que estão muito abaixo delas. Algumas princesas são muito preguiçosas, nunca pegando nada se alguém puder pegar para elas, e se enchendo de sorvetes e doces. Essas princesas não são muito queridas, porque são egoístas, só pensam nelas e nada fazem.
Mas, esta princesa não era mimada, não era soberba e não era preguiçosa. Não que ela não quisesse as vezes ser assim. Simplesmente não lhe permitiam e principalmente seu pai, o Rei.
O Rei amava muito sua filha. Na verdade, a amava tanto que não queria que ela crescesse mimada, soberba ou preguiçosa. Ele queria que ela crescesse carinhosa, gentil, dócil, compreensiva, e sabia que ela deveria se esforçar muito para ser assim. Então, ele insistia para que ela se esforçasse muito para ser todas essas coisas.
E é por isso que a princesa, que se chamava Andrea, não queria ser princesa. Ela achava que era muito difícil ser todas as coisas que seu pai queria que ela fosse.
Outras princesas, pensava Andrea, podiam dormir quanto quisessem e tomar café na cama. Outras princesas, pensava, podiam dizer, “Deixem-me em paz”, se não queriam falar com as pessoas. E outras princesas, pensava, com certeza não precisavam sorrir se não tivessem vontade.
Mas, o Rei insistia que Andrea levantasse alegre e cedo todas as manhãs, e que arrumasse sua cama e fosse tomar o café da manhã na sala de jantar, com o resto da família. Ele insistia que ela fizesse tudo que pudesse para si própria. Ela tinha até que engraxar seus sapatos, dar banho no seu cachorro, ajudar a tirar o pó dos móveis do palácio, preparar seu lanche para a escola. Quando tinha que pedir alguma coisa para algum criado, tinha que ter muito cuidado e dizer “por favor”, e “muito obrigada”, porque se não dissesse seu pai ia ficar muito descontente. E não era uma boa ideia, ela sabia, desagradar ao Rei.
O Rei insistia que Andrea ouvisse todas as pessoas que quisessem falar com ela porque, ele dizia:
— Uma princesa é responsável por seus súditos.
Ela nunca se atrevia a dizer, “Deixe-me em paz”, porque se o fizesse seu pai ia ficar muito zangado. E não era uma boa ideia, ela sabia, deixar o Rei ficar zangado.
O Rei insistia que Andrea fosse cortês com todos que encontrasse e sorrisse para as pessoas sempre que pudesse. É claro que não devia fechar a cara para eles. Algumas vezes sua boca doía de tanto sorrir, mas, de qualquer modo, ela continuava sorrindo. Se ela não o fizesse, seu pai ia ficar muito decepcionado. E não era uma boa ideia, ela sabia, deixar o Rei ficar decepcionado.
Um dia, Andrea teve uma ideia.
— Se eu me esconder no bosque o dia inteiro, eu não verei ninguém e ninguém me verá, pensou. Assim, eu não terei que falar com ninguém ou sorrir e não terei problemas por não dizer “por favor”, e “muito obrigada”, e eu posso me deitar à sombra de uma árvore e não pensar em nada, a não ser em mim.
Assim, Andrea pegou um tapete macio para deitar, pôs num saquinho uma maçã, uma banana, dois sanduiches, um de manteiga de amendoim e outro de geleia, e desceu as escadas de serviço do palácio na ponta dos pés. Quase esbarrou no mordomo que estava levando para cima uma jarra de suco de maçã, mas ela conseguiu se esconder num armário de vassoura até que ele passasse. Quase caiu em cima da faxineira que estava esfregando o último degrau, mas conseguiu se esconder num canto escuro até que a faxineira acabasse.
Andrea atravessou correndo o jardim do palácio e subiu numa trepadeira que crescia pelo muro alto. Pulou de cima do muro e correu pela estrada que levava ao bosque.
Ninguém a viu sair do palácio, e ninguém sabia que ela tinha ido se esconder no bosque.
Andrea entrou bem para dentro do bosque, antes de parar.
— É embaixo desta árvore que eu vou me deitar, disse por fim, olhando para um grande castanheiro, bem mais alto que as outras árvores vizinhas. Estendeu o tapete e espreguiçou-se.
— Ahhh! suspirou. Assim é que é bom.
Em poucos minutos estava profundamente adormecida.
— Então, esta é a princesa que não quer ser princesa, disse uma voz esganiçada e aguda, perto de seu ouvido.
— Vamos fazer-lhe um favor e conceder-lhe o desejo? — Perguntou outra voz esganiçada e aguda.
— Claro, disse a primeira. Vai ser divertido!
Piscando os olhos, Andrea viu dois homens pequeninos com roupas lilás, sapatos vermelhos e chapéus verdes sorrindo para ela. Primeiro ela pensou: “Como são pequenos! “Depois pensou: “Quantos dentes eles têm! “. Depois pensou: “Quem são? “
— Quem são vocês? perguntou.
— Nós somos Realizadores de Desejos, disse o primeiro homenzinho. Temos o poder de conceder qualquer desejo que você deseje, mas você precisa estar certa de que você totalmente, positivamente o deseje. Quando concedemos um desejo, nunca mais o retiramos.
— Você totalmente, positivamente, deseja não ser uma princesa? perguntou o segundo homenzinho.
— Oh! sim, respondeu Andrea. Eu totalmente, positivamente, desejo não ser uma princesa.
— Muito bem, disse o primeiro homenzinho. Feche bem os olhos e não abra.
Andrea apertou os olhos e ouviu:
“Abracadabra, abracadabra,
Dê à princesa, sua maior ambição,
Ela que uma loura princesa era,
Agora é feia, sem comparação”.
Então, Andrea sentiu que coisas esquisitas estavam acontecendo com ela. Seus ossos estalavam quando se mexia. Seus músculos se esticavam e encolhiam até ela se sentir como uma tira de borracha. Era como se suas roupas estivessem sendo rasgadas e seu vestido macio começou a ficar grosso e picava. Seus cabelos, com suas tranças bem penteadas, caiam lisos sobre seu rosto.
