A Teoria do Conhecimento
A aquisição do conhecimento varia de indivíduo para indivíduo. Há uma gradação no processo humano de conhecer.
Conhecer um objeto é distingui-lo de todos os que se percebem distintos dele e, ao mesmo tempo, relacioná-lo com objetos considerados semelhantes a ele.
Nesse processo há uma série de graus, representando cada um desses graus um processo de generalização cada vez mais alto; ou seja, o conhecimento humano é tanto mais elevado quanto maior é o número de coisas que nele compreendemos.
Há três graus de conhecimento: o conhecimento vulgar, o conhecimento científico e o conhecimento filosófico.
O conhecimento vulgar, popular ou de primeiro grau, também chamado erroneamente de empírico, é aquele que nos fornece a maior parte dos conhecimentos cotidianos. Pode ser adquirido pela simples observação. Por exemplo, podemos notar que o calor aumenta o volume dos corpos, que a ingestão de certos alimentos produz reações orgânicas. Isso é conhecimento, embora isolado, casuísta, fragmentário, qualitativo, casual.
O conhecimento científico ou de segundo grau é totalmente diverso, porque consiste em um conhecimento sistemático dos fatos e dos fenômenos, colocando uns em relação com os outros de modo que é possível descobrir sua uniformidade e determinar as leis que os regem. É o conhecimento pelas causas, porque conhecer verdadeiramente é conhecer pelas causas e saber sobre uma coisa de modo absoluto é saber sobre a causa que a produziu, reconhecendo que a causa não pudesse ser outra.
A simples troca de posição de uma letra pode mostrar a diferença entre o conhecimento vulgar e o científico, visto que aquele é casual e este é causal.
O conhecimento científico ou pelas causas é constante e pode ser resumido a uma lei, representado por uma fórmula, que tem por finalidade revelar as relações entre causa e efeito. Esse conhecimento distingue-se pela generalidade, porque não existe conhecimento científico do indivíduo, do particular.
O conhecimento filosófico ou de terceiro grau atinge um grau ainda maior de generalização, porque a filosofia representa o complemento ou a integração das ciências particulares. Como a ciência, em relação ao conhecimento vulgar, unifica uma ordem de relações de fenômenos e leis, em filosofia se unifica todo o conjunto das relações de fenômenos e leis em uma lei suprema.
Entre a ciência e a filosofia não existe diversidade de processo cognoscitivo, mas apenas diferença de grau, pois a filosofia representa o último grau de generalização. O conhecimento filosófico abrange e supera os outros dois.
A ciência é o saber parcialmente unificado. A filosofia é o saber totalmente unificado.
(Publicado na Revista Serviço Rosacruz de setembro/1970)
Coragem: “aquele que der um começo, já terá feito a metade da coisa”
São necessárias cordas durante a descida de algum trecho pequeno, porém escorregadio e rochoso, de superfície escarpada, numa última etapa de um exercício de escalada de montanha.
“Admiro a sua coragem”, observou um espectador ardentemente, quando um dos alpinistas se sentou na relva, descansando um pouco, antes de regressar à sua casa.
O alpinista olhou o seu admirador de forma perturbada e, em seguida, disse-lhe de modo um tanto embaraçado: “Não há de que”. Não conhecia muito bem o seu admirador e mesmo que o conhecesse, seria o caso de lhe dizer que não foi necessário ter coragem alguma para fazer a escalada e a descida? Seria o momento de dizer que isso lhe deu a coragem de adentrar grutas ou qualquer outro espaço reduzido, escuro e fazer a sugestão de que talvez o seu admirador pudesse desempenhar essa exploração de modo igualmente fácil? Muita discussão por um comentário tão simples! Melhor não dizer coisa alguma — pelo menos, nesse instante.
Contudo, chega um momento em que o assunto coragem deve ser explorado muito cuidadosamente pelo aspirante a uma vida superior, caso se considere totalmente zeloso e sincero. Por quê? Mas por que é tão importante a uma vida baseada na Filosofia Rosacruz? Talvez possamos melhor responder a essa indagação após considerarmos a coragem um pouco mais profundamente.
A maioria de nós reconhece de modo vago que o que exige um esforço varia de pessoa a pessoa; mas possivelmente muitos não se detiveram para perceber que a maior parte das pessoas “normais”, existentes atualmente no mundo, realizou, em certa época, esforços enormes. Por exemplo, diz-se que o desejo de locomoção surge antes da capacidade de se movimentar. E as tremendas batalhas que devam ter ocorrido à medida que o ser humano, em sua formação, aprendeu a conduzir os seus veículos de um lugar a outro são vistas de modo telescópico nas primeiras tentativas fracas e desajeitadas de um bebê procurando locomover-se. Do mesmo modo que cada um de nós apresenta melhores rendimentos em certa matéria do que outros, em assuntos escolares, cada qual aprendeu suas lições quanto ao funcionamento nas várias atividades deste mundo de um modo melhor em algumas matérias do que em outras; porém todas as nossas atividades presentes exigiram esforço em certa época — e alguma coragem, quando procurávamos algo novo.
E, se pensarmos um pouco mais, a maioria de nós se apercebe de que uma ação que quase não levamos em consideração em certo momento de nossa vida, ação que até mesmo poderíamos exercer alegremente, poderá, em outros instantes, constituir um supremo ensaio de vontade. Poderá surgir um momento na vida de todos nós em que até mesmo o despertar em uma manhã ou o início de um novo dia poderá exigir muita resistência moral, quando significar a necessidade de encarar novamente problemas ou dores que pareçam difíceis de enfrentar.
No entanto, após reconhecermos que os atos de coragem significam diferentes coisas a pessoas diferentes, ou coisas diversas em tempos diversos para a mesma pessoa, eventualmente encobriremos a verdade de que haja certas lições básicas e gerais quanto à coragem, lições que todos nós deveremos aprender, se formos aspirantes sinceros a uma vida superior, da mesma forma que houve certos atributos físicos que tivemos de desenvolver para podermos viver a nossa atual vida física. Aqui estão algumas dessas lições básicas, sendo que o leitor provavelmente desejará acrescentar outras mais.
