A Ordem Rosacruz foi fundada no século XIII por Christian Rosenkreuz, um mensageiro dos Hierarcas Divinos que são os Grandes Líderes da Humanidade no Caminho da Evolução.
A missão da Ordem Rosacruz foi combinar o Cristianismo Esotérico, a Maçonaria Mística e a Alquimia Espiritual em um grande sistema de Filosofia Religiosa Cristã adequado para atender às avançadas necessidades espirituais e intelectuais do Mundo ocidental, durante a Era de Aquário, de dois mil anos, quando o Sol, por Precessão dos Equinócios, passar pela constelação de Aquário.
Essa Escola da Sabedoria Ocidental, como todas as Ordens Esotéricas anteriores, é secreta, mas a Fraternidade Rosacruz é o seu Arauto na Era de Aquário, agora próxima, promulgando uma ciência da alma que é científica e abrangente: a Religião da Sabedoria Ocidental para o Mundo ocidental.
Anteriormente, as verdades religiosas eram percebidas intuitivamente ou assumidas inteiramente pela fé, como dogmas no Cristianismo popular, promulgados pelas Religiões Cristãs atuais. Hoje, uma classe crescente exige que a imortalidade e questões afins sejam provadas ao intelecto dedutivamente ou por observação, tal como o são outros fatos da vida como a hereditariedade e o Éter. Essa classe crescente de pessoas deseja a Religião tanto quanto seus pais e antecessores, mas querem as verdades antigas em trajes modernos que sejam congruentes com a condição intelectual alterada dessa classe de pessoas.
A essa classe a Fraternidade Rosacruz se dirige com um ensinamento definido, lógico e sequencial que é relativo à origem, à evolução e ao desenvolvimento futuro do mundo e nosso – o ser humano –, algo estritamente científico e reverentemente religioso; um ensinamento que não faz declarações que não sejam apoiadas pela razão ou pela lógica, que satisfaz a Mente com explicações claras, que não implora por perguntas nem delas foge, mas oferece uma solução razoável a todos os mistérios, para que o coração possa acreditar naquilo que o intelecto sancionou e o consolo da Religião possa trazer paz à Mente perturbada. A seguir um breve resumo dos Fatos sobre a vida aqui e depois.
Cedo ou tarde chegará um momento em que a consciência será forçada a reconhecer o fato de que a vida, como a conhecemos, é passageira e que, em meio a todas as incertezas da nossa existência, há apenas uma certeza — a Morte!
Quando a Mente é despertada pelo pensamento desse salto no escuro, que em algum momento deve ser tomado por todos, as grandes perguntas: “De onde viemos? Por que estamos aqui? Para onde vamos?” devem inevitavelmente surgir. Esse é um problema fundamental com o qual todos devem, mais cedo ou mais tarde, lidar e é da maior importância como resolveremos isso, porque a opinião que adotarmos vai colorir toda a nossa vida.
Somente três teorias dignas de reconhecimento foram apresentadas para resolver esse problema. Para nos situarmos em um dos três grupos da Humanidade que foram separados por sua aderência a uma dessas hipóteses é necessário conhecê-las, analisar calmamente, comparar umas às outras e a fatos estabelecidos. A Conferência nº 1 do livro Cristianismo Rosacruz[1] faz exatamente isso e, concordando ou não com suas conclusões, certamente teremos uma compreensão mais abrangente dos vários pontos de vista envolvidos para podermos formar uma opinião inteligente, quando lermos O enigma da vida e da morte.
Se chegarmos à conclusão de que a morte não acaba com a nossa existência, será muito natural perguntar: onde estão os mortos? Essa questão importante é tratada na Conferência nº 2[2]. A lei de conservação da matéria e energia impede a aniquilação, mas vemos que a matéria está constantemente mudando do estado visível para o invisível e vice-versa, como, por exemplo, no caso da água que é evaporada pelo Sol, parcialmente condensada em forma de nuvem e depois cai de novo na Terra, como chuva.
Também a consciência pode existir e não ser capaz de fornecer qualquer sinal disso, como nos casos em que as pessoas foram consideradas mortas, porém acordaram e disseram tudo o que foi falado e feito na presença delas.
Portanto, deve haver Mundos invisíveis feito de força e matéria que são tão independentes da nossa cognição quanto a luz e a cor independem do fato de não serem percebidas pelos cegos.
Nesses Mundos invisíveis, os “mortos” vivem em plena posse de todas as faculdades mentais e emocionais. Vivem aí uma vida tão real quanto a existência aqui, no Mundo visível.
Os Mundos invisíveis são conhecidos por meio de um sexto sentido desenvolvido por alguns, mas latente na maioria das pessoas. Pode ser desenvolvido por todos; no entanto, métodos diferentes produzem resultados variados.
Essa faculdade compensa a distância de um modo bem superior aos melhores telescópios e a falta de tamanho é contrabalançada em um grau inacessível ao microscópio mais poderoso. Ela penetra onde o raio-X não pode. Uma parede ou uma dúzia de paredes não são mais densas para a visão espiritual do que o cristal é para a visão comum.
Na Conferência nº 3, Visão espiritual e os Mundos Espirituais[3], essa faculdade é descrita e a Conferência nº 11[4], Visão e Intuição Espirituais, fornece um método seguro para o desenvolvimento dela.
Os Mundos invisíveis estão divididos em diferentes domínios: Região Etérica, Mundo do Desejo, Região do Pensamento Concreto e Região do Pensamento Abstrato.
Essas divisões não são arbitrárias, mas necessárias porque a substância de que são compostas obedece a leis diferentes. Por exemplo, a matéria física está sujeita à lei da gravidade; no Mundo do Desejo, porém, as formas levitam tão facilmente quanto gravitam.
O ser humano precisa, para funcionar em cada um dos diferentes Mundos, de um veículo apropriado, específico, do mesmo jeito que necessita de uma carruagem para andar sobre a terra, de um barco para navegar no mar e de uma aeronave voar no ar.
Sabemos que ele precisa de um Corpo Denso para viver no Mundo visível. Ele também tem um Corpo Vital, composto de Éter, que lhe permite sentir as coisas ao seu redor. Um Corpo de Desejos formado pelos materiais do Mundo do Desejo, o que lhe confere uma natureza de desejos, de emoções, de sentimentos e o incita à ação. Uma Mente formada pela substância da Região do Pensamento Concreto que atua como um freio para o impulso: ela fornece propósito à ação. O ser humano real, o Pensador ou Ego, age na Região do Pensamento Abstrato, operando sobre os seus vários instrumentos e através deles.
A Conferência nº 4[5] trata das condições normais e anormais da vida como sono, sonhos, transe, hipnotismo, mediunidade e loucura. Os veículos mais refinados mencionados anteriormente são todos concêntricos ao Corpo Denso, no estado de vigília, quando estamos ativos em pensamentos, palavras e ações; contudo, as atividades do dia fazem com que o Corpo Denso fique cansado e com sono.
Quando o desgaste causado pelo uso de um edifício torna necessários reparos exaustivos, os inquilinos precisam sair para que os trabalhadores possam ter espaço total para a restauração. Portanto, quando o desgaste do dia esgota o corpo, é necessário que o Ego saia. Essa retirada torna o Corpo Denso inconsciente, sendo necessário um trabalho preciso para restaurar seu tom e ritmo. Durante a noite, o Ego paira ao lado de fora do Corpo Denso, envolto no Corpo de Desejos e na Mente. Às vezes, o Ego retira-se apenas parcialmente, tendo uma das metades do Corpo de Desejos dentro do Corpo Denso e a outra, fora; quando isso ocorre, ele vê o Mundo do Desejo e o Mundo Físico, mas de forma confusa como em um sonho.
O hipnotismo é um ataque mental. A vítima desavisada é expulsa do seu Corpo Denso e o hipnotizador obtém o controle. As vítimas do hipnotizador são libertadas com a morte dele; mas, o médium (ou qualquer pessoa que se submete a ser controlado, parcial ou totalmente por outra entidade, humana ou elemental) não tem tanta sorte. Os Espíritos que o controlam são realmente hipnotizadores invisíveis. Essa invisibilidade oferece grandes possibilidades de iludir e após a morte eles podem tomar posse do Corpo de Desejos do médium (ou qualquer pessoa que se submete a ser controlado, parcial ou totalmente por outra entidade, humana ou elemental) e usá-lo por séculos, impedindo que sua infeliz vítima progrida no Caminho da Evolução. Essa última fase da mediunidade é elucidada na Conferência nº 5, Morte e Vida no Purgatório[6].
O que chamamos de morte é, na realidade, apenas a mudança de consciência de um Mundo para outro. Temos uma ciência do nascimento com enfermeiras treinadas, obstetras, antissépticos e todos os outros meios de cuidar do Ego que chega; contudo, precisamos muito de uma ciência da morte, pois quando um amigo ou uma amiga está saindo da existência concreta, permanecemos impotentes, ignorantes em relação a como ajudar; ou pior, fazemos coisas que tornam a passagem infinitamente mais difícil do que se estivéssemos apenas tranquilos. Dar estimulantes é uma das piores ofensas contra os moribundos, porque atrai novamente o Espírito ao Corpo Denso e o faz com a força de uma catapulta.
Depois que o coração parou, pela ruptura parcial do Cordão Prateado (que unia os veículos superiores do ser humano aos inferiores durante o sono e, após a morte, permanece indiferente por um tempo que varia de algumas horas a três dias e meio), o Espírito ainda pode sentir o embalsamamento do Corpo Denso, sua abertura para exames post-mortem ou a cremação. Esse Corpo Denso não deve, portanto, ser incomodado, porque o Ego que passa de um Mundo ao outro está empenhado em revisar as imagens de sua vida passada (de modo semelhante como são vistas em um lampejo por pessoas que se afogam). Essas imagens são impressas diariamente, e a cada hora no Éter e via respiração chega ao Átomo-semente do Corpo Denso – que se situa na posição referencial no ápice do coração –, independentemente da nossa observação, assim como uma imagem detalhada é impressa na placa fotográfica pelo Éter, ainda que o fotógrafo não tenha observado seus detalhes. Elas formam um registro absolutamente verdadeiro da nossa vida passada, que podemos chamar de memória subconsciente (ou Mente Subconsciente) e é muito superior à visão que armazenamos conscientemente em nossa memória consciente (ou Mente Consciente).
Sob a imutável Lei da Consequência, que decreta que aquilo que nós semearmos nós colheremos, os atos da vida são a base da nossa existência após a morte. O panorama de uma vida passada é o livro dos Anjos do Destino, os organizadores da partitura que fazemos sob a Lei da Consequência.
A revisão do Panorama da Vida logo após a morte registra as imagens no Corpo de Desejos, que é o nosso veículo normal no Mundo do Desejo, onde o Purgatório e o Primeiro Céu estão localizados.
Esse panorama é o fundamento da purificação do mal, no Purgatório, e da assimilação de boas ações, no Primeiro Céu. É da maior importância que ele seja profundamente gravado no Corpo de Desejos, porque se a gravação for profunda e clara, o Ego sofrerá mais acentuadamente no Purgatório e experimentará alegrias mais intensas no Primeiro Céu. Tais sentimentos permanecerão como consciência nas vidas futuras, impulsionando as boas ações e desencorajando os maus atos.
Se deixarmos o Espírito em paz, tranquilo, para se concentrar no Panorama da Vida, a gravação será clara e nítida; no entanto, se os parentes desviarem a atenção dele com altas e histéricas lamentações durante os primeiros três dias e meio, período em que o Cordão Prateado ainda está intacto, uma impressão superficial ou borrada fará com que o Espírito perca muitas das lições que deveriam ter sido aprendidas. Para corrigir essa anomalia, os Anjos do Destino são frequentemente forçados a terminar a próxima vida desse Espírito na Terra durante a primeira infância, antes que o Corpo de Desejos tenha nascido, conforme descrito em Nascimento, um evento quádruplo (Conferência nº 7)[7], pois o que não foi vivificado não pode morrer; assim, a criança entra no Primeiro Céu e aprende as lições que não aprendeu anteriormente, tornando-se dessa forma equipada a passar pela Escola da Vida.
Como tais Egos mantêm o Corpo de Desejos e a Mente que tinham na vida em que morreram quando crianças, é comum que se lembrem dessa existência, porque só permanecem fora da vida terrena de 1 a 20 anos.
O sofrimento no Purgatório surge por duas causas: os desejos que não possam ser satisfeitos e a reação às imagens do Panorama da Vida — o bêbado, por exemplo, sofre as torturas de Tântalo, porque não tem meios de obter ou reter a bebida. O avarento sofre porque lhe falta a mão para impedir que seus herdeiros dissipem seu estimado tesouro. Assim, a Lei da Consequência elimina os maus hábitos até que o desejo se esgote.
Se tivermos sido cruéis, o Panorama da Vida irradia sobre nós a imagem de nós mesmos e de nossas vítimas. As condições são revertidas no Purgatório: nós sofremos como eles sofreram. Assim, com o tempo, somos expurgados do pecado. A matéria grosseira do desejo que forma a personificação do mal é expelida pela Força centrífuga da Repulsão, no Purgatório, e retemos unicamente o puro e o bem, que são corporificados em matéria de desejo mais sutil que é dominada pela força centrípeta — a Força de Atração – que no Primeiro Céu une o que é bom, quando o panorama retrata cenas de nossas vidas passadas em que ajudamos outras pessoas ou nos sentimos gratos pelos favores recebidos, conforme descrito na Conferência nº 6, Vida no Céu[8], que também fala da estadia no Segundo Céu, localizado na Região do Pensamento Concreto.
Esse também é o reino do tom, como o Mundo do Desejo é da cor e o Mundo Físico, da forma. O tom, ou som, é o construtor de tudo o que existe na Terra, como estudamos no Evangelho Segundo S. João: “No princípio era o Verbo (o som), e o Verbo se fez carne.”, a carne de todas as coisas, “Sem Ele nada do que foi feito se fez.”. A montanha, o musgo, o rato e o ser humano são encarnações dessa Grande Palavra Criadora que desceu do céu.
Lá, o ser humano se torna um com as Forças da Natureza; Anjos e Arcanjos o ensinam a construir um ambiente conforme o que mereceu sob a Lei da Consequência. Se ele gastou seu tempo na especulação metafísica, igual aos hindus, deixou de construir um bom ambiente material e renascerá em uma terra árida, onde inundações e fome o ensinarão a voltar sua atenção às coisas materiais. Quando ele focaliza sua Mente no Mundo Físico, aspirando à riqueza e ao conforto material, constrói no Céu um inigualável ambiente material, uma terra rica com instalações que lhe trarão facilidade e conforto, como o mundo ocidental tem feito. Mas, dado que sempre ansiamos pelo que nos falta, as posses que temos nos saciam para além do conforto e estamos começando a desejar novamente a vida espiritual, como os hindus, nossos irmãos mais novos, querem agora a prosperidade material que temos e estamos deixando para trás, o que é mais bem explicado na Conferência nº 19, A força futura — Vril?[9], que mostra por que as práticas de ioga hindu são prejudiciais aos ocidentais: eles estão atrás de nós na evolução.