— Há, há, há! Riu com maldade o primeiro homenzinho com sua voz esganiçada. Agora ninguém vai confundir você com uma princesa. Você não pode dizer que não atendemos seu desejo. Abra os olhos — e felicidades.
Andrea abriu logo os olhos – mas os homenzinhos tinham desaparecidos. Olhou-se com crescente horror. Seu lindo vestido cor de rosa tinha se transformado em uma roupa rasgada, feia, deformada, suja e que parecia não ter sido lavada há meses. Suas mãos estavam calosas e suas unhas quebradas e sujas. Seus cabelos estavam brancos e emaranhados.
Começou a andar e percebeu que um pé se arrastava e ela só podia levantá-lo com muito esforço. Tentou falar e sua voz soou horrivelmente. Mancando, Andrea conseguiu chegar até um regato no bosque ali perto, e viu seu reflexo na água clara. O que ela viu assustou-a tanto, que ela gritou e desmaiou.
Quando voltou a si, olhou-se de novo cautelosamente. O reflexo ainda parecia um pesadelo. A linda princesa de cabelos dourados tinha se transformado numa horrível megera, tão feia que poderia assustar até o mais valente cavaleiro quando ia para a guerra lutar por seu pai, o Rei.
— O que eu vou fazer? choramingou Andrea. Eu não queria ser princesa, mas também não queria ser assim.
Andrea começou a chorar. Chorou, chorou, chorou e quando se olhou outra vez na água, seu rosto estava vermelho, inchado e ainda mais feio.
— Realizadores de Desejos: Por favor, voltem! Prefiro ser princesa do que ser assim. Por favor, transformem-me outra vez em princesa.
Mas, sua única resposta foi o canto longe de um canário-da-terra no bosque.
Por sete dias, Andrea ficou no bosque, lavou a velha roupa preta no regato e penteou seus cabelos como pôde, mas nada mais conseguiu fazer para melhorar sua aparência. Depois de comer a maçã e a banana e os dois sanduiches de manteiga de amendoim e geleia, comia nozes que encontrava pelo chão. Mas, os esquilos tinham trabalhado bastante e não haviam deixado muitas nozes.
Começou a fazer frio, e, uma noite, caiu uma chuva gelada que a deixou encharcada da cabeça aos pés.
Então, Andrea achou que não podia mais ficar no bosque. Ela não tinha teto, nem comida, nem agasalhos.
— Vou voltar para o palácio de meu pai, disse. Talvez ele tenha pena de mim e me deixe morar lá.
Então, Andrea saiu do bosque sempre mancando e foi pela estrada que dava para os portões do palácio.
Embora ela não soubesse, havia grande tristeza no palácio porque ela não tinha voltado depois do seu primeiro dia no bosque. O Rei, a Rainha e todos os cavalheiros e damas da corte, todos os guardas e criados estavam tristes.
— O que terá acontecido com a Princesa Andrea? perguntavam uns aos outros. Onde estará? Por que não volta para casa?
O Rei e seus cavaleiros tinham cavalgado por todo o reino procurando por ela, e o Rei mandou mensagens para os reinos vizinhos, perguntando se alguém tinha visto a Princesa Andrea. Mas, é lógico, todos procuravam uma princesa de cabelos dourados e ninguém procurava uma bruxa feia e velha. Assim, ninguém viu a Princesa Andrea.
Andrea manquejou até os portões. Um guarda alto, que a tinha carregado nos ombros quando ela era uma menininha, barrou seu caminho. Tinha os braços cruzados no peito e suas pernas bem separadas.
— O que é que você quer aqui, velha bruxa? perguntou desconfiado.
— Eu sou a Princesa Andrea, disse tristemente com sua voz de taquara rachada. Por favor, deixe-me entrar.
— Princesa Andrea! gritou o guarda zangado. Como você se atreve a dizer que é a nossa princesa desaparecida? A Rainha está doente de tristeza e o Rei está fora de si de tanta preocupação e você tem coragem de dizer que você é a linda Princesa Andrea! Você deve saber alguma coisa sobre seu desaparecimento. Agarrem-na!
E, antes que Andrea pudesse dizer outra palavra, foi rudemente agarrada por dois guardas que também tinham sido muito seus amigos.
— Levem-na para o Rei! ordenou o primeiro guarda, e Andrea foi meio empurrada, meio carregada para dentro do palácio, pelos longos corredores de mármore. O mordomo, a faxineira, o Grande Camareiro Chefe, a Governanta da Rouparia, o Excelentíssimo Ministro de Estado e muitas outras pessoas que Andrea conhecia bem, pararam o que estavam fazendo e ficaram olhando o grupo passar.
— Quem é essa feia bruxa velha? murmurou a faxineira.
— Eu nunca a vi antes, fungou o mordomo desdenhosamente.
— Não imagino o que Sua Majestade possa querer com ela, disse o Grande Camareiro Chefe para o Excelentíssimo Ministro de Estado, que ajeitou seu monóculo e olhou mais fixamente.
Finalmente, chegaram à ala do Trono onde o Rei estava muito triste sentado no trono. Parecia não ter dormido há dias — o que realmente não tinha.
Os guardas empurraram Andrea para dentro.
— Majestade, começou um deles, perdoe a intrusão, mas o Capitão achou que Vossa Majestade quereria falar com esta velha bruxa. Ela…
O guarda parou de falar quando o Rei, com expressão misto de espanto, horror, incredulidade, desceu do trono e foi até Andrea.
— Andrea, murmurou, minha filha, o que aconteceu com você?
Todos que estavam ali olhando murmuraram:
— Andrea? será que essa feia bruxa velha é a Princesa Andrea?
— Como é que o Rei sabe que é a Princesa Andrea? sussurrou a Terceira Dama de Companhia.
Um pai conhece seus filhos, respondeu sabiamente a Governanta da Rouparia.
Andrea, com lágrimas escorrendo em seu rosto olhou para seu pai.
— Você me reconhece? perguntou sem acreditar.
— É claro que reconheço você, minha filha. Mas o que aconteceu? Quem fez isto com você? perguntou o Rei abraçando-a.