1 — A coragem de reconhecer e aceitar os próprios traços indesejáveis e em seguida fazer o máximo para transmutá-los. Cada um de nós tem pelo menos uma tendência indesejável ativa ou abrandada e a mantemos, provocando embaraços de modo sabidamente errado ou, pelo menos, em desarmonia com nossa capacidade mais elevada e, lutando contra essas tendências retrógradas, pode obter fortaleza. Por exemplo, há necessidade de muita coragem para nos dizermos honestamente, algumas vezes, que o que gostamos de apreciar como sendo exteriorização é, na realidade, um mau temperamento e, parcialmente, um ressentimento sepultado. Poderá também ocorrer que haja alguma falta ou área congestionada em nosso caráter que não possamos honestamente perceber. É aqui onde um amigo de confiança, que seja um astrólogo competente, poderá ser muito valioso: mesmo se nós próprios conhecermos a astrologia, poderá ser muito fácil passar por cima de algumas indicações negativas de nossos horóscopos.
Mas após termos erguido as nossas faces, banhadas de lágrimas, dessas questões soluçantes, talvez nos perguntemos qual seria o melhor modo de combater todos os pontos negativos que tenhamos acumulado. A resposta dada por Max Heindel é que não devamos fazer isso diretamente. Em harmonia com o sentimento da velha canção que nos exorta a acentuarmos o positivo, ele nos diz para praticarmos a virtude oposta à falta que desejarmos eliminar. Trata-se de outra aplicação daquilo que aprendemos a respeito do Mundo do Desejo: a atenção de toda espécie, agradável ou desagradável, causa uma grande atividade no sujeito e na coisa agradável ou desagradável. Porém a indiferença mata, de modo que devamos ignorar a falta e procurarmos aumentar a virtude oposta, amando-a e praticando-a. Assim, se percebermos que estejamos inclinados à tristeza, não devemos nos recriminar por não sermos eufóricos, porque assim ficaremos rapidamente muito mais ansiosos e angustiados. Ao contrário, se praticarmos a jovialidade, ela se tornará eventualmente uma parte de nós próprios e sentiremos realmente o otimismo, suas vantagens e os benefícios de nos empenhar duramente nesse método na tradução original, “duramente para encontrar nossas vizinhanças”. Até mesmo nos males físicos esse princípio opera a nosso favor: em uma certa espécie de artrite, um dos melhores medicamentos é a movimentação deliberada das partes enrijecidas e doloridas. Certamente que isso exige esforço! Mas é disso que estamos tratando.
2 — A coragem de apreciar a morte como um princípio. Atualmente não temos a caça às feiticeiras, que culminava na queima dos corpos em praça pública; nem mais se crucifica uma pessoa como nos tempos bíblicos, em virtude de ofensas triviais das quais se pudesse ser acusado, como hoje em dia — falsamente. Não há igreja que nos jogue na prisão para definhar e torturar, pelo menos não neste país. Como então essa espécie de coragem seria, na atualidade, algo que não fosse mais do que mero interesse acadêmico?
Neste século tem havido oportunidades aos que vivem em certos lugares para exercitar este tipo de coragem, manifestando-se contra as injustiças e procurando corrigi-las. A Alemanha nazista constituiu um lugar onde alguém poderia correr risco de vida pela defesa de um princípio; hoje em dia, Espanha e Portugal são outros.
Porém, as Forças Superiores sempre encontram meios de provar os estudantes em certo momento de suas vidas, nesse aspecto de coragem e talvez o meio mais comum em nosso país, atualmente, seja através da enfermidade.
Você talvez tenha estado doente durante longo tempo, acamado na maior parte desse tempo, de modo que se encontre bastante enfraquecido. Os médicos meneiam suas cabeças e mostram suficientemente, pelos seus comportamentos, que acreditem terem feito tudo o que pudessem; os amigos forçam conversações prazenteiras através de semblantes sombrios. Você mesmo está quase resignado quanto à desesperança de seu caso. Então, começa a sugestão. Trata-se de fazer algo que há muito decidiu ser nocivo a seu corpo e sua alma. Mas após tudo isso, dizem seus amigos, experimentou-se tudo mais e imaginam o quanto de bem poderão fazer após conseguirem a cura! O choque mais cruel de todos surge quando até mesmo seus melhores amigos, ligados à Filosofia Rosacruz, induzem-lhe a esse curso de ação errado para salvar a sua vida, conforme dizem.
No entanto, silenciosamente, você diz a si próprio: “Sei que me encontro agora próximo da morte. Todavia, não desejo ir, porque há muita coisa que gostaria de fazer. Porém, se tomar essa atitude que eu saiba ser errada e recuperar a saúde, haverá sempre aquele senso atormentador que assim agi fazendo algo errado e nunca mais estarei em condições de trabalhar, segundo o mais expressivo e o melhor de minhas capacidades, em virtude daquele espectro que fica observando por trás de meus ombros. Tentei tudo o que sabia estar em harmonia com meus princípios. Se tiver de morrer agora, morrerei de qualquer modo, não importa o que eu faça”.
Dessa forma, você se certifica de que os seus negócios se encontrem em ordem e repousa em seus travesseiros para exalar o último alento exausto, porém contente…
Contudo, algo acontece. Alguém chega, pousa as mãos em você e, no dia seguinte, você já se ergue e sai, após ter estado na cama durante meses. Ou você simplesmente melhora gradualmente, embora não faça algo diferente. Mas, em primeiro lugar, você terá de mostrar aquilo que realmente deliberou durante a noite tempestuosa em que tomou a decisão há longo tempo, em um pacífico dia ensolarado.
3 — Coragem para desafiar qualquer elemento físico, quando necessário.
O que você teme neste Mundo Físico? O fogo? As alturas? Inundações? As crianças? As pessoas idosas? A eletricidade? Serpentes? Se houver neste mundo algo que desperte em nós o desejo de nos afastar, eis um problema que deva ser encarado completamente, agora, uma vez que, quanto mais o medo for encoberto, tanto mais se inflama, desenvolve e suas raízes se aprofundam muito mais, no decorrer do tempo.
Familiarize-se, por meio da leitura, com os aspectos da constituição e da estética de tudo aquilo que você teme é adequado, de forma que passe a dispor de uma riqueza de informações alusivas ao assunto, porque muitas vezes tememos mais o que nos é estranho, desconhecido e inominado. Em seguida, familiarize-se de primeira mão. Se você teme a água e não sabe nadar, tome lições de um instrutor competente. Se você teme as alturas, faça caminhadas pelas colinas e depois pelas montanhas. Primeiramente, aprecie a vista da parte baixa de um penhasco. Gradualmente, faça-o cada vez mais próximo do topo. Tire em seguida o seu bacharelado, encabeçando algumas escaladas.
