Outubro de 1916
Uma das características humanas mais usuais é a de elogiar aquilo que nos agrada e depreciar o que nos causa aversão, mas confio que você tenha aprendido, na lição do mês passado, o único grande e glorioso fato de que no Reino do Pai todas as coisas cooperam para o bem[1]. Aqueles, entre nós, que estão satisfeitos por terem uma alimentação baseada em vegetais, ovos, mel e lácteos e não sentem desejos por bebidas alcóolicas, geralmente são muito propensos a menosprezar nossos irmãos e nossas irmãs que ainda usam alimentos baseados em carne animal (mamíferos, aves, peixes, crustáceos, anfíbios, frutos do mar e afins) como alimento e tomam bebidas alcoólicas com um sentimento de “eu sou mais santo do que eles”; mas você, sem dúvida, percebeu pelo que ficou dito na lição anterior, que tal sentimento é totalmente gratuito. A carne animal (mamíferos, aves, peixes, crustáceos, anfíbios, frutos do mar e afins) e as bebidas alcoólicas tiveram uma participação muito importante no progresso do mundo e, se não fossem eles, não estaríamos hoje desfrutando de muitas comodidades e dispositivos que economizam tempo e trabalho e que tornam a vida no Mundo Ocidental muito mais fácil do que nos tempos primitivos. Nem chegou o momento em que esse tipo de alimentação e o uso das bebidas alcoólicas deixou de serem necessários completamente; tanto a alimentação baseada em carne animal como o uso das bebidas alcoólicas são necessários na vida de muitas pessoas. Além disso, e como aprendemos estuando a Bíblia, não é o que entra pela boca o que contamina, mas o que sai dela[2]; e a atitude de desdém arrogante por aqueles que ainda consomem a carne animal na sua alimentação ou que estão sujeitos ao vício do alcoolismo é muito mais nociva ao crescimento espiritual do que o fato de ainda utilizá-los.
Portanto, não censuremos os outros, pelo contrário, tentemos ver a questão sob o ponto de vista deles, e permitamos o pleno uso do seu livre arbítrio, tal como desejamos usar o nosso. Tampouco devemos impor nossos pontos de vista, nem procurar converter ao nosso modo de viver os que não estão preparados para isso. A mudança deve partir de dentro, e não deve ser ditada pela consideração de que os alimentos vegetais são saudáveis, nem tampouco pela aceleração espiritual que se obtém mediante a alimentação sem carne animal. O motivo mais elevado deve ser a compaixão pelas pobres vítimas que são assassinadas para satisfazer os apetites.
No entanto, podemos dizer com toda a segurança que comer carne animal em demasia e, como todos os compostos de nitrogênio, tais como a nitroglicerina, o algodão-pólvora e outros explosivos, os alimentos baseados em carne animal são extremamente nefastos e perigosos para o nosso organismo. Por isso, faremos bem se incentivarmos a moderação no consumo para as pessoas com quem estamos em contato. A ciência está suficientemente ciente desses fatos e preparada para fornecer amplo apoio a qualquer um que empreenda essa missão. Podemos não salvar as vidas de muitos animais pregando moderação aos nossos irmãos e às nossas irmãs, como faríamos se pudéssemos convertê-los a uma “dieta sem sangue”, mas se o nosso motivo é evitar a tragédia ao máximo possível, esse será o caminho mais sábio. Também, se pudermos inculcar um espírito de compaixão pelos animais, o desejo pela carne animal desaparecerá mais rápido do que imaginamos – e mais: completamente – ante o espírito do amor.
(Cartas aos Estudantes – nº 10 – do Livro Cartas aos Estudantes – Max Heindel – Fraternidade Rosacruz)
[1] N.T.: Rm 8:28
[2] N.T.: Mat 15:11
Julho de 1912
O que você acha que foi o ponto principal da lição do mês passado[1]? O ponto principal foi o relacionamento com as minhas experiências, pois, embora os Estudantes as tenham achado de grande valor, na realidade elas são insignificantes, salvo se serviram para transmitir um ensinamento benéfico a partir delas. O valor mais importante da lição do mês passado foi a enfática e reiterada insistência sobre a absoluta liberdade pessoal na Fraternidade Rosacruz.
A esse respeito, os Ensinamentos dos Mistérios do Ocidente diferem radicalmente dos que são fornecidos às almas mais jovens do Oriente, onde cada um tem o seu Mestre – um déspota a quem deve servir como escravo em todas as coisas, da mesma forma que fez “Kim”[2] com o guru a quem seguia, pois há muita veracidade na história de Kipling. Há a obediência absoluta e inquestionável às ordens do Senhor externo, a quem vê e segue fisicamente; esse é o meio para o adiantamento espiritual; o discípulo não tem nenhum direito de escolha ou qualquer privilégio, tampouco ele tem responsabilidades.