Por algum tempo, Andrea só pôde soluçar amargamente. Estava aliviada por seu pai tê-la reconhecido, e terrivelmente envergonhada por sua feiura e pela coisa horrível que havia feito a si mesma. Por fim, aos poucos, começou a contar sua história. Todos na Sala do Trono ouviam com piedade e horror quando ela contou que, porque pensava que não queria ser princesa, os Realizadores de Desejos tinham-na transformado na coisa mais oposta a uma princesa que se possa imaginar.
— É tudo culpa minha, meu pai, soluçou Andrea.
Se eu não tivesse tido aquele estúpido desejo, eu ainda seria uma princesa e ainda seria bonita.
O Rei suspirou e acariciou seus grossos cabelos brancos.
— Você ainda é uma Princesa, Andrea, murmurou para que só ela pudesse ouvir. Você ainda é a filha de um Rei. Mesmo os Realizadores de Desejos não podem mudar isso.
Então, severamente, dispensou todos os cortesãos, todos os criados, todos os guardas da Sala do Trono e ele e Andrea conversaram sozinhos por três horas. Mas o que disseram um ao outro, só eles podem dizer.
No dia seguinte, e por dias, semanas e meses depois disso, Andrea se levantava como de costume, arrumava sua cama como de costume, e ia tomar o café da manhã na sala de jantar com toda a família, como de costume. Engraxava seus sapatos, dava banho no seu cachorro, ajudava a tirar o pó dos móveis do palácio e preparava seu lanche para ir à escola, como de costume. Quando pedia a algum criado para fazer alguma coisa, sempre dizia “por favor”, e “muito obrigada”, como de costume. Era cortês com todos que encontrava e sorria para as pessoas sempre que podia, como de costume.
Na verdade, tudo continuava igual, menos o fato de que, em vez de ser a bonita Princesa Andrea dos cabelos dourados, era agora a feia bruxa velha Princesa Andrea. Usava a velha roupa preta e, embora sempre tivesse as unhas limpas, elas estavam sempre quebradas e suas mãos encarquilhadas. Seus cabelos grossos, brancos e a voz soava horrivelmente.
Por uns tempos, as pessoas evitavam Andrea. Ela era tão feia que, embora ainda fosse princesa, não queriam saber dela. Mas, porque seu pai queria, e ela sabia que era o que devia fazer, ela continuou sendo carinhosa, gentil, dócil e compreensiva tanto quanto podia.
Depois de algum tempo, as pessoas começaram a pensar mais e mais sobre como ela era carinhosa, gentil, dócil e compreensiva e menos e menos como ela era feia. Então, esqueceram de vez que ela era feia e muita gente queria vê-la e falar com ela. Com todos Andrea era cortês, como seu pai desejava.
Uma noite, exatamente um ano e três dias depois que os Realizadores de Desejos tinham feito aquilo, Andrea estava sentada junto da janela, olhando tristemente as estrelas e imaginando pela milésima vez como seria ser bonita de novo.
— Ora, ora, ora, assustou-a uma voz esganiçada muito alta. Então, esta é a princesa que não queria ser uma princesa, heim?
Lá estavam dois homens pequeninos com suas roupas lilás, sapatos vermelhos, chapéus verdes e muitos dentes, sorrindo para ela.
— Oh, Realizadores de Desejos, gritou Andrea. Estou tão contente em ver vocês! Por favor, façam com que eu fique bonita outra vez. É horrível ser tão feia. Eu nunca quis isso. Por favor, por favor, transformem-me outra vez.
— Nós lhe dissemos antes, nós nunca desfazemos um desejo depois de concedê-lo. E você estava totalmente, positivamente certa sobre seu desejo. Lembra-se? Perguntou o primeiro homenzinho de jeito desagradável.
— Sim, sim, eu me lembro, respondeu Andrea em lágrimas. Eu fui muito tola, estou arrependida, estou tão arrependida. Por favor, por favor, façam-me como eu era.
— Isso é impossível, disse o segundo homenzinho, sorrindo maldosamente. Nós avisamos você e você disse que estava certa. Agora tem que aguentar as consequências.
— Nós só demos uma chegadinha para ver como você está indo. Credo, você é feia mesmo! Nosso trabalho foi muito bom! Ha, ha, ha! O primeiro homenzinho estava quase dobrado de tanto rir. Bem, nós temos que ir andando. Levante a cabeça! Ha, ha, ha! Adeus.
— Parem! veio da porta uma voz de comando severa. Os homenzinhos se viraram, deixaram de sorrir e se curvaram tanto que suas cabeças tocaram o chão.
— Majestade! eles disseram respeitosamente.
— Sim, disse o Rei. Então, vocês acham que fizeram uma grande coisa realizando o desejo da Princesa!
Os homenzinhos ficaram calados.
— Então, intimou o Rei, não foi isso que vocês disseram?
— Sim, Majestade, murmuraram.
— Digam-me, perguntou o Rei, qual era exatamente o desejo da Princesa? Exatamente.
— Bem, Majestade… o primeiro homenzinho hesitou.
— Continue, ordenou o Rei.
— Bem, Majestade, o homenzinho disse relutante, suas exatas palavras foram: Eu desejaria totalmente, positivamente não ser princesa.
— E vocês concederam-lhe esse desejo? perguntou o Rei.
— Sim, Majestade, responderam os homenzinhos tentando parecer orgulhosos de si mesmos.
— Sei, disse o Rei. Nesse caso, por que é que Andrea ainda é princesa? Por que é que ela ainda é minha filha? Por que é que ela ainda é chamada de Sua Alteza? Por que é que ela ainda mora no quarto da princesa no palácio? E por que é que as pessoas ainda gostam tanto dela quanto antes”?
— Ahn — ah — hum — o primeiro homenzinho gaguejou, enquanto o segundo homenzinho mexia os pés.
— A verdade deste caso é que vocês não fizeram um bom trabalho ao conceder-lhe o desejo. Vocês não o realizaram de jeito nenhum. Vocês não o realizaram porque vocês não têm poder para conceder esse desejo. Não é verdade? perguntou o Rei.
— Sim, Majestade, tiveram que admitir os homenzinhos.
— Então, vocês concederam à Princesa um desejo que ela absolutamente não desejava. Vocês a tornaram feia, e ela nunca manifestou o desejo de ser feia. Certo?