4 — A coragem de arriscar cometer algum engano, quando for necessária alguma ação. Quantas vezes desistimos de realizar até ações mais simples, com receio de dizer ou fazer coisas erradas ou pelo medo de parecer enlouquecidos? E quantas vezes nos mantivemos na retaguarda por não termos feito algo e, assim, perdido uma possível oportunidade de experimentar aquela sensação extraordinária de crescimento e expansão?
“Mas o erro que poderíamos cometer seria monumental”, você poderia dizer. “Poderia”, sim; porém você não tem a certeza disso. E mesmo se você tivesse feito algo radicalmente impróprio, sabemos que as Hierarquias criadoras, bem acima de nós em matéria de evolução, também cometem erros: os cometas são o resultado de uma tentativa de criação no cosmos que, por alguma razão, não “se gelificou” e atingiu a órbita adequada, de forma que eles vêm e vão, malogros divinos perdidos na face da profundidade.
Desse modo, devemos provar a nossa fé através de obras: obras significam experiência concreta e a experiência deve envolver alguns erros.
Max Heindel nos diz que o mundo necessita de seres humanos que façam e não que sonhem ou leiam. Em suma, será feito na terra de nossos corpos o que acontece no Céu de nossos Espíritos.
5 — A coragem de estar só. Nós a temos na mais alta autoridade, a do Próprio Cristo; em certa época de sua carreira esotérica, o estudante de ocultismo sincero deve estar completamente só, fisicamente, para enfrentar sua sorte e seus problemas. Os parentes estão disseminados e não compreenderiam. Os amigos também parecem estar muito longe, física, mental e espiritualmente. Não parece possível receber ajuda de ser vivente algum. Cristo, que é o Precursor em um sentido muito literal, sentiu essa desolação no Jardim do Getsemani, quando perguntou amargamente se nenhum de Seus discípulos adormecidos poderia velar com Ele.
Porém, quando nós bravamente tomarmos a nossa cruz, seja ela pequena ou grande, existirão amigos em ambos os lados do véu prontos para auxiliar-nos a carregá-la. Descobriremos que a solidão, como tudo mais que seja apenas desta vida, foi somente temporária. Goethe, o poeta Iniciado, escreveu:
“Aquele que nunca come o seu pão na amargura
e jamais passa por horas tenebrosas,
pranteando e aguardando o amanhecer,
não conhece os Poderes Celestiais”.
6 — A coragem de continuar tentando. De acordo com T. S. Eliot, somos “unicamente derrotados porque tentamos”. Isso poderá ser um pequeno consolo para alguém que tenha um pertinaz problema de saúde, que há muito esteja suportando um pesado encargo familiar ou talvez venha tentando há muitos anos romper um mau hábito, como modificar um traço inadequado da personalidade ou do caráter. Mas a Filosofia Rosacruz nos diz que, se persistirmos no rumo certo, mesmo que não possamos ver os resultados, eles ali estarão. Isso porque as imagens de nossas circunvizinhanças incluem as condições que estejam dentro de nossa própria aura. Se tivermos criado em nossas mentes a imagem de uma coisa que desejemos obter e tivermos revestido essas imagens mentais com um intenso desejo de ser bem-sucedido, a mente modificada e o desejo impulsor ativo eventualmente tornarão o Corpo Vital muito mais fixo e resistente, o qual, por sua vez, acarretará quaisquer modificações necessárias no veículo mais sólido a ser modificado, o Corpo Denso. Assim, mesmo se intimamente trabalharmos durante toda uma existência em um problema sem resultados tangíveis no mundo físico, teremos a promessa de que esses resultados se mostrarão na próxima vida, uma vez que os corpos mais elevados desta vida determinam a qualidade dos mais baixos, na outra. E, quem sabe? Poderemos não ter de trabalhar durante toda uma existência nesse problema. Ajuda-nos também a lembrança de que a hora mais obscura é comumente anterior à alvorada.
Existem pelo menos duas coisas que devamos manter em mente, relacionadas com todas as espécies de coragem que mencionamos. A primeira é uma advertência. A coragem sem previsão e discriminação não é coragem, mas, sim, temeridade, insensatez e um trágico desperdício de energia valiosa. Devemos nos lembrar de que as forças negativas estejam sempre prontas para tentar e enredar, particularmente o estudante sincero. Trata-se de um fio de navalha sobre o qual devemos andar. O segundo ponto importante a refletir constitui uma ajuda ao nosso desenvolvimento em matéria de coragem. Trata-se daquilo que João nos diz em sua primeira epístola: “o perfeito amor afasta o temor”. Isto não significa necessariamente que devamos aprender a amar o que tememos, porque o que tememos pode ser verdadeiramente mau. Porém o amor por alguém ou por um princípio e os atos desempenhados a favor desse amor poderão dissolver completamente todos os nossos temores precedentes.
Agora que falamos de algumas das modalidades de coragem que nós, como estudantes de ocultismo, precisaremos desenvolver em alguma época de nossas carreiras, talvez estejamos em posição melhor para compreender por que nós as necessitamos e por que necessitamos de qualquer espécie de coragem, pelo menos. Se não nos esforçarmos e tentarmos transmutar as características indesejáveis em nós próprios, então estaremos simplesmente colocando-nos por detrás do caminho evolutivo lento e laborioso daqueles que aprenderão apenas pela experiência e não estaremos realmente entre os que conquistarão o Céu por assalto. Se não estivermos prontos a lutar por um princípio, então o mesmo não nos terá qualquer significado e não poderemos esperar ser os depositários de verdades e poderes maiores; dessa forma, até mostrarmos o aspecto de coragem física, faríamos melhor se o desenvolvêssemos, até porque nas expressas palavras de Max Heindel, quando explanava sobre o Tannhauser, o estudante sincero deve “perceber que deva possuir as mesmas virtudes requeridas de um cavalheiro, uma vez que sobre a senda espiritual também existam perigos e lugares onde é necessária a coragem física”. Se não tivermos a coragem de agir quando devemos, mesmo se a ação signifique um possível erro, então não estaremos agarrando as oportunidades de progresso e estaremos provavelmente nos chocando contra as ondas. Se não pudermos, em momento algum, sentirmo-nos plenamente sós, então não estaremos desejosos de partilhar de modo algum da vida do Cristo. Se não tivermos a coragem de continuar tentando, então mostraremos que realmente não temos fé na verdadeira filosofia em que dizemos acreditar, filosofia que explica por que um esforço nunca é desperdiçado. Finalmente, uma coisa muito importante: necessitamos de coragem de todas as espécies a fim de sobrepujarmos o Guardião do Umbral. Se formos estudantes sinceros, deveremos certamente nos encontrar com essa entidade algum dia.
