Os dez mandamentos são indicações conducentes à consciência crística – Primeiro Mandamento

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

Os dez mandamentos são indicações conducentes à consciência crística – Primeiro Mandamento

Os dez mandamentos são indicações conducentes à consciência crística – Primeiro Mandamento

O povo judeu esperava o Messias e não o reconheceram em Cristo; ainda o esperam e nisso mostram a carência e o desamparo deles.

Os cristãos populares aceitam que o Cristo veio e cumpriu Seu Plano Salvador num ministério de três anos entre nós. Depois nos deixou como paráclito, como consolador, o Espírito Santo, que nos preparará para a segunda Vinda, “nas nuvens”. Como não entendem o sentido profundo dessas afirmações, revelam também sua carência.

A realização cristã é interna, pessoal, intransferível. Enquanto encararmos a Bíblia (particularmente o Novo Testamento) como algo externo, estaremos protelando nossa realização. Paulo foi bem claro: “Deveis inscrever as Leis na tábua de carne de vosso coração”. É um convite para que cada ser humano seja uma lei em si mesmo.
Cristo não veio revogar a Lei e os profetas, senão complementá-los com a nova lei do Amor (ou da Graça), que Ele exprimiu em Mateus 22:37-40: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a esse, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. “Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas”. E em João, 1:17, lemos: “A lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo”.

João Batista veio como precursor, pregar a metanoia (mal traduzida por “arrependimento dos pecados”). Metanoia significa transcender o intelecto, ou melhor, ir além da Mente concreta e vivenciar a Mente abstrata. Por quê? A Mente concreta está comprometida, desde que se uniu ao Corpo de Desejos, em meados da Época Atlante, formando uma espécie de “alma animal”, que nos dá a ilusão de vivermos separados e à parte do Espírito. Embora não possamos viver sem Ele, essa ligação com a natureza de desejos nos concentra na persona e desvirtua os intentos do Cristo interno.

A Mente Abstrata é a fonte da ideia pura do Espírito Humano; e o plano em que funciona o paráclito, o consolador prometido. Devemos aprender a funcionar plenamente nesse plano mental abstrato – o mais elevado de nosso atual campo evolutivo – antes de podermos reencontrar o Cristo Interno – que funciona no Espírito de Vida, além da Mente Abstrata. Lembremos que o Cristo disse: “para onde vou não podeis seguir-me agora, seguir-me-eis depois” (Jo 13:36).

A maioria da humanidade é incapaz de abstrair-se porque não formou a Mente Abstrata. A Filosofia Rosacruz indica aos estudantes, como eficazes meios: a meditação em assuntos elevados, a música pura, a matemática, a astrologia espiritual – no desenvolvimento da Mente Abstrata, impessoal e verdadeira, que nos põe acima dos condicionamentos da personalidade. Nela podemos compreender e viver a lei espiritual. Dela podemos acompanhar as manhas da natureza inferior, aprendendo a ser mais alertas, compreensivos, prudentes e não resistentes conosco mesmos, no trabalho de uma inteligente transfiguração. Só então, podemos “inscrever a Lei na tábua de carne de nosso coração”, ou seja, praticá-la espontaneamente, por meio do serviço amoroso altruísta, que por si constitui a síntese ensinada por Cristo.

Até lá estaremos sob o efeito doloroso da Lei e não podemos nos considerar autênticos cristãos, pois ainda não vivemos esses princípios. O sofrimento e as limitações do mundo aí estão a testemunhar eloquentemente que ainda não aprendemos a viver em harmonia com as Leis do Universo. Há muita gente que se denomina cristã. Mas não se trata de uma aceitação superficial. Gandhi aceitava e reverenciava o Cristo dos Evangelhos, mas recusava o Cristo ensinado pelas Igrejas. São bem distintos. Sabemos que mal estamos engatinhando no Cristianismo, cuja expressão mais pura e formosa nos virá na Época de Aquário, a iniciar-se daqui uns 600 anos. A Fraternidade Rosacruz promulga esse Cristianismo Esotérico às almas atualmente preparadas. Ele nos leva à busca e ao consciente encontro do Cristo interno, por meio do “Corpo-Alma” (que Paulo chamou “soma psuchicon” numa de suas Epístolas). Esse novo veículo de expressão é a chave de entrada na “Nova Época” evolutiva que nos espera e se forma por um método definido de espiritualização da criatura. Constitui-se dos dois Éteres Superiores , quando estes estejam devidamente desenvolvidos e possam se desligar dos dois Éteres inferiores, para cumprir sua função sensorial nos voos da alma.

