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PorFraternidade Rosacruz de Campinas

De Escorpião a Águia

Ainda hoje observamos, em muitas construções antigas de igrejas católicas, quatro estátuas em cima do frontispício, representativas  dos quatro Evangelistas –  São Mateus, São Marcos, São Lucas e São João -, tendo aos pés os símbolos dos quatro Signos Fixos que outrora compunham a esfinge: Escorpião (representado por uma águia), Leão (por um leão), Touro (por um touro) e Aquário (representado por um ser humano). É uma influência da primitiva igreja, pois os antigos Pais da Igreja conservavam o conhecimento dos mistérios cristãos e sabiam muito bem a parte esotérica e a relação entre as forças cósmicas (astrologia espiritual) e a evolução humana. Os Evangelhos são Escolas de Iniciação diferentes: dentre as coletâneas feitas pelos diferentes Discípulos de Cristo-Jesus e por seus seguidores diretos, foram escolhidas apenas essas quatro, que hoje, divididas em capítulos, constituem os evangelhos. As demais foram consideradas apócrifas ou não inspiradas. Contudo, havia uma razão de ser nessa escolha. Tais evangelhos ou métodos iniciáticos formam as linhas angulares que determinariam o horóscopo e evolução do Cristianismo.

Podem alguns estranhar que Escorpião seja ali representado pela águia, como o foi na esfinge misteriosa. É que Escorpião, representando as forças criadoras, em que se fundamenta todo o nosso poder potencial encerra vários símbolos. Cada um deles exprime um estágio evolutivo.

As forças ocultas no ser humano são um mistério, cujo conhecimento e domínio nos abre as portas da regeneração e libertação, para a reconquista da condição de filhos de Deus (religação ou Religião verdadeira).

Por isso rege o sexo e a força motriz emotiva. Por isso rege a oitava casa do horóscopo, que expressa regeneração ou degeneração, segundo os Astros e Aspectos de cada tema astrológico.

Na fase primitiva da evolução, Escorpião rasteja na paixão, escravizando o nativo às exigências dos sentidos. No aspecto espiritual, gira por detrás, com a cauda, mostrando o lado negativo em que vivíamos, como médiuns grandemente influenciados e dirigidos de fora. Aqueles que se iniciavam nos mistérios e alcançavam o desenvolvimento positivo das suas faculdades eram relacionados com a serpente, que pica pela frente, mostrando o aspecto positivo, independente. Nos mistérios egípcios, os Najas, ou serpentes, levavam uma serpente que parecia sair da raiz do nariz (lugar da consciência individual, do espírito divino). Esses eram desenvolvidos positivamente nos mistérios. Eram clarividentes voluntários. Os involuntários, que tinham a mesma condição dos médiuns espíritas de hoje, traziam uma serpente desenhada no ventre, na altura do “plexo solar”. Essas posições da serpente mostravam que, no desenvolvimento positivo é o espírito interno que alcança a possibilidade de voos d’alma, saindo e entrando do corpo, pela cabeça (entre as comissuras dos ossos parietais e occipital), ao passo que, no desenvolvimento negativo é um espírito estranho que expulsa o espírito residente e penetra no corpo pelos órgãos sexuais ou pelas paredes etéricas, rompidas, do plexo.

Na Bíblia temos várias passagens elucidativas desses dois estados. Os israelitas tomaram a palavra “Naja” e modificaram-na, com o sufixo, negativo feminino “OTH”, que nos dá NAIOTH e o final positivo masculino “IM” para a clarividência positiva. Saul foi a Naioth (foi tomado por espírito e divertiu os outros com tiradas proféticas).

Cristo-Jesus foi Naim e ressuscitou o Filho da Viúva (Iniciação de Lázaro).

Mercúrio, o símbolo da razão, também leva uma serpente a sair-lhe do chapéu; é indicação de que, com o chapéu de Mercúrio, a razão, chave evolutiva da presente época Ariana, o ser humano é livre e independente de influência externa para evoluir.

Quando, no antigo Egito, a pessoa levava duas serpentes a sair-lhe da fronte, indicava exercer dois poderes: de rei e de sacerdote.

Naja (Uraeus) é um emblema de Sabedoria. Cristo se refere aos detentores dessa Sabedoria quando aconselhou a sermos “sábios como as serpentes”. Na Índia, os guardiães dos mistérios eram chamados “nagas” ou serpentes. Nos “Eddas” de Islândia, vemos que Siegfried, investigador sincero, degolou a serpente, provou seu sangue e se converteu num sábio.