Shakespeare disse em Rei Lear que “a coragem emerge com a ocasião”. Esperemos que assim seja, porque há muitas ocasiões nesse período de nossa história. As condições internas são espelhadas extrinsecamente pelo microcosmo e macrocosmo: o mundo e sua aura estão em agonias de batalhas monumentais, envolvendo todas as espécies de forças. Se você não se sentir necessitado de modo algum, fechará os seus olhos e ouvidos.
De forma que, coragem, caro coração! E relembre-se, com o poeta Horácio, de que aquele que der um começo, já terá feito a metade da coisa.
(Publicado na revista Serviço Rosacruz de fevereiro/1970)
O Bem que podemos fazer
Os males que você não pode remediar são infinitos. Porém, os que pode remediar são tantos que, balanceando o que tem feito em um ano, por exemplo, verá que o bem praticado exigiu um labor enorme para suas forças, parecendo-lhe um sonho o que realizou.
Também um grão produz uma espiga.
A capacidade de fazer o bem de que cada alma humana dispõe é extraordinária pela sua grandeza.
O poder de fazer o bem, que nos foi concedido, é de uma enormidade de nos causar pasmo. Vemos seres humanos desprovidos de todos os recursos realizarem milagres de caridade; seres humanos que alteram a organização das sociedades; pessoas que arrancam o mundo de seu estado natural e o renovam.
Causa assombro pensar no que seria nosso Planeta se todos os seres humanos estivessem educados para o amor em vez de o estarem para o egoísmo e até para o ódio. O eixo moral do mundo seria como que perpendicular ao plano da eclíptica do dever e uma divina primavera reinaria na morada dos seres humanos.
(Publicado na Revista Serviço Rosacruz de setembro/1970)
A Única Salvação é o Conhecimento Aplicado
A preocupação dominante nas grandes metrópoles é encontrar meios de humanizá-las. Nos vastos centros urbanos emergem as mais contraditórias paisagens, os mais chocantes contrastes, os mais intrincados e aparentemente insolúveis problemas. Por suposto, seus reflexos fazem-se sentir nas pessoas, traumatizando-as, neurotizando-as, gerando toda sorte de enfermidades.
Deverá ser eternamente assim? Não haverá uma saída? Vejamos. Se a vida nas palpitantes urbes apresenta uma série de inconvenientes, em contrapartida oferece uma gama valiosíssima de experiências, impossíveis de serem encontradas em outros lugares. À experiência traz consigo um conhecimento real, comprovado, não haurido livrescamente. A fonte maior dessas experiências é o relacionamento humano. Através do relacionamento promove-se um importante e rico intercâmbio de valores culturais, morais e espirituais.
Só assim tomamos conhecimento e sentimos mais intimamente os problemas dos outros. O contato com os seres humanos faz-nos recordar sempre a humanidade existente dentro de nós mesmos. Não podemos prescindir disto, a menos que sejamos frios e duros blocos de concreto, como os que compõem a paisagem cinzenta das megalópoles.
No Livro: “O Conceito Rosacruz do Cosmos” Max Heindel assinala que “a única salvação é o conhecimento aplicado”. Se a cidade grande enseja multivariadas experiências — e decorrente conhecimento — por que não aproveitamos as mesmas para humanizá-la, tornando-a um lugar aprazível, mais habitável? Podemos e devemos fazê-lo.
O ser humano isolado é uma impossibilidade. Não podemos fugir à interdependência no relacionamento diário. Este enfatiza a necessidade de amar ao próximo, mormente porque o próximo dos outros somos nós mesmos. À competição desenfreada, o temor de ser passado para trás, a pressa em fazer alguma coisa ou chegar a algum lugar, tão característicos dos grandes centros, produzem angústia devoradora. Afinal, o ser humano é uma vítima da cidade, ou de si mesmo?
O ser humano descarrega sua insatisfação acusando uma cidade de ser desumana, quando, realmente, ele é que a torna assim pela sua vivência egoísta. Nós a envolvemos com nossos sentimentos e pensamentos, e estes, em sentido coletivo, imprimem-lhe características básicas, gerando inclusive seu destino. A cidade em que vivemos, é, de certo modo, uma soma do que somos. A menos que, pensemos e ajamos sempre visando o bem comum, continuaremos a fazer parte da “indesejável” paisagem do lugar em que vivemos.
Uma comunidade urbana é, em essência, algo maravilhoso. É o campo de evolução onde os seres humanos coexistem em torno de necessidades, de ideias e ideais. As experiências que ensejam devem, antes de mais nada, apurar a sensibilidade de seus habitantes em relação às suas belezas e aos anseios do próximo. A experiência deve conduzir o ser humano à maturidade. Mas é mister identificar este termo no seu sentido mais profundo. “Alcançar a maturidade”, como definiu Weissman, “não significa envelhecer. É passar da arrogância, cavadora de abismos, para a humildade unificadora; da indiferença para o amor: da inveja para a gratidão; da insegurança para a tranquilidade. É aumentar em si os impulsos construtivos, livrando-se dos sentimentos destrutivos”.
Assim, a maturidade há de acompanhar a purificação do sentimento, tornando-nos verdadeiramente cristãos na vida comunitária. Amemos nossas cidades, amando e servindo seus habitantes.
(Publicado na Revista Serviço Rosacruz de maio/1976)
O Eterno Momento: viver aqui e agora
A linha é uma sucessão de pontos; a vida, uma sucessão de agoras.
Vivo conscientemente e bem o aqui e agora, pois nisso vejo toda a ciência do viver.
