Para quem embarcou na Jornada para o “Reino dos Céus” todas as ideias metafísicas são mais interessantes ou menos, têm seu lugar e uso. Todavia, o que mais o preocupa é o aquilo que deve fazer para ajudar a si próprio em seu progresso e como deve comportar-se em suas relações com seu ambiente e semelhantes a fim de obter o máximo de benefício espiritual. Para chegar a um entendimento adequado do que é necessário, vamos considerar um pouco o lado mundano da vida. Vemos os seres humanos do mundo lutando e esforçando-se para realizar suas diversas ambições e propósitos na vida; enfrentando decepções, sofrimentos, tristezas e problemas de inumeráveis tipos. Todas essas dificuldades, provações, decepções e sofrimentos têm seu proveito e espaço, na ordem Divina. Eles vêm para separar nossos corações do mundo, para afrouxar o domínio do mundo dos sentidos sobre nós, para nos fazer buscar a paz e descansar onde ela pode ser encontrada.
Quando um ser humano chega a ver que o mundo material e externo nunca dá e nunca pode dar a paz e felicidade permanentes, ele precisa de pouco para se iniciar no Caminho Celestial. No entanto, para quem começou há pouco tempo, ainda existem problemas e provações, pelo menos por um tempo, mas agora com um propósito diferente: aperfeiçoar o caráter. Nenhuma qualidade ou virtude, por mais desejável que seja, pode realmente se tornar parte do nosso caráter até que a incorporemos à nossa natureza, vivendo-a na vida cotidiana, às vezes sob condições árduas, difíceis.
Podemos pensar e meditar frequentemente sobre a virtude da paciência; contudo, a menos que tenhamos oportunidades frequentes para o seu exercício, sob as condições difíceis da vida diária, nunca seremos positivamente fortes nessa virtude. Assertiva essa válida para a humildade, a mansidão, a brandura e todas as outras virtudes Cristãs. O crescimento só vem do exercício. Assim, os vários problemas, decepções, tristezas e aborrecimentos da vida tornam-se apenas muitas oportunidades de exercitar a fé e o amor, a bondade e a paciência. Toda tentação simplesmente aponta para um ponto fraco em nossa natureza. Não poderia ser uma tentação, se fôssemos fortes. Toda tristeza, problema ou irritação afeta apenas uma parte do nosso orgulho, egocentrismo ou egoísmo.
O egoísmo, em algumas de suas muitas formas, é a causa primária de todos os nossos problemas — amor próprio, orgulho egoísta, vontade própria, opinião egoísta, egoísmo. Ele, em suas variadas formas, é o único inimigo que temos que vencer e, ao vencer, vencemos o mundo; como só podemos superar nossa natureza egoísta pelo poder da natureza do Cristo interior, quando completamos esta, a maior de todas as conquistas, nós nos tornamos um com a natureza de Cristo. Ao nos tornarmos unos com o Cristo, manifestaremos amor puro, altruísta e santo por todos os homens e, desse amor, florescerá natural e inevitavelmente toda a virtude Cristã. “O amor é o cumprimento da lei”.
A liberdade de Cristo, mencionada em vários lugares da Bíblia, é a liberdade ou emancipação obtida pelo desapego do mundo e pela superação do egoísmo. Vivemos então no mundo, mas não somos do mundo. A obtenção da perfeita tranquilidade de mente e coração, inabalável por qualquer agente, é a evidência da superação. É a base da paz duradoura e o fundamento de uma felicidade sempre crescente.
Desse modo, vê-se que a vida nada mais é do que uma grande escola espiritual. E cada um de nós está em uma classe, sozinho, e ela é composta pelas várias circunstâncias e condições de nossa vida, as situações mais adequadas para promover o crescimento espiritual. É um reflexo da nossa condição espiritual. O que vemos em nosso ambiente é uma imagem de nós mesmos. Portanto, se não gostamos de uma condição ou circunstância específica, devemos olhar para dentro de nós próprios e aprender a lição que ela pretende ensinar. Logo, fazemos uso dessa condição e a superamos. “Recusar-se a ser escravizado por qualquer coisa externa ou acontecimento, vendo isso como lição para nosso uso e educação: isso é Sabedoria. Ser paciente em todas as circunstâncias e aceitar todas as situações como fatores necessários em nosso treinamento significa elevar-nos, tornar-nos superiores a todas as condições dolorosas e superá-las com uma vitória que é certa, porque pelo poder da obediência à Lei elas serão totalmente mortas”.