Entre as almas mais velhas do Ocidente, que aspiram ao crescimento espiritual, não pode haver nenhum Mestre ou Guia. Nós temos que aprender a ficar sozinhos. Nós até podemos não gostar disso, e até podemos querer um Mestre ou Guia para nos livrar de responsabilidades. E neste fato está o motivo, segundo eu creio, pela qual tão grande número de pessoas inteligentes e cultas tem ingressados em círculos espiritualistas ou sociedades que proclamam os ensinamentos do Oriente. Evoluídos acima do desenvolvimento normal do Ocidente, eles sentem o Grande Além os atraindo, como o amplo espaço do céu azul atrai o passarinho que, apesar do medo, confia em suas asas inexperientes; mas o impulso interno os compele; e receosos de confiar em si mesmos, eles agarram ansiosamente a mão de “Mestres” ou “Guias Espirituais” ou, até, outros nomes que são dados, com a esperança de obter, com a ajuda desses, o poder espiritual. No entanto, a criança para aprender a andar deve engatinhar e cair no chão; deve se levantar e tornar a cair. A experiência é desagradável, mas inevitável, e isso é preferível às consequências que acarretariam atá-la a uma cadeira para evitar as quedas; nesse caso, os membros superiores e inferiores lhe seriam inúteis. E então, o mesmo acontece com os poderes espirituais latentes dos infelizes que estão sob o domínio nefasto (para os Ocidentais) dos Guias Espirituais e dos Mestres Orientais.
O “Professor” Ocidental é mais parecido como um “pássaro pai” ou “pássaro mãe”, que empurra os seus pequeninos para fora do ninho, se eles não quiserem sair por si mesmos. Podemos nos lastimar, mas temos que aprender a voar. Tomem o meu próprio caso como exemplo: empurrado para o mundo, fui incumbido de divulgar os Ensinamentos Rosacruzes; e aqui você pode ter certeza de que, muitas vezes, me faltou a respiração à medida que percebia quão gigantesca era tal missão e quão insignificantes éramos a Augusta Foss Heindel e eu. Muitas vezes, quando sentíamos que o trabalho nos ia derrubar, oramos e oramos por ajuda, mas ao olharmos para trás, podemos ver as lições que aprendemos com a batalha.
Algumas vezes, os amigos comentavam: “Oh, como gostaríamos de ter mais recursos financeiros para construir a Ecclesia e Escolas, para que o trabalho pudesse ser levado ao mundo com maior resultado”; mas, nos apercebemos que existem outras lições ante nós e que, quando estivermos prontos, os meios virão para uma maior extensão virão; até lá, as nossas asas precisam de mais treinamento.
O mesmo acontece com todos os associados da Fraternidade Rosacruz. Devemos aprender a lição do trabalho para um fim comum, sem lideranças; cada um, inspirado pelo Espírito do Amor interno, deve se esforçar pela elevação física, moral e espiritual de todo o mundo até alcançar a estatura de Cristo – o Senhor e a Luz do Mundo.
(Cartas aos Estudantes – nº 20 – do Livro Cartas aos Estudantes – Max Heindel – Fraternidade Rosacruz)
[1] N.T.: A lição do mês passado foi sobre “Santidade das Experiências Espirituais”:
Recebemos muitas cartas dos Estudantes que fizeram apreciações a respeito das lições anteriores, e isso foi para nós uma fonte de satisfação por notar o profundo amor que sentem pela Fraternidade e o desejo de saber “como tudo aconteceu”. Por isso é que me sinto com mais disposição do que no princípio para apresentar as minhas experiências pessoais.
Ao mesmo tempo, nunca será suficientemente salientado que o relato indiscriminado das experiências suprafísicas é uma das práticas mais prejudiciais, não importa qual o ponto de vista considerado. Na Conferência nº 11, “Visão e Percepção Espiritual”, do livro “Cristianismo Rosacruz”, essa matéria foi amplamente explicada. O “tesouro descoberto” deve ser extraído em silêncio, e aprendemos, pelo mito grego, que Tântalo foi lançado às regiões do inferno por divulgar segredos espirituais. Por outras palavras, não podemos obter a verdadeira iluminação enquanto formos divulgando os nossos sonhos e visões, contando-os aos que, declaradamente, não desejam escutar. Ao proceder assim, profanamos e depreciamos o que deveríamos reverenciar, e a profanação é capaz de focalizar a nossa visão nas regiões infernais, os estratos inferiores do Mundo do Desejo.
Por outro lado, tais narrações sempre embaraçam a credulidade daqueles que as escutam. Não há medida alguma pela qual possamos avaliar a sua exatidão. Muitas vezes parece que eles não têm uma posição prática sobre o problema da vida. Mesmo que tenhamos fé na veracidade do visionário, as suas histórias não têm valor algum, a menos que possamos descobrir nelas uma lei fundamental ou um propósito.
Dessa forma, a declaração da lei é suficiente, não necessita de atavios. A melhor ilustração sobre esse assunto foi-me dada quando descobri a lei da mortalidade infantil, lei nunca publicada até aparecer em nossa literatura.