Não me volto ao passado. Apenas lhe conservo a experiência. Só me preocupei com ele quando era infeliz, complexada, insatisfeita. Então me voltei, rebusquei-o muito bem para encontrar as causas de minhas condições e as desarraiguei para sempre, à luz da Filosofia, dos Ensinamentos Bíblicos e da Astrologia Rosacruz. Depois disso “tomei do arado e não mais olhei para trás”. Quando me assalta a vontade, lembro-me da mulher de Lot, transformada em estátua de sal ao voltar os olhos para a cidade destruída por Deus.
Realmente: reviver coisas desagradáveis só nos reacende sentimentos indesejáveis e cristalizantes. E mesmo as coisas agradáveis. Que proveito há em rememorar nossos triunfos? Não será vaidade? Devemos partir para conquistas mais altas.
Conservo as experiências. Elas são a essência, a Fênix renascida das cinzas de tudo que queimei. Elas me permitem relacionar as causas aos efeitos e deduzir atos progressivamente melhores. Este conhecimento me evita sofrimentos desnecessários, quando pela Vontade, aplico-o a novas ações.
Quanto ao futuro, também não me preocupa. Os devaneios roubam agoras preciosos que poderiam ser preenchidos com realizações. Os momentos passados edificaram minhas atuais condições; igualmente, meus agoras continuarão a edificar o meu caráter. E caráter é destino.
O futuro depende do agora. Assim, penso, sinto, ajo, no agora.
“A cada dia os seus cuidados”, “Não faço planos”. Muitas vezes os fiz e quase sempre tudo veio diferente…. Sei o que me convém, como ser espiritual, e ajo de forma a realizá-lo. Porém, é Cristo, em mim, quem vai dispor os tijolinhos de meus esforços diários; Ele é o Arquiteto do Templo que lhe edifico silenciosamente.
Desligo-me de toda ansiedade e preocupações. Atenta e responsável a tudo que me incumbe e me é possível, não deixo pendências que me perturbem depois. Tenho inteira confiança nas Leis de Deus, ativas no Micro e no Macro. Entrego-me à direção de meu verdadeiro Ser, sobreposta que estou aos pensamentos negativos e sentimentos de medo e restrição. “Quem deseja salvar sua alma é quem a perde”.
Aqui e agora busco a Deus e seu Reino no íntimo de todas as coisas e pessoas. Aqui e agora, sou feliz!
(Publicado na Revista Serviço Rosacruz de fevereiro/1970)
O Otimismo é uma Atitude Positiva – o resultado final sempre será positivo
A despeito das condições, muitas vezes, desalentadoras em que vive a humanidade, não podemos perder as esperanças de que tudo caminha para um bem final. Devemos confiar em que o ser humano sairá fortalecido dessa fase de transição. As circunstâncias podem ser encaradas como um desafio, uma oportunidade de progresso. É necessário cultivar uma fé em que o resultado final de nossos esforços só poderá ser positivo.
Max Heindel afirmou em uma de suas obras: “O Ego tem, diante de si, uma via eterna de progresso; as limitações são uma irrealidade, porque o Espírito humano é uma chispa do Infinito, capaz de desenvolver todas as suas potencialidades”. No livro Conceito Rosacruz do Cosmos também lemos: “Cumpre-nos buscar sempre o bem oculto em todas as coisas. O cultivo dessa atitude de discernimento é particularmente importante”.
O Espírito humano é uma chispa do Infinito, dotada de um potencial ilimitado. E se é correto que o “bem” pode ser encontrado em todas as coisas, não é difícil aceitar a ideia de que o ser humano é essencialmente bom.
Esta bondade inata do ser humano expressa-se sutilmente, sem realce mundano, sem foguetório, porquanto não pode ser percebida em meio ao clamor e agitação da vida moderna. Todos estão prontos e atentos a notar as falhas humanas, os fatos e circunstâncias desagradáveis como se tudo isso fosse autossustentável. Essas falhas e circunstâncias ocorrem porque o indivíduo as alimenta com seus pensamentos e sentimentos negativos. Na realidade não têm vida própria.
Os pequenos atos de bondade praticados diariamente por pessoas do nosso círculo de relacionamento, amiúde, passam despercebidos. Isso acontece porque valorizamos excessivamente as situações dramáticas, as atitudes pretensamente corajosas e grandiloquentes. Observemos ao nosso redor quantos heróis anônimos, dispostos a se sacrificar pelo bem-estar do seu semelhante sem nada esperar em troca. No entanto, ninguém lhes exalta a capacidade de fazer o bem, ninguém os homenageia ou concede honrarias.
A vida revela de maneira inequívoca que mesmo as crises mais graves ou situações trágicas são resolvidas mediante a intercessão de alguém ou algum grupo de pessoas de boa-vontade. Através do senso de justiça ou sentimento de compaixão conseguem restaurar o equilíbrio no ambiente em que vivem. Os quadros mais dramáticos são os mais favoráveis ao exercício do altruísmo. O despontar da aurora é antecedido pela fase mais escura da noite.
Quando os jornais e a televisão noticiam grandes desastres, isto significa que os envolvidos têm lições a aprender. A dor da tragédia muitas vezes serve para quebrar-lhes apatia, despertando-lhes a consciência de sua origem divina. E não raro recebem ajuda e consolo daqueles abnegados, cujos corações só irradiam bondade.
Por mais que se agravem os problemas devemos conservar nossa fé no bem final, pois a bondade inata do ser humano triunfará sobre tudo o que é negativo.
(Revista ‘Serviço Rosacruz’ – mai/jun/88 –SP)
Diálogo entre o Místico e o Cristo Interno
Há dois caminhos: o ocultista (mental) e o místico (do coração). Cada pessoa tem predominância de uma dessas tendências. Contudo, no fim de um deles há de encontrar e desenvolver o outro. O místico chega a um ponto de iluminação quando está empenhado no labor espiritual. Ele se retira em meditação para inebriar-se nas vivências internas. Está vigilante quando sente internamente o Cristo se lhe manifestar:
Cristo Interno: “Dá-me de beber de teu amor, para que eu possa saciar minha sede”.
Místico (saindo de sua admiração): “Quem és tu?” (Pois até aquele momento não tivera experiência desse gênero).
Cristo Interno: “Sou aquele de quem estás separado há muito tempo. Se tivesses sabido quantas vezes te pedi amor, que me servisses. Então me poderias pedir da água viva que só eu te posso oferecer”.