— Certo, Majestade, tiveram que admitir os homenzinhos.
— Portanto, já que vocês não concederam desejo a que foi desejado, agora eu ordeno que vocês desconcedam o que concederam, eu ordeno que vocês restituam a beleza de Andrea. IMEDIATAMENTE!
A voz do Rei era fria, poderosa e implacável, e os homenzinhos não tinham força para argumentar. Desviando os olhos do Rei, eles cantaram:
“Abracadabra, Abracadabra,
Dê à Sua Majestade, sua maior ambição,
Aquela que é feia, sem comparação
Volte a ser a beleza de então”.
De novo. Andrea sentiu coisas esquisitas acontecendo. De novo, seus ossos estalavam quando se moviam. De novo, seus músculos esticavam e encolhiam. Suas roupas ásperas ficaram macias e suas mãos já não estavam retorcidas. Andrea, que estava com os olhos fechados, tinha medo de abri-los.
— Os homenzinhos já se foram, Andrea, disse por fim o Rei, muito carinhosamente. Abra os olhos. Olhe para você.
Andrea abriu os olhos devagar e quase sem poder respirar, olhou no espelho. Quase não podia acreditar no que viu. Estava usando um vestido cor de rosa, um pouco mais comprido e elegante do que o último. Seus cabelos dourados caiam em ondas suaves por suas costas. Estava mais bonita do que nunca.
Andrea suspirou baixinho, sorriu, e virou-se para seu pai.
O Rei abriu os braços e ela correu para ele.
— Paizinho, disse simplesmente. Obrigada.
¶¶¶¶¶¶¶
Em uma floresta sombria, há muito tempo, vivia uma garotinha chamada Simonetta. Era muito bonita, muito gentil, muito boa. Os que a conheciam diziam que ela deveria ter sido uma princesa, porque ela era linda como as princesas, e fazia tudo do jeito que as princesas deveriam fazer.
Mas, Simonetta não era a filha de um rei. Era a filha de um valente caçador, que era conhecido por toda a parte por suas façanhas. Todas as manhãs, o valente caçador pendurava sua aljava no ombro, apanhava o seu arco, despedia-se de Simonetta com um beijo e partia para o meio da floresta. O dia todo ele ficava nos lugares frequentados pelos animais selvagens e todas as noites voltava para casa carregando o que havia matado.
Mas, embora Simonetta adorasse seu pai, temia sempre a sua volta. Ela sempre trazia para casa o corpo de um cervo ou coelho, raposa ou esquilo, que haviam sido seus amigos. Porque Simonetta era amiga de todos os animais. Os animais da floresta a amavam tanto quanta temiam seu pai.
Todas as manhãs, depois que o valente caçador saia de sua cabana, os animais saiam de trás das moitas onde tinham ficado esperando e iam visitar Simonetta. Durante todo o dia ela cuidava dos que estavam doentes, confortava os que estavam tristes, e participava dos jogos dos que estavam alegres.
Depois, quando o crepúsculo da floresta descia sobre eles, Simonetta dizia:
— Agora vão embora depressa, porque meu pai logo vai voltar para casa. Fiquem escondidos na floresta até pela manhã, depois voltem para mim.
E os animais partiam e não eram vistos por olhos de mortais até o dia seguinte.
Assim, ia passando o tempo. O valente caçador caçava, e as criaturas da floresta o temiam como o pior dos inimigos. Simonetta amava os animais e as criaturas da floresta a adoravam.
Um ano, o inverno chegou mais cedo a Terra. Logo que o chão ficou coberto pelas brilhantes folhas coloridas do outono, estas foram cobertas, por sua vez, por uma camada de neve. Fazia um frio intenso e, à noite, até o valente caçador ficava contente em voltar para o calor de sua lareira.
Os animais também tinham frio e, todas as manhãs, Simonetta os acolhia na cabana onde eles podiam se aquecer. Quando descia o crepúsculo, o que acontecia mais cedo nesses dias gelados, seu coração ficava apertado por ter que manda-los para fora, no ar frio. Mas, ela não se atrevia a deixá-los ficar mais tempo perto da lareira, pois a ira do valente caçador seria muito grande se os encontrasse ali ao voltar.
Então, uma manhã, quando o valente caçador estava pegando suas armas, Simonetta disse:
— Papai, hoje é véspera de Natal, por favor, não vá caçar hoje. Por favor, fique em casa e me ajude a decorar nossa árvore.
— Não, filha, eu não posso ficar em casa, respondeu o valente caçador. Preciso arranjar mais peles para vender e mais carne para defumar e armazenar. Você pode decorar a árvore sozinha. Você sempre fez isso muito bem.
O valente caçador pendurou sua aljava no ombro, apanhou seu arco e encaminhou-se para a porta.
— Pai, Pai, gritou Simonetta, agarrando sua manga, por favor, não mate nada hoje. Não na véspera do nascimento de Cristo.
— Que tolice é esta, menina? — perguntou impacientemente o valente caçador, soltando-se de suas mãos. Nós precisamos de peles para vender e de carne para comer; seja véspera do nascimento de Cristo ou não. Ora, não fique tão triste. Eu vou matar um veado hoje e vamos ter carne fresca de veado para nossa festa de Natal.
O valente caçador se despediu de Simonetta com um beijo e foi para a porta.
Simonetta ficou olhando para ele, com as lágrimas escorrendo por suas faces.
— Quando você voltar, Papai, eu não estarei mais aqui, murmurou.
Mas o valente caçador não ouviu.
Depois, chegaram os animais para se aquecerem na lareira, como faziam todas as manhãs frias. Simonetta cuidou dos que estavam doentes, tentou confortar os que estavam tristes, mas não participou dos jogos dos que estavam felizes. Tinha muito trabalho para fazer antes que seu pai voltasse, ela lhes disse, mas os animais perceberam que ela estava muito perturbada.
Durante toda a manhã ela limpou, esfregou, remendou e cozinhou, suspirando profundamente durante todo o tempo, e enxugando os olhos com a ponta do avental. Os animais olhavam e ficavam cismando, mas não podiam fazer nada para animá-la.
