Vamos olhar para o passado, vamos ficar do lado de fora de uma cidade murada, acho que é o Portão Oeste, enquanto os raios do Sol poente brilham intensamente sobre esta parte do grande recinto, e as sombras das colinas ao redor estão se estendendo sobre o vale, alertando uma grande companhia ali da escuridão que se aproxima e fazendo com que eles se voltem para a cidade.
O dia foi um dia que não pode ser esquecido, pois eles testemunharam muitas coisas maravilhosas, feitas por alguém cujo nome é “Jesus” e esta pergunta parece estar em todos os lábios: “É este o Messias que os profetas disseram que viria? Poderia o homem fazer essas coisas maravilhosas que hoje vimos?”. Este é o único tema que todos eles discutem enquanto passam em direção à cidade.
Mas vamos nos aproximar mais e ouvir, pois há aqueles espalhados entre esta companhia que sentiram o toque e ouviram as palavras “Sê tu completo” ditas, e sabem que alguém maior que os profetas veio.
E enquanto observamos, um se aproxima, um homem que age estranhamente às vezes, enquanto fala com seus companheiros. Ele move um braço para cima e para baixo, abrindo e fechando os dedos, sentindo as cordas e os músculos, beliscando com os dedos da outra mão, aqui e ali, pois ele sente uma nova vida no velho membro murcho, e a pergunta vem aos lábios daqueles, ao seu redor, “Não é este que estava sentado no Portão Oriental, perguntando um pouco daqueles que passavam indo ou vindo da cidade?” Sim, é ele, mas outros se aproximam.
Aqui está uma mãe que, com um amigo, conduz uma criança que, pela primeira vez, fica de pé e se move desajeitadamente como alguém que está aprendendo a andar, e a mãe sempre vigilante guardando (para que ele não caia) segura sua mão; mas ele se solta da mãe e fica sozinho, gritando: “Veja, mãe, como sou forte!” e no momento seguinte ele está enrolado nos braços de sua mãe e a comporta longamente reprimida da alma daquela mãe se abre, pois ela sabe que o toque do Mestre curou.
Outros seguem, e agora uma se aproxima, que parece ter acabado de acordar de um longo sono. Ela fala pouco, mas os grandes olhos estão se movendo e bebendo as belezas do mundo iluminado pelo Sol. Em seus braços estão as flores colhidas na beira da estrada e, enquanto ela levanta o rosto, pressiona uma linda flor em seus lábios. Neste momento, um pássaro passa por seu campo de visão, ela para maravilhada ao ver um corpo passando e se pergunta se este é o som que ela ouve de manhã cedo no jardim. Oh, como ela chora de alegria, enquanto a luz do Sol flui pelas janelas de sua alma, pois apenas algumas horas se passaram desde que a escuridão deu lugar à luz pelo toque deste Grande Curador.
Mas outros estão chegando, e um está com grande pressa. Ele levanta as mãos acima da cabeça e as palavras nos são transmitidas no ar parado: “Limpo, Limpo”. Este não é um daqueles que vieram ao anoitecer perto do Portão da Cidade para obter comida? Sim, queridos amigos, mas então seu grito foi: “Imundo, imundo!”, pois nenhum leproso pode se aproximar sem dar aquele aviso terrível. Ele agora corre para a cidade para se mostrar diante das autoridades para exame, pois este “Jesus de Nazaré” falou a palavra mágica; “Sê limpo” saiu dos lábios do Mestre, e como uma onda elétrica passou por cada fibra de seu Corpo.