Místico: “Podes, acaso, oferecer-me algo superior ao que tenho recebido?”
Cristo Interno: “Tua vivência é humana, incompleta e instável. Posso dar-te algo muito mais elevado, completo e permanente, que te levará à união comigo”.
Místico: “Sacia-me, então, de vez, para que eu não precise mais da penosa aprendizagem tradicional”.
Cristo Interno: “Não. Deves continuar no mundo, servindo e aprendendo. A intervalos deves voltar a mim”.
Místico: “Já não tenho apegos, nem ligações mundanas”.
Cristo Interno: “Sei de tua aprendizagem em vidas anteriores. Já ultrapassaste o estágio comum, mas ainda não estás preparado para o próximo”.
Místico: “Vejo que me penetras n’alma. Preparei-me pela senda mística e tu dizes que devo cultivar também a senda ocultista, para alcançar a paz (Jerusalém)”.
Cristo Interno: “Em verdade, esses dois caminhos apenas conduzem a uma meta maior. O místico sente a verdade, mas por falta de desenvolvimento da razão, está sujeito a enganos. Vim trazer a Luz da Verdade libertadora. Chegou a hora em que o ideal há de ser Amor-Sabedoria, unindo Coração e Mente, para amarmos e concebermos Deus como verdadeiro espírito. Procuro aqueles que possam adorar-me desse modo”.
Místico: “Sei que o Cristo (Cósmico) há de voltar e estabelecer esse ideal”.
Cristo Interno: “Pois sabe: esse ideal se realiza internamente em cada alma preparada. Para ti já voltei. Eu sou o Cristo: o que fala contigo”.
(Publicada na Revista Serviço Rosacruz – 02/1978)
Quando a Letra Mata
A responsabilidade inerente aos seres humanos que dirigem os meios de comunicação é muito maior que eles imaginam. Aqueles que, manipulando a imagem, a letra e a palavras, atingem as massas, diariamente, têm em suas mãos uma faca de dois gumes.
Talvez nem todos estejam conscientes disso. Basta que se dê uma olhada, por rápida que seja, na maneira distorcida, quando não pervertida, como tais veículos de comunicação são usados.
O uso da palavra, particularmente, não mereceu ainda uma profunda reflexão por parte da maioria das pessoas.
Não se atina com a sacralidade de sua natureza. Muito menos com o seu poder criador. De um modo geral, é empregada para comunicar sem construir, para informar sem formar. Vazias, destituídas de conteúdo, as palavras, hoje, pouco edificam. E dizer que na Época Lemúrica do Período Terrestre ela facultava ao ser humano o exercício de seu poder sobre as coisas! Acontece, porém, que o ser humano perdeu o contato consciente com os planos espirituais.
A estreita convivência com a materialidade roubou-lhe a noção de sua própria divindade.
Hoje, as religiões e as Escolas de Mistérios empenham-se em auxiliar a humanidade a retomar, desta vez conscientemente, o caminho outrora trilhado.
Procuram orientar o “filho pródigo” – cansado das mazelas deste mundo – no regresso à “casa paterna”.
O ser humano deve educar-se, principalmente no emprego da palavra, seja escrita ou oral. Através dela, ele há de erigir um mundo melhor, mais limpo, sobre as cinzas das presentes discórdias.
É um tema importante para meditação. Felizmente, várias pessoas já se conscientizaram dessa verdade e trabalham no sentido de transmiti-la.
Neste que se diz o século da comunicação, há um excesso de mensagens no ar, e muito pouco que valha a pena comunicar nelas. Falamos muito e dizemos pouco, esquecidos daquele antigo preceito segundo o qual a quantidade não altera a qualidade. O sentido da vida não pode ser percebido pela razão, e a voz desse sentido é ouvida dentro de cada ser humano, nos instantes em que ele está verdadeiramente vivo e alerta.
Essa atenção é impedida pelo burburinho — o interno e o externo — em que vivemos constantemente. Fala-se o tempo todo de todas as banalidades imagináveis, e por trás de todo esse murmúrio há um vazio assustador, uma carência espantosa de substância.
No Livro Admirável Mundo Novo, Huxley colocou as bubbling machines que murmuravam sem parar, dia e noite, repetindo aquilo que os donos do poder queriam inculcar nos seres humanos daquele futuro trágico. Nos dias atuais, somos nós as bubbling machines, neste culto da puerilidade em que se misturam propaganda de toda ordem, pregação messiânica, elogio e crítica incessantes. A aluvião de palavras que enchem nossa vida é fruto bem evidente da ansiedade e da insegurança existentes em toda parte. O silêncio foi rebaixado à condição de réu, e nivelado à estupidez e à ingenuidade, na melhor das hipóteses. Dado o prestígio da palavra – não importa se ela tem o mesmo conteúdo de um zumbido de colmeia – todo juízo precipitado é perdoável, desde que alguém esteja falando. O que precisa ser evitado a todo custo é o silêncio, ou mesmo a palavra ponderada, reduzida ao necessário e ao justo.
Num dos seus sermões, o padre Antonio Vieira disse: “Os falsos testemunhos formam-se na língua, os juízos temerários formam-se na imaginação; e como da imaginação à língua há tão pouca distância, para que não haja falsos testemunhos na língua, proíbe que não haja juízos temerários na imaginação”. O que diria o padre Vieira, dos nossos veículos de comunicação e dos decibéis que nossos ouvidos são obrigados a suportar em nome do progresso e da técnica?
A referência bíblica ao fato de que “a letra mata, mas o Espírito vivifica” é parte de uma tradição eterna, noção conhecida e esquecida, de tempo em tempo, pela humanidade. A compreensão desse preceito é hoje dificultada pelo dilúvio de palavras que envolve nossa vida, e nos compromete até o fundo da alma. Repetimos como papagaios, ou bubbling machines, que a comunicação é importante, que quem não se comunica está fadado ao desastre, ao isolamento, etc. Até mesmo para avaliar o significado da comunicação estamos envolvidos e condicionados pelo excesso de mensagens – e alheios ao vazio da maioria delas. A Mente humana não consegue absorver, filtrar e aproveitar nem sequer dez por cento do que lhe chega diariamente.
Empanturrados, continuamos a comer precipitadamente. Não admira que a ansiedade, a angústia e o desespero sejam os grandes flagelos da época.