Depois que o Ego ajuda a construir o arquétipo Criativo para o ambiente de sua próxima vida terrena, no segundo céu, ascende ao Terceiro Céu, localizado na Região do Pensamento Abstrato. Mas, poucas pessoas aprenderam a pensar de forma abstrata como os matemáticos; portanto, a maioria está inconsciente, como no sono, aguardando o Relógio do Destino — as estrelas, para indicar a hora em que os efeitos gerados pela ação das vidas passadas possam ser calculados. Quando os responsáveis pelo tempo celestial, o Sol, a Lua e os Planetas, alcançam uma posição adequada, o Ego acorda com o desejo de um novo nascimento.
Os Anjos do Destino examinam o registro de todas as nossas vidas passadas, estampadas na Mente Superconsciente toda vez que o Ego vai para o terceiro Céu, conforme descrito na Conferência nº 7, Nascimento, um evento quádruplo. Quando não há uma razão específica para a tomada de um determinado ambiente, o Ego tem várias opções de encarnação. Elas são mostradas a ele em uma visão geral, exibindo o grande esboço de cada vida proposta, mas deixando espaço para o livre-arbítrio individual nos detalhes.
Depois que uma escolha é feita, o Ego deve liquidar as causas maduras que foram selecionadas pelos Anjos do Destino e qualquer tentativa de escapar será frustrada. Deve-se notar cuidadosamente que o mal seja erradicado no Purgatório. Somente as tendências restam para nos tentar, até que, de forma consciente, nós as vençamos. Assim, nascemos inocentes e pelo menos todo ato maligno é um ato de livre-arbítrio.
Quando o Ego desce em direção ao renascimento, reúne os materiais para seus novos corpos, mas esses não nascem ao mesmo tempo. O nascimento do Corpo Vital inaugura um rápido crescimento entre os 7 e os 14 anos, desenvolvendo também a faculdade de propagação. O nascimento do Corpo de Desejos, aos 14 anos, dá origem ao período impulsivo que vai dos 14 aos 21anos. Nessa idade, o nascimento da Mente fornece um freio ao impulso e concede a base para uma vida séria.
(Publicado na Revista Rays from the Rose Cross de maio/1916 e traduzido pelos irmãos e pelas irmãs da Fraternidade Rosacruz em Campinas-SP-Brasil)
[1] N.T.: CONFERÊNCIA I – O ENIGMA DA VIDA E DA MORTE
Em cada nascimento, vem ao mundo o que aparenta ser uma “nova” vida. Pouco a pouco, a pequenina forma cresce, vive, movimenta-se entre nós e torna-se um fator em nossas vidas. Mas chega finalmente um momento em que a forma cessa de mover-se e morre. A vida que veio – de onde não sabemos – volta novamente ao invisível “Além”. Então, amargurados e perplexos, fazemos a nós mesmos as três grandes perguntas relativas à nossa existência: “De onde viemos?” – “Por que estamos aqui?” – “Para onde vamos?”.
Através de cada umbral, o pavoroso espectro da Morte lança sua sombra. E visita igualmente tanto o palácio quanto o casebre. Dela, ninguém está a salvo: velhos e jovens, sãos e doentes, ricos e pobres. Todos, sem exceção, devem passar por sua sombria porta e, das mais remotas eras ao longo dos tempos, tem soado o pungente clamor por uma solução ao enigma da vida e ao enigma da morte.
Infelizmente, vagas têm sido as especulações por parte de pessoas que pouco sabem. Em virtude disso, tornou-se popularmente aceita a opinião de que nada em definitivo se pode saber acerca da mais importante parte de nossa existência: a Vida antes de manifestar-se pelo nascimento e além dos umbrais da Morte.
Tal ideia é errônea. O conhecimento direto, bem definido, está ao alcance de todo aquele que queira se dar ao trabalho de desenvolver o “sexto sentido”, latente em todos. Quando alcançamos tal percepção, abrem-se os nossos olhos espirituais, com os quais podemos então perceber tanto os Espíritos próximos a entrar na vida física pelo nascimento, quanto aqueles que acabam de reentrar no além após a morte. Vemo-los tão clara e nitidamente como podemos ver os seres físicos com nossos olhos terrenos. Mas não é necessária a investigação direta nos mundos internos para satisfazer a Mente indagadora, do mesmo modo que não é necessário ir-se à China para conhecer suas condições. Conhecemos as nações estrangeiras através de informações e de relatos de quem as visitou. E há tanta informação sobre os mundos internos quanto há sobre o interior da África, da Austrália ou da China.
A solução do problema da Vida e do Ser, indicada nas páginas seguintes, baseia-se no testemunho concordante de muitos que já desenvolveram a faculdade acima mencionada e que, por isso mesmo, tornaram-se aptos para investigar cientificamente os reinos suprafísicos. Isto está em harmonia com os fatos científicos e é uma verdade eterna na Natureza, governando o progresso humano, do mesmo modo que a Lei de Gravidade também o é na manutenção dos astros, dentro de suas próprias órbitas, em volta do Sol.
Três teorias foram formuladas para deslindar o enigma da vida e da morte, parecendo ser crença universal que uma quarta concepção é impossível. Assim sendo, uma dessas três teorias deve ser a verdadeira solução, de outro modo o problema permaneceria insolúvel, pelo menos para o homem.
O enigma da vida e da morte é um problema básico. Temos que resolvê-lo algum dia, e a aceitação de uma dessas três teorias torna-se então importantíssima para cada um dos seres humanos, já que a escolha determinará os rumos de suas vidas. Para que possamos fazer uma escolha inteligente, necessitamos conhecê-las todas, analisá-las, compará-las e pesá-las, conservando a Mente aberta e livre da influência de ideias preconcebidas, prontos a aceitar ou rejeitar cada teoria segundo seus méritos.
Citemos primeiramente essas três teorias e depois vejamos sua concordância com os fatos estabelecidos da vida, e até que ponto elas se harmonizam com as outras leis da Natureza já conhecidas. Se verdadeiras, podemos racionalmente esperar que se harmonizem, pois a discordância não tem lugar na Natureza.
1) TEORIA MATERIALISTA – Assegura que a vida é uma grande jornada do ventre materno ao túmulo; que a Mente é produto da matéria; que o homem é a mais elevada inteligência do Cosmos e que sua inteligência perece quando o corpo se desintegra pela morte.
2) TEORIA TEOLÓGICA – Afirma que a cada nascimento mais uma alma recém-criada por Deus penetra na arena da vida; que ao fim de um breve período de existência no mundo material, ela passa ao invisível Além através dos portais da morte, para lá ficar, e que sua felicidade ou desgraça nesse Além são determinadas para sempre pela crença que alimentou antes de morrer.
3) TEORIA DO RENASCIMENTO – Ensina que cada Espírito é parte integrante de Deus, contendo em si todas as possibilidades divinas, do mesmo modo que a semente contém as possibilidades da planta; que, por meio de repetidas existências em corpos físicos de crescente perfeição, esses poderes latentes gradualmente se convertem em energia dinâmica; que nesse processo ninguém se perde e que todos os Egos alcançarão finalmente a meta da perfeição e religação com Deus, levando consigo as experiências acumuladas como fruto de sua peregrinação através da matéria.
Comparando a teoria materialista com as conhecidas leis da Natureza, constatamos ser tal teoria contrária a essas leis devidamente estabelecidas, que declaram ser a matéria e a força indestrutíveis. De acordo com essas leis, a Mente não pode ser destruída pela morte, como afirma a teoria materialista, porque, uma vez que nada pode ser destruído, a Mente tampouco pode.
Além disso, está claro que a Mente é superior à matéria, pois modela a face de tal maneira que esta pode refleti-la. Sabemos também que as partículas do nosso corpo estão sendo constantemente trocadas, e que uma substituição completa delas ocorre, no mínimo, a cada 7 anos. Se a teoria materialista fosse verdadeira, nossa consciência deveria igualmente ser submetida a uma completa mudança a cada período desses, nada restando das recordações anteriores. Assim sendo, ninguém poderia relembrar qualquer acontecimento ocorrido há mais de sete anos. Sabemos, porém, que isto não acontece. Podemos de fato recordar toda a nossa vida; o mais insignificante incidente, ainda que esquecido na vida ordinária, é vividamente recordado por uma pessoa que se afoga. O mesmo acontece no estado de transe. O materialismo não leva em conta esses estados de subconsciência ou supraconsciência e, por não poder explicá-los, simplesmente os ignora. Mas, em face das investigações científicas que já estabeleceram a veracidade dos fenômenos psíquicos além de qualquer dúvida, a política de ignorar ao invés de refutar ou discutir essas afirmações da ciência, é uma imperdoável falha numa teoria que proclama ter solucionado o maior problema da vida: a própria Vida. A teoria materialista tem ainda muitas outras falhas que a impedem de ser aceita. Mas, já dissemos o bastante para justificar-nos e, pondo-a de lado, passar às outras duas.
Uma das maiores dificuldades na doutrina dos teólogos consiste em ser ela total e reconhecidamente inadequada. De acordo com essa teoria, de que uma nova alma é criada a cada nascimento, miríades de almas têm sido criadas desde o princípio do mundo – mesmo supondo que esse começo se deu há apenas 6.000 anos atrás. Segundo certas seitas, apenas 144.000 dessas almas serão salvas; as demais serão torturadas para sempre. E isso é chamado “Plano Divino de Salvação”, exaltado como prova do maravilhoso amor de Deus.
Suponhamos que uma mensagem telegráfica seja recebida em Nova York informando que um enorme transatlântico está afundando em Sandy Hook e que 3.000 pessoas estão na iminência de morrer afogadas. Consideraríamos um glorioso plano de salvação enviar em seu socorro um pequeno barco a motor que pudesse recolher apenas dois ou três náufragos? Certamente que não. Somente quando algum outro meio mais adequado, que pudesse salvar pelo menos a grande maioria, fosse providenciado, é que poderíamos considerá-lo um bom “plano de salvação”.
O “plano de salvação” que os teólogos oferecem é ainda mais precário do que aquele de enviar um só barquinho para salvar uma multidão de náufragos, porque dois ou três salvos para três mil perdidos é uma proporção muito maior do que 144.000 para as muitas miríades de almas criadas, segundo os próprios teólogos. Se Deus tivesse realmente elaborado esse plano, pareceria à Mente lógica que ele não seria onisciente, e, se ele deixa ao diabo a melhor parte, como nesse plano, permitindo assim que a grande maioria da Humanidade seja atormentada, então Ele não pode ser bom. Se não pode ajudar-se a si mesmo, também não é onipotente. Em nenhum caso, portanto, ele pode ser Deus. Tais suposições são absurdas como realidades, pois isso não pode ser plano de Deus, e seria uma rude blasfêmia atribuir-se a Ele tal coisa.
Se nós voltarmos para a doutrina do renascimento, que postula um lento processo de desenvolvimento levado a efeito com inabalável persistência através de repetidos renascimentos em formas humanas de crescente eficiência, pelo qual todos alcançarão no devido tempo uma estatura espiritual inconcebível à nossa limitada compreensão atual, prontamente poderemos perceber a sua harmonia com os métodos da Natureza. Em toda parte, encontramos na Natureza essa lenta, mas persistente luta pela perfeição. E em nenhum lugar vemos um processo súbito, quer de criação quer de destruição, análogo àquele que os teólogos e materialistas querem fazer-nos crer.
A ciência reconhece que o processo de evolução como método de desenvolvimento da Natureza é igual tanto para a estrela do céu quanto para a estrela do mar, tanto para o micróbio quanto para o homem. É o progresso do espírito no tempo. E, conforme olhamos em volta e notamos a evolução no nosso universo tridimensional, não podemos furtar-nos à evidência de que o seu caminho também é tridimensional: é uma espiral. Cada espiral é um ciclo, e os ciclos se seguem em ininterrupta progressão, da mesma forma que as espirais se sucedem umas às outras, cada ciclo sendo o produto melhorado do precedente e a base do progresso dos ciclos subsequentes.
Uma linha reta nada mais é que a extensão de um ponto, e assim também as teorias dos materialistas e dos teólogos: a linha materialista de existência vai do nascimento à morte; a linha dos teólogos começa em um ponto imediatamente anterior ao nascimento e prolonga-se para lá da morte, ao invisível “Além”. Não há retorno possível. A existência assim vivida extrairia apenas um mínimo de experiência da Escola da Vida, como se o homem fosse apenas um ser unidimensional, incapaz de expandir-se ou de alcançar as sublimes alturas da realização.
Um caminho em ziguezague, de duas dimensões, não seria o melhor. Um círculo significaria voltear infindavelmente sobre as mesmas experiências. Tudo na Natureza tem um propósito, inclusive a terceira dimensão. Para que possamos viver as oportunidades de um universo tridimensional, o caminho evolutivo deve ser espiral. E assim é de fato: em toda parte, quer nos Céus quer na Terra, todas as coisas caminham para a frente, para o alto e para sempre.
A tenra planta do jardim e a sequoia gigante da Califórnia com seu tronco de treze metros de diâmetro mostram igualmente a espiral na ordenação de seus ramos, talos e folhas.
Se estudamos a grande abóboda celeste e examinamos a nebulosa espiralada, que são mundos em formação, ou os caminhos percorridos pelos sistemas solares, fica evidente que a espiral é o caminho do progresso.
Temos outra ilustração do progresso espiral no curso anual de nosso planeta. Na primavera, ele sai do seu período de repouso, desperta de seu sono hibernal, quando então podemos ver a vida brotando por toda a parte e a Natureza empregando todos os seus esforços para criar. O tempo passa. Os cereais e as uvas amadurecem e são colhidos. De novo, o silêncio e a inatividade do inverno substituem a atividade do verão. E, outra vez, o manto de neve envolve a Terra. Mas ela não dormirá para sempre. Despertará novamente ao canto de uma nova primavera, havendo progredido um pouco mais na trilha do tempo.