Ora, o veneno é um símbolo da força criadora. Siegfried o bebeu e tornou-se sábio. Quem usa o veneno (poder, força sexual) de forma indevida, pica por detrás e torna-se réu ou vítima do próprio veneno como o escorpião ao matar-se, diante do perigo. Contudo, quem usa essas forças de forma positiva e justa, pica pela frente, como a serpente (razão).

Um estudo sobre Escorpião mostra como essa força age e a necessidade de ela ser transmutada, transubstanciada. Quando, pela regeneração da natureza criadora, transubstanciamos essa força dentro de nós, alcançamos a condição de águias, a que voa em busca das alturas, não com as asas de cera de falso desenvolvimento de um Ícaro, mas com asas reais, que nos torna possível deixar a prisão da ilha de nosso corpo.

Os alquimistas costumavam comparar o ser humano a um forno e representavam-no com uma chama inferior para queimar e sublimar em forma de vapor, a líquida natureza da força de Escorpião. De fato, sabemos que na medula espinhal do ser humano circula um gás, a força de Netuno que rege as faculdades supranormais. Esse gás pode converter-se no líquido passional que procura exteriorização pelo sexo ou pode ser incendiado pela aspiração e prática de ideais superiores, caso em que, eleva-se pelo tubo (medula) do forno (corpo humano) e vai fazer vibrar os dois centros espirituais da cabeça (da Gândula Pineal e da Pituitária), estabelecendo com a persistência do processo regenerativo, uma ponte vibratória entre esses dois centros.

Abrem-se, então, os olhos espirituais e alcançamos a visão dos planos internos da natureza, atualmente encobertos para os olhos carnais do ser humano comum.

Ora, o que cegou o ser humano foi a queda e o uso da bebida alcoólica e de outros excitantes. Por isso, a Fraternidade Rosacruz recomenda aos Aspirantes à vida superior o abandono da carne de mamífero, aves, peixes, répteis, anfíbios (que está impregnada pela paixão animal, pois como diz a Bíblia, “a alma do animal está no sangue”), das bebidas alcoólicas, do fumo (de qualquer tipo e de qualquer forma) e de outros tóxicos que dificultam o processo regenerativo.

O modelo divino do Tabernáculo no Deserto, dado a Moisés no Monte, previa precisamente a elevação humana da degeneração em que estavam, para a regeneração. O altar dos sacrifícios simboliza a força criadora voltada para satisfação egoísta de todos os desejos do ser humano. Ela deve ser queimada (sublimada) com sal (arrependimento). O odor que se elevava da queima agradava ao Senhor. Contudo, naquele tempo o ser humano não estava preparado ainda para o sacrifício de si mesmo e os Seres Superiores determinaram que sacrificassem suas posses (machos bovinos e ovinos) além dos dízimos. Com o advento de Cristo e a purificação dos estratos da Terra o ser humano alcançou a possibilidade de fazer de si mesmo, sob uma orientação racional, um sacrifício vivente. O Tabernáculo no Deserto, que era uma sombra das coisas que viriam, antecipava essa possibilidade expressa por São Paulo Apóstolo quando diz na sua Epístola aos Efésios 4:22 a 24: “que nos despojemos do homem velho e nos revistamos do homem novo, em novidade de espírito”. E, ainda mais, na sua Primeira Epístola aos Coríntios 15:42: “ressuscitarmos da corrupção para a incorrupção, de corpo animal para o corpo espiritual”. O Tabernáculo no Deserto é nosso corpo, o Templo de Deus Vivo, Interno. Se queremos trabalhar eficazmente a serviço da humanidade, alcançando, ao mesmo tempo, para nós, a verdadeira felicidade, é necessário que passemos além de seres humanos comuns, que funcionam apenas no pátio externo do Tabernáculo no Deserto, no lado inferior. Aprendendo a queimar os atos errôneos de cada dia, com o fogo da consciência, durante a retrospeção noturna, podemos lavar-nos e purificar-nos, a fim de entrar, durante o sono, no Santo (Sala Oriental) e lá trabalhar como Auxiliares Invisíveis inconscientes, a serviço da humanidade. Contudo, não basta isso, é necessário que durante o dia aproveitemos todas as oportunidades de bem agir. Só podemos ser eficientes Auxiliares Invisíveis quando aprendemos a ser, aqui e agora, Auxiliares Visíveis provados pela prática e não simplesmente em teoria e aspiração. Aí sim, o bem agir e uma retrospeção bem feita nos permite extrair a essência do serviço prestado, para oferecê-la aos semelhantes durante o trabalho noturno a que nos consagramos diariamente.