E ali está a figura de um homem com os braços cruzados; ele está olhando para a cidade, e o ar suave da noite ainda está reverberando com as Palavras de Vida que Ele falou para a multidão, palavras tão suaves e sutis que você parecia sentir, em vez de ouvi-las: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus. Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra. Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus. Bem-aventurados sois, quando vos injuriarem e vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e regozijai-vos, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois foi assim que perseguiram os profetas, que vieram antes de vós. Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se tornar insosso, com que o salgaremos? Para nada mais serve, senão para ser lançado fora e pisado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte. Nem se acende uma lâmpada e se coloca debaixo do alqueire, mas no candelabro, e assim ela brilha para todos os que estão na casa. Brilhe do mesmo modo a vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, eles glorifiquem vosso Pai que está nos céus. Não penseis que vim revogar a Lei e os Profetas. Não vim revogá-los, mas dar-lhes pleno cumprimento, porque em verdade vos digo que, até que passem o céu e a terra, não será omitido nem um só ‘i’, uma só vírgula da Lei, sem que tudo seja realizado. Aquele, portanto, que violar um só desses menores mandamentos e ensinar os homens a fazerem o mesmo, será chamado o menor no Reino dos Céus. Aquele, porém, que os praticar e os ensinar, esse será chamado grande no Reino dos Céus. Com efeito, eu vos asseguro que se a vossa justiça não exceder a dos escribas e a dos fariseus, não entrareis no Reino dos Céus. (Mt 5:1-20)
Guardai-vos de praticar a vossa justiça diante dos homens para serdes vistos por eles. Do contrário, não recebereis recompensa junto ao vosso Pai que está nos céus. Por isso, quando deres esmola, não te ponhas a trombetear em público, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, com o propósito de serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita, para que a tua esmola fique em segredo; e o teu Pai, que vê no segredo, te recompensará. E quando orardes, não sejais como os hipócritas, porque eles gostam de fazer oração pondo-se em pé nas sinagogas e nas esquinas, a fim de serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechando tua porta, ora ao teu Pai que está lá, no segredo; e o teu Pai, que vê no segredo, te recompensará. (Mt 6:1-6)
E por qual poder Ele fez todas as suas obras poderosas, qual era o seu segredo? Ele disse: “Por mim mesmo, nada posso fazer: eu julgo segundo o que ouço, e meu julgamento é justo, porque não procuro a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou.” (Jo 5:30). E Ele também disse: “Em verdade, em verdade, vos digo: quem crê em mim fará as obras que faço e fará até maiores do que elas.” (Jo 14:12). Há, portanto, um poder de cura latente dentro de cada um de nós, e quando fazemos como Ele ensinou e entramos dentro de nós mesmos, para orar a Deus-Pai, que é o Grande Médico, também sentiremos a vibração rítmica de Suas grandes asas de cura (“Mas para vós que temeis o meu nome, brilhará o sol de justiça, que tem a cura em seus raios.” (Ml 3:20)), enquanto a voz silenciosa do Consolador fala palavras de facilidade e paz: “Vinde a mim todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo e eu vos darei descanso” (Mt 11:28).
(Publicado na Revista Rays from the Rose Cross de junho de 1916 e traduzido pelos irmãos e pelas irmãs da Fraternidade Rosacruz em Campinas-SP-Brasil)
Uma das falhas comumente apontada pelos jovens quando desejam expressar a descrença deles nas gerações passadas é a incoerência de atitudes. “Falso moralismo” é o termo mais empregado no afã de definir aquilo que mais lhes desagrada em seus pais ou outros ascendentes, de quem criticam a maneira farisaica de apregoarem, e, às vezes, até de imporem certas normas de conduta que velada ou abertamente não observam. É a filosofia do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.
Se bem reconheçamos a temeridade de tal generalização sobre a referida falha de caráter, somos forçados a admitir que alguns de seus aspectos têm resistido aos séculos de tão antigos que são.
Há dois mil anos Cristo já censurara os escribas e fariseus por sobrecarregarem o povo com uma infinidade de leis e obrigações morais. Eles mesmos não as cumpriam.
Guardem-se os Estudantes Rosacruzes de incorrerem ou perseverarem em erros de tal natureza, pois estarão assim se desacreditando no meio onde vivem.
A Fraternidade Rosacruz está empenhada na árdua tarefa de, divulgando a admirável filosofia dos Ensinamentos Rosacruzes, tornar-se fator vivente na regeneração e evolução da Humanidade.
Para tanto, ela não pode prescindir do concurso de um Estudante Rosacruz sequer.
Todos podem e devem colaborar dentro de suas possibilidades e aptidões para a concretização dos ideais Rosacruzes.