É possível que uma lei, tão universal em todos os demais reinos da Natureza, seja revogada apenas no reino humano? Pode a Terra despertar todos os anos do seu sono hibernal, podem a árvore e a flor viver novamente e só o homem morrer? Isto é impossível num universo governado por lei imutável. A mesma lei que desperta a vida na planta deve despertar também o ser humano para mais um passo rumo à perfeição. Portanto, a doutrina do renascimento – ou repetidos renascimentos em veículos de crescente perfeição – está de pleno acordo com a evolução e com os fenômenos da Natureza, quando afirma que nascimento e morte se seguem um ao outro em contínua sucessão. E isto acha-se em completa harmonia com a Lei dos Ciclos Alternantes que estabelece uma sequência ininterrupta, um após o outro: atividade e repouso, fluxo e refluxo, verão e inverno. Está também em perfeito acordo com a fase espiral da Lei de Evolução quando declara que, todas as vezes que o Espírito retorna a um novo nascimento, toma um corpo mais perfeito e, à medida que o homem progride em conquistas mentais, morais e espirituais em consequência das experiências acumuladas em vidas passadas, alcança também um melhor meio ambiente.
Quando procuramos solucionar o enigma da vida e da morte; quando buscamos uma resposta que satisfaça tanto à Mente quanto ao coração sobre as diferenças nos dons ou condições dos seres humanos, achando uma razão para a tristeza e a dor; quando indagamos por que um indivíduo nada em riqueza enquanto outro tem de resignar-se com as míseras migalhas que lhe atiram; por que este recebe uma educação moral enquanto aquele é ensinado a roubar e a mentir; por que uma pessoa nasce com uma feição e imagem venusianas enquanto outra nasce com uma cabeça de Medusa; porque uma desfruta da mais perfeita saúde enquanto outra jamais conhece um momento de alívio de suas enfermidades; e por que este possui o intelecto de um Sócrates enquanto aquele mal sabe contar “um, dois ou muitos”, como os aborígenes australianos, nem os materialistas nem os teólogos nos podem esclarecer. O materialismo atribui à Lei de Hereditariedade as causas das enfermidades. Com relação às condições econômicas, um Spencer nos diz que no mundo animal a Lei de Sobrevivência é “comer ou ser comido”. E na sociedade civilizada, a Lei é “enganar ou ser enganado”.
A hereditariedade explica parcialmente a constituição física. Pelo menos, no que concerne à forma, semelhante produz semelhante. Mas a hereditariedade não explica as tendências morais e inclinações mentais, as quais diferem em cada Ser humano. Hereditariedade é um fato nos reinos inferiores, onde todos os animais de uma mesma espécie parecem ser iguais, comem o mesmo alimento e agem do mesmo modo em idênticas circunstâncias, porque não têm vontade própria, mas são dominados por um Espírito-Grupo comum. No reino humano é diferente. Cada homem age à sua própria maneira. Cada um requer uma dieta própria. Conforme passam-se os anos de infância e de adolescência, o Ego vai moldando o seu instrumento de tal forma a nele refletir as suas características. Assim sendo, não existem duas criaturas exatamente iguais. Mesmo os gêmeos, que não podem ser distinguidos na infância, diferenciam-se gradativamente ao crescerem e à medida que seus particulares comportamentos expressem o pensamento do Ego interno.
No plano moral, prevalecem idênticas condições. Os registros policiais demonstram que, apesar dos filhos de criminosos incorrigíveis geralmente possuírem tendências para o crime, quase sempre se conservam afastados dele e que, nas “galerias de criminosos” da Europa e da América, é impossível achar-se pai e filho ao mesmo tempo. Assim, os criminosos são filhos de gente honrada, sendo, portanto, a hereditariedade incapaz de explicar as inclinações morais.
Quando consideramos as elevadas faculdades intelectuais e artísticas, descobrimos que os filhos de um gênio são muitas vezes medíocres ou até idiotas. O cérebro de Cuvier foi o melhor cérebro analisado pela ciência. Seus cinco filhos morreram de paresia. O irmão de Alexandre, o Grande, era idiota. Como estes, muitos outros casos podiam ser citados de passagem para mostrar que a hereditariedade explica apenas parcialmente a similaridade da forma, mas nada esclarece sobre as condições morais e mentais. A Lei de Atração, que junta músico a músico, literato a literato etc., em razão de suas semelhanças e gostos, e a Lei de Consequência, que leva aqueles que desenvolvem tendências criminosas a associar-se com criminosos a fim de que possam aprender a praticar o bem, sofrendo as consequências do mal agir, explicam mais logicamente do que a hereditariedade os fatos de associações e de caráter.
Os teólogos explicam que todas as condições são criadas pela vontade de Deus que, em Sua insondável Sabedoria, houve por bem tornar alguns ricos e a maior parte pobre; alguns argutos e outros tolos, etc.; que Ele proporciona dificuldades e provas a todos, muitas a uma maioria e poucas a uma minoria favorecida, dizendo ainda que devemos aceitar nossa parte sem se queixar. Mas é quase impossível olhar-se para o céu com amor quando se pensa que de lá vem, por capricho da divindade, todas as nossas desgraças, sejam grandes ou pequenas. E a bondosa Mente humana revolta-se ao pensamento de um pai que dispensa amor, conforto e riqueza a uns poucos e envia tristeza, sofrimento e miséria a milhões. Certamente deve haver uma outra solução, diferente desta, para os problemas da vida. Não é mais razoável supor que os teólogos interpretam mal a Bíblia do que atribuir tão monstruosa conduta a Deus?
A Lei do Renascimento oferece uma solução razoável a todas as desigualdades da vida, às tristezas e sofrimentos, quando se une à sua companheira, a Lei de Consequência, mostrando ambas, além disso, o caminho da emancipação.
A Lei de Consequência é a Lei da Justiça da Natureza. Ela decreta que aquilo que o homem semear, isso mesmo colherá. Aquilo que somos, o que temos, todas as nossas boas qualidades são resultados de nosso trabalho no passado. Daí, nossos talentos. O que nos falta física, moral ou mentalmente é devido a termos negligenciado certas oportunidades no passado, ou mesmo não as termos tido; algum dia e em algum lugar, teremos outras possibilidades certamente, e então recuperaremos o perdido. Quanto às nossas obrigações para com os demais e seus débitos para conosco, a Lei de Consequência também prevê. O que não pode ser liquidado em uma só vida passa para as seguintes. A morte não cancela nossas obrigações, da mesma forma que mudando para outra cidade não liquidamos os débitos contraídos nesta em que vivemos. A Lei do Renascimento nos provê um novo ambiente, mas nele vamos encontrar nossos velhos amigos e antigos inimigos. Reconhecemos todos, pois, quando encontramos uma pessoa pela primeira vez e sentimos como se já a conhecêssemos, isso não é mais do que um reconhecimento do Ego que penetra o véu da carne e descobre o antigo amigo. Quando, por outro lado, nos deparamos com uma pessoa que imediatamente nos inspira medo ou repulsa, novamente isso representa uma mensagem do Ego, advertindo-nos contra o velho inimigo de vidas passadas.
O ensino oculto relativo à vida, que baseia suas soluções nas Leis gêmeas de Consequência e Renascimento, diz simplesmente que o mundo que nos rodeia é uma escola de experiências; que assim como enviamos uma criança à escola dia após dia e ano após ano, para que aprenda mais e mais conforme avance através dos diferentes graus, do jardim de infância à faculdade, assim também o Ego humano, como filho do Pai, vai à Escola da Vida, dia após dia. Só que nessa vida mais ampla do Ego, cada dia de escola é uma vida terrestre, e a noite que cai entre dois dias de aula corresponde ao sono da morte numa vida mais ampla do Ego Humano (o Espírito no homem).
Na escola, existem muitos graus. As crianças mais velhas, que assistiram a muitas aulas, precisam aprender lições diferentes daquelas que aprendem no jardim de infância. Assim também na Escola da Vida: aqueles que ocupam elevadas posições, dotados de grandes faculdades, são nossos Irmãos Maiores, enquanto os selvagens ainda estão ingressando nas classes mais primárias. O que eles são agora nós também já fomos, e todos alcançarão, no devido tempo, um ponto em que serão mais sábios do que aqueles a quem agora atribuímos sabedoria. Nem deve surpreender ao filósofo que o poderoso oprima o fraco; as crianças mais velhas são cruéis com seus companheiros mais jovens em certa fase de seu crescimento, porque ainda não desenvolveram o verdadeiro senso de justiça. Mas, à medida que crescem, aprenderão a proteger os mais fracos. O mesmo acontece com as crianças de maior idade. O altruísmo floresce mais e mais em toda parte, e dia virá em que todos os homens serão tão bons e benevolentes quanto os maiores santos.
Só existe um pecado – a Ignorância. Só existe uma salvação – o Conhecimento Aplicado. Toda tristeza, sofrimento e dor provém da ignorância de como agir e a Escola da Vida é tão necessária ao desenvolvimento de nossas capacidades latentes quanto a escola o é para a criança despertar suas faculdades.
Quando nos dermos conta de que isso é assim, a vida logo tomará outro aspecto. Não importarão então as condições em que nos encontrarmos; o saber que NÓS as criamos ajudar-nos-á a suportá-las com resignação. E, melhor que tudo, o glorioso sentimento de que somos senhores de nosso destino e de que podemos fazer o nosso futuro como bem o desejarmos, o que seria em si mesmo um poder. Resta-nos desenvolver o que precisamos. Naturalmente, temos ainda que levar em conta nosso passado, e é possível que muitos infortúnios possam dele resultar em consequência de más ações. Se cessarmos, porém, de praticar o mal, poderemos contemplar com alegria qualquer aflição, considerando que ela saldará velhas dívidas e nos aproximando do dia em que dela teremos uma boa recordação. Não é válida a objeção de que frequentemente o mais correto é o que mais sofre. As grandes Inteligências, que dão a cada homem a soma de suas dívidas passadas – as quais devem ser liquidadas em cada vida – sempre o ajudam a liquidá-las sem lhes acrescentar novas, mas apenas dando-lhe tanto quanto ele possa suportar para apressar o dia de sua emancipação. E neste sentido, é estritamente verdadeiro que “O Senhor castiga a quem ama”.
A doutrina do Renascimento é muitas vezes confundida com a teoria da transmigração que ensina que o espírito humano pode encarnar em um animal. Isto não encontra apoio na Natureza. Cada espécie animal é emanação de um Espírito-Grupo o qual as governa de fora por sugestão. O Espírito-Grupo funciona no Mundo do Desejo onde a distância não existe. Por isso, ele pode influenciar qualquer membro da espécie que dirige em qualquer lugar em que este se encontre. Por outro lado, o Espírito humano, o Ego, penetra dentro de um Corpo Denso. Assim, em cada pessoa, há um Espírito individual habitando em seu instrumento particular e guiando-o de dentro. Estes dois estágios evolutivos são inteiramente diferentes, sendo tão impossível para o homem encarnar um corpo animal quanto para um Espírito-Grupo tomar a forma humana.
A pergunta “Por que não recordamos nossas vidas passadas?” é outra aparente dificuldade. Mas, se compreendermos que a cada nascimento temos um cérebro totalmente novo, e que o Espírito humano é fraco e se acha absorvido pelo seu novo ambiente, não nos deve surpreender afinal que ele não possa impressionar fortemente o cérebro nos dias da infância, quando ele é mais sensível. Algumas crianças recordam seu passado, especialmente nos primeiros anos, e é coisa das mais patéticas o fato de tais crianças serem totalmente incompreendidas nessas ocasiões pelas pessoas mais velhas. Quando falam da vida passada, elas são ridicularizadas e até punidas por serem “fantasistas”.
Se as crianças falam de seus companheiros invisíveis e de que “veem coisas” – porque muitas crianças são Clarividentes – defrontam-se com o mesmo rude tratamento. E o inevitável resultado é que elas aprendem a calar-se até perderem por completo aquela faculdade. Acontece, porém, que algumas vezes, quando a afirmação da criança é ouvida, resultam espantosas revelações, como as do caso que se segue e que o autor ouviu há alguns anos na costa do Pacífico.
Certo dia, na cidade de Santa Bárbara, Califórnia, EUA, uma criança vendo um cavalheiro chamado Roberts que passava, pôs-se a correr na sua direção, gritando “Papai”. A seguir, continuou insistindo em afirmar que vivera com ele e com “a outra mãe” em uma casinha perto de um riacho; que, certa manhã, ele as deixara para não mais voltar e que ela e sua mãe haviam morrido de fome. Finalizou dizendo estranhamente: “Mas eu não morri. Eu vim para cá”. A história toda não foi contada de um só fôlego, nem resumidamente, mas sim a intervalos, por uma tarde inteira e em resposta a perguntas.
A história do senhor Roberts é a da precipitada fuga de dois jovens namorados, de seu casamento e migração da Inglaterra para a Austrália, da construção de uma casinha num lugar ermo, próximo a um arroio, da sua saída de casa certo dia deixando sua mulher e o bebê, e de sua prisão, sem que fosse concedida permissão para avisar a sua esposa – os agentes temiam a fuga do prisioneiro; de como foi levado sob a mira das armas até o litoral e embarcado para a Inglaterra, acusado de assalto a um banco na mesma noite em que viajara para a Austrália; de como, chegado à Inglaterra, conseguiu provar sua inocência e de como, só então, atendendo aos insistentes rogos sobre sua esposa e filha que àquela altura deviam estar morrendo de inanição, as autoridades concordaram em organizar e enviar um grupo de salvamento em seu socorro e de como , por último, ele soube que o grupo encontrara apenas os ossos de uma mulher e de uma criança. Todas essas coisas corroboraram a história da menininha de três anos. E, sendo-lhe mostradas algumas fotografias ao acaso, ela pôde apontar as do Sr. Roberts e as de sua esposa, ainda que o Sr. Roberts tivesse mudado bastante nos dezoito anos decorridos desde a tragédia até aquele incidente em Santa Bárbara.
Não se deve supor, contudo, que todos os que atravessam os portais da morte renasçam em tão pouco tempo como aconteceu à menina. Tão curto intervalo tiraria ao Ego a oportunidade de realizar o importante trabalho de assimilar experiências e preparar-se para uma nova vida terrena. Mas, uma criança de três anos não tem ainda experiências significativas, podendo, portanto, buscar logo a seguir um novo corpo físico para renascer, geralmente na mesma família. Muitas vezes, uma criança morre porque alguma modificação nos hábitos dos pais frustra o cumprimento do destino resultante de seus atos passados. Então, é necessário aguardar outra oportunidade. Mas, também elas podem nascer e morrer a seguir para ensinar aos pais uma lição de que precisem. Houve um caso em que um Ego encarnou oito vezes na mesma família com tal propósito, antes que a mesma aprendesse a lição. Então, renasceu em outro lugar. Era um amigo da família que amealhou grande mérito ajudando-a deste modo.
A Lei do Renascimento, quando não alterada pela Lei de Consequência em tão grande extensão como no caso acima, trabalha consoante o movimento do Sol conhecido por “Precessão dos Equinócios”, pelo qual o grande astro retrocede através dos doze Signos Zodiacais no assim chamado Ano Sideral ou Mundial que compreende 25.868 anos solares ordinários.
