Março de 1916
Frequentemente recebemos cartas de Estudantes Rosacruzes domiciliados em países beligerantes, censurando-nos por não tomarmos partido a seu favor. Não há um só dia, desde que se iniciou este amargo conflito, que não tenhamos lamentado profundamente esta pavorosa mortandade, embora reconfortados pelo conhecimento de que, como nenhuma outra coisa o poderia fazer; isto está ajudando a destruir a barreira entre os vivos e os mortos. Assim, a guerra apressará a abolição do pesar que agora as pessoas experimentem quando se veem separadas dos seus seres amados. Também o sofrimento atual está sendo utilizado para desviar os povos ocidentais dos prazeres do mundo, reconduzindo-os à devoção a Deus. Não houve uma só noite em que não tivéssemos trabalhado diligentemente com os mortos e os feridos, aliviando suas angústias mentais e suas dores físicas.
O patriotismo foi muito bom em outros tempos, mas Cristo disse: “Antes de Abraão, Eu sou“1 (Ego sum). As raças e as nações incluídas no termo “Abraão” são fatos evanescentes, mas o “Ego”, que existiu antes de Abraão, o pai da raça, ainda existirá quando as nações forem uma coisa do passado. Por conseguinte, a Fraternidade prescinde das diferenças nacionais e raciais, esforçando-se por unir todos os seres humanos com um laço de amor para que travem a grande guerra contra a sua natureza inferior; a única guerra em que, inflexivelmente e sem quartel, se devem empenhar os verdadeiros Cristãos. São Paulo disse: “Porque eu sei que em mim (isto é, na minha carne) não habita coisa boa. Pois, o bem que deveria fazer, não o faço; mas o mal que não queria fazer, esse eu o faço. Alegro-me com a Lei de Deus no meu eu interno, mas sinto outra lei em meus membros que luta contra a lei da minha mente e que conduz cativo à lei do pecado que está em meus membros. Oh! Que desgraçado sou! Quem me livrará deste corpo de morte?“2.
Não descreve São Paulo e da maneira mais acertada, o estado de toda alma aspirante? Não sofremos todos nós espiritualmente por causa do conflito que se desenrola em nosso íntimo? Eu espero que haja uma só resposta a estas perguntas, isto é, que esta batalha interna seja travada violenta e incansavelmente por cada estudante da Fraternidade, pois onde não há luta, há uma indicação certa de coma espiritual. E o Corpo de Pecado pode sair vitorioso. Mas, quanto mais dura for à batalha, mais gratificante será nosso progresso espiritual.
Nos Estados Unidos da América ouvimos falar muito sobre “neutralidade”, “preparação” com fins “defensivos”. Na mais nobre guerra que devemos travar “neutralidade” não pode existir, ou há paz e “a carne” nos rege e nos mantém em abjeta dependência, ou há guerra agressivamente travada entre a carne e o espírito. E enquanto continuarmos vivendo neste “corpo de morte”, esta guerra prosseguirá, pois até Cristo foi tentado e estamos conscientes que, como Ele, temos que enfrentar essas tentações.
“Preparação” é um ato edificante. Cada dia torna-se mais necessário preparar-nos, pois, da mesma maneira que um inimigo físico tenta enganar e armar emboscadas para um adversário mais poderoso antes de se arriscar em uma batalha aberta, assim também as tentações que nos são apresentadas “no caminho” são mais sutis a cada ano que passa.
Escritores, como Tomás de Kempis3, consideraram-se “vermes vis” e usaram termos como “humilhação própria”, porque conheciam o sutil e imenso perigo da autoaprovação. Mesmo que possamos sentir que somos “bons, muito bons” e até “mais santos” que os demais, na verdade, enganamo-nos totalmente. Devemos admitir que as armadilhas do Corpo de Desejos são ardilosas.
Há um caminho seguro para ser trilhado: “Olhar para Cristo” e conservar a Mente ocupada em todos os momentos em que estivermos despertos. Quando o trabalho diário dificultar essa devoção, mesmo assim devemos pensar na forma de servi-Lo. Esforcemo-nos, por todos os meios possíveis, em dar continuidade e de maneira prática, às ideias e aos ideais assim concebidos. Quanto mais imitarmos Cristo, mais seguiremos os ditames do Eu Superior e mais seguramente venceremos a natureza inferior, ganhando a única batalha digna de sair vitoriosa.
(Carta nº 64 do Livro Cartas aos Estudantes – Por Max Heindel – Fraternidade Rosacruz)
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[1] N.R.: Jo 8,58
[2] N.R. Rm 7:18-24
[3] N.R.: também conhecido como Tomás de Kempen, Thomas Hemerken, Thomas à Kempis, ou Thomas von Kempen (1380-1471), Monge e escritor alemão. Tomás de Kempis produziu cerca de quarenta obras representantes da literatura devocional moderna. Destaca-se o seu livro mais célebre, Imitação de Cristo, composto por quatro volumes, no qual apela a uma vida seguida no exemplo de Cristo, valorizando a comunhão como forma de reforçar a fé.
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