Diariamente se nos oferecem valiosas oportunidades de servir. Na medida em que as aproveitamos, elas parecem multiplicar-se, crescendo com isso os nossos talentos. Nossas vidas, em tais condições, cobrem-se de bênçãos.
Contudo, não basta apenas nossa disposição em ajudar aos necessitados, e muito menos nosso empenho em proclamar aos outros as excelências da Filosofia Rosacruz, se a nossa vida moral deixa a desejar. Assim procedendo estaremos construindo castelos sobre a areia. Mais cedo ou mais tarde ruirão sob o peso da nossa incoerência.
Cada Estudante Rosacruz, pelo seu trabalho e pelo seu procedimento, deve constituir-se em uma “luz” onde quer que esteja. Porém, que não seja uma falsa luz!
Evitemos escandalizar aqueles que em nós confiam, observando uma permanente autovigilância. “Uma vida exemplar é o melhor sermão“, afirmou certa vez Max Heindel.
(por Gilberto A. V. Silos – Editorial da Revista Serviço Rosacruz – abril/1975 – Fraternidade Rosacruz São Paulo – SP)
Chamados a serem Santos
No início, o Cristianismo se espalhou como fogo. Mesmo assim, não se esperaria que tantos santos Cristãos aparecessem assim como apareceram, pelo menos de acordo com o apóstolo São Paulo.
Você acha que os únicos santos são os santos que estão mortos? São Paulo estava interessado nos santos vivos. Alguns exemplos: “todos os santos que estão na Acaia”, aos quais dirigiu sua 2ª Epístola de São Paulo aos Coríntios; “Os santos que estão em Éfeso” (Ef 1:1); “Todos os santos em Cristo-Jesus que estão em Filipos” (Fp 1:1); “Os santos e irmãos fiéis em Cristo que estão em Colossos” (Col 1:2); “A todos os que estão em Roma, amados de Deus, chamados a serem santos” (Rm 1:7); “Para os que são santificados em Cristo Jesus, chamados para serem santos” (1Cor 1:2). Claramente, os santos abundavam nos dias de São Paulo.
O termo parece virtualmente sinônimo de “Cristão praticante”, denotando toda a união Cristã daqueles que acreditavam que o recém-ressuscitado Cristo-Jesus é o Filho de Deus. São Paulo frequentemente solicitava doações para os “santos pobres” em Jerusalém. Quem foram os doadores? Santos menos pobres na área do norte e leste do Mediterrâneo. Ele encarregou os romanos de receber Febe, a diaconisa, “para que a recebais no Senhor de modo digno, como convém a santos“.
Então, naturalmente, perguntamos: para onde foram todos os santos? Talvez eles ainda estejam conosco, e em números comparativamente grandes. Talvez seja a própria palavra que se tornou rara, muito exclusiva, muito seletiva.
Angelus Silesius é claro neste ponto: “Um santo você não será e ainda deseja que o céu ganhar! / Ó tolo, apenas os santos devem entrar pelos portões do céu“. Santo primeiro, depois o céu.
E se todos devem ser salvos, quem não é chamado a ser santo? Se alguém é santo, os doze Discípulos de Cristo certamente se qualificam. Contudo, todos eles O abandonaram e fugiram do Jardim do Getsemani quando os bandidos de Caifás prenderam o Senhor. São Pedro, o Discípulo que disse do Messias “Eu não o conheço”, foi anteriormente repreendido com as palavras “tu és uma ofensa para mim, porque tu não sabes o que é de Deus”. Fato claro em nossa revisão do estereótipo dos santos: os santos erram, os santos negam Aquele que os santificou, os santos duvidam.
A porta da santidade agora se abre mais? O termo se tornou mais amigável? A imagem popular de um santo é a de alguém que quase desapareceu da existência, que normalmente é velho, reverendo, talvez translúcido, exalando um aroma de santidade. Sendo assim, como é que tal visão alinha-se com nossa imagem de São Paulo, que como Saulo “destruiu a Igreja” (At 8:3)? “Muitos dos santos foram encerrados na prisão” (At 26:10).
Cristo-Jesus rejeita essa mesma ilusão santa ao falar de São João Batista: “O que fostes ver no deserto? Uma cana agitada pelo vento? “. São João Batista açoitou seus ouvintes com palavras. Ele foi veemente e intransigente. O mundo secular não está em posição de julgar quem é santo.