Assim como os movimentos da Terra em sua órbita ao redor do Sol produzem as mudanças climáticas conhecidas como estações, as quais, por sua vez, alteram as nossas condições e atividades, da mesma forma o movimento do Sol por Precessão dos Equinócios nos grandes anos siderais produz mudanças ainda maiores nas condições climáticas e topográficas, relacionadas com a civilização, sendo necessário que o Ego experimente todas em seu aprendizado.
Por conseguinte, o Ego renasce duas vezes durante o tempo em que o Sol percorre cada Signo do Zodíaco, e que é aproximadamente 2.100 anos. Transcorrem, pois, normalmente, perto de 1.000 anos entre duas encarnações, e como as experiências de um homem diferem grandemente das de uma mulher – não se modificam materialmente em um milhar de anos as condições terrestres – assim, o Espírito geralmente renasce ora como homem, ora como mulher. Mas isto não significa ser a regra rígida ou inflexível. Ela está sujeita a modificações sempre que a Lei de Consequência exija.
Na busca de experiências da parte do Ego, a ciência oculta encontra e soluciona o enigma da vida. E todas as condições têm a experiência por objetivo, sendo tudo automaticamente determinado pelos méritos de cada um. Isto arranca da morte o seu aguilhão e o terror que inspira, pondo-a no lugar que merece e considerando-a tão somente simples incidente numa vida que é mais ampla, analogamente ao fato de nos mudarmos para outra cidade por algum tempo. Isto torna menos triste a partida daqueles a quem amamos, pois nos garante que o mesmo amor que lhes devotamos será o elemento que a eles nos unirá outra vez. E ainda nos proporciona esperança maior: a de que alcançaremos algum dia o conhecimento que solucionará todos os problemas; que ligará todas as nossas vidas; e, melhor que tudo – conforme nos ensina a ciência oculta — que através de sua aplicação, temos nela o poder de apressar o glorioso dia em que a fé será absorvida pelo conhecimento. Então, poderemos compreender em seu sentido mais profundo a beleza do poético enunciado da doutrina do renascimento de Sir Edwin Arnold:
O Espírito jamais nasceu!
E jamais deixará de existir!
Jamais houve tempo em que deixou de ser,
princípio e fim são sonhos no sentir.
O Espírito permanece sempre sem nascer e sem morrer.
A Morte jamais o tocou,
embora possa parecer
morta a casa em que habitou.
Não! Simplesmente como alguém que tira
uma roupa usada e a joga além
e ao vestir outra, diz:
Hoje, essa veste eu vou usar.
Assim também, o Espírito põe à margem
uma transitória e carnal roupagem
e prossegue, para então herdar
outra morada, outro novo lar!
[2] N.T.: CONFERÊNCIA II – ONDE ESTÃO OS MORTOS?
Um pouco de reflexão logo tornará evidente a qualquer pesquisador que vivemos em um mundo de efeitos, os quais resultam de causas invisíveis. Podemos ver a MATÉRIA e a FORMA, mas a FORÇA que modela e anima a matéria está invisível para nós. A vida não pode ser conhecida diretamente através dos sentidos, pois é invisível e existe por si mesma, independentemente da variedade de formas que vemos como manifestações suas.
Eletricidade, magnetismo e vapor são nomes dados a forças que os olhos físicos nunca podem ver, embora, em conformidade a certas leis descobertas por experiências, possamos torná-las nossas mais valiosas servidoras. Vemos sua manifestação nos movimentos dos ônibus elétricos, dos trens, dos navios a vapor; elas iluminam nossos caminhos à noite e levam nossas mensagens ao redor do globo a uma velocidade que anula o espaço, trazendo os antípodas ao nosso alcance em questão de segundos. Elas estão às nossas ordens a todo e qualquer tempo, infatigáveis e fiéis na execução de inúmeras tarefas mesmo que, conforme foi dito, nunca tenhamos podido ver essas valiosas servidoras.
Essas Forças da Natureza não são nem cegas nem destituídas de inteligência, como erradamente cremos. Há várias classes delas, e operam ao longo de diversas correntes de vida. Talvez uma ilustração esclareça melhor o seu estado em relação a nós.
Suponhamos que um carpinteiro esteja construindo uma cerca e um cachorro o observe. O cão vê ambos, o ser humano e seu trabalho, apesar de não compreender perfeitamente o que ele faz. Se o carpinteiro lhe fosse invisível, ele, o cão, veria a cerca erguer-se lentamente, veria os pregos nela se introduzindo, enfim, perceberia a manifestação e não a causa. Estaria, pois, em relação ao carpinteiro como estamos em relação às forças da Natureza que se manifestam ao nosso redor como gravidade, eletricidade e magnetismo.
Durante os últimos séculos – particularmente nos últimos sessenta anos – a ciência deu gigantescos passos na investigação do mundo em que vivemos, e o resultado tem sido o de revelar, em todos os sentidos, um mundo até aqui invisível. Com telescópios de crescente poder, os astrônomos vêm vasculhando o espaço e descobrindo mais e mais mundos. Com admirável engenhosidade, têm acoplado câmeras aos telescópios, fotografando assim sóis a tão grandes distâncias que seus raios nem sequer chegam a impressionar nossos olhos, só podendo ser captados através da exposição da chapa fotográfica por várias horas.
Na direção do infinitesimal, a crescente perfeição do microscópio tem alcançado análogos resultados; um mundo até agora invisível para nós foi descoberto, o qual contém uma atividade extraordinária de VIDA, e que é marcado por uma diversidade de formas raramente menos complexas do que as do mundo que percebemos apenas através de nossos sentidos.
O esforço de tais pesquisas através das lentes de um microscópio é muito grande, chegando a causar fadiga aos olhos, mas aqui também a câmera empresta seu auxílio ao ser humano. Com os acessórios mecânicos apropriados e com projeções rápidas de luz, pode-se conseguir o registro permanente dos fenômenos microscópicos à razão aproximada de setenta negativos por segundo. Estes podem ser então ampliados e projetados sobre telas como películas cinematográficas, para também serem vistos de modo simultâneo por centenas de pessoas confortavelmente instaladas.
Podemos assim ver como a seiva circula lentamente através dos veios de uma folha ou observar o percurso da corrente sanguínea através das semitransparentes veias das pernas de uma rã. Os vermes do queijo aparecem como enormes caranguejos cinzentos movendo-se de um lado para outro em busca de presas. Uma gota d’água contém uma multidão de bolas coloridas, as quais crescem e explodem, lançando de si miríades de minúsculas esferas que, por sua vez, se expandem e lançam outras de si. O Dr. Bastian, de Londres, chegou a ver uma pequena mancha preta no dorso de um ciclope (e existem muitos em uma gota d’água) desenvolvendo-se até alcançar as proporções de um parasita, o qual passava a se alimentar do próprio ciclope.
Por meio do Raio-X, a ciência tem sido capaz de penetrar no mais recôndito do corpo denso do ser humano, fotografando a estrutura óssea ou quaisquer substâncias estranhas que nele possam ter-se alojado eventualmente.
Deste modo, um mundo até aqui invisível tem-se revelado aos olhos dos persistentes investigadores. Quem poderá dizer que se chegou ao fim? que não existem outros mundos no espaço além destes agora fotografados pelos astrônomos? que não existe vida em formas mais infinitesimais do que aquelas descobertas pelos melhores microscópios de hoje? Pode-se amanhã inventar um instrumento que tenha maior alcance que os atuais e que mostre muito do que hoje ainda permanece oculto. O infinito do espaço, do grande e do pequeno, parece estar além de qualquer dúvida e independe do nosso conhecimento.
Considerando as maravilhosas conquistas da ciência física, existe uma característica particularmente digna de nota: cada nova descoberta tem-se efetuado através da invenção de um novo instrumento ou do aperfeiçoamento dos anteriores para ajudar os sentidos. Por essa razão, as pesquisas da ciência têm-se limitado ao mundo dos sentidos – ao denso Mundo Físico. Os cientistas lidam com os elementos químicos – sólidos, líquidos e gases – mas não alcançam o que se encontra além desses estados de matéria, simplesmente por não disporem de instrumentos capazes disso, ainda que forçados a admitir a existência de uma matéria ainda mais sutil a que chamam de “éter”, sem a qual seria impossível explicarem a propagação da luz, da eletricidade, etc. Vemos, pois, que a ciência material reconhece indubitavelmente a existência de um mundo invisível como uma necessidade na economia da Natureza.
Ambas as ciências – a física e a oculta – concordam nesse ponto, e ambas buscam no mundo invisível a solução dos problemas. Diferem apenas quanto aos métodos de investigação e no crédito dado aos resultados assim obtidos. A ciência material procura explicar os problemas insolúveis só em bases puramente físicas, tais como a propagação de ondas luminosas através do vácuo, ou a semelhança das flores da presente estação com as dos verões passados. Em tais casos, ela prontamente admite algo invisível e intangível como o éter ou a hereditariedade, e se orgulha de sua perspicácia e do engenho de suas explicações.
A ciência oculta afirma que há uma causa invisível na raiz de TODO fenômeno visível, a qual, quando conhecida, proporciona compreensão dos fatos da vida mais completamente do que um simples conceito mecânico, e que essa compreensão é obtida por meio do estudo de ambos: o fenômeno, relativo ao visível, e o número, ou causas subjacentes do mundo invisível. Ela, portanto, investiga os Mundo invisíveis e oferece uma solução mais completa e razoável aos problemas da vida do que simples fatos científicos derivados apenas da observação dos fenômenos físicos.
A ciência material admite o éter e a hereditariedade como soluções aos problemas acima, mas é incapaz de oferecer uma prova real da verdade de suas hipóteses a não ser sua aparente razoabilidade. Não obstante, quando a ciência oculta, empregando os mesmos métodos, declara a existência do Espírito, sua imortalidade, sua pré-existência ao nascimento e continuação após a morte, sua independência do corpo, etc., a ciência física escarnece e fala incoerentemente de superstição e ignorância. E requer provas, ainda que a evidência oferecida seja no mínimo tão satisfatória quanto a que é dada pelos cientistas sobre a existência do éter, da hereditariedade e de muitas outras ideias por eles sustentadas, implicitamente aceitas pela multidão que, admirada, curva-se ante qualquer sentença emanada da mágica palavra: Ciência.
Ninguém pode demonstrar a verdade de uma proposição geométrica a uma pessoa não familiarizada com os princípios matemáticos. Por análogas razões, os fatos dos mundos internos não podem ser provados aos cientistas materialistas. Se a pessoa que ignora a matemática, estudando-a, será fácil para ela ter a solução do problema, quando o cientista físico se prepara para a compreensão dos fatos suprafísicos, ele terá a prova e ver-se-á compelido a defender as mesmas teorias que agora combate como superstição.
A ciência oculta começa suas investigações no ponto em que a ciência material cessa de pesquisar: às portas dos reinos suprafísicos – indevidamente chamados sobrenaturais. Nada existe que seja “sobrenatural”, ou “inatural”; nada que possa estar fora da Natureza, mesmo sendo suprafísico, porque o Mundo Físico é a porção menor da Terra. Diferentemente do cientista materialista, porém, o cientista ocultista não realiza suas pesquisas valendo-se de instrumentos mecânicos, mas sim através do autoaperfeiçoamento. Ele cultiva faculdades de percepção latentes em todo ser humano que podem ser despertadas mediante exercícios apropriados. As palavras de Cristo “buscai e achareis” referem-se particularmente a qualidades espirituais, e são endereçadas a “todos os que queiram”. Tudo depende do indivíduo. Não há ninguém para impedir, mas existem muitos dispostos a ajudar o aspirante sincero que busca o conhecimento. Discutir os meios e caminhos está, contudo, fora do presente tópico, e devem ser deixados para elucidação em futuros ensaios (números III e XI).
“Mas” – dirá alguém – “por que nos preocuparmos com um mundo invisível?” “Se fomos postos neste mundo material, o que temos a ver com esses mundos suprafísicos? E mesmo que seja verdadeiro que iremos para lá após a morte, por que não nos ocuparmos de um mundo por vez? `Se basta a cada dia seu mal´, por que então acrescentar-lhe mais preocupações?”
Tal ponto de vista é, por certo, dos mais limitados. Em primeiro lugar, o conhecimento do estado post-mortem afastaria de nós o medo de morrer, que apavora tanta gente, mesmo as pessoas mais saudáveis. Mesmo na vida mais despreocupada há momentos em que o pensamento vai até aquele salto no escuro, o que deve algumas vezes lhe perturbar a alegria de viver. Então, qualquer explicação que ofereça um definido e seguro conhecimento sobre tão importante assunto certamente deve ser muito bem recebida.
Além do mais, quando contemplamos o mundo em volta de nós, vemos que existe uma lei que deve ser evidente até para os mais indiferentes: a Lei de Consequência. A cada dia, o nosso trabalho e condições dependem daquilo que fizemos ou deixamos de fazer no dia anterior. É-nos absolutamente impossível nos desligarmos do nosso passado e “iniciar outra vez”. Não podemos executar qualquer ação que não esteja de algum modo ligada aos nossos atos anteriores, limitados e cercados por nossas antigas condições. E, por certo, deve parecer razoável supor que, qualquer que possa ser o modo de expressão de Vida no mundo invisível, isso será de alguma forma determinado pela nossa atual maneira de viver. Igualmente lógico é afirmar que, se existe uma informação segura sobre esse mundo invisível, seria prudente interessarmo-nos por ela, do mesmo modo que quando desejamos viajar para um país estrangeiro, procuremos conhecer sua geografia, leis, costumes, língua ou outras informações necessárias. Fazemos isto porque sabemos que quanto mais preparados estivermos, mais aproveitaremos nossa viagem e menos aborrecimentos teremos pelas mudanças de condições. Logicamente, o mesmo deve ser dito com relação ao estado post-mortem.
Novamente alguém dirá: “Sim, mas aí é que está o problema! Quaisquer que sejam as condições após a morte, ninguém as conhece com certeza. Todos aqueles que têm afirmado conhecê-las diferem em suas descrições, muitas das quais chegam a ser irrazoáveis, impossíveis”.
Em primeiro lugar, nenhum ser humano tem moralmente o direito de afirmar que ninguém sabe, a menos que seja onisciente e conheça a extensão do conhecimento de todos os que vivem. E é o cúmulo da arrogância tentar julgar a capacidade mental dos demais através da estreitíssima mentalidade que geralmente têm os pretensiosos que fazem tais afirmações. O sábio sempre tem os ouvidos abertos para novas evidências, que investigará com renovada ansiedade. E ainda que houvesse apenas um ser humano declarando conhecer os Mundo invisíveis, isso não provaria necessariamente que ele estivesse errado. Não estava Galileu sozinho quando afirmou sua teoria relativa aos movimentos dos corpos celestes, à qual todo o mundo ocidental aderiu mais tarde?