Um dia meu Mestre me encarregou de seguir a vida de certa pessoa através de duas encarnações anteriores e apresentar-lhe depois meu parecer. Eu não tinha a menor ideia de que estava sendo enviado em busca de uma lei, mas pensei que o objetivo era desenvolver a minha faculdade para ser capaz de ler na Memória da Natureza. Quando terminei a observação, apresentei o resultado ao meu Mestre, que quis conhecer as circunstâncias em que essas mortes ocorreram. Respondi-lhe que a primeira morte daquele homem aconteceu num campo de batalha e a segunda, por doença, quando criança. O Mestre aprovou as minhas observações e encarregou-me de investigar as duas mortes de outra pessoa. Constatei que havia morrido a primeira vez por doença e, tal como no caso anterior, na segunda vez morreu ainda criança. Observei depois uma terceira pessoa, que morreu pela primeira vez num incêndio e na segunda vez me pareceu muito criança. Digo “pareceu-me”, porque dificilmente podia crer na evidência dos meus sentidos e sentia-me tímido quando informei isso ao meu Mestre. Surpreendi-me ao ouvi-lo dizer que a observação estava correta. Essa convicção foi aumentando à medida que investiguei a vida de quatorze pessoas. Na primeira vez tinham morrido por diversas circunstâncias: na guerra, em acidentes vários, por doenças etc., mas todas rodeadas pelas lamentações de seus familiares. Na segunda morte, todos passaram para o além quando crianças.
Então, meu Mestre pediu-me que comparasse essas mortes até encontrar o porquê de terem morrido em tenra idade. Por várias semanas analisei esses fatos, sem encontrar qualquer semelhança com essas várias formas de morte. Até que, num domingo pela manhã, justamente ao entrar em meu corpo, a solução irrompeu no meu cérebro. Despertei lançando o grito – Eureca! Quase caí no meio do quarto pelo salto que dei com a alegria que senti por ter encontrado a solução. Os horrores das batalhas, incêndios, acidentes, assim como as lamentações dos familiares, os privaram da profunda impressão do panorama da vida. Por conseguinte, o valor de uma vida, terminada sob tais condições, perder-se-ia se não fosse seguida da morte na infância e o subsequente ensinamento no primeiro céu, plenamente demonstrado na nossa literatura. A lei, como já foi explicada, logicamente decifra o mistério da vida, independentemente da veracidade da minha história. Como a relatei unicamente para complementar a nossa lição, sinto-me com firmeza para exortar os outros a que guardem em silêncio as suas experiências espirituais.
[2] N.T.: Kim é um livro de Rudyard Kipling (autor e poeta britânico – 1865-1936) lançado em 1901. Um pequeno resumo desse livro: Kim (Kimball O’Hara) é o filho órfão de um soldado irlandês e de uma pobre mãe irlandesa os quais morreram na miséria. Vivendo uma existência vagabunda na Índia sob o domínio britânico no final do século XIX, Kim ganha a vida pela mendicância e execução de pequenos recados nas ruas de Lahore. Ocasionalmente trabalha para Mahbub Ali, um Pashtun comerciante de cavalos que é um dos agentes nativos do serviço secreto britânico. Kim está tão embebido na cultura local que poucos compreendem que ele é uma criança branca, embora ele seja portador de um pacote de documentos do seu pai que lhe foi entregue por uma mulher indiana que tomava conta dele. Kim faz amizade com um idoso Lama tibetano que está tentando se libertar da Roda de coisas necessitando encontrar o lendário Rio da Seta. Kim se torna seu discípulo e acompanha-o na sua busca. No caminho, Kim aprende algo sobre o Grande Jogo e é recrutado por Mahbub Ali para levar uma mensagem ao chefe dos serviços secretos britânicos em Umballa. A viagem de Kim com o Lama ao longo da Grand Trunk Road (é uma das estradas mais antigas e mais compridas de Ásia. Há mais de dois milénios que tem ligado as regiões orientais e ocidentais do subcontinente indiano, ligando o sul da Ásia à Ásia Central. Começa em Chittagong, no Bangladesh ocidental, e vai para Howrah, no Bengala Ocidental na Índia, atravessa o norte da Índia para Lahore, no Paquistão, e continua até Kabul no Afeganistão) é a primeira grande aventura do romance.
Kim é enviado para estudar numa escola de nível elevado em Lucknow patrocinado pelo Lama. Ao longo do seu estudo, Kim permanece em contato com o homem santo a quem passou a amar. Kim também mantém o contato com o serviço secreto e é treinado em espionagem. Mais tarde, Kim obtém mapas, documentos e outros dados importantes dos russos que estão em busca de minar o controle britânico na região. O Lama encontra o rio e alcança a iluminação. Ao leitor é deixada a decisão sobre se Kim seguirá a estrada do Grande Jogo, o caminho espiritual do budismo tibetano ou uma combinação dos dois. Kim conclui: “Eu não sou um Sahib. Eu sou o teu chela.” (Ou seja, “Eu não sou um mestre. Eu sou o teu servo.”).