Etimologicamente, um santo é uma pessoa santa (latim, sanctus), alguém que é santificado pela fé em Cristo (At 26:18). Os Cristãos são inspirados a serem santos por meio do Espírito Santo, que primeiro foi dado pelo Cristo Ressuscitado quando soprou sobre Seus Discípulos e disse: “Recebei o Espírito Santo” (Jo 20:22).
A esquiva usada pelos mornos e tímidos é que a santidade está reservada aos espíritos miticamente heroicos, os titãs morais. Contudo, São Paulo nos lembra que “Como está escrito, não há justo, não, nenhum … Pois todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Rm 3:10-23). Há muitos santos porque é Cristo quem santifica e santifica todo aquele que nele crê. Além disso, “se as primícias (Cristo) são sagradas, a massa (o Cristão praticante) é sagrada; e se a raiz é sagrada, também o são os ramos” (Rm 11:16).
Podemos dizer que santo é aquele que exagera o que o mundo negligencia. Deus pode ser exagerado? Aos olhos do mundo, sim. Então, novamente, o que é Deus aqui senão virtudes Cristãs encarnadas como ações vivas – misericórdia, ajuda espontânea não solicitada, compreensão transparente, serenidade poderosa, silêncio eloquente, obediência sem exceção, simplicidade libertadora, discrição silenciosa, humildade imperceptível. A simplicidade santa se baseia na obstinação.
Embora possamos estar fazendo muitas tarefas, abaixo da atividade há uma quietude, um espaço sagrado onde a oração segue, onde a chama da devoção arde continuamente, onde a vigília constante é mantida. Aqui está a pureza de coração porque a multiplicidade externa é subsumida pelo recolhimento interior, o repouso interno da alma santificada não é distraído por qualquer agitação passageira. Para conhecer a simplicidade, devemos saber como nos livrar das coisas e das relações. A espada de Cristo corta tudo o que nos conforma com o mundo ou com os bens menores, para que possamos escolher o que é necessário.
Afinal, onde acaba o apego às coisas, aí começa Deus. O que está diante do meu olho interno? A que minha Mente faz reverência – coisas criaturas ou o Criador? Onde está meu coração, aí também está meu tesouro. É um tesouro terreno, corruptível? A pobreza espiritual está relacionada à piedade. A purificação ou esvaziamento próprio precede a entrada do Santo Convidado.
Max Heindel deixa claro que o Estudante sério dos Ensinamentos Rosacruzes está embarcado no caminho da santidade, onde, “no início, há muitas coisas que podemos nos permitir. Mas, à medida que avançamos, essas digressões devem ser eliminadas uma após a outra e devemos nos dedicar cada vez mais exclusivamente ao serviço da santidade. Por fim, chega um ponto em que esse caminho é tão afiado quanto o fio de uma navalha, e então podemos apenas agarrar a cruz.” (do Livro “Iniciação Antiga e Moderna” – Max Heindel – Fraternidade Rosacruz).
A verdadeira santidade não se baseia no medo de querer evitar o inferno ou na ambição de entrar no céu, mas no desejo estrito de amar a Deus e fazer a Sua vontade. A história é contada sobre um homem caminhando por uma estrada que encontra um Anjo que carrega um balde de água em uma das mãos e uma tocha na outra. Questionado sobre o que ele está interessado, o Anjo responde: “Eu vou apagar o fogo do inferno e queimar as mansões do céu. Então, vamos descobrir quem realmente ama a Deus”. Santidade é uma colaboração entre Deus e Seus filhos e filhas pródigos, cuja essência divina, tendo sido coberta (ocultada) por túnicas de pele durante a involução, experimentam uma crise de compreensão que os reorienta e os impele a retornar ao Pai Celestial em autoconsciência santificada.
Embora a santidade não tenha alcançado seu objetivo, ela jura permanecer fixa no alvo. Nem parou de lutar. Em vez disso, é alguém despertado e casado com a santidade pelas dificuldades. É parteira de dúvidas e tentações. Portanto, lutamos contra o medo, a solidão e o orgulho e nos esforçamos para perceber que todas as batalhas externas são distrações e máscaras da única batalha real – aquela contra nossa própria natureza egoísta.