Até agora estivemos peregrinando no deserto evolutivo (aridez interna da condição humana comum, carente), armando e desarmando as tendas de nossos corpos (renascimentos) nesta escalada pela imensa “escada de Jacó”, numa abertura gradual de consciência, como bem exprimiu São Paulo: “Morro todos os dias; Despojai-vos do velho ser com seus vícios e revesti-vos do novo ser, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem d’Aquele que vos criou; Em Cristo só há virtude o que importa é ser uma nova criatura” (ICo 15:31; Col 3:10; Gl 6:15).

Cristo não veio – como se supõe para salvar a humanidade. Ele purificou nosso Globo conspurcado pelas transgressões humanas, possibilitando-nos material mais elevado, mental, emocional e físico, que assegure a evolução nos renascimentos. Desse modo indireto é que Ele nos ajudou; além do impulso altruístico que Ele comunica aos que Lhe estejam afins nos períodos do Natal à Páscoa. A rigor, a tarefa de cristificação é individual e interna.

Há uma razão profunda para que a Bíblia enfeixe o Velho e o Novo Testamento: sem superarmos conscientemente a velha dispensação, não podemos atuar dinamicamente na nova.

Max Heindel descreve os passos da evolução religiosa, através da qual se foi aprimorando nossa concepção de Deus e descortinando-se nosso entendimento da verdade universal.

Primeiramente concebemos um Deus terrível, vingativo, cruel, ciumento, cuja ira aplacava com sacrifícios sangrentos. Só tal Deidade imporia respeito à incipiente humanidade. Depois nosso conceito de Deus se ampliou um pouco e concebeu-se o Deus dos Exércitos que impunha derrotas e propiciava vitórias sobre o inimigo; que punia, arrasando rebanhos e plantações e premiava, multiplicando-os. Daí que se Lhe oferecessem sacrifícios no templo, com objetivos egoístas. Era o Deus de Israel. Mais tarde veio o Deus dos católicos populares, que pela primeira vez promete um céu após a morte, aos bons, mas continua ameaçando com castigos na terra e tormentos no inferno, os transgressores. Agora já estamos concebendo um Deus que se manifesta por Leis justas, não interferindo diretamente no livre arbítrio humano; o ser humano, por seus atos, é que suscita consequências boas ou más, em virtude da ação das Leis Divinas. Vamos tomando consciência de nossa natureza e da natureza de Deus, agindo por dever, até que possamos fazê-lo espontaneamente, por Amor.

Esses passos da evolução religiosa estão descritos simbolicamente na Bíblia e correspondem à história humana até nossos dias:

1. Perdemos a condição inocente e protetora do Paraíso. Fomos embrutecendo pelo materialismo até que perdemos a consciência interna e sentíamos saudades de Deus, um vácuo indefinível, uma falta daquela antiga ligação com as Hierarquias. O íntimo nos acusava de faltas. As condições evolutivas eram mui adversas e a consciência mui obscura.

2. Passamos ao jugo do Faraó do Egito (escravos de nossa personalidade egoísta e viciosa). Sofríamos as limitações de uma vida material duríssima (quando o Sol, por Precessão dos Equinócios, transitava pelo Signo Zodiacal de Touro). Só mesmo o caráter e resistência passiva de Touro (boi Ápis) nos possibilitava suportar as vicissitudes dessa época de violência e egoísmo.