A grande maioria da humanidade ainda está na turma do jardim de infância, aprendendo as lições simples e fundamentais da vida, progredindo lentamente ao longo do caminho evolutivo. Entretanto, para aqueles que, sabendo o que buscam, estão se esforçando para alcançar o estado Celestial, todos os dias trazem oportunidades para sacrificar o egoísmo, servir seus semelhantes e amá-los. Cada erro que eles cometem e toda queda contêm lições de humildade, paciência, coragem. Eis que todas as coisas são boas. “Todas as coisas trabalham juntas para o bem daqueles que amam o Senhor, daqueles que são chamados de acordo com o Seu propósito.” Sim, e todas as coisas trabalham juntas para o bem daqueles que Deus ama — Ele pode dar algo que não seja bom e nós podemos eliminar algo dado por Ele?
Esse entendimento não oferece uma base razoável para a fé ou a confiança no Pai Celestial? Não podemos perceber que a verdadeira sabedoria consiste em dar um dia de cada vez para Deus, deixando a ordem de todas as nossas vidas para Aquele que sempre busca nossa perfeição e felicidade? Nossa perfeição é realizada não tanto pelo que fazemos, mas por permitir que a Vontade Divina aja através de nós. É mais cedendo nossa vontade em obediência, “desejando fazer a vontade Dele”, do que por nossos próprios esforços em direção à perfeição. As Leis universais são perfeitas em sua operação e, mesmo quando impedidas por nosso entendimento imperfeito, levam-nos pelo caminho mais curto e fácil para alcançar a perfeição adequada da mente e do coração, que é a vontade do Pai Celestial para cada um de nós. Devemos acreditar que tudo o que for necessário para o nosso crescimento e desenvolvimento sempre virá e na hora certa. O caminho da vida é muito simples. É pela obediência, pela confiança. Temos nossa parte a fazer — é a obediência. Sempre podemos confiar que o Pai Celestial faça Sua parte. Cristo disse: “A semente brota, não sabe como; primeiro a folha, depois a espiga, depois o milho cheio na espiga”. Nosso desenvolvimento espiritual não é sentido pelo ser humano natural. É um crescimento interior, tão silencioso e gentil que escapa à observação comum. Somente comparando o presente com o passado somos capazes de discernir a mudança em nossa natureza. Cada passo nos aproxima do estado celestial. Emerson disse: “Nada se torna nossos lábios, senão pausas de louvor e agradecimento”. Não podemos escapar do bem.
(Publicado na Revista Rays from the Rose Cross de outubro/1915 e traduzido pela Fraternidade Rosacruz em Campinas – SP – Brasil)
Fé: a confiança n’Ele
Não é estranho que poucos seres humanos possuam uma fé real e viva em Deus? Mesmo entre os cristãos professos, há relativamente poucos que realmente confiem no Pai Celestial. Fé não significa simplesmente a crença na existência de Deus; Fé significa confiança — é nos colocar em Suas mãos.
A fé, como todas as outras qualidades e virtudes, só cresce por meio do exercício. Aprenda a confiar no Pai em tudo, tanto nas menores coisas da vida quanto nas maiores. Isso significa libertação dos cuidados, medos e preocupações dos quais o mundo está tão cheio: Mente e Coração abertos para receber a verdade de qualquer fonte que venha, acreditando que o bom Deus nos tenha em Sua guarda. Pois quando depositamos nossa confiança em Deus, fazemos uso de uma Lei Divina que nos apoia em todas as provações e problemas da vida. É como se tivéssemos agarrado a Mão Todo-Poderosa, que é capaz de fazer tudo e superar todas as coisas por nós. Estabelece a conexão entre nossa fraqueza e Sua força, que é maior que tudo.
A fé é fraca no início e às vezes é necessário estarmos em estado extremo, antes de podermos pedir ajuda a Deus; porém até mesmo a menor medida de fé fará com que o Pai Celestial venha em nosso auxílio. “A fraqueza do homem é a oportunidade de Deus.”. Ele é O sempre fiel. Lembre-se do que Ele disse: “Nunca te deixarei nem te desampararei”.