Santidade designa uma medida de luz interior formada em alguém, cuja alma se prepara para receber o Cristo. Para atingir esse estado e promovê-lo o eu pessoal será posto na prisão, será zombado e perseguido, perderá tudo, será abandonado, morrerá e se entregará de bom grado Àquele cujo ferrolho não é digno de soltar. E essa perda de tudo leva a ganhar tudo, a Cristo. Ela despertou poderes e virtudes que eram apenas vagas latências. Santidade é um assunto secreto entre Deus e o “eu interior”. Não é uma demonstração perante o mundo.
Nossas vidas estão “escondidas com Cristo em Deus” (Cl 3:3). Por tudo o que a santidade nos chama a fazer, não podemos nos tornar santos – somos feitos santos. Não decidimos ser santos, somos chamados a ser santos. Cristo diz: “Não me escolhestes, mas Eu te escolhi” (Jo 15:16). “Pois esta é a vontade de Deus, sim, a sua santificação.” Ele “nos chamou … para a santidade” (ITs 4:3-7). Deus “nos chamou com uma santa vocação, não segundo as nossas obras, mas segundo o seu propósito e graça.” (IITim 1:9).
O chamado à santidade é o chamado para ser perfeito: “Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus.” (Mt 5:48). Mas não sabemos o que é isso e, se julgarmos nosso comportamento de uma posição que não podemos ocupar, somos vítimas de um perfeccionismo irritável, que é cheio de personalidade. Visto que Deus enriquece os pobres de espírito, que conhecem sua pequenez como criatura, melhor progresso é feito por aqueles que permitem que sua vida espiritual seja formada por seus deveres e pelas ações que são exigidas pelas circunstâncias diárias.
Pode-se dizer que a perfeição consiste em suportar a pobreza, a miséria, os desprezos, a adversidade e todas as adversidades que se abaterem, de boa vontade, com alegria, livremente, avidamente, calmo e impassível e persistindo até a morte sem um porquê. Essa descrição, talvez, expresse mais de perto nossa ideia de um santo. E ao viver dessa maneira completamente tolerante as respostas a todos aqueles porquês não perguntados aparecem como maná no coração. A santidade obtém sabedoria não porque a busca diretamente, mas porque vivendo em obediência, amor e humildade, ela a assume.
O mundo material precisa encapsular a santidade, precisa ser capaz de apontá-la, visto que o mundo está lá fora. Os escribas e fariseus aparentavam serem justos e literalmente desgastaram a santidade deles (e toda a sua intelectualidade) usando-a como talismã. Mas sua recompensa veio do mundo, que eles deveriam impressionar, visto que eram homens “santos profissionais”, contratados e pagos para serem santos. No entanto, a entrada no Reino dos Céus é mais exigente, mais cara. Fazer não é suficiente. Deve-se ser santo – e se alguém aceitar e se revestir de Cristo, será batizado n’Ele.
Boas ações costumam ser o efeito de ser bom, mas não sua prova, visto que fazer, como efeito, pode ser simulado.
Perto do final do Período Terrestre, nossas almas serão “conhecidas, como nós também conheceremos”, “veremos face a face”. A dissimulação será impossível. Então, ao pensarmos em nossos corações, seremos vistos.
Embora sejamos chamados para ser santos, somos livres para aceitar ou recusar o chamado. O Apóstolo São Pedro nos lembra: “Assim como aquele que vos chamou é santo, sede vós também santos.” (IPe 1:15). Assim vivemos nossa santificação.
Santificação é o processo contínuo de nossa vida de forma consciente e combinada, momento a momento, no amor e poder transformador de Cristo. Santificação não é minha ideia do que eu quero que Deus faça por mim. É a ideia de Deus do que Ele quer fazer comigo e por mim. Portanto, ele me castiga. Não nos ofendamos quando nós, como São Pedro, somos “repreendidos por ele” (Hb 12: 5). Pois assim somos separados do pecado e tornados santos. A contenção é uma bênção. Portanto, nos é ordenado: “Não extingais o espírito.” (1Tes 5:19). Os Discípulos, chamados para serem santos, são disciplinados.