Quanto a diferirem os relatos daqueles que afirmam conhecer os Mundo invisíveis, isto é tão normal quanto valioso, conforme a ilustração abaixo nos mostrará:
Suponhamos que a cidade de São Francisco tenha sido totalmente reconstruída em grande estilo, com os mais modernos aperfeiçoamentos, e tenha-se decidido celebrar o acontecimento com um grande festival. Milhares de pessoas aglutinar-se-iam na ponte Golden Gate a fim de regozijar-se pela nova Fênix renascida das cinzas da formosa cidade tão subitamente destruída pelo fogo. Entre outros, achar-se-iam provavelmente um número considerável de jornalistas, repórteres das mais diversas partes do país, com o propósito de enviarem notícias aos seus respectivos periódicos. A conclusão inevitável é que, embora os repórteres sejam observadores treinados, nem duas daquelas reportagens seriam iguais. Algumas conteriam os mesmos pontos de vista gerais. Algumas seriam diferentes das outras em cada pormenor. Tudo pela simples razão de que cada repórter teria observado a cidade do seu próprio e particular ponto de vista, e anotado apenas aquilo que lhe chamara a atenção. Assim, ao invés de serem as diversidades de informações um argumento contra a sua veracidade e exatidão, prontamente perceber-se-ia que cada uma tinha seu valor como um diferente aspecto do todo, podendo-se acrescentar que um ser humano que lesse todas as diferentes reportagens teria uma ideia mais completa sobre São Francisco do que tivesse lido apenas uma reportagem assinada pela totalidade dos repórteres.
O mesmo princípio pode ser aplicado aos diferentes relatos sobre os Mundo invisíveis. Eles não são propriamente inverídicos por diferirem, mas formam em conjunto uma descrição mais completa.
Quanto aos relatos “impossíveis”, suponhamos que um dos nossos repórteres de São Francisco, ao invés de observar a cidade, houvesse gastado o seu tempo se divertindo, enviando depois ao seu jornal uma reportagem imaginária. Certamente que tal reportagem não iria invalidar as autênticas. Ou suponhamos que um deles estivesse usando um par de óculos amarelos sem disso se aperceber e enviasse ao jornal uma reportagem informando que em São Francisco as casas e ruas eram todas douradas. Isso por certo apenas mostraria sua ignorância quanto ao fato de que eram os óculos e não a cidade que tinham aquela cor, não devendo, portanto, seu relatório prejudicar a veracidade dos demais. Finalmente, recordemos que, ainda que algumas coisas estejam presentemente além de nosso poder de raciocínio, isto não prova que as mesmas sejam irrazoáveis. O fato de que uma criança não possa entender raiz quadrada não constitui argumento válido contra a matemática. Em suma, os materialistas não podem apresentar nenhum argumento razoável como prova da não existência dos Mundo invisíveis, da mesma forma que um cego de nascença não pode argumentar seriamente contra a existência da luz e das cores no mundo ao seu redor. Se este recuperar a visão, poderá vê-las. Por conseguinte, nenhum argumento dos que são cegos para o mundo invisível pode convencer o clarividente da não existência daquilo que ele vê. Se o sentido apropriado é despertado em tais pessoas, elas também poderão perceber um mundo para o qual haviam sido insensíveis até ali, ainda que tal mundo já existisse em sua volta, da mesma forma que a luz e a cor interpenetram todo o mundo dos sentidos quer sejam percebidos ou não.
Passando deste testemunho da existência dos reinos suprafísicos a uma evidência mais positiva, um exemplo tomado do cotidiano mostrar-nos-á como na Natureza a matéria muda constantemente de estados mais densos para estados mais sutis.
Se tomamos um bloco de gelo, temos um “sólido”. Aplicando calor a esse bloco, elevamos as vibrações dos átomos que o constituem e aí ele se torna um “líquido” – a “água”. Se aquecemos a água ainda mais, se aumentamos a tal grau as vibrações dos seus átomos, ela alcança um ponto que se torna invisível aos nossos olhos: transformar-se-á num “gás” que chamamos “vapor”. Assim, a mesma matéria que era visível na forma de gelo e na forma de água sai de nossa visão, mas não deixa de existir. Se a esfriamos outra vez, ela se condensa, voltando ao estado líquido e, prosseguindo o resfriamento, ela poderá alcançar de novo o estado sólido, como gelo.
Ainda que a matéria possa ultrapassar o alcance de nossa percepção, ela continua existindo. O mesmo se passa com a consciência: continua existindo mesmo que não dê nenhum sinal de existência. Isto tem sido provado nos casos em que pessoas aparentemente mortas – coração e órgãos respiratórios sem o menor sinal de alento – no momento de serem sepultadas, voltaram à vida. Tais pessoas puderam então repetir cada palavra e descrever todos os atos daqueles que as rodeavam enquanto se achavam inconscientes.
Portanto, perguntamos: sabendo-se que a matéria – que é indestrutível – pode existir em estados invisíveis e intangíveis, e que a consciência permanece alerta e até mesmo mais desperta no estado de transe do que no estado de vigília, não é razoável supor-se que essa consciência possa modelar a matéria invisível para nós, e nela funcionar quando desencarnada – do mesmo modo que modela a matéria deste mundo durante a vida terrena – produzindo assim um outro mundo de forma e consciência tão real para o espírito desencarnado como este mundo o é aos sentidos físicos?
Mesmo durante a vida no corpo denso, lidamos com o mundo invisível a cada momento de nossa existência, e a vida que nele vivemos é a mais importante para o nosso ser – é a base de nossa vida no Mundo Físico.
Todos temos uma vida interna, a qual vivemos envoltos em nossos pensamentos e sentimentos, em meio e sob condições desconhecidas ao nosso ambiente externo. Ali, a Mente converte as nossas ideias em pensamentos-forma, que a seguir expressamos. Tudo o que vemos em volta de nós, que impressiona nossos sentidos e que denominamos real, nada mais é senão a evanescente sombra do mundo intangível e invisível. O Mundo visível é a cristalização dos Mundo invisíveis, da mesma forma que a dura e pétrea concha do caracol é a cristalização da seiva do seu corpo flácido. Além disso, assim como a concha do caracol é inerte e permaneceria imóvel se o caracol não a movimentasse, igualmente os corpos vegetais, animais e humanos, sendo apenas emanações inertes do espírito invisível, seriam também incapazes de se mover não fosse a galvanização da forma pela vida latente que neles existe. Esses corpos são conservados apenas enquanto servem aos propósitos do espírito. Quando este os abandona, já não há nada que possa manter a forma agregada, portanto ela se decompõe.
Outrossim, tudo o que vemos em torno de nós – casas, automóveis, navios, telefones, em suma, tudo o que foi feito pela mão do ser humano – é IMAGINAÇÃO cristalizada, a qual se originou no mundo invisível. Se Graham Bell não tivesse sido capaz de imaginar o telefone, este jamais teria chegado a existir. Foi a “vida interna” de Fulton quem concebeu e trouxe à luz o primeiro barco a vapor, muito antes dele se concretizar no visível “Clermont”.
Quanto à realidade e continuidade das coisas no mundo invisível, isto chega a ultrapassar as condições visíveis do Mundo Físico que julgamos erradamente ser o máximo de “realidade”. Costumamos considerar nossas imagens mentais e idealizações ainda menos reais do que uma miragem, a elas nos referindo superficialmente como “simples pensamentos” ou “apenas uma ideia”, quando, na verdade, elas são as realidades básicas de tudo o que vemos neste mundo. Uma ilustração esclarecerá melhor o assunto:
Quando um arquiteto deseja construir uma casa, não requer de início que sejam logo levados ao local da construção o madeirame e outros materiais, nem contrata trabalhadores e ordena-lhes começarem imediatamente a erguer a habitação! Em lugar disso, ele primeiro formula a ideia, medita sobre ela, constrói a casa “em sua Mente” com o máximo de detalhes possível e, por este modelo mental, a casa poderia ser edificada se pudesse ser vista pelos trabalhadores. Mas o modelo ainda está no mundo invisível. E ainda que o arquiteto a perceba claramente, “o véu da carne” impede que outros possam vê-la. Assim, torna-se necessário trazê-la ao mundo dos sentidos através de um esboço ou planta visível que orienta os trabalhadores. Esta é, pois, a primeira cristalização da imagem mental do arquiteto, e quando finalmente a casa é construída, podemos ver em madeiras e pedras aquilo que primeiro foi uma ideia em sua Mente, embora invisível para nós.
Quanto à relativa estabilidade da ideia e da casa construída – uma em relação à outra – é claro que a segunda pode ser destruída por dinamite ou por outro processo, mas a ideia na Mente do arquiteto nem ele próprio é capaz de destruí-la, podendo assim utilizá-la novamente para construir outra idêntica àquela em qualquer tempo e enquanto viva. Mesmo depois da morte deste, a ideia pode ainda ser encontrada na Memória da Natureza por quem quer que esteja habilitado a tanto, pois não importa há quanto tempo tenha sido ali impressa, pois a ideia jamais se perde ou é destruída. Voltaremos a falar desta Memória no próximo Capítulo.
Se bem que possamos deste modo, por “inferência”, concluir sobre a existência de um mundo invisível, este não é o único meio de prová-lo. Existe abundância de testemunhos diretos provando que tal mundo é real. São testemunhos de homens e mulheres de indiscutível integridade, cuja veracidade e exatidão jamais foram postas em dúvida em qualquer outra área, os quais atestam que esse mundo invisível é habitado por aqueles a quem chamamos mortos, que ali vivem na posse plena de suas faculdades mentais e emocionais e vivendo sob condições tais que suas vidas tornam-se tão verdadeiras e proveitosas quanto as nossas, talvez até mais. É possível demonstrar que pelo menos alguns deles alimentam considerável interesse pelos assuntos do Mundo Físico. Bastam para isso dois exemplos dos mais conhecidos no mundo inteiro.
Primeiramente, o testemunho de Joana D´Arc, a “Donzela de Orleans”, que ouvia “vozes que lhe falavam e guiavam”. Consideremos sua história e vejamos se essa vida estampou ou não a verdade.
Moça pura, simples e sem sofisticação, pouco mais que uma criança, nunca antes saíra ela de sua cidadezinha natal até encetar sua “missão”. Era extremamente tímida, receosa de desobedecer a seu pai. Contudo, as “vozes” imperiosas levaram-na à inusitada audácia de contrariá-lo e sair em busca do rei da França. Após muitas dificuldades – mas constantemente guiada pelas vozes – foi-lhe finalmente assegurada uma audiência com o rei. Quando ela entrou, o rei se encontrava numa roda de cortesãos e, sentado no trono, via-se apenas um vulto disfarçado, um boneco. Todos esperavam vê-la confundida, pois ela jamais havia visto o rei. Contudo, guiada pelas fiéis vozes, Joana D´Arc caminhou resolutamente até ele e o saudou. Então, conseguiu convencê-lo da autenticidade de sua missão, sussurrando-lhe ao ouvido um segredo por demais íntimo que só a ele pertencia e que só ele conhecia.
Como resultado dessa prova, o comando do exército francês foi tirado das mãos de experientes generais que haviam sido derrotados pelos ingleses em todas as batalhas, e entregue a essa criança que nada sabia de estratégia militar. E ela, ainda que orientada por seus invisíveis guias, conduziu as tropas francesas à vitória. Seu conhecimento de tática militar era motivo de constante admiração de seus companheiros, mas por si só foram a prova da orientação que ela afirmava receber.
Depois, foi presa e sujeita a anos de sofrimentos, torturas e ameaças da parte de seus cruéis perseguidores, visando fazê-la confessar que não ouvia vozes. Porém, os arquivos em que estão registrados seus numerosos julgamentos mostram em suas respostas uma tal singeleza de Mente, uma tal inocência e honestidade, de fato inigualáveis nos anais da história, ao ponto de confundir seus juízes em cada um desses julgamentos. Nem a morte na fogueira pôde fazê-la abjurar a verdade que conhecia. E até hoje seu testemunho sobre as vozes orientadoras do mundo invisível permanece inabalável, selado com seu sangue. Esta mártir da verdade foi recentemente canonizada pela mesma igreja que a condenou à morte.
“Oh! Sim” – poderia alguém ponderar – “mas ainda que não pairem dúvidas sobre sua honestidade, ela não era mais que uma simples camponesa, inconsciente, portanto, de que sofria alucinações!” Estranhas alucinações aquelas que a capacitaram a distinguir sem hesitação o rei que nunca vira antes; a sussurrar-lhe um segredo só dele conhecido; e a descrever em minúcias as batalhas que estavam sendo travadas a muitas milhas de distância, conforme corroborado mais tarde pelos que delas haviam participado.
Mas passemos ao segundo testemunho, que de nenhum modo se relaciona com uma “mente simples”. A esse respeito, Sócrates foi a perfeita antítese de Joana D´Arc, porque foi a mais penetrante inteligência, a maior mentalidade que já conhecemos, inexcedível até os dias de hoje. Este também selou com seu sangue seu testemunho sobre uma voz-guia do mundo invisível. E podemos considerar evidente por si mesmo o fato de que essa voz devia ter sido extraordinariamente inteligente, caso contrário não teria sido capaz de aconselhar tão grande sábio quanto Sócrates
Afirmar que ele era louco ou sofria de alucinações seria totalmente impróprio, porque um ser humano como Sócrates, que abordava todos os demais assuntos com tanto equilíbrio, está acima de qualquer suspeita nesse particular. De forma que o mais razoável é reconhecermos que “existem muito mais coisas nos céus e na terra” que individual ou coletivamente desconhecemos, e então passarmos a investigá-las.
Com efeito, isto é justamente o que a maior parte das pessoas avançadas estão fazendo em nossos dias, convencidas de que é tão tolo ser-se demasiado cético para investigar, quanto ser-se demasiado crédulo para tomar como artigo de fé tudo quanto se ouve. Somente informando-nos de modo apropriado, é possível chegarmos a uma conclusão digna de nossa condição humana, não importa o caminho pelo qual nos decidimos.
Reconhecendo esse princípio e a grande importância do assunto, fundou-se há mais de um quarto de século a “Society for Psychical Research” (Sociedade de Investigações Psíquicas), a qual conta entre seus membros as mais brilhantes inteligências de nosso tempo. Elas não pouparam esforços para separar a verdade do erro em milhares de casos que lhe foram apresentados, e, como resultado, o presidente da Sociedade – Sir Oliver Lodge – , um dos mais proeminentes cientistas da nossa época, declarou ao mundo, há alguns anos atrás, que “a existência de um mundo invisível, habitado pelos que chamamos mortos e que têm o poder de se comunicar com este mundo, foi estabelecida acima de qualquer equívoco em tão grande número de casos que não deixa margem à qualquer dúvida”.