3. Aí fomos libertados por Moisés e passamos a peregrinar no deserto, durante os simbólicos quarenta anos (período indeterminado de tempo) rumo à Terra Prometida de leite e mel. Moisés é o impulso evolutivo que nos leva a algo mais. No deserto, muitas vezes nos sentíamos inclinados a retornar ao passado, que se nos afigurava mais seguro do que a livre aventura de um porvir incerto, fundia com o ouro de nossas possibilidades internas o bezerro de ouro já ultrapassado. Mas o irresistível impulso interno (Moisés) nos renascia, mostrando-nos que a nova dispensação de Áries (o Cordeiro) nos esperava. E contava como a vara de Arão transformada em serpente (sabedoria de Áries) havia devorado as serpentes dos sábios do Faraó (dispensação de Touro), revelando, assim, sua superioridade. Com muita dificuldade chegamos à Terra Prometida e, fato expressivo, Moisés não pôde entrar nela com seu povo, porque atribuiu a si os méritos de seus prodígios e liderança, em vez de atribui-los ao Divino; condescendendo com a personalidade, foi castigado. É um bom símbolo: a Lei que Moisés havia recebido na Montanha para orientação de seu povo, não pode, por si mesma, levar à realização espiritual. É preciso ser complementada pelo Amor. Sua missão terminava ali. Assim, com nosso desenvolvimento interno, a Mente, sozinha, inclina à vaidade, à pretensão, à ambição. Mas unida ao coração, gera a Sabedoria.

4. Entramos na Terra Prometida e, com o Advento da Dispensação de Pisciana chegou o Cristianismo, cujo precursor – João Batista (reencarnação do mesmo espírito que havia animado Moisés e Elias) veio pregar a metanoia (já mencionada atrás), de modo a alcançarmos a verdade interna (Mente Abstrata) e compreensivamente corrigirmos a intenção causal, para que nossos pensamentos, sentimentos, palavras e atos sejam conforme a Lei. E, quanto aos hábitos, “com paciência ganharemos nossas almas”, compreendendo os vícios gravados e persistindo no Bem, pouco a pouco as trevas da noite ir-se-ão dissipando, para que surja a alva. Por enquanto estamos sofrendo as justas e automáticas reações da Lei. Mas, na medida de nossa espiritualização, a Lei se vai convertendo em colaboradora nossa, como bem observou Max Heindel: “antes era o Espírito Santo como Lei corretiva, um Deus terrível e implacável; no futuro o Consolador prometido, que revela as bênçãos dos céus àqueles que vivem em harmonia com o Universo”.

É importante, pois, conhecermos a Lei conducente à Graça. Se a conhecemos bem e a vivemos, ela nos será o Paráclito. Lembremos que o moço rico (internamente prendado) foi interrogado por Cristo se cumpria a Lei. Ele disse que sim, mas em realidade só a cumpria no aspecto literal, como veremos pelo sentido esotérico do Decálogo. Se a compreendemos e vivemos realmente, estaremos aptos a nos consagrarmos com segurança ao “serviço amoroso e altruísta”, sem os vícios de seu mau entendimento.

O DECÁLOGO

Eis o Decálogo dado a Moisés na “montanha”:
1. Não terás outros deuses diante de mim;
2. Não farás para ti imagem de escultura nem alguma semelhança do que tenho criado. Não te encurvarás a elas nem as servirás;
3. Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão.
4. Lembra-te do dia do sábado e santifica-o, porque é o dia do Senhor teu Deus;
5. Honra teu pai e tua mãe para que se prolonguem os dias na terra que o Senhor teu Deus te deu;
6. Não matarás;
7. Não adulterarás;
8. Não furtarás;
9. Não dirás falso testemunho contra o teu próximo; e
10. Não cobiçarás coisa alguma de teu próximo: nem a casa, nem a mulher, nem o servo ou a serva, nem o boi ou jumento.

Esse decálogo figura em Êxodo 20:3-17, quer na Bíblia traduzida por João Ferreira de Almeida (usada pelas igrejas evangélicas), quer na vulgata, anotada pelo padre Matos Soares (adotada pelos católicos) .

1º Mandamento: “Não terás outros deuses diante de mim”

Notem que não só a Lei, mas também as normas dos seres humanos, em sua maioria constituem-se de proibições.