Os fatos não são, infelizmente, tão simples e ordenados como gostaríamos que fossem. É difícil entender como se forma esse círculo aparentemente vicioso no qual a ansiedade e a insegurança produzem incessantes mensagens fúteis, e essas contribuam para aumentar aqueles males. Os furacões também são formados de pequenos ventos que agem, a certa altura, como causa e efeito ao mesmo tempo. Se “a letra mata”, ela tem também o seu justo lugar, inclusive um papel no trabalho para que “o espírito vivifique”. O excesso e a qualidade inferior da letra — da comunicação, da mensagem — é que fazem dela um imperceptível veneno. Não é difícil a cada ser humano observar em si mesmo como tudo isso acontece. Primeiro, é preciso deixar a enxurrada passar ao largo, com toda sua falsa e contraditória sabedoria. O que “os outros” dizem de tudo isso não deve importar, por instantes. Depois, é relativamente fácil: basta olhar, sem comparar. Podemos ver, então, como verbalizamos todas as tolices que criamos e recebemos de fora. Veremos também como pensamos com palavras, na maioria esmagadora das ocasiões em que pensamos.
Desconhecemos aquilo a que Santo Tomás de Aquino chamava de “ação pura” — a que só é, quando é verbalizada depois de ocorrida. Nesse painel se revela toda a enormidade de nossa tagarelice compulsiva, uma espessa cortina de palavras atrás da qual se esconde nossa verdade.
Se pensarmos em termos de cotidiano simples, há exagero na afirmação chinesa antiga de que “aquele que fala não sabe e aquele que sabe não fala”.
Lao-Tse, ou quem tenha sido o autor da frase, referia-se a uma sabedoria mais global, não ao conhecimento comum das coisas, no dia-a-dia. Apesar disso, a verdade se aplica também, sem exagero, aos pequeninos fatos que compõem nossa vida. Falamos muito quando não conhecemos muito. Quando conhecemos e queremos transmitir esse conhecimento, fazemos isso resumidamente, com simplicidade. Bernard Shaw estava bem desperto quando afirmou: “Quem sabe, sabe. Quem não sabe, ensina”. O dramaturgo irlandês era sensível aos pequenos e grandes ridículos de seu tempo. Esse excesso de mensagens no ar é evidente até mesmo para quem não se dá conta do mundo em que vive. O vazio da maior parte dessas mensagens é verificável por um grupo menor. A substituição da falta de conteúdo pela quantidade e pelo rumor é notada por alguns poucos. Esses, que estão acordados, podem sacudir os outros, mostrando, com suas respectivas habilidades, o absurdo de todo esse persistente barulho”.
(Publicado na Revista Rosacruz de janeiro/1978)
Uma Vivência Devocional
Nos Centros da Fraternidade Rosacruz espalhados pelo mundo se realiza as reuniões devocionais às 18h30, hora local, onde é oficiado o Ritual Devocional (do Templo ou de Cura, nas suas datas). Nessas reuniões, os presentes cantam os Hinos de Abertura, Astrológico do mês e de Encerramento.
Recomenda-se aos Estudantes que, na medida do possível, assistam a essas reuniões, se bem que nem todos possam fazê-lo dado a obrigações ou compromissos intransferíveis. Cabe-nos observar, também, o cumprimento de nossos deveres sociais.
Àqueles impossibilitados de frequência há outra alternativa, aliás, extensiva a todos: efetuar a prática devocional no recesso do próprio lar. Quando surge uma boa oportunidade de recolhimento, não devemos deixá-la escapulir. Retiremo-nos para um cômodo tranquilo, preferencialmente isolado. Ali podemos orar, entregar-nos à leitura de temas bíblicos, meditar aos acordes suaves de uma melodia sacra, etc. e oficiar os Rituais Devocionais. Enfim, cada um poderá, a seu talante, compor a sua própria prática devocional.
Todavia, é importante ressaltar: isso tudo é devoção, mas a devoção não é só isso. Para assumir sua integralidade e produzir frutos ela deve transpor os limites formais das práticas acima mencionadas, ganhando corpo como VIVÊNCIA DEVOCIONAL. Entremeada de altos e baixos, a caminhada do Aspirante não se fortalecerá e consolidará enquanto não se alicerçar em uma VIVÊNCIA DEVOCIONAL.
Alguns Estudantes às vezes se queixam — e isso acontece desde o tempo de Max Heindel — de que, apesar de estudarem com afinco a Filosofia Rosacruz, notam ser muito lento seu progresso.
Com o correr do tempo, passam até a achar as lições repetitivas e monótonas.
Um Estudante, certa vez, escreveu a Max Heindel, afirmando que, em sua opinião, as Cartas mensais dirigidas aos membros da Fraternidade, nada mais eram que “pequenos agradáveis sermões”. Na verdade, ele estava era sequioso de novidades e mistérios. Não lhe importava extrair, dos textos, uma lição de fundo moral.
Fatos como esse, ocorrem com quem julga ser a Filosofia Rosacruz, apenas e tão somente um conglomerado de conhecimentos, formando um sistema filosófico estruturado em bases coerentemente racionais e lógicas. Não conseguem transcender sua intelectualidade, penetrando naquilo que ela tem de mais grandioso: sua capacidade de transformar, para melhor, o íntimo do ser humano.
Admitindo como notável a sua racionalidade, não lhe atribuem, talvez, aquele essencial caráter de religiosidade, capaz de permitir ao Aspirante, o reencontro com sua real natureza, isto é, a religação com o Eu Superior. Conceituam a Rosacruz pela óptica unilateral do intelectualismo. Não se lhes avulta, portanto, a perspectiva daquele equilíbrio tão enfatizado em lições, cartas, palestras: a união da Mente com o Coração, do intelecto com a devoção.
Nossa carreira, como Estudantes Rosacruzes, depende, inicialmente, e em grande extensão, da aquisição de conhecimentos. Através dos cursos, livros, conferências, temos acesso ao chamado “conhecimento indireto”. As informações concernentes à origem, evolução e futuro desenvolvimento do ser humano e do Mundo abrem-nos horizontes mais amplos. Orientam-nos. Dão-nos mais segurança na escalada desse íngreme caminho evolutivo, pela certeza infundida de que leis sábias regem o Universo, de cujo contexto somos parte integrante.