Vindo essa afirmação de um dos maiores cientistas modernos, de alguém que aplicou em seus estudos psíquicos uma Mente burilada pela ciência, e que se mantinha sempre muito bem prevenido contra qualquer engano ou farsa, o testemunho acima deve merecer o mais profundo respeito de todos aqueles que buscam a verdade.
Havendo examinado indutiva, dedutiva e diretamente as evidências, podemos acrescentar que a existência de outro mundo, intangível para os cinco sentidos, mas facilmente investigáveis por meio do “sexto sentido”, é – reconheçamos ou não – um fato, uma realidade natural, do mesmo modo que é real a existência da luz e da cor tanto em volta do “cego” quanto ao redor “daquele que vê”. É a cegueira que impede o ser humano de ver a luz e a cor em torno de si. De maneira idêntica, é a nossa “cegueira” que nos impede de perceber os reinos suprafísicos. Mas, para todo aquele que se der ao trabalho de despertar suas faculdades latentes, o desenvolvimento do sentido apropriado à dita percepção não é senão uma questão de tempo, podendo ele então ver que os chamados “mortos” se encontram todos ao seu redor, e que de fato “a morte não existe”, conforme disse John Mc Creery em seu formoso poema:
A morte não existe. As estrelas descem
e em outras plagas irão se levantar,
radiantes, adornando a coroa celeste,
para sempre irão brilhar.
A morte não existe. As folhas da floresta,
o ar invisível em vida transformam;
as rochas se desintegram para alimentar
o musgo faminto que nelas se agarram.
A morte não existe. O pó que pisamos
irá transformar-se, pelas chuvas de verão,
em flores com as cores do arco-íris,
em frutos saborosos ou em dourado grão.
A morte não existe. As folhas podem cair,
as flores podem murchar e sumir,
esperam apenas nas horas hibernais
pelo alento quente da Primavera que há de vir.
A morte não existe, embora lamentemos
quando as belas formas familiares
que aprendemos a amar são arrancadas
de nossos amorosos braços tutelares.
Embora com roupas de luto e em silencioso passo,
com o coração partido e tão contritos,
levemos seus restos para o descanso
dizendo que eles estão mortos.
Eles não estão mortos. Passaram apenas
para além das névoas que aqui nos cegam,
para que em esferas mais serenas
uma nova e maior vida tenham.
Apenas se despojaram de seus mantos de barro
e vestiram trajes mais brilhantes;
não foram para longe, nem nos deixaram,
não estão “perdidos” ou “distantes”.
Embora invisíveis aos olhos mortais,
ainda estão aqui e continuam amando
os entes queridos que para trás deixaram,
jamais os olvidando.
Por vezes, sobre nossa fronte febril,
sentimos um afago, um balsâmico alento;
nosso espírito os vê e nossos corações
sentem-se confortados e calmos, no momento.
Sim, sempre perto de nós, embora invisíveis,
esses queridos e imortais espíritos caminham forte
pois tudo, neste Universo infinito de Deus,
é vida – NÃO EXISTE A MORTE.
[3] N.T.: CONFERÊNCIA III – VISÃO ESPIRITUAL E MUNDOS ESPIRITUAIS
Vimos na Conferência nº 1 que a única teoria sobre a vida que suporta o foco luminoso da razão é a de que o Ego humano é imortal, que a vida terrena é uma escola à qual esse Ego retorna, vida após vida, para aprender suas lições por força das Leis gêmeas da Natureza – as Leis de Consequência e Renascimento – progredindo assim seguramente em direção à meta da Perfeição.
Esta solução ao enigma da vida leva naturalmente à pergunta: Se os que chamamos mortos estão realmente vivos, por que não os vemos? E onde se acham eles? A pergunta foi respondida na Conferência anterior, em que demonstramos através de incontestáveis testemunhos – indutivos, dedutivos e diretos – que existe um Mundo invisível em torno de nós, habitado pelos chamados mortos, os quais aí vivem em plena posse de todas as faculdades, e que a única razão pela qual deixamos de percebê-los é faltar-nos o necessário sentido para tal. O cego não consegue perceber a luz e a cor por carecer de visão física. Do mesmo modo, não conseguimos ver os Mundos espirituais por nos faltar a visão espiritual. Cada um de nós possui esse “sexto” sentido em estado latente e, em todos, sem exceção, ele pode ser despertado mediante métodos adequados, conforme Conferência nº 11 desta série.
Na presente Conferência, estudaremos os Mundos internos, e poderemos ter uma ideia geral de como o Clarividente conhece tais Mundos e ver demonstrados o alcance e as limitações da clarividência.
“Clarividente” é o nome dado às pessoas que veem objetos invisíveis ao ser humano comum. O nome significa simplesmente “visão clara”. E, ao contrário da ideia geralmente aceita, existem diferentes classes de Clarividentes. Alguns, à semelhança de um prisioneiro por trás das grades, só podem ver o que está dentro do seu limitado campo visual, o qual depende se as grades dão para o pequeno pátio interno da prisão ou para uma ampla área externa. Se, além da limitação das grades, o prisioneiro tem ainda sua visão estorvada por um postigo que ele não pode controlar e que abre e fecha por si, independentemente de sua vontade, compreenderemos que suas observações pouco valem, quer para ele próprio quer para outrem.
Alguns Clarividentes são como este prisioneiro. Quando o postigo se abre, eles podem ver o que está acontecendo naquela área dos Mundos internos, que eles tiveram a oportunidade de ver em um determinado tempo e lugar. Não podem evitar ver, quer a visão os agrade ou não; eles têm de suportá-la até que se desvaneça. Tais pessoas são chamadas de negativas ou Clarividentes involuntários.
Outros, contudo, ainda que limitados em seu campo de visão, são capazes de controlar o postigo, abrindo-o ou fechando-o à vontade e vendo qualquer coisa dentro daquela área. Estes também são negativos, porém, são capazes de ver “à vontade”. Por isso, são conhecidos como Clarividentes voluntários. Há também alguns que possuem a faculdade que pode ser comparada ao estado de um prisioneiro num cárcere de vidro, situado no topo de uma colina, tendo à sua disposição telescópios do mais longo alcance, equipados de obturadores tais que se abrem ou se fecham instantaneamente ao simples desejo do prisioneiro de continuar ou não olhando através deles. Deste modo, ele exerce um perfeito controle sobre sua visão, sendo capaz de dirigi-la para quaisquer objetos que deseje investigar. Estes, pois, são os Clarividentes voluntários treinados.
Existe ainda um grau mais elevado em que as portas do cárcere se abrem e o ser humano é capaz de abandonar seu Corpo Denso à vontade, penetrar nos Mundos invisíveis e ali estudar de perto aquilo que deseje conhecer, coisas que a última classe acima só consegue ver de longe. Sair do Corpo Denso à vontade é naturalmente o método ideal, porque, deste modo, o ser humano não apenas é um Clarividente, mas torna-se um cidadão de dois ou mais Mundos. Este grau, contudo, e de modo geral, não pode ser alcançado pelo investigador comum, mas sim por aqueles que se comprometem a dedicar suas vidas ao serviço da humanidade. Estes são chamados Auxiliares Invisíveis. Seu trabalho é feito sob a direção dos grandes Guias da Humanidade – nossos Irmãos Maiores.
Assim como há muitas pessoas que cometem o erro de descrer da existência dos Mundos suprafísicos, há também aquelas que vão ao outro extremo – quando convencidas da veracidade dos Mundos invisíveis – crendo que qualquer um que consiga “ver” Clarividentemente pode também distinguir toda a verdade, conhecendo então de imediato tudo a respeito desses Mundos superiores.
Nada mais errôneo, e a aparência ilusória de tal ideia é facilmente compreensível se comparada aos fatos da vida terrena. Não podemos conceber que um ser humano nascido cego passe a conhecer de imediato todas as coisas visíveis no Mundo Físico logo após adquirir a visão. Melhor ainda, sabemos que, mesmo qualquer um de nós que desfrutou de uma visão perfeita por toda a vida, está longe de possuir um conhecimento universal das coisas que nos rodeiam! A lógica e a analogia seriam violadas se tais suposições fossem aplicadas aos Mundos internos. A verdade é que nenhum Clarividente – mesmo que seja desenvolvido – conhece tudo ali, mas tão somente aquilo que tenha investigado. Um cego que tenha recobrado sua visão precisa aprender a usar seus olhos para medir distâncias etc., do mesmo modo que uma criança. Assim também deve o Clarividente ser treinado antes que sua faculdade possa ser realmente útil. Convém notar que geralmente os Clarividentes mais aptos são sempre os mais comedidos em seus relatos e os mais dispostos a dar ouvidos às versões alheias, sabendo quanto existe ainda por conhecer e quão pouco dos múltiplos aspectos de uma coisa pode um investigador abarcar isoladamente.
Além disso, no Mundo Físico, as formas são estáveis, não mudam facilmente, enquanto, nos Mundos internos, tudo se encontra no mais intenso movimento. As formas mudam de tal maneira e com tanta facilidade que só os contos de fada podem fazer disso uma pálida ideia. Assim, não é de admirar que o Clarividente involuntário ou não treinado confunda frequentemente as coisas. O treinamento consiste em ensinar-se ao neófito como ver além da forma. A forma é evanescente, ilusória, mas a vida é a mesma seja qual for a “forma” que ocupe. E, somente quando a “vida” puder ser vista, estará seguro contra enganos.
Antes de prosseguir neste assunto, faz-se mister primeiramente que consideremos o Conceito Rosacruz sobre o Mundo Físico, já que ele difere algo das ideias geralmente aceitas.
A REGIÃO QUÍMICA DO MUNDO FÍSICO
Na vida comum, costuma-se fazer distinção entre sólidos, líquidos e gases. A ciência os agrupa em cerca de setenta elementos inorgânicos (N.T.: hoje o número de elementos descobertos atinge 110), tais como hidrogênio, nitrogênio, oxigênio. Carbono, etc. Todas as Formas estruturam-se a partir desses elementos.
Distinguimos também quatro Reinos: mineral, vegetal, animal e humano. Esta distinção refere-se às quatro ondas de vida de espíritos em evolução em diferentes estados de desenvolvimento, os quais se manifestam como Vida e modelam os elementos químicos nas múltiplas Formas que vemos em torno de nós.
Esta quádrupla manifestação de vida está de certo modo firmemente aderida às formas que construiu, e de acordo com o grau de desenvolvimento alcançado pelas várias classes de Espíritos.
Os Espíritos que compõem a Onda de Vida Mineral são tão débeis e, portanto, tão identificados com a matéria que eles moldam em cristais inorgânicos que até parecem inseparáveis dela. Esta manifestação de vida é conhecida como força química.
Os Espíritos da Onda de Vida Vegetal assimilam os elementos químicos cristalizados e transformam os cristais em cristaloides para construir seus corpos mais complexos.
Quando, por sua vez, essas formas vegetais são utilizadas pelas ondas de vida Animal e Humana, agrupam-se nas células e órgãos que coletivamente passam a constituir os veículos ainda mais complexos desses dois Reinos superiores.
Enquanto as três ondas de vida mais evoluídas trabalham com a matéria química, a vida mineral, nesta impregnada, torna-se inerte ou, em certo sentido, morre. Mas, desde o momento em que a vida vegetal, a vida animal ou a vida humana abandona uma forma, então dizemos que está “morta” – a vida mineral inerente à matéria química mais uma vez se liberta para se autoafirmar e se manifestar como forças químicas, provocando então nas formas a decomposição e fazendo-as retornarem aos seus constituintes originais.
Alguns cientistas atribuem a faculdade de sensação aos minerais e aos tecidos “mortos” – tanto dos vegetais quanto dos animais. As observações da ciência estão corretas, mas é sério equívoco chamar-se de sensação ao que não é mais que mera resposta a impactos da vida mineral que anima a forma, quando esta não está sendo utilizada por uma Onda de Vida superior. A Onda de Vida mineral inerente aos tecidos submetidos a testes pelos cientistas permite registrar tão somente uma impressão, nunca uma verdadeira sensação como a de prazer ou de dor. Tais qualidades são anímicas e indicam uma consciência “interna” capaz de “dominar” as impressões que recebe. Isto se encontra ainda muito distante da vida mineral. Portanto, todas as formas – e apenas como formas – carecem de sensação tanto quanto os elementos químicos que as compõem. A ciência reconhece isto quando afirma que não há sensação alguma no dedo que se fere, mas – e incoerentemente – que a dor é sentida pelo cérebro. O cientista ocultista sustenta que todas as formas, inclusive cérebros, músculos ou ossos são igualmente desprovidos de sensação, já que este atributo é um processo de vida não inerente aos sólidos nem aos líquidos nem aos gases. Sustenta igualmente que tampouco a faculdade em questão é adquirida por estes enquanto estão sendo utilizados pelas ondas de vida em desenvolvimento, as quais apenas ocupam tais substâncias para poderem expressar-se no Mundo Físico visível e denso nas mais variadas formas.
Portanto, se o ser humano possuísse somente Corpo Denso, seria incapaz de manifestar vida, tanto quanto seriam as substâncias químicas que compõem aquele corpo. E, se existisse somente o Mundo Físico visível, jamais poderiam existir outras formas além dos cristais inertes. Então, os vegetais, os animais e o próprio ser humano teriam sido realizações impossíveis na Natureza.
A REGIÃO ETÉRICA DO MUNDO FÍSICO
Os Rosacruzes, em harmonia com outras escolas de ocultismo, dividem cada Mundo em sete “Regiões” ou estados de matéria. A parte visível do nosso Mundo já abrange três desses estados de matéria, a saber: a região dos sólidos, a região dos líquidos e a região dos gases. O invisível Éter ocupa as quatro regiões restantes, e é na investigação desse quádruplo Éter que as pesquisas da ciência oculta se iniciam.
Estes quatro estados do Éter constituem a Região Etérica. O Éter é o meio pelo qual a energia solar flui nos corpos densos do vegetal, do animal e do ser humano, constituindo-se assim numa base para a manifestação da vida e da vitalidade. Os nomes e funções específicas desses quatro Éteres são os seguintes, na ordem decrescente:
• Éter Químico – É o meio de manifestação das forças químicas que formam os cristais, manifestando-se quais amores e ódios dos átomos a “afinidade facultativa” referida por Goethe – pelo que se pode observar que álcool e água prontamente se misturam, enquanto óleo e água recusam-se a fazê-lo. Outras forças expressam-se neste Éter para promover a assimilação, o crescimento e a excreção que vemos nos Reinos vegetal, animal e humano. O Éter Químico é o único ativo nos elementos químico-minerais em estado primitivo.