Por quê? Porque a Lei é uma súmula do que devemos observar obrigatoriamente. O resto fica por conta do livre arbítrio de cada indivíduo e seu modo de ser.

O primeiro mandamento é básico. Deixa subentender a onipresença de Deus. De fato, Ele está infuso em toda a Sua Criação e, além dela, no misterioso Caos. Manifesta-se de forma diferente, conforme o grau de consciência do reino ou do indivíduo em evolução.

Quanto a nós, a Bíblia é claríssima: “Não sabeis que sois o santuário de Deus que em vós habita?” (ICor 3:16). “O Reino de Deus está dentro de vós” (Lc 17:21).

Apesar dessas e outras afirmações da Bíblia, a humanidade o tem buscado fora de si, num céu distante e inacessível, à semelhança de “Sir Launfal” em busca do Graal. Se o tivesse buscado no único lugar em que pode e deve ser encontrado, por certo já o teria realizado nesses vinte séculos. Mas a evolução é lenta mesmo. Estamos num progressivo acordar e ressuscitar para a realidade de nós mesmos e de Deus: “Desperta, ó tu que dormes, levanta-te dentre os mortos e Cristo resplandecerá sobre ti” (Ef 5:14).

Eis a mensagem do primeiro mandamento: “Não terás outros deuses diante de mim”; nem riquezas, nem poder, nem amor, nem fama. Ninguém pode servir a dois senhores: ou servimos a Deus ou a Mamom – o deus da cobiça. E isso não quer significar que devemos ser materialmente pobres, que recusemos cargos influentes, que fujamos da fama, que nos afastemos do amor. Busquemos o sentido na intenção, no íntimo estarmos desapegados.

Exercermos a administração dos talentos que Deus nos põe à disposição, como meios evolutivos que não nos pertencem, mas que devemos gerenciar zelosamente. A pobreza material não é virtude; antes, na maior parte das vezes é sinal de omissão, irresponsabilidade ou má fé em vidas anteriores. Virtude é ter e não possuir, é trabalhar como um ambicioso e manter-se desapegado dos frutos, não obstante administrar o melhor possível para o Senhor, a quem tudo atribui.

A ausência de poder ou de fama pode ser sinônimo de egoísmo, de comodismo, de restrição de destino, etc., no exercício do poder e da fama em vidas anteriores.

A carência de amor é quase sempre uma resposta do desamor.

Mas é feliz quem vê em tudo o provimento de Deus no atendimento perfeito à necessidade interna e coletiva. E, sabendo que nada nos pertence, buscar devolver os bens, acrescidos de nossa administração, à Fonte que os jorrou. Tal é o sentido da evolução na Terra. De fato, não há mal em nada, mas no mau uso que fazemos de tudo.
Max Heindel diz que os Probacionistas são os que “tomaram consigo mesmos uma obrigação definida, pela qual o eu pessoal (personalidade) compromete-se a amar, honrar e obedecer ao EU verdadeiro e Superior, dedicando-se a uma vida de serviço, como meio de se aproximarem do véu e atingirem a realização consciente do Deus interior”.

Notem que esse compromisso se refere diretamente ao primeiro mandamento: “não terás outros deuses (personalidade) além do Eu verdadeiro e Superior o mesmo que foi dito em Mateus 6:33: “Busca em primeiro lugar o Reino de Deus (que está dentro de ti) e teu ajustamento a Ele, pois tudo o mais te virá por acréscimo”. Buscar o Reino interno e o conhecer a si mesmo, ajustar-se a Ele é o compromisso de viver segundo as Leis do Ser (reto pensar, reto sentir e reto agir) – o correto modo de amar, honrar e obedecer ao Eu verdadeiro e Superior, manifestado pelo mesmo amar, honrar e obedecer ao divino de cada irmão, cujos defeitos devemos esquecer, buscando-lhe a Divina Essência – pois isto constitui a verdadeira fraternidade.