De tarde, Simonetta decorou a árvore com os enfeites que usavam desde que ela era pequenina, antes do tempo que sua mãe foi para o céu. Pendurou cordões de frutinhas brilhantes e prendeu uma velinha com cuidado na ponta de cada galho. Mas, mesmo enquanto estava fazendo este trabalho, dos mais agradáveis, Simonetta não sorriu nem cantou. Continuava a suspirar, suspiros fundos, e enxugava-os olhos com a ponta do avental.
Depois, Simonetta pegou um pedaço de casca de árvore que estava lá para ser usada e, com uma varinha molhada em suco de amoras, escreveu:
“Ao meu querido Pai, que eu amo muito. Eu fui embora com os animais. Eu não posso mais ficar aqui, tendo que olhar todos os dias para os corpos mortos de criaturas que foram minhas amigas. Por favor, não tente encontrar-me, pois morar na casa de um caçador é muito duro para eu poder aguentar. Talvez mamãe venha do céu para me ajudar. Eu assei um bolo de Natal que está no forno, remendei sua camisa que estava rasgada e limpei a casa o mais que eu pude. Algum dia, você vai para o Céu também e, então, nós vamos poder ficar todos juntos outra vez. Sua filha que o ama, Simonetta.”
Colocou o pedaço de casca de árvore sobre a mesa, enrolou seu xale mais quente em volta dos ombros, e disse aos animais:
— Venham, vamos embora. Meu pai vai voltar para casa logo, e eu já tenho que estar longe.
— Simonetta, não! — exclamou a raposa, que por fim percebeu o que ela estava fazendo. Está muito frio lá fora e você vai ficar gelada. Você não está vestida com peles quentes como nós. Você não deve sair de perto da lareira.
— Na verdade, querida raposa, eu preciso sair de perto da lareira, respondeu Simonetta, pois eu não posso mais morar na cabana de um caçador.
— Não há alimento para você na floresta no inverno, disse o esquilo. Se eu não tivesse armazenado nozes, eu não teria nada para comer.
— Muito bem, bondoso Esquilo, respondeu Simonetta, eu vou levar comida. Eu ainda tenho maçãs aqui e um pouco de sementes de girassol. Mas eu não preciso de muita comida, porque eu acho que minha mãe virá do céu para me ajudar.
Os outros animais também tentaram convencer Simonetta a não deixar a cabana quentinha, mas ela não queria ouvir. Apanhou algumas maçãs, sementes que colocou num saquinho e foi para a porta.
— Agora venham, disse, está ficando tarde e temos que nos apressar.
Simonetta afastou-se depressa para a floresta e os animais a seguiram relutantes.
O cervo, o último a sair, pensou em calçar a porta para esta ficar aberta, assim o vento poderia entrar e apagar o fogo, deixando a cabana fria para quando o valente caçador voltasse. Mas, depois o cervo pensou:
— Não, vou deixar que ele fique aquecido, pois seu lar vai estar bastante desolado nesta Véspera de Natal.
Então, o cervo fechou a porta e se lançou para frente, saltando por cima dos outros animais na sua pressa de alcançar Simonetta.
Estava mesmo muito frio. Simonetta tremia e puxou o xale apertando-o mais em volta dos ombros. Mas, era como a raposa havia dito — o calor de seu xale de tecido não podia ser comparado com o calor de suas peles.
— Depressa, depressa, chamou Simonetta. Ainda estamos muito perto da cabana de meu pai. Temos que entrar mais para dentro da floresta.
Assim foram andando, mais longe, mais longe, enquanto a noite ficava mais escura em volta deles e o ar estalava de tão frio. Depois, por fim, chegaram a um lugar onde só o cervo e a raposa tinham estado antes.
Nem Simonetta conhecia, pois ficava na parte mais densa da floresta, escondida do resto do mundo.
No verão, era um bosque com relva, sombreado por árvores gigantescas e cercado de samambaias. Em épocas muito distantes, rochas enormes ficaram alinhadas formando um círculo, dentro do qual estava agora o bosque. Se isto tinha sido feito por uma raça de gigantes ou pelo próprio Deus, ninguém que agora vivia na Terra podia dizer. Foi aqui, então, que Simonetta e os animais abrigaram, protegidos do vento pelas rochas em círculo.
— E aqui que eu vou esperar minha mãe vir do Céu, disse Simonetta. Meu pai não vai me encontrar aqui, pois, se ele conhecesse este lugar, com certeza me teria falado sobre ele.
Sorriu para os animais que olhavam para ela ansiosamente.
— Obrigada por terem me acompanhado tão longe, queridos amigos, disse. Eu teria ficado com medo na floresta escura se vocês não estivessem comigo, mas aqui eu não tenho medo. É um bom lugar.
Olhou para cima, através de uma abertura nos galhos, bem lá em cima, uma estrela brilhante lançava sua luz sobre eles.
— Acho que este lugar é sagrado, murmurou. Eu estarei em segurança aqui. Vão para suas casas agora, pois vocês devem estar muito cansados. E lembrem-se que eu amo vocês.
— Não, Simonetta, disse o quati, nós não vamos deixar você. Enquanto você estiver na floresta, nós seremos seus companheiros. Nós vamos esperar com você, a chegada de sua mãe.
E, por mais que tentasse Simonetta não conseguiu convence-los a irem embora. Por fim, ela disse:
— Meus melhores amigos, obrigada por ficarem comigo. Talvez seja certo ficarmos juntos, pois é Véspera de Natal, à noite em que é derramado sobre a Terra, por nosso Pai do Céu, amor suficiente para durar o ano inteiro.
Então, o quati enrolou sua cauda em volta dos pés dela para aquecê-los, o coelho e o esquilo se aninharam de cada lado dela, os dois esquilinhos listados procuraram se abrigar no bolso da saia dela, e ela encostou-se ao lobo, aquecendo as orelhas em sua pele e contou-lhes a história de Natal.
Ela a contou muito bem, pois há muito tempo que ela a sabia de cor, e até o cervo e a raposa, que já a tinham ouvido, ficaram maravilhados com a sublime dádiva de Vida e Amor que o Senhor Deus havia dado para a Sua Terra.
