Pergunta: Recordar, a cada ano, o sofrimento de Cristo é útil a um propósito real? Se não é, por que a Igreja Cristã não omite a paixão e a Coroa de Espinhos e concentra seus esforços em celebrar a Páscoa, um tempo de alegria?
Resposta: A história do evangelho, como geralmente é lida pelas pessoas nas igrejas, é apenas “a história de Jesus, um personagem único, o Filho de Deus em um sentido especial, que nasceu uma vez em Belém, viveu na Terra pelo curto espaço de trinta e três anos, morreu pela humanidade, depois de muito sofrimento, e agora é permanentemente exaltado à direita do Pai”; por isso, esperam que ele retorne para julgar os vivos e os mortos e celebram seu nascimento e morte em determinadas épocas do ano, porque supõem que ocorreram em datas definidas iguais ao dia do nascimento de Lincoln, de Washington ou da Batalha de Gettysburg.
Contudo, enquanto essas explicações satisfazem as multidões, que não são muito profundas em suas investigações sobre a verdade, há outro ponto de vista que é bastante claro ao místico, uma história de amor divino e sacrifício perpétuo que o enche de devoção ao Cristo Cósmico, Aquele que nasce periodicamente para que possamos viver e ter a oportunidade de evoluir neste ambiente, porque o permite entender que sem esse sacrifício anual a Terra e suas atuais condições de avanço seriam impossíveis.
No momento em que o Sol está no Signo celestial de Virgem, a virgem, a Imaculada Concepção ocorre. Uma onda de luz e vida do Cristo solar é focalizada na Terra. Gradualmente, esta luz penetra cada vez mais no centro da Terra, até que o ponto mais profundo seja alcançado na noite mais longa e escura, que chamamos de Natal. Este é o nascimento Místico de um impulso da Vida Cósmica que penetra e fertiliza a Terra. É a base de toda a vida terrestre; sem ele nenhuma semente germinaria, nenhuma flor apareceria na face da Terra, nem o ser humano ou a fera poderiam existir e a vida logo se extinguiria.
Portanto, há de fato uma razão muito, muito válida para a alegria que é sentida na época do Natal, pois o Autor Divino do nosso ser, Nosso Pai Celestial, deu o maior de todos os presentes ao ser humano, O Filho. Assim, os seres humanos também são impelidos a dar presentes uns aos outros e a alegria reina sobre a Terra, junto à boa vontade e à paz, ainda que as pessoas não entendam as razões místicas e anualmente recorrentes para isso.
Como “um pouco de fermento fermenta toda a massa”, assim também esse impulso de vida espiritual, que entra na Terra durante o Solstício de Dezembro e percorre os meses de dezembro, janeiro e fevereiro em direção à sua circunferência, dando vida a todos com quem entra em contato; até os minerais não poderiam crescer, caso esse leve impulso fosse retido; e quando a Páscoa chega, a Terra está florescendo, os pássaros começam a cantar e os pequenos animais na floresta se acasalam, tudo está imbuído dessa grande vida divina; Ele Se consumiu, morreu e é elevado novamente à mão direita do Nosso Pai.
Assim, o Natal e a Páscoa são momentos decisivos que marcam o fluxo e o refluxo da vida divina, anualmente oferecidos por nossa causa e sem os quais seria impossível viver na Terra. Essa última também encerra a repetição anual do sentimento festivo que experimentamos do Natal à Páscoa, a alegria que emociona nosso ser. Se somos sensíveis, não podemos deixar de sentir o Natal e a Páscoa no ar, pois estão carregados de amor, vida e alegria divinos.
No entanto, de onde vem a nota de tristeza e sofrimento que antecede a Ressurreição da Páscoa? Por que não nos regozijamos com uma alegria sem igual, no momento em que o Filho é libertado e retorna ao Pai? Por que a paixão e a coroa de espinhos? Por que não podemos desconsiderar isso? Estão aí perguntas cujas respostas nosso interlocutor gostaria de conhecer.