Mas é importante não esquecermos: essa é a primeira fase. É o passo inicial. A compreensão das verdades conhecidas deve fazer soar a corda do amor no mais recôndito do nosso ser. Satisfeita a Mente com o logicismo Rosacruz, o Coração deve vibrar numa vivência superior de serviço amoroso ao próximo. Sem isso não há progresso espiritual.
Na Escola Rosacruz não podemos prescindir do conhecimento intelectual. Esse, todavia, deve ser assimilado, digerido, trabalhado pelo coração e transformado em sabedoria. A verdade não assimilada é inútil. Apenas acrescenta-se ao nosso cabedal de conhecimentos. Mas se vivida, sentida, intuída, esta sim nos transforma em novas criaturas. Torna-se parte de nossa própria natureza. Converte-nos em sal da terra e luz do mundo. É sabedoria no mais profundo sentido do termo.
O conhecimento intelectual puro e simples constitui meio e não um fim em si mesmo. É elemento valioso como orientação e esclarecimento. Mas não deixa de ser informação. Informação apenas. Um computador também pode acumular informações. Toneladas de informações. Tal, porém, não o transforma em sábio. Há pessoas dotadas de vastíssimos e detalhados conhecimentos. São verdadeiras enciclopédias ambulantes. Outras há que, superficialmente, só memorizam datas e frases feitas. São verdadeiros computadores ambulantes.
A aplicação do conhecimento na vida prática, sempre objetivando beneficiar o próximo e aperfeiçoar as coisas, configura, realmente, uma vivência devocional. Fazer tudo o melhor possível — seja lá o que for — para maior glória de Deus, sem preocupação com os resultados, é imprimir um cunho superior à vivência devocional. A menos que nos esforcemos desse modo, continuaremos sendo como “sinos que tinem”. Se não temos amor e não o empregamos a serviço dos demais, de nada nos valerá conhecer os “mistérios”.
Quem vive devocionalmente a Filosofia Rosacruz não a julga repetitiva.
O dia-a-dia sempre lhe oferece novas oportunidades de servir com amor, pela utilização dos ensinamentos recebidos. Não vive desesperadamente à cata de novidades. A novidade, ele a encontra na constante descoberta interna daquilo que vivencia. Mas isso requer penetração além do estudo superficial. Demanda uma disposição para descobrir a harmonia, a beleza, o DIVINO, enfim, nas pessoas e nas coisas. Quando nos sensibilizamos ao sorriso de uma criança, ou ao colorido delicado de uma flor, estamos vivendo devocionalmente. A emoção que nos desperta o som natural emitido por um regato em seu fluir preguiçoso… O sentimento de empatia que nos envolve à vista do sofrimento alheio, estimulando-nos a estender a mão ao nosso semelhante… Quando do sentimento, passamos à ação… O cultivo do bom, do belo, do verdadeiro. A tudo isso chamamos de vivência devocional.
Talvez, na compreensão dessas coisas, aparentemente simples, encontrem, os Estudantes, as respostas aos seus problemas. É um tema merecedor de apurado exame.
(De Gilberto A V Silos – Publicada na Revista Serviço Rosacruz – 01/1978)
A Relação entre Conhecimento e Sabedoria: onde está o ponto de partida
Como quase todos os problemas humanos são, atualmente, observados e pretensamente solucionados através de uma visão materialista. O Aspirante Rosacruz não duvida de que a prática da devoção é um meio de se restabelecer o equilíbrio na vida da humanidade. Nem sempre as soluções encontradas pelas vias convencionais são adequadas ou definitivas, porque não abordam os problemas pelas suas causas. Em tais circunstâncias a vida devocional oferece valiosas oportunidades de uma análise mais profunda. Se antes de tentarmos equacionar uma questão através de fórmulas convencionais ou materialistas, meditássemos ou orássemos, notaríamos como as respostas seriam encontradas mais facilmente. Na realidade a solução seria intuída. Muitos dos grandes cientistas afirmaram que na fase inicial de suas descobertas receberam como que uma “inspiração ou intuição”. Parece-nos que o resultado final é fruto de amálgama entre a intuição e a formação acadêmica. Ao corolário de todo esse processo podemos chamar de sabedoria.
O conhecimento é tão importante em nossa vida que seria um equívoco não reconhecê-lo como um poderoso fator em relação com a sabedoria. A aquisição do conhecimento em todos os níveis e campos de atividade humana tornou-se um fator de sobrevivência na complexa sociedade em que vivemos. Mas, como Max Heindel afirmou no “Conceito Rosacruz do Cosmos”: “Tão seguramente como o pensamento já existia antes do cérebro e o está aperfeiçoando para sua expressão; tão certo como a Mente vem abrindo horizontes mais amplos a desvendando os segredos da natureza pela força de sua ousadia, com igual fortaleza o coração encontrará um meio de romper os grilhões que o prendem e realizar suas aspirações. Atualmente o cérebro o domina. Algum dia manifestará toda sua força, libertar-se-á de sua prisão, se convertendo em um poder maior que a Mente”. Isso já ocorre com muitas pessoas no Ocidente.
Os Ensinamentos Rosacruzes servem de ajuda àqueles inclinados ao intelecto, podendo conduzi-los, pela via racional, ao desenvolvimento de sua religiosidade. Conhecimento é poder, e, em si mesmo não é bom nem mau. Depende do propósito para o qual é utilizado. Partindo desse princípio não é difícil imaginar a responsabilidade que o envolve.
O conhecimento oculto ou religioso em si mesmo não é sabedoria. Trata-se apenas de um conhecimento mais elevado. São Paulo nos ensinou no capítulo 13 de sua Primeira Epístola aos Coríntios: “Ainda que eu conheça todos os mistérios e toda ciência. . . se não tiver amor, nada serei”.
Não há contradições na natureza: o Coração e a Mente devem ser capazes de unir-se. A Mente, auxiliada pelo intuitivo Coração, podendo aprofundar-se nos mistérios do ser com crescente eficácia, o que não seria possível se agisse isoladamente.
Filosofia significa “amor e sabedoria”. A sabedoria é o segundo aspecto do Deus Trino, o princípio crístico que é a meta da humanidade. Assim, quando nosso conhecimento se amalgamar com o amor, surgirá a SABEDORIA — uma expressão do Espírito de Cristo.
(Publicada na revista “Serviço Rosacruz” – 07-08/87)