A personalidade está atualmente ativa, comandando nossa vida de forma egoísta e contraditória. Deve tornar-se passiva, serva fiel do Espírito. Para chegarmos a esse ponto é mister exercitar paciente e perseverantemente a observação de si, praticarmos o discernimento, aprendermos a não nos identificarmos com as manobras sutis da natureza inferior em seus constantes esforços de justificação. Sobretudo, a prática da meditação ficando como testemunha da atividade interior. Ainda não sabemos silenciar. Podemos estar calados e, ao mesmo tempo, numa intensa atividade interior. Silenciar é aquietar internamente para que “a pequenina e silenciosa voz” se faça ouvir e nos intua. É a promessa do Salmo 91: “Aquele que habita o esconderijo secreto (interno) do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará”. É o convite do Salmo 46:10: “Aquieta-te e sabe: eu sou Deus”.

Atentemos à exortação do primeiro mandamento e busquemos a única fonte de nosso bem: o EU SOU em nós.
O método Rosacruz procura desenvolver no Aspirante, desde o princípio: a confiança em si (no Eu superior); o domínio próprio (pela não identificação com a natureza inferior); o esclarecimento a respeito de sua própria natureza intrínseca e de Deus que o criou, – para que cada um se torne um pilar no templo universal de Deus e se coloque em condições de servir de forma esclarecida, amorosa e altruísta o seu próximo, ajudando-o a atingir as mesmas desejáveis condições.

Somos o Melquisedeque, sem genealogia, a quem a personalidade (Abraão) deve render seu tributo e despojos a luta diária para que se cumpra mais rapidamente nossa realização evolutiva. Essa soberania do Eu verdadeiro e superior se exerce pela união da Mente e do Coração, que geram a Sabedoria. E se não nos devemos submeter aos desmandos da natureza inferior, igualmente não devemos ensejar qualquer domínio externo pela mediunidade, hipnose ou outra qualquer forma de alienação, pois seria contrário ao primeiro mandamento.

A personalidade não ama. Ela se caracteriza pela busca de retribuição: ama para ser amada; ama quando é amada. Não compreende que o amor é a própria recompensa; o dar gera o receber, mas não depende do receber para viver no amor, porque é Deus quem ama através de nós. Buscar a retribuição do amor é um reclamo da personalidade por aquilo que lhe não pertence. À medida que nos fundimos ao Eu superior vamos desenvolvendo um autêntico sentido de fraternidade, porque Ele é amor e quem vive em amor vive n’Ele e Ele nos leva a perceber e Amar o Divino em cada semelhante.

A verdadeira liberdade pressupõe a vivência no Espírito. Enquanto não alcançamos essa liberdade, ficamos condicionados pela falsa segurança que nos leva ao apoio nas coisas externas. Ora, ter outros deuses significa também acreditarmos nos falsos valores e deixar que eles nos possuam, em vez de os possuirmos.

Se usarmos todos os valores externos e internos como meios evolutivos provisórios a serviço do Eu superior, tornamos impossível qualquer interferência negativa em nossa harmonia básica ou no justo usufruto de uma vida plena, harmoniosa, aqui e agora mesmo.

Isto requer preparo interno, por meio de método adequado. A raiz de todo o mal está na identificação com a personalidade; está no ignorante modo de conduzir nossas faculdades. A chave da libertação está no conhecimento de si e no retorno da Presença e do Poder internos, esse espírito da verdade que o Cristo nos prometeu.

Não há, pois, nenhuma outra presença ou poder além da Consciência Universal que se expressa individualmente como uma consciência individual. Cada um de nós existe como um Infinito dentro de outros Infinitos. Funcionamos como Consciência Espiritual individualizada. Não somos o corpo, nem as emoções, nem os hábitos, nem a Mente. Somos o criador e dono deles. Por isso dizemos: meu corpo, minhas emoções, meus hábitos, minha Mente. A posse não pode ser maior que o possuidor.

A posse não pode dominar o possuidor. Eis o significado do primeiro mandamento: há somente um poder. Temer o que? “Se Deus é por mim, quem é contra mim?”. Odiar por quê? Quem odeia é a personalidade e não o Eu divino, que é amor. Quem ama ao Divino ama também a seu irmão. Temer, odiar, é negação do único poder. Se aprofundarmos esse sentido pela meditação, veremos que o bem e o mal existem apenas no campo da personalidade, como um nível provisório de consciência, que pode e deve ser transcendido. Aí chegaremos a um ponto em que não haverá um bem superando o mal – porque simplesmente existe um único Poder. O que parece mal é um esforço do Bem para devolver a harmonia. Portanto, é um convite de regeneração, uma advertência amorosa e sábia do que devemos corrigir.