Para entender esse mistério é necessário ver a questão da perspectiva do Cristo e entender completamente que essa onda de vida anual que é projetada em nosso Planeta não é simplesmente uma força desprovida de consciência. Carrega consigo a plena consciência do Cristo Cósmico. É absolutamente verdade que sem Ele nada do que foi feito teria sido feito, como nos é mostrado por São João, no capítulo inicial do seu Evangelho.
No momento da Imaculada Concepção, em setembro, esse grande impulso de vida começa sua descida sobre a nossa Terra e, no tempo do Solstício de Dezembro, quando o nascimento místico ocorre, o Cristo Cósmico está totalmente concentrado dentro e fora deste Planeta. Vocês perceberão que isso deva causar desconforto a um espírito tão grandioso: estar apertado dentro da nossa pequena Terra, consciente de todo o ódio e a discórdia que Lhe enviamos no dia-a-dia, durante o ano inteiro.
É um fato que não se possa contradizer: toda expressão de vida existe através do amor; da mesma forma, a morte vem pelo ódio. Se o ódio e a discórdia que geramos em nossa vida cotidiana, em nossos negócios; se o engano, a infâmia e o egoísmo não fossem remediados, a Terra seria tragada pela morte.
Você se lembra da descrição da Iniciação dada no Conceito Rosacruz do Cosmos: afirma-se que, nos cultos realizados todas as noites, à meia-noite, o Templo é o foco de todos os pensamentos de ódio e perturbação do mundo ocidental, ao qual serve, e que tais pensamentos estejam ali desintegrados e transmutados, sendo essa a base do progresso social no mundo. Sabe-se também que os espíritos santos sofrem e padecem muito com as perturbações do mundo, com a discórdia e o ódio e que enviam de si mesmos, individualmente, pensamentos de amor e bondade. Os esforços associados de ordens como a dos Rosacruzes são direcionados pelos mesmos canais de empenho, quando o mundo ainda está parado no pertinente às atividades físicas e, portanto, é mais receptivo à influência espiritual; ou seja, à meia-noite. Nesse momento, eles se esforçam para atrair e transmutar essas flechas feitas de pensamento de ódio e discórdia, sofrendo assim ao receber uma pequena parte delas, enquanto buscam retirar alguns dos espinhos da coroa do Salvador.
Considerando o exposto, você entenderá que o Espírito de Cristo na Terra está, como afirmou São Paulo, “realmente gemendo e sofrendo, esperando o dia da libertação”. Assim, Ele reúne todos os dardos do ódio e da raiva: eis a coroa de espinhos.
Em tudo que vive, o Corpo Vital irradia correntes de luz da força que se gastou na construção do Corpo Denso. Durante a saúde, elas retiram o veneno do corpo e o mantêm limpo. Condições semelhantes prevalecem no Corpo Vital da Terra, que é o veículo de Cristo: as forças venenosas e destrutivas, geradas por nossas paixões, são retiradas pelas forças vitais do Cristo. No entanto, cada pensamento ou ato maligno traz a Ele sua própria proporção de dor e, logo, torna-se parte da coroa de espinhos — a coroa, já que a cabeça seja sempre considerada a sede da consciência —; devemos perceber que cada um dos nossos atos malignos recai sobre o Cristo da maneira declarada e Lhe acrescenta outro espinho de sofrimento.
Em vista do exposto, podemos notar com que alívio Ele pronuncia as palavras finais no momento da libertação da cruz terrena: “Consummatum est” – foi realizado.
E você poderia perguntar: por que a recorrência anual do sofrimento? Continuamente, à medida que absorvemos em nossos corpos o oxigênio que nos dá vida e, por seu ciclo, vitaliza e energiza o corpo inteiro, ele morre momentaneamente para o mundo exterior, enquanto vive no corpo e é carregado com venenos e resíduos antes de, afinal, ser exalado no formato de dióxido de carbono, um gás venenoso. Assim também, é necessário que o Salvador entre anualmente no grande corpo que chamamos de Terra e tome sobre Si todo o veneno gerado por nós mesmos, para purificar, limpar e dar nova vida, antes que Ele por fim ressuscite e suba ao Seu Pai.
(Perg. 85 do Livro Filosofia Rosacruz em Perguntas e Respostas – Vol. II – Max Heindel – Fraternidade Rosacruz SP)