A mais importante entre as virtudes da santificação é a obediência. Obediência a quê? À vontade do Pai.
O que nós fazemos? Ele diz: “Fiqueis quietos e sabeis que Eu Sou Deus.”. Levamos “todo pensamento cativo à obediência de Cristo.” (IICor 10:5), até que Deus seja tudo em todos. Obediência é fazer todas as coisas como ao Senhor. Ele nos permite lançar “argumentos e todas as pretensões que se erguem contra o conhecimento de Deus”. A espinha dorsal da obediência é santa vontade. Portanto, é dito que aquele que é “lento para se irar é melhor do que o mais poderoso; e aquele que governa seu espírito, do que aquele que toma uma cidade”.
A santificação conclui nossa luta contra o mal, a falsidade, a tentação? Em vez disso, nossa luta é intensificada. A vida de Jesus foi sagrada desde o nascimento, mas ele conheceu os testes e o conflito desde o início.
Ainda mais depois de receber o Cristo. É a Sua santidade supercarregada que atrai o tentador a ele.
Sem Cristo, a santidade seria uma raridade. Seu sacrifício planetário torna possível uma vida mais espiritual, mais moral, mais vital, mais sã fisicamente, quer a pessoa conheça ou não a de Cristo, seja um humanista secular, um praticante aderente ao islamismo sufista ou teosofista.
A santificação envolve tanto uma retirada (saída) quanto uma colocação (entrada), um esvaziamento e, também, um enchimento. A santa investidura é precedida e simultânea a uma alienação mundana. Na santidade vivida, cada um se torna eucaristia, torna-se pão partido e vinho derramado onde e para quem o Espírito Santo designar. Pois, como diz São Paulo, “é o mesmo espírito de Deus que nos santifica.” (ICor 6:11).
O chamado para a santidade envolve um despojamento para a condição zero, para o lugar da morte. Envolve a eliminação de pretensões, afiliações, julgamentos, expectativas. Somos de Cristo e não de nós mesmos. Deus nos deu a Ele (Jo 17: 6). Declaramos falência mundana. Tornamo-nos pobres para Deus. Nós sabemos que um homem não pode receber nada exceto que seja dado a ele do céu. Se Cristo disser “Eu não posso de mim mesmo fazer coisa alguma.” (Jo 5:30), o que um santo pode fazer? Nada. E ele sabe disso. Aqui está a honestidade, humildade e obediência que atendem à vontade daquele por quem tudo é possível. É esse vazio que o torna poderoso em santidade e pessoa – mas é a pessoa de Cristo nele, vencida por uma batalha campal.
O santo, como aquele que é chamado para ser santo, talvez seja mais completamente caracterizado pela obediência. O santo Cristão é “obediente até a morte.” (Fp 2: 8).
A obediência floresce no amor. O que a princípio pode ser uma conformidade grosseira às leis impostas externamente torna-se a ação alegre impelida pelo consentimento interior. Da mesma forma, o amor cumpre a lei e o santificado retribui a todo o seu valor (Rm 13: 7) e, por causa de sua benevolência graciosa, alcança uma espécie de anonimato, desviando a atenção de sua pessoa, seguindo as coisas que fazem para a paz.
Não se busca diretamente a santidade; em vez disso, a pessoa emula a Cristo em todas as coisas, contribuindo assim para a santidade. Santidade é um subproduto. A vida sagrada envolve sacrifício. Sacrifício é o que fazemos para conformar nossas vidas ao nosso chamado Cristão. Santificação é o que Deus faz por nós. Quando estamos prontos para segui-Lo daquela mesa festiva onde Ele era o honrado entre os amigos, para o Jardim de Getsemani onde ele estava sozinho e lutou com o grande problema diante Dele enquanto Seus amigos dormiam, então estamos fazendo um sacrifício vivo. O Cristão é chamado a apresentar seu corpo como “sacrifício vivo, santo e agradável a Deus”, que é seu “serviço razoável.” (Rm 12:1).