Toda a grandiosidade do Cristo estava em Sua excelsa condição de Servo perfeito: “Eu de mim mesmo nada posso, mas tudo posso n’Aquele que me fortalece; o Pai em mim é Quem faz as obras”. Quando os discípulos Lhe perguntaram do Pai, Ele esclareceu: “Quem vê a Mim, vê ao Pai que me enviou”. Sua personalidade era um canal perfeito.

São Paulo compreendeu e aproveitou essa lição. Ele disse: “Quando sou fraco, quando sou nada, aí é que sou forte e sou tudo”. Ele sabia que a personalidade deveria tornar-se passiva e fiel serva do Eu superior.

Quando Cristo foi a Nazaré não pôde curar muitas pessoas porque se detiveram na pessoa d’Ele: “Não é este o filho de José, o carpinteiro? “. Mas Pedro, iluminado pelo Espírito Santo (Mente Abstrata) disse-Lhe: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”, ao que o Mestre lhe responde: “Bem-aventurado és tu, Simão Bar-Jonas, porque não foram os olhos que te revelaram”. Essa é, também, a verdadeira identidade do ser humano, que chamamos homem ou mulher.

É certo que devemos ser prudentes, porque a maioria das pessoas vive condicionada à falsa personalidade com sua violência e egoísmo. Mas isso não nos deve distanciar da realidade essencial das criaturas, confiando no bem imanente.

Ao mesmo tempo, a conscientização da verdadeira identidade, ou seja, do Deus individualizado como eu ou como tu, não nos dissolve o sentido de individualidade nem exige que matemos nossa personalidade, como sugerem algumas filosofias. Ao contrário, a personalidade, – constituída pela Mente Concreta, Corpo de Desejos e Corpo Físico (Etérico e Denso) -, é indispensável à nossa evolução. Por meio dela é que haurimos experiências e dinamizamos as faculdades latentes, convertendo-as em Alma ou Consciência Espiritual. A conscientização da verdadeira identidade consiste numa inversão do atual materialismo, situando o ser humano como um Eu divino a manipular uma personalidade – e não uma personalidade à parte e independente de Deus. Não imaginemos que ocorra um vácuo; ao contrário, há aumento de consciência própria nessa transição gradativa da persona ao Eu real. Não se trata de nós perdermos no Todo o que nos confundimos. Éramos inconscientes de nós mesmos, como Centelhas, quando iniciamos a evolução no estado de consciência mineral. Depois disso, fomos desenvolvendo a consciência até o estado de vigília consciente atual, rumo à oniconsciência que nos espera. Deus se exprime como individualidades n’Ele separadas, cujas consciências se formam pela dinamização das faculdades divinas herdadas.

Pela eternidade afora seremos mantidos na própria individualidade pelo exercício da Epigênese. Somos notas próprias na sinfonia universal. Importante é que estejamos afinados ao Divino Concerto.

Afirmar a Deidade interna é definir sua identidade espiritual pela união ao Eu superior. Não deve ser confundida com a afirmação da personalidade que a maioria busca para o êxito mundano, em apoio na persona ativa. O verdadeiro êxito parte de dentro. Não há outra autoridade, senão aquela que nos vem de dentro e de cima.
O único modo de vivenciarmos essa profunda verdade é o estudo das verdades espirituais, a prática dos exercícios recomendados e sua expressão em nossa vida diária. Eles nos guindarão a níveis gradativamente mais elevados e claros. Então compreenderemos a afirmação do Batista (persona) referindo-se ao Cristo (Eu superior): “É preciso que eu diminua e Ele cresça”. Só assim nos converteremos em valioso e fiel precursor do Eu real neste mundo, tendo-o como Único Deus, em nós e nos outros.

 

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