A simplicidade desse caminho o faz parecer fácil demais para a maioria dos homens. É que eles procuram grandes dificuldades para superar, no caminho do estabelecimento de uma fé que os conecte ao Pai Celestial. Isso, no entanto, requer alguma simplicidade de caráter, uma Mente semelhante à infantil. Você lembra que o Cristo disse que devamos nos tornar criancinhas? Trata-se, em grande parte, de relaxar, de deixar ir, de afastar da Mente e do coração qualquer fardo ou problema que surgir, olhando simplesmente para Ele e aceitando da Sua Mão o que vier. E não podemos fazer algo mais agradável a Ele ou mais útil a nós mesmos do que exercer essa confiança em todas as condições. E nossa capacidade de fé cresce com esse exercício. Quanto mais o praticarmos, mais fé teremos. Então chegará um momento em nosso crescimento onde não temeremos qualquer coisa — seja neste mundo ou em qualquer outro. Atingiremos o equilíbrio, a paz de espírito e a serenidade de alma, uma tranquilidade de coração que deva ser a antecipação da bem-aventurança Celestial. Perceberemos a suprema sabedoria de permitir que todas as coisas sejam ordenadas pela perfeita Sabedoria e pelo Amor perfeito; perceberemos que nossa própria vontade, devido ao nosso entendimento imperfeito, seja propensa a contrariar Sua Vontade, que sempre objetiva nossa perfeição e felicidade.
“O Senhor é bom, uma fortaleza no dia da angústia, e conhece os que n’Ele confiam.”
“Eu, o Senhor, seguro a tua mão direita, dizendo: não temas; Eu te ajudo.”
“Em todos os teus caminhos, reconheça-O e Ele direcionará teus passos.”
“Quem muito confia no Senhor, feliz é.”
“Embora Ele me mate, eu ainda confio Nele.”
“Tu manterás em perfeita paz aquele cuja Mente esteja firme em Ti, porque ele confia em Ti.”
Há muitas, muitas passagens na Bíblia que nos pedem para confiar n’Ele. Leia o vigésimo terceiro Salmo e o nonagésimo primeiro. O escritor desse texto pode ser muito crédulo, mas acredita que essa confiança seja o remédio soberano para todos os problemas ou perigos, sejam eles ocultos ou não, e que, ao nos apegarmos a Ele, somos mantidos em segurança até o fim.
(Publicado na Revista Rays from the Rose Cross de 05/1915 e traduzido pela Fraternidade Rosacruz – Campinas – SP – Brasil)
O Vigilante Cuidado do Pai
Luisinha vivia nos longínquos tempos em que se fundavam muitas cidades novas pelo interior. Naqueles sítios ermos, não era raro ouvir-se, então, o miar selvagem da onça.
Certa manhã, depois de terem matado a maior onça encontrada naquelas paragens, a mãe de Luisinha pediu-lhe que fosse a um dos vizinhos, um quilômetro distante, a fim de buscar um balde de leite. Luisinha era uma menina destemida; nem sequer sonhava que alguma coisa lhe pudesse fazer mal. Assim, concordou imediatamente de ir, embora tivesse de passar por alguns caminhos em que não faltavam animais selvagens.
Pôs o chapéu de sol cor-de-rosa e partiu, balançando o balde vazio. Chegando ao lugar em que mataram a onça, penetrou na mata, sem se importar com a outra fera viva que fora vista nas proximidades. Afinal, encontrou o animal morto sob uma grande árvore, exatamente como o irmão o tinha descrito. Olhando-o tristemente, afastou-se e prosseguiu o caminho com semblante muito grave, pois tinha pena do pobre gatinho selvagem das matas.
Chegou sã e salva à casa do vizinho, que lhe deu o balde de leite, embora não tencionasse deixá-la regressar sozinha.
Mas quem, pensam vocês, a seguira por todo o caminho? — Seu pai, sem ser visto por ela, lhe tinha vigiado cada passo.
Só depois de moça, soube Luisinha que não fizera sozinha aquela arriscada viagem.
Isso bem pode ilustrar o cuidado do Pai celestial por nós. Às vezes precisa mandar-nos trabalhar por Ele em lugares perigosos; e, noutras, nós mesmos enfrentamos ousadamente o perigo.
Através de Seu Filho, nosso Salvador, a muitos tem sido dispensado, de maneira admirável, o amoroso cuidado divino que os preservou de grandes males e perigos, até mesmo quando não reconheciam Sua excelsa bondade.
(Publicado na Revista Serviço Rosacruz de outubro/1966)