— E esta é a noite em que Cristo volta à Terra? — perguntou o esquilinho listado que, esquecendo-se do frio, saiu do bolso para ouvir melhor.
— É essa a noite, disse Simonetta sorrindo para ele. Neste exato momento, Sua Luz está brilhando em tudo ao nosso redor, e a Terra fria está sendo aquecida com Seu Amor.
— Não acha que nos devíamos agradecer a Ele? Murmurou o coelho que nunca falava muito porque era muito tímido, mas que, às vezes, tinha muito boas ideias.
— Claro que devemos, concordou Simonetta, e um jeito de fazer isso e cantar canções de Natal. Vocês sabem alguma canção de Natal?
A raposa conhecia algumas, porque algumas vezes andava nos arredores da vila e uma vez tinha ouvido um grupo de cantores. Mas, para os outros animais, as canções de Natal eram uma coisa estranha, sobre as quais não sabiam nada. Por isso, Simonetta cantou para eles e, pouco a pouco, eles pegaram a ideia e cantaram também. Logo, todos os animais estavam cantando.
Mas, se você tivesse estado lá, e se você estivesse ouvindo com seus ouvidos da Terra, você teria ouvido o lobo uivar, o coiote ladrar para a Lua, o esquilo chilrear, e uma miscelânea de outros sons que não pareciam de jeito nenhum canções de Natal. Mas, se você estivesse ouvindo com seus ouvidos do céu, você teria ouvido à música mais suave, que vinha dos corações dos que estavam realmente gratos.
— Oh, vamos adorá-Lo, oh vamos adorá-Lo, oh vamos adorá-Lo, Cristo Jesus, diziam todos.
Enquanto isso, o valente caçador tinha voltado para sua cabana, carregando nos ombros um grande veado morto.
— Simonetta, chamou. Venha ver o que eu trouxe para a nossa festa de Natal.
Colocou o veado no chão, do lado de fora da porta, e esperou que ela viesse recebê-lo como fazia sempre. Mas, a porta não se abriu, e um medo frio e inexplicável começou a gelar seu coração. Abrindo a porta com um empurrão, precipitou-se para dentro da cabana. O fogo crepitava alegremente na lareira, do forno vinha um aroma doce e perfumado do bolo de Natal, o assoalho brilhava com a claridade do fogo, e a mesa, tão polida de limpeza, refletia a luz de uma vela solitária. No canto estava a deslumbrante árvore de Natal e dobrada cuidadosamente no braço de sua cadeira estava a camisa rasgada que ele tinha pedido a Simonetta para costurar. Mas, nem sinal de Simonetta.
Então, o valente caçador viu o recado sobre a mesa. Com o coração batendo descompassado, ele o pegou com mãos trêmulas. Leu-o uma vez e não acreditou nas palavras. Leu uma segunda vez e um terrível lamento, como o grito de um animal ferido, saiu do fundo do seu ser.
Cambaleou até uma cadeira e cobriu o rosto com as mãos, pois não foi a imagem de sua pequena Simonetta que passou ante seus olhos. Em lugar disso, viu a figura de um veado ferido correndo pela floresta para logo cair em agonia. Viu a forma de centenas de criaturas selvagens andando despreocupadas, e, de repente, serem colhidas por flechas certeiras.
Quanto tempo ficou assim, apenas o abençoado Deus que conhece os sofrimentos de todos os homens e que, com infinita compaixão os sente em Seu próprio coração, pode dizer. Quando, ainda com lágrimas nos olhos, o valente caçador voltou ao presente, o fogo na lareira era apenas uma brasa acesa e um frio como o da morte, enchia a sala.
Mais uma vez, ele gemeu. Depois, caindo de joelhos, juntou as mãos e sussurrou:
— Agora eu sei que fiz muito mal. Agora eu sei que é errado tirar a vida de Vossas criaturas. Estou pronto para expiar minhas faltas, segundo Vossa vontade. Mas não deixeis minha filha pagar por isso, eu Vos peço. Poupai-a. Ajudai-me a encontrá-la.
Ficou assim ajoelhado mais algum tempo e depois, quase sem perceber, seus membros se aqueceram e sentiu— se mais forte. Tinha passado através da sombra e saiu purificado. Agora tinha um trabalho a fazer.
o valente caçador levantou-se de um salto. Agarrando um galho resistente da pilha de lenha, encostou-o na brasa até que começou a pegar fogo. Com cuidado, fez a pequena chama aumentar até ficar uma tocha brilhante. Então, ele apressou-se e saiu para a escuridão.
Com a luz da tocha, o valente caçador pode ver claramente as marcas deixadas pelos animais. Aqui e ali, quase apagadas pelas outras, estavam as pegadas de Simonetta e, vendo-as, tomou novo ânimo.
— Conservai-a aquecida, disse, erguendo os olhos para uma estrela brilhante acima de sua cabeça, Protegei-a. Guiai-me para ela, eu Vos imploro.
Com a tocha era fácil seguir as marcas, e o valente caçador apressou-se, indo cada vez mais para o interior da floresta, onde nunca antes se havia aventurado. De repente, no meio de umas árvores distantes, que pareciam levantar-se por detrás de uma parede de rochas, viu um clarão de luz que iluminava todo o céu,
— Um fogo, pensou o valente caçador. Ela acendeu uma fogueira. Ela está aquecida. Graças a Deus.
Mas, quanto mais perto chegava, mais desconfiava que não era o clarão de uma fogueira, a luz era muito fixa, muito branca, muito pura. Depois ouviu sons. Um lobo uivava; um coiote ladrava para a Lua.
— Os animais, murmurou. Se eles a machucaram…
O valente caçador escutou outra vez e ouviu, não uivos ou latidos, mas a música mais suave que nunca imaginou fosse possível ouvir-se. As palavras eram claras!
— Oh, vamos adorá-Lo, oh vamos adorá-Lo, oh vamos adorá-a-a-Lo, Cristo Jesus.
O valente caçador espetou a tocha em um montículo de neve onde ela ficou firme. Cautelosamente moveu-se para frente em direção do clarão. Rodeou a parede de rocha até chegar a uma abertura e ficou estarrecido com o que seus olhos viram.