Desse modo — afirma Max Heindel com o conhecimento de causa — o maior criminoso pode transformar-se radicalmente. É um trabalho de repetição no bem, de automatização do certo, deixando de lado, procurando esquecer o lado inferior, que morrerá de inanição, aos poucos, e um dia chegará em que, suficientemente equilibrados para nos dirigir seguramente no Mundo do Desejo, somos visitados pelo Mestre e convidados a entrar no Santíssimo (Sala Ocidental). Esse extremo ocidental do Tabernáculo no Deserto é a nossa cabeça, onde estão os dois Querubins (Glândula Pineal e Pituitária ligando suas asas, ponte vibratória) sobre a arca, onde estão as tábuas da lei (a observância consciente e espontânea nas leis naturais), a vara de Aarão (o fogo espinhal de Netuno, com todo seu poder potencial) e o Maná (o Espírito).

Contudo, essa transubstanciação é assunto delicado. Por isso fazemos o presente artigo, na esperança de reforçar e assegurar uma boa compreensão do que sairá em julho.

O ser humano precisa de conhecer-se sobre o assunto (Nosce Te Ipsum), por um estudo criterioso de seu horóscopo, tomar consciência de seus pontos frágeis e fortes e depois trabalhar vigilantemente por sua regeneração, seguindo um roteiro pessoal. Os pontos frágeis, principalmente os complexos impulsos emocionais e sexuais, não são sublimados pelo combate. Cristo recomenda mui oportunamente que “não resistamos ao mal”, isto é, que não pensemos nele, que não lhe demos consideração pois, cada vez que pomos uma ideia na consciência fortificamo-la com nossa atenção. Consegui bons resultados, mantendo-me sempre ocupado em coisas nobres e prazerosas. Os Santos são muitas vezes representados pisando uma serpente. São Jorge matou o dragão, também nós, para dominar a força emocional de Escorpião, devemos unicamente estar alertas contra seu automatismo astuto e sutil e pensar e agir unicamente no que seja construtivo.

Há muitas coisas por aí a conspirar contra nosso aperfeiçoamento. Não faz mal. Não podemos ficar num convento. A oficina de aperfeiçoamento é aqui mesmo, no meio da tentação. É a única forma de provarmos para nós mesmos se estamos seguros para enfrentar provas maiores. Estejamos alertas contra as insidiosas sensações e imagens que, pela televisão, pela revista, podem acumular-se e insidiosamente incitar-nos a natureza inferior. Olhemos o lado bom de cada coisa, desconcertando o mecanismo do subconsciente instintivo. Isto é, vigiar e orar.

E, como ainda não somos santos, cuidadosamente demos vazão ao vapor da natureza emocional que se acumular, porque senão estoura a caldeira. Escorpião rege esse impulso de liberação e devemos ser prudentes. Contudo, entre ser prudentes e condescendentes com o instinto, vai uma grande distância.

Há, ainda, o perigo do recalque, isto é, não sublimar natural e inteligentemente a força instintiva e apenas querer contê-la à força de vontade ou por inibição. Isso é realmente um perigo. Na Lenda de Parsifal, Klingsor, buscando ser um dos cavaleiros do Graal (ser repentinamente elevado), mutilou-se, vedando a si mesmo a satisfação instintiva.

Contudo, com a vista espiritual o Guardião do Castelo percebeu-lhe o íntimo tenebroso e passional e não lhe permitiu o ingresso. É o problema da circuncisão debatido por São Paulo apóstolo. O Corpo de Desejos é distinto do Corpo Denso, se bem se expresse através dele, como Klingsor fazia com Kundry, quando a despertava antes que os cavaleiros do Graal o fizessem, utilizando-a em propósitos egoístas. Klingsor morava no “vale”, indicativo da parte baixa do corpo, onde se situam os órgãos sexuais, expressão inferior da força emocional. O Castelo do Graal estava no “monte”, isto é, na cabeça. Os cavaleiros são o gás netuniano. Atraídos e seduzidos pela flores-deusas deixam-se exterminar por Klingsor.

Parsifal foi tentado e venceu a prova. Contudo, teve, ademais, que provar seu valor altruístico, sofrendo e servindo, usando seu poder em benefício dos demais e nunca para si.

Assim, também nós, temos tudo isso dentro do nosso reino interno e é mister alcançar o mérito de Parsifal não insensatamente como Anfortas, mas sabiamente, como “serpentes” que desejam transmutar-se em águia.

E das cinzas da queima da natureza inferior elevar-se-á, gloriosamente, em repetidos renascimentos, cada vez mais luminosos, a Fênix!

(Publicado na Revista Serviço Rosacruz de junho/1966)

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