A verdadeira substância da santidade, vista por clarividentes e seres superiores, é o que Max Heindel chama de “a vestimenta luminosa da chama“, o Corpo-Alma. Aumenta-se a luminosidade dessa vestimenta etérica por meio de um rigoroso e cotidiano exercício esotérico de Retrospecção noturna, entre cujos frutos está uma purificação da natureza do desejo.
“Sem a vida pura”, escreve Max Heindel no livro “Ensinamentos de um Iniciado”, “não pode haver avanço espiritual”.
O desafio, a proibição da santidade, está no compromisso implícito. Pareceria uma aventura de tudo ou nada. Mas quando é a Cristo a quem buscamos como nossas identidades individuais seria contrário, ao nosso objetivo declarado, renegar a santidade, que é a demonstração incessante de nossa santificação.
O caminho de Cristo é o caminho da imersão no comum. A espiritualidade baseada no renascimento permeia a matéria com vontade espiritual, com pensamento amoroso. A Divindade desce às profundezas da finitude corporificada e suporta toda a sua fixidez maçante.
Somente fazendo isso, indo ao limite, bebendo o cálice da mortalidade de sua última gota, a paz final, a liberdade perfeita e a transcendência permanente podem ser conquistadas.
Por causa do Renascimento, o mais baixo é atingido por completo com o mais alto. Agora a santidade de Cristo flutua na Terra. Com o tempo, será nossa santidade. A luz e o amor do santo ajudam a fazer da Terra uma estrela. Longe? Possivelmente. Mas, como santos, somos visionários. Trazemos o distante para o presente. Nós o alimentamos, tornamo-nos amigos e íntimos dele. Abrimos espaço para a graça e continuamos com a base do amanhã plantando boas ações no solo de hoje.
Se o resplandecente Soberano do Sol, o Cristo, pode caminhar entre mortais, incompreendidos, duvidosos e humilhados, nossa experiência semelhante deve ser considerada uma bênção e honra, não uma ocasião para amargura e desespero.
O Renascimento deu um valor incomensurável ao estar diário no Corpo Denso, ela mesma se tornou redentora, potencialmente transformadora de todas as nossas pequenezas e superficialidades – se dedicarmos nossas atividades e engajarmos nossas Mentes em Seu serviço.
Tudo o que chega até nós, neste contexto, tem um efeito santificador. Como Cristo fez, nós também devemos fazer. Ele não foi salvo da adversidade. Ele foi entregue n’Ele e por meio d’Ele. Um santo pode “ter bom ânimo“, mesmo quando aparentemente derrotado pelas adversidades, porque a vitória é impossível para qualquer um, exceto para Deus. Graças a Deus que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo.
Nós somos os guardiões da chama. Está santificado em nossas almas. A centelha da divindade acende o holocausto sagrado da oferta pelo pecado. Meu Deus é um fogo consumidor. Consumindo o quê? Tudo desprezível. No fogo do remorso aceso pelo espírito são incinerados todas as nossas mesquinharias, nossa vaidade, nossas tendências egoístas. A pira do sofrimento terreno separa a escória da mera preocupação mundana do ouro da doação e da ação de graças.
A energia que mais promove a integridade é o elogio. Nosso chamado mais nobre é adorar a Deus, pois isso alinha cada átomo nosso com a harmonia da Mente perfeita de Deus e Sua criação desejada.
Em conclusão, fomos santificados por Deus por meio do sangue de Jesus Cristo. Somos feitos santos pela contínua ministração do Espírito Santo e por nossa fé no amor de Cristo, conforme demonstrado em nossa pessoa e em nossos atos. Podemos, compreensivelmente, recusar o uso das palavras santo e divino, mas não que seja por falta de esforço para ser e fazer tudo o que essas palavras implicam. Pois agora somos filhos e filhas de Deus e, embora ainda não pareça o que seremos, sabemos que nosso bendito chamado e destino é ser como Ele (IJo 3:2), porque somos moldados à Sua semelhança e carregará como nosso próprio Seu Filho Cristo. Portanto, saibamos que o nosso chamado é para cuidar do fazer e do ser.
(Publicado na Revista Rays from the Rose Cross de maio-junho/1997 e traduzido pela Fraternidade Rosacruz em Campinas – SP – Brasil)