Simonetta estava confiantemente encostada num lobo, cujos olhos eram vigilantes e protetores. Toda espécie de criaturas da floresta, grandes e pequenas, se aglomeravam em volta dela. Eles estavam cantando.
Depois, o valente caçador viu algo mais. Uma figura — humana na aparência — flutuante, pairava sobre Simonetta, projetando sobre ela e sobre os animais, ondas e mais ondas de uma luz branca e pura. Enquanto o valente caçador contemplava pasmado a figura, ela – pois era feminina — voltou-se para ele que ficou assombrado. Ela era aquela que um dia ele havia amado e que lhe tinha sido familiar e cuja presença carinhosa era agora apenas uma enternecedora lembrança que amiúde lhe voltava.
O vulto ficou ao seu lado, tocando delicadamente seu rosto com os dedos. Ele não sentiu o toque, mas foi como se uma brisa quente de primavera tivesse bafejado sua face. Ela sorriu afetuosamente para ele.
— Minha querida, ele murmurou. É você?
— Sim, disse a figura. Eu recebi permissão para auxiliar vocês esta noite, pois eu sabia que eu seria necessária.
— Você guiou Simonetta para este lugar e manteve-a em segurança? — perguntou o valente caçador.
A figura concordou.
— Ela viu você? ele continuou perguntando.
— Não — disse o vulto. É melhor que ela não me veja, porque, então, minha partida seria muito penosa. Mas ela sabe que eu estou perto, e está contente.
— Então — então, você deve partir outra vez? — disse o valente caçador tristemente.
— Eu devo, respondeu a figura, o mais docemente que pode. Um grande privilégio foi-me concedido e eu não me atrevo a abusar. Mas, depois desta noite, nenhum de vocês vai precisar muito de mim, pois você aprendeu uma grande lição e agora seus caminhos vão mudar.
O valente caçador suspirou profundamente.
— Isso foi obra sua também? — ele perguntou.
— Eu pedi para que os animais mortos fossem mostrados a você, respondeu a figura, pois quando o choque da mensagem de Simoneta atingiu-o tão profundamente, eu soube que você estava pronto para seus olhos serem abertos.
Por um longo momento, o valente caçador contemplou a figura que devolveu seu olhar terno e carinhoso. Depois, ela disse, suavemente:
— Agora, meu bem-amado, eu devo partir. Leve Simonetta para casa. Ela irá de bom grado. E lembre-se das suas palavras. Algum dia, você irá para o céu também e, então, nós vamos poder ficar todos juntos novamente!
Com isso, a figura acariciou seu rosto mais uma vez e lentamente subiu em direção a brilhante estrela lá no alto. Muito tempo depois dela desaparecer de vista, o clarão branco e puro ainda permanecia naquele lugar.
O valente caçador andou em direção ao grupo:
— Simonetta, chamou suavemente.
— Oh, papai! — ela exclamou, levantando-se de um salto para seus braços. Mamãe esteve aqui. Eu senti. Ela fez tudo certinho para nós.
— Eu sei filha — disse o valente caçador. Eu a vi.
— Você a viu? Simonetta arregalou os olhos. Ela ainda está bonita?
— Mais bonita do que nunca, ele respondeu com simplicidade, seu coração muito cheio de emoção para poder falar mais.
— Estou contente, ela disse abraçando-o.
— E agora, filha, você quer voltar para casa comigo? É muito tarde e este lugar está muito frio.
— Eu vou para casa, disse Simonetta, colocando sua mão na dele.
— E seus amigos, ele disse olhando para os animais, também são benvindos. Eu sei que ele não tem motivos para confiar em mim, mas eu prometo que, desta noite em diante, enquanto eu morar na floresta, nenhum mal que eu possa impedir os atingirá.
Com isso o lobo, que estava observando desconfiado, relaxou. Devagar, foi até o que tinha sido um valente caçador e aconchegou-se a sua mão livre. Quando o homem acariciou a cabeça do lobo, os outros animais também se aproximaram. Agruparam-se em volta de Simonetta e seu pai, e os acompanharam na sua longa jornada pela floresta.
Quando, por fim, estavam quase chegando à casa, o que tinha sido um valente caçador lembrou-se sobressaltado do veado morto que ele tinha largado na porta da cabana.
— Eu daria qualquer coisa, se eu pudesse impedir Simonetta de ver aquilo.
Desanimado continuou a caminhar, e Simonetta, sentindo a preocupação do seu coração, olhou para ele atentamente.
Mas, quando chegaram à cabana, o corpo do veado tinha desaparecido. Não havia pingos de sangue na neve, nem marcas onde o corpo tinha estado.
Enquanto o que tinha sido um valente caçador meditava sem poder acreditar no que, acontecia, Simonetta largou sua mão e correu para um animal que se aproximava.
— Ramo, Ramo, ela chamou. Estou tão contente por ver você!
Seu pai olhava espantado e Simonetta colocou os braços em redor do pescoço de um magnífico veado que aparecera ante eles. Era o mesmo animal que havia sido morto para a festa de Natal.
O veado aceitou os abraços exuberantes de Simonetta, por um momento, mas depois se desprendeu delicadamente de seus braços. Caminhou para o que tinha sido um valente caçador e olhou-o, reconhecendo-o.
— Quase não posso acreditar que você está vivo, disse o homem humildemente, mas louvo a Deus por isso.
— Sim, disse o veado, devemos todos louvar a Deus. Ele abrandou seu coração e Ele me restituiu a vida que me foi tirada. Que Suas bênçãos fiquem com todos vocês!
E o veado, com um salto prodigioso, desapareceu na escuridão. Depois Simonetta, seu pai e seus amigos animais entraram na cabana onde, milagrosamente, o fogo na lareira estava outra vez crepitando e um calor agradável enchia a sala. Nessa noite, e em muitas outras noites que se seguiram, enquanto Simonetta e o que tinha sido um valente caçador dormiam em suas camas quentinhas, os animais dormiam, seguros e sem serem incomodados, diante de um fogo acolhedor.