• Éter de Vida – O peixe pode viver e mover-se na água, mas o animal e o ser humano não o conseguem. Estes vivem pela respiração do ar que asfixia o peixe. Assim, cada reino da Natureza é um meio de manifestação de inteligências diferentemente constituídas e em diversos graus de desenvolvimento, também com diferentes missões na economia da Natureza. Enquanto as forças que atuam pelo Éter Químico dizem respeito somente à manutenção da forma separada, o Éter de Vida é a avenida da força propagadora cujo objetivo é a perpetuação das espécies ou raças, e agem, por conseguinte, nos vegetais, nos animais e no ser humano.
• Éter de Luz – É o meio de manifestação das forças que produzem o calor, o movimento e a circulação do sangue nos animais e no ser humano, e a circulação da seiva nas plantas. Através deste Éter, a verde clorofila é depositada sobre as folhas e, também, as cores sobre as flores, animais e ser humano. Ele é a avenida de ingresso para a força solar que constrói os olhos, assim como é também o veículo da visão. As forças deste Éter encontram-se apenas parcialmente ativas nos vegetais, mas plenamente atuantes nos animais e no ser humano.
• Éter Refletor – É a substância da mais elevada região do Mundo Físico, e onde podem ser encontradas as imagens ou memórias de tudo o que é ou foi, está ou esteve neste mesmo Mundo. Por isso, dizemos que este Éter contém a “Memória da Natureza”. Aqui, a ideia já citada da casa projetada pelo arquiteto pode ser recobrada a qualquer tempo, esteja ele morto ou vivendo ainda. Mas o Éter Refletor tem este nome por mais de um motivo: as imagens que ali se encontram, ainda que reproduzam as coisas do Mundo Físico, não são mais que reflexos das imagens que se acham em um Mundo muito mais elevado, onde as memórias são permanentes, muito mais claras e definidas. Só os Clarividentes involuntários e os psicômetras leem os registros de tal Éter, já que não têm outra escolha, mesmo que tenham ouvido falar da existência de registros superiores. Por vezes, o incipiente discípulo de uma escola de mistérios também procura ler no Éter Refletor, mas é advertido quanto ao seu alcance a fim de que não pense ser ele o máximo em fidelidade, e aprenda no devido tempo a utilizar os registros mais elevados. Este Éter é um dos mais importantes domínios da Natureza. É a vida de ingresso do Ego para manipulação de seu cérebro e sistema nervoso e controle do seu Corpo Denso. Ainda no Éter Refletor, o Ego humano grava as suas experiências, gravação essa que chamamos memória.
A ciência ensina que, tanto no sólido mais denso, quanto no gás mais rarefeito, nem dois átomos se tocam, mas que todos flutuam, por assim dizer, num mar de Éter. Isto é uma verdade, embora parcial. Mas, se essa verdade fosse tudo, impossível seria explicar-se logicamente as diferenças entre os quatro Reinos.
Sabemos que para funcionar no Mundo visível, é necessário ter-se um Corpo Denso. Sem tal corpo, seríamos como “fantasmas”, invisíveis aos demais seres físicos.
A mesma coisa é verdade para os outros Mundos. Para que possamos funcionar neles ou expressar suas qualidades peculiares, devemos antes de tudo possuir um veículo feito de seus materiais. Por conseguinte, assim como necessitamos de um Corpo Denso para atuar no Mundo Físico, do mesmo modo precisamos de um Corpo Vital para podermos expressar vida, assimilar, crescer e propagar a espécie. A Onda de Vida mineral, presentemente imersa na matéria da Região Química, não tem Corpo Vital separado. Mas a planta, o animal e o ser humano possuem esse corpo, embora diferentemente formados como seus respectivos corpos densos, variando os mesmos em qualidade, quantidade e organização da matéria etérea que os constitui.
Todavia, apenas a posse de um Corpo Denso e de um Corpo Vital não é suficiente para explicar todos os fatos da vida. Se na Natureza não houvesse outros Reinos, corpos animais e humanos com mobilidade seriam impossíveis. E mesmo que tais corpos tivessem sido criados com a capacidade de mover-se e agir, mesmo assim seriam carentes do necessário incentivo para tal. Portanto, o ocultista científico afirma que a ação parte do Mundo do Desejo.
O MUNDO DO DESEJO
Como o Mundo Físico, este reino da Natureza também se compõe de sete regiões que dividem a matéria, consoante sua relativa densidade e outras qualidades.
A matéria a que nos referimos aqui é algo muito diferente daquela existente no Mundo Físico. E a diferença é muito difícil de descrever por que toda a nossa linguagem foi estruturada com referência ao Mundo dos sentidos. Deste modo, o melhor a fazer é dar uma ideia aproximada por comparação de semelhança.
Em primeiro lugar, ainda que a matéria de desejos seja um grau menos densa do que a matéria física, não é de modo nenhum matéria física “mais sutil”. É verdade que o átomo último de todas as formas físicas é o mesmo: que a montanha e a flor de maio, o rato e o ser humano, todos são formados pela mesma categoria de átomos. Mas, apesar disso, nunca se diz que o rato é um grau “mais sutil” que a montanha. Idêntica diferença encerra o enunciado da densidade relativa das duas classes de matéria, a qual sujeita uma a leis inoperantes na outra.
A matéria de desejos é particularmente caracterizada pela facilidade com que pode ser modelada nas mais diferentes formas, e pela capacidade de mudar de uma forma a outra. Plasticidade está muito longe de ser um termo adequado para esta qualidade. Além disso, a matéria de desejos é também um manancial de luz e cores cintilantes de tal brilho e fulgor que as nossas mais belas cores e os nossos mais gloriosos crepúsculos chegam, por comparação, a parecerem inexpressivos e sem vida. Foi essa deslumbrante luminosidade que levou os alquimistas medievais a chamarem-na de “astral” (relativo a astro, estrela), embora ela nada tenha a ver com as estrelas. Pode-se ter uma pálida ideia dessa iridescência tomando-se uma concha de nácar e observando-se a variedade de cores mutáveis que ela exibe quando exposta à luz do Sol e sob ligeiros movimentos.
Para que possamos entender razoavelmente o Mundo do Desejo, devemos compreender que ele é o Mundo do sentimento, dos desejos e das emoções. Assim como os nossos ossos, sangue e carne são formados de matéria química, igualmente nossos desejos e emoções são formados de matéria do Mundo do Desejo. E, do mesmo modo que nossos corpos densos estão sujeitos à gravidade e a outras leis físicas, assim também nossos desejos, etc., estão sujeitos a duas grandes forças do Mundo do Desejo: Atração e Repulsão.
A Força de Repulsão predomina nas três regiões inferiores ou mais densas. A força de Atração predomina exclusiva nas três regiões superiores em que a matéria é mais sutil, mas também se acha presente em certo grau nas três regiões inferiores, onde se opõe à força de Repulsão.
A Região central é a Região do “Sentimento”. Aqui, o Interesse ou a Indiferença por algum objeto ou ideia rompe o equilíbrio em favor de uma das forças – Atração ou Repulsão – que impelem o objeto ou ideia geratriz do sentimento às três regiões superiores ou às três inferiores, ou ainda, conforme o caso, expulsam-nos de nossas vidas. Uma ilustração demonstrará esse princípio e, também, como esses “sentimentos gêmeos” são molas-mestras que acionam o Mundo mediante as “forças gêmeas”.
O animal e o ser humano têm ambos um Corpo de Desejos, achando-se, portanto, sob o domínio desses dois sentimentos e dessas duas forças. Uma tigresa na selva olhará, de passagem, para um pedaço de pão com indiferença, mas sentir-se-á interessada pelo dono do pão. Seu interesse despertará a força de Atração e aí tentará matá-lo. Esse ato destrutivo, contudo, não seria um fim nem um objetivo, mas tão somente um passo necessário ao animal rumo à sua digestão. Se essa mesma fera, de tocaia, visse outra tentando atacar o animalzinho que ela já tem como sua presa, isso também despertaria nela o sentimento de interesse, mas, neste caso, o interesse despertaria a força de Repulsão e haveria uma luta. A destruição de seu adversário seria então um fim em si mesmo. No caso acima e naqueles em que os fatores são os desejos animais do ser humano, as forças gêmeas e os sentimentos gêmeos atuam analogamente. Porém, há uma diferença de composição entre o Corpo de Desejos do ser humano e o do animal.
O Corpo de Desejos de um animal é composto somente de matéria das quatro regiões inferiores do Mundo do Desejo. Daí, ele ser incapaz de outro sentimento além do desejo animal de alimento, abrigo, etc. Um santo sentiria o mais profundo remorso por lhe escapar uma palavra colérica. A tigresa conserva-se imperturbável ante o sentido de certo-ou-errado, ainda que mate todos os dias. A razão é que o Corpo de Desejos do ser humano é composto de matéria de todas as sete regiões do Mundo do Desejo, de modo que é capaz de ter sentimentos mais elevados que o animal. Outra ilustração esclarecerá este ponto.
Três homens vão andando por uma estrada. Avistam a certa altura um cão doente, coberto de feridas, sofrendo evidentemente intensas dores e fome.
Isso é bastante evidente para os três homens. É o testemunho dos seus sentidos. Agora, vem o Sentimento. Um deles sente Indiferença para com o animal e segue em frente sem mais olhá-lo, abandonando o cão ao seu destino. A mesma coisa não se dá com os outros dois. Ambos se interessam e se detêm. Mas o Sentimento de Interesse se manifesta diferentemente em cada um.
O interesse em um deles é de simpatia, de ajuda, impelindo-o a cuidar do infeliz animal, a fazer algo para amenizar suas dores e lhe restaurar a saúde. Neste ser humano, o Sentimento de Interesse despertou a Força de Atração.
O interesse do outro ser humano é de natureza oposta. Este vê apenas um objeto repugnante que ofende o seu senso estético, e deseja então livrar-se a si e ao Mundo de tal pestilência o mais depressa possível. Entende que o animal deve ser morto e enterrado imediatamente. Nele, o Sentimento de Interesse despertou a destrutiva Força de Repulsão.
Vemos assim que toda ação ou refreamento desta (que é ação negativa) deve-se aos Sentimentos gêmeos: Interesse, que põe em ação as Forças gêmeas de Atração e Repulsão, e Indiferença, que simplesmente corta nossa relação com o objeto ou ideia aos quais se dirige. Se nosso interesse por um objeto ou ideia desperta a Repulsão, naturalmente isso nos leva a algum esforço para expulsá-lo de nossas vidas, mas, conforme já exemplificado, há uma grande diferença entre a ação da força de Repulsão e o sentimento de Indiferença.
Vemos, pois, que um Corpo Denso constituído de substância inerte da Região Química, animado e vitalizado por um Corpo Vital composto de Éteres da Região Etérea, recebe do Corpo de Desejos o incentivo para a ação, incentivo esse que os animais obedecem irrestritamente, mas que o ser humano pode reprimir em decorrência de outro fator: a Razão, que muitas vezes o leva a agir contrariamente ao desejo. Se não houvesse outros Mundos além do Mundo Físico e do Mundo do Desejo, esse fator não existiria. Poderiam existir os minerais, os vegetais e os animais, mas o ser humano – um ser racional e pensante – seria uma impossibilidade na Natureza.
O MUNDO DO PENSAMENTO
Para que se possa explicar o ser humano, o Mundo do Pensamento deve ser levado em consideração. De sua substância é que se forma a Mente para agir como um freio sobre os impulsos do Corpo de Desejos, ditando ações contrárias aos apelos dos sentimentos gêmeos, dado o maior descortino alcançado pela razão.
O Mundo do Pensamento também compreende sete regiões em que a matéria é classificada de acordo com a sua densidade e qualidade. Além disso, divide-se em duas grandes partes: Região do “Pensamento Concreto” e Região do “Pensamento Abstrato”.
Nas três regiões inferiores da Região do Pensamento Concreto encontram-se os arquétipos de tudo o que vemos no Mundo Físico: minerais, vegetais, animais e o ser humano; arquétipos dos continentes, rios e oceanos. Aqui, o Clarividente exercitado, cuja faculdade capacita-o a alcançar estes planos mais elevados, pode ver também o oceano universal de vida fluente no qual todas as formas estão imersas. E pode ver o mesmo impulso vital movendo-se de forma em forma, em ciclos rítmicos, mantendo a forma especializada pelo Ego humano ou pelo Espírito-Grupo do animal ou da planta.
Tais arquétipos não são meramente modelos no sentido geral do termo, algo assim como uma coisa em miniatura ou de material mais refinado. São, isto sim, arquétipos criadores que modelam todas as Formas visíveis tais como as vemos no Mundo, à sua própria imagem e semelhança. Ou melhor, às suas próprias semelhanças, pois, frequentemente, muitos arquétipos trabalham juntos para formarem certas espécies, dando cada um parte de si mesmo a fim de construírem determinada forma. São dominados e dirigidos pelas “Forças Arquetípicas” situadas na quarta divisão. Nossa Mente é formada da substância das quatro divisões inferiores, capacitando também o ser humano a gerar pensamentos e criar imagens que depois pode reproduzir no ferro, na pedra ou na madeira. Assim, por meio da Mente obtida desse Mundo, o ser humano torna-se um criador no Mundo Físico, de modo análogo às forças arquetípicas.
Mas, o que dirige a Mente, assim como as forças arquetípicas dirigem os arquétipos? É o Ego, o qual obtém suas vestimentas das três regiões superiores que formam a chamada Região do Pensamento Abstrato. Ou Região da Ideia.
Vemos, portanto, que o ser humano é um ser muito complexo e um cidadão de três Mundos, aos quais ele se correlaciona por uma cadeia ininterrupta de quatro veículos, o que lhe proporciona uma total consciência de vigília. Esta condição capacita-o a ver os objetos no espaço, de fora de si, em claros e nítidos contornos.
O animal ainda não tem Espírito “Individual”, mas tem o chamado Espírito-Grupo que guia todos os membros de uma espécie. Os animais têm três corpos – um denso, um vital e um de desejos – mas falta-lhes um elo da cadeia: a Mente. Daí que os animais ordinariamente não pensem. Contudo, do mesmo modo que se “induz” eletricidade em um fio somente por aproximá-lo de outro que esteja carregado, assim também algo muito semelhante a pensamento é “induzido”, pelo contato com o ser humano, em certos animais domésticos superiores como o cão, o cavalo e o elefante. Os outros animais obedecem ao impulso (que nós chamamos de instinto) do Espírito-Grupo animal. Não veem os objetos tão distintamente quanto o ser humano. Nas espécies inferiores, a consciência animal se traduz mais e mais como “consciência pictórica”, semelhante ao estado de sonho no ser humano, exceto em que, para o animal, os quadros não são confusos, mas transmitem-lhe os impulsos do Espírito-Grupo.