Resposta: Os Senhores da Mente, que São Paulo chamou de “Poderes das Trevas”, porque foram a humanidade do Período sombrio de Saturno, quando o universo estava apenas saindo do Caos, só trabalham com a humanidade.
Os Arcanjos, que foram humanos no ígneo Período Solar, onde o universo tinha a consistência da “matéria de desejos”, trabalham agora como auxiliares dos Espíritos-Grupo dos animais e como Espíritos de Raça da humanidade, porque essas classes de seres possuem um Corpo de Desejos.
Os Anjos, que eram a humanidade do Período Lunar, trabalham com o ser humano, o animal e a planta, porque no Período Lunar o universo tinha a consistência de “Éter” e os Corpos Vitais dos três reinos mencionados são formados dessa substância. Os Anjos são, portanto, auxiliares apropriados nas funções vitais tais como a assimilação, o crescimento e a propagação e em suas atividades com a humanidade são os Espíritos de família. Eles provocam o crescimento na família, na criação de animais e na produção dos seus campos de vegetações.
O ser humano, que é um pouco inferior aos Anjos, trabalha com os minerais, que são encontrados na Região Química do Mundo Físico, compostos de gases, líquidos e sólidos. Ele é para os minerais o que os Seres superiores são para nós. Ele está, gradualmente, os despertando para a vida, moldando-os em casas, pontes, vias férreas, etc.
Num futuro renascimento da Terra, quando esses minerais forem semelhantes aos vegetais, o ser humano terá aprendido a trabalhar com a vida e, então, estará numa posição similar em relação a eles, como a que os Anjos estão agora em relação a nós. Assim, há uma progressão sem fim, os mais evoluídos sempre ajudando os menos evoluídos, até que todos tenham alcançado a perfeição.
Respondendo mais especificamente à pergunta, podemos dizer que os Arcanjos trabalham com as nações e os povos na Terra, enquanto os Anjos estão envolvidos, particularmente, com as famílias e com os indivíduos na família. O “Anjo da Guarda” não é exatamente uma entidade pertencente a uma evolução superior, mas é a incorporação personificada das nossas boas ações em todas as nossas vidas passadas que, embora invisíveis para nós, estão sempre conosco, impelindo-nos a agir corretamente e a praticar cada vez mais o bem.
(Pergunta nº 76 do livro “Filosofia Rosacruz em Perguntas e Respostas – Vol. I – Max Heindel – Fraternidade Rosacruz)
A Verdadeira Fraternidade na prática do nosso dia a dia
Fraternidade é: harmonia, amizade, irmandade e parentesco entre irmãos. É a identificação de seres oriundos de um Pai comum, Divino ou humano.
Os “filhos da carne” são “irmãos de carne”; os “filhos de Deus” são “irmãos em Espírito”.
Os Anjos, hábeis manipuladores de Éter, conseguem através do sangue – que é o mais elevado meio de expressão do Corpo Vital – a ligação entre irmãos. Muitos espíritos renascem sob tais circunstâncias para harmonização de desentendimentos passados. Porém, muitas vezes nem a ligação do sangue é capaz de lhes promover a harmonia que uma fraternidade mais elevada, a espiritual, reclama. Mesmo sem causa remota de destino, amiúde ocorre a desavença entre irmãos por motivos egoístas, principalmente em partilhas de herança.
Bem se disse que a “carne e o sangue não podem herdar o Reino dos Céus” (São Paulo), e que “o nascido de carne é carne, e o que é nascido do Espírito é Espírito” (Jo 2:6). Importa-nos em verdade nascer de novo, nos regenerar, nos despirmos do “homem velho” e nos revestirmos do “homem novo”, em novidade de espírito; transcendermos os limites da carne, se desejamos sinceramente estabelecer uma verdadeira fraternidade.
Ninguém tem autoridade, se esta não lhe for dada pelos céus. As verdades cósmicas são eternas e, essencialmente, as mesmas através dos tempos. A humanidade é que, segundo os seus conhecimentos, recobrem-nas com sua Epigênese, dão-lhe nome e roupagens diferentes.
Recorro novamente a maior autoridade do mundo para nos dizer “qualquer um que fizer a vontade do Pai celestial, esse é meu irmão e irmã.” (Mt 12:50) – ou ainda: “Meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a praticam.” (Lc 8:21).
Quem pode contestar-lhe? Os sábios materialistas? A que nos tem levado suas descobertas? Guerras mercenárias! Guerras fratricidas! Escravização de povos! Angústias e temores!
Repouso na confiança de Deus. Ele nos guia. Ele é Amor, Ele é Luz. Por mais que nossos potentes telescópios devassem a imensidão do espaço, até milhões de anos-luz, encontrarão sempre para amesquinhar a pretensão intelectual dos seres humanos, a Luz, a Harmonia e a Sabedoria a reger as esferas em sua matemática procissão. Que é a Terra diante dessa grandiosidade inteira? E quem somos nós, senão poeirinhas pretensiosas?
Entretanto, Deus nos ama e com simpatia nos acompanha os esforços, ajudando-nos em tudo, mesmo que pensemos ser o mérito apenas nosso. E toma também suas medidas quando seus infantis filhinhos estão em vias de se machucar com suas “invenções”.
Partamos da convicção do que realmente somos. Isso é humildade!
Tenhamos confiança incondicional no Pai Celeste. Essa é a maneira de nos sintonizarmos com Sua Luz, com Seu Amor, com sua Verdade, a fim de que nos ajude a sobrepor a nós mesmos e tenhamos a possibilidade de sermos verdadeiros irmãos.
Nossa Natureza inferior divide, critica, ambiciona, disputa e prejudica.
A nossa Natureza superior não. Ela é atração, é amor, é Luz, é Vida e Poder da Alma. Ela nos guinda sobre nós mesmos e nos impele a amar o próximo, acima de todos os preconceitos, das barreiras de sangue, de raça, de nação, de povo, de parentesco, de vizinhança, de coleguismo, de corporativismo, de comodismo, de credo, na vivência de um verdadeiro CRISTIANISMO.
(Publicado na Revista Serviço Rosacruz – 08/1966 – Fraternidade Rosacruz)