As plantas só têm Corpo Denso e Corpo Vital. Daí, que não possam sentir nem pensar: falta-lhes Corpo de Desejos e Mente. Há, por conseguinte, uma ligação menos estreita entre o vegetal e seu Espírito-Grupo do que entre o animal e seu Espírito-Grupo. A consciência do vegetal é consequentemente mais vaga ou obscura, assemelhando-se ao estado de sono sem sonhos.
O mineral tem apenas Corpo Denso. Carece de três elos da cadeia que o ligaria ao seu Espírito-Grupo. É inerte, portanto, e sua inconsciência assemelha-se ao corpo humano nas condições de “transe”, quando o Espírito Humano – o Ego – encontra-se totalmente fora de seus veículos.
Concluindo, notemos que os três Mundos em que vivemos não estão separados pelo espaço. Estão perto de nós, envolvendo-nos como a luz e a cor, imersos ou compenetrados na matéria física como as linhas de força nos minerais. Se congelarmos a água contida num prato e então a examinarmos com um microscópio, veremos pequeninos cristais de gelo separados uns dos outros por várias linhas. Estas linhas encontravam-se presentes como linhas de força, mas invisíveis, até que as condições apropriadas as revelassem. Do mesmo modo, cada Mundo acha-se compenetrado pelo imediatamente superior e invisível para nós até que criemos as condições apropriadas para revelá-los. E, quando nos tenhamos preparado para isso, a Natureza – sempre pronta a desvendar-nos suas maravilhas – expressará sua calorosa alegria sobre cada um que, como auxiliar da evolução, alcance a cidadania nos Reinos invisíveis.
[4] N.T.: CONFERÊNCIA Nº 11 – VISÃO E PERCEPÇÃO ESPIRITUAL
Quando nós falamos de visão espiritual, não estamos falando simbolicamente, ou de uma maneira vaga, como um sentimento de êxtase ou algo semelhante, mas de uma faculdade definida tão real como a visão física, e tão necessária à percepção dos mundos espirituais e à verdadeira habilidade para compreender as qualidades internas das condições suprafísicas, como a visão física é indispensável para uma ampla cobertura de todos os pontos importantes das coisas materiais.
A visão espiritual de que falamos não é para ser confundida com a Clarividência desenvolvida em alguns nos meios espiritualistas. Essa última depende de um estado negativo da Mente onde os Mundos internos são refletidos na consciência do receptor, da mesma forma que uma paisagem é refletida em um espelho. Tal método produz uma visão, mas não há a ampla cobertura indispensável e necessária de todos os pontos importantes do que está sendo visto no Clarividente involuntário, do mesmo modo que não há no espelho. Ele está em uma posição similar àquela de um homem preso a um cavalo sem rédeas nem freios, podendo assim ser levado de um lado para outro, dependendo da vontade do cavalo. Tal faculdade é uma maldição. O clarividente devidamente desenvolvido não está preso: pode ver ou deixar de ver à vontade; maneja as rédeas do seu cavalo; é dono de sua faculdade, enquanto o outro é tão somente escravo dela.
Certas fases negativas de Clarividência são também desenvolvidas através de drogas, bola de cristal, etc. Em todos esses casos, a faculdade torna-se perigosa e prejudicial, uma vez que não se acha sob o controle do espírito. As drogas têm efeito terrivelmente destruidor sobre os diferentes veículos do ser humano. Porém, o mais perigoso de todos os métodos de desenvolvimento é a prática de exercícios respiratórios aplicada de modo indiscriminado. Muitos indivíduos acham-se hoje em manicômios ou até morreram tuberculosos por haverem praticado tais exercícios em aulas de desenvolvimento dirigidas por pessoas tão ignorantes quanto eles mesmos. Exercícios respiratórios, quando necessários, jamais devem ser feitos em conjunto, uma vez que cada discípulo tem constituição diferente dos demais. Assim, cada um requer exercícios individuais, particulares, bem como diferentes exercícios mentais para acompanhar aqueles.
Somente através de instruções individuais dadas por um instrutor competente, pode-se desenvolver com segurança a visão e a compreensão espirituais. Estas advertências referem-se exclusivamente aos exercícios respiratórios como método de desenvolvimento oculto, e nunca aos exercícios físicos que são excelentes quando praticados com moderação.
Surge daí a pergunta: Como achar um instrutor autêntico e como distingui-lo de um impostor? É uma pergunta muito importante, porque quando o aspirante encontra tal mestre, pode considerar-se em perfeita segurança e protegido contra a grande maioria dos perigos que cercam aqueles que, por ignorância ou egoísmo, traçam seus próprios rumos e buscam poderes espirituais, mas sem qualquer esforço para desenvolver fibra moral.
É uma verdade axiomática que os seres humanos são conhecidos “por seus frutos” e, como o mestre esotérico exige de seu pupilo desinteresse nas motivações, infere-se justamente que o instrutor deve possuir esse atributo em grau ainda maior. Portanto, se alguém se arvora em ser instrutor e oferece seus conhecimentos em troca de dinheiro, a tanto por aula, mostra assim que está abaixo do padrão que exige de seus discípulos. Alegar que precisa de dinheiro para viver, ou apresentar outros motivos semelhantes para cobrar pelo ensino, tudo não passa de sofismas. As leis cósmicas cuidam de todo aquele que trabalha com elas. Qualquer ensino oferecido em bases comerciais não é ensino superior, porque este jamais é vendido ou envolve considerações materiais, pois, em todos os casos, chega ao recebedor como um direito em função do mérito. Assim, mesmo que o verdadeiro instrutor tentasse negar o ensino a determinada pessoa que o merecesse, pela Lei de Consequência, seria um dia compelido a ministrar-lhe o mesmo.
No entanto, tal atitude seria inconcebível porque os Irmãos Maiores sentem uma grande e indizível alegria toda vez que alguém começa a palmilhar a senda da vida eterna. Por outro lado, embora ansiosos por tal, eles a ninguém podem revelar seus segredos antes que cada um tenha dado provas de sua constância e altruísmo, pois só assim poderá alguém ser um firme guardião dos imensos poderes resultantes, que tanto podem servir ao bem como podem ser usados para o mal. Se permitimos que nossas paixões se imponham descontroladamente, e se a avareza ou a vaidade são as molas de nossas ações, apenas sustamos o progresso de nosso semelhante ao invés de ajudá-lo. E, até que aprendamos a usar apropriadamente os poderes que possuímos, não estaremos em condições de realizar o trabalho ainda maior exigido daqueles que têm sido ajudados pelos Irmãos Maiores a desenvolverem sua visão espiritual latente, e a conseguirem compreensão espiritual, que é o que torna valiosa aquela faculdade como fator de evolução.
Portanto, a “Senda da Preparação” antecede o “Caminho da Iniciação”. A perseverança, a devoção, a observação e o discernimento são os meios de alcançá-lo, porque tais qualidades sensibilizam o Corpo Vital. Através da perseverança e da devoção, os Éteres Químico e de Vida capacitam-se a cuidar das funções vitais do Corpo Denso durante o sono. E uma separação entre estes dois Éteres e os dois superiores – Éter de Luz e Éter Refletor – acontece. Quando os dois últimos se espiritualizam suficientemente mediante a observação e o discernimento, uma simples fórmula dada pelo Irmão Maior capacita o Discípulo a separá-los e a levá-los consigo, à vontade, juntamente com seus veículos superiores. Deste modo, ele fica equipado com um veículo de percepção sensorial e memória. Qualquer conhecimento que possua no mundo material pode, então, ser utilizado nos Reinos espirituais, como também pode trazer ao cérebro físico recordações das experiências por que passou enquanto esteve fora de seu Corpo Denso. Isto nos é necessário para funcionarmos separados do Corpo Denso, plenamente conscientes tanto do Mundo Físico quanto do Mundo do Desejo, pois o Corpo de Desejos ainda não está organizado e, se o Corpo Vital não transferisse suas impressões no momento da morte, não poderíamos ter consciência no Mundo do Desejo durante a existência post-mortem.
Os exercícios respiratórios indiscriminados não produzem a divisão acima descrita, mas apenas tendem a separar o Corpo Vital do Corpo Denso. Por isso, as ligações entre os centros etéricos dos sentidos e as células cerebrais rompem-se ou deformam-se em certos casos, resultando ao final em vários tipos de insanidade mental, como a loucura. Em outros casos, o rompimento ocorre entre o Éter de Vida e o Éter Químico e, como o primeiro responde pela assimilação orgânica dos alimentos e é a avenida particular para a especialização da energia solar, essa ruptura resulta em tuberculose. Somente através de exercícios apropriados pode-se efetuar a separação correta. Quando a pureza de vida permite que a força sexual, que é criadora, gerada no Éter de Vida eleve-se até o coração, essa força encarrega-se de manter a quantidade de circulação necessária ao estado de sono. Deste modo, as funções físicas e o desenvolvimento espiritual correm paralelamente ao longo de linhas harmoniosas.
Temos, pois, aí a razão para o voto de celibato feito por aqueles que se dedicam inteiramente à vida superior. Não é necessário que o principiante se torne um asceta. A castidade absoluta por enquanto é só para poucos, especificamente, para aqueles que já alcançaram as Iniciações Maiores. Atualmente, o ato sexual é o método normal de procriação. Não existe outro meio de prover-se Corpos Denso aos Egos que precisam renascer – pois a fila é enorme! –, e é dever de todo aquele que é mental, moral e fisicamente sadio proporcionar veículo e ambiente apropriado a Espíritos, irmãos e irmãs, que desejam e precisam renascer aqui, isto de acordo com seus meios e oportunidades. Deveríamos encarar o ato da procriação como um Sacramento, não um ato para simples gratificação dos sentidos, mas para ser realizado com espírito de oração. A força sexual é exigida para geração apenas umas poucas vezes na vida de qualquer pessoa, de modo que o excedente pode ser legitimamente aproveitável ao autodesenvolvimento, já que ela é criadora.
Discernimento é a faculdade – e um importante Exercício Esotérico, como nos ensinado no livro Conceito Rosacruz do Cosmos – que nos permite distinguir aquilo que é essencial daquilo que não tem importância, separando a realidade da ilusão, e o que é duradouro daquilo que é efêmero. Na vida comum, acostumamo-nos a pensar que somos só corpo. O discernimento ensina-nos que somos Espíritos e que nossos corpos e veículos nada mais são que moradas provisórias, instrumentos para nosso uso. O carpinteiro usa martelo e serra que são importantes instrumentos. Contudo, nunca lhe ocorre que ele próprio seja essas ferramentas. Jamais devemos identificar-nos com o nosso Corpo Denso ou Corpo Vital ou ainda Corpo de Desejos, mas sim aprender, pelo discernimento, a considerá-lo um servidor, valioso tão somente enquanto obedeça a nossas ordens. Quando o considerarmos assim, descobriremos que somos capazes de fazer com facilidade muitas coisas que até então julgávamos impossível realizar. O discernimento gera a Alma Intelectual e imprime em nós o primeiro impulso em direção à vida superior.
A observação – além de ser mais um importante Exercício Esotérico, como nos ensinado no livro Conceito Rosacruz do Cosmos – é o uso dos sentidos como meio de obter-se informações a respeito dos fenômenos que ocorrem ao nosso redor. A observação e a ação geram a Alma Consciente. É de máxima importância para o nosso desenvolvimento que observemos minuciosamente tudo o que se passa em torno de nós; caso contrário, as imagens da nossa Memória Consciente deixam de coincidir com aquelas de nossa Memória Subconsciente ou automática. O ritmo e a harmonia do Corpo Denso são perturbados em proporção à superficialidade de nossa observação durante o dia. Nossas atividades durante o sono restauram parcialmente a harmonia, mas o entrechoque de vibrações dia após dia e ano após ano é uma das causas que, gradualmente, endurecem e destroem nosso organismo até torná-lo impróprio para o uso do Espírito que, então, precisa abandoná-lo e buscar nova oportunidade de desenvolvimento em um corpo novo e melhor. Na mesma proporção em que aprendemos a observar atentamente, ganharemos em saúde e longevidade e precisaremos de menos repouso e sono. Este último é um ponto muito importante, como veremos.
Devoção – além de ser mais um importante Exercício Esotérico, como nos ensinado no livro Conceito Rosacruz do Cosmos – aos elevados ideais restringe os instintos animais, gera e desenvolve a Alma Emocional. O cultivo, pois, dessa faculdade é essencial. Para algumas pessoas, essa é a linha de menor resistência; eis porque são aptos a se converterem em místicos sonhadores. As energias do Corpo de Desejos expressam-se então na forma de entusiasmo e êxtase religioso. Outros há que desenvolvem anormalmente a faculdade de discernimento que os leva ao longo das frias linhas intelectuais da especulação metafísica. Em ambos os casos há desequilíbrio e existe perigo. O sonhador místico pode tornar-se joguete de toda sorte de ilusões por estar dominado pela emoção. Ao intelectual ocultista isso nunca pode acontecer, mas pode terminar na magia negra se perseguir a senda do conhecimento só por desejo de conhecimento e não para poder servir. O único meio seguro é desenvolver simultaneamente a “Cabeça e o Coração”.
O Ocultista desenvolve-se ao longo de linhas intelectuais; procura a verdade pela observação e pelo discernimento, observa e raciocina sobre tudo o que vê. Assim, ele alcança o conhecimento, mas, como diz o apóstolo São Paulo: “O conhecimento ensoberbece, mas o amor edifica.”. Portanto, antes que seu conhecimento possa ser útil ao próprio desenvolvimento espiritual, precisará aprender a senti-lo, pois, de outro modo, não poderá vivê-lo. Quando tiver feito isto, será tanto Cristão Ocultista quanto Cristão Místico.
O Cristão Místico desenvolve especialmente a faculdade de devoção. Ele sente a verdade sem precisar raciocinar. Sabe, mas não tem meios para explicar a razão de sua fé, de modo ajudar os outros. Deve, pois, desenvolver o lado intelectual de sua natureza, a fim de ser o mais útil possível na elevação da humanidade. Assim, o intelecto pode agir como um freio sobre as emoções, e a devoção pode guiar o intelecto com segurança. Se seguirmos unicamente uma das linhas, teremos mais tarde que seguir a outra, caso queiramos ter um desenvolvimento completo e harmonioso. Por isso, é melhor tentar desenvolver agora a faculdade que nos falta, pois assim progrediremos mais rapidamente em direção à meta final e em perfeita segurança.
A clareza e a nitidez de uma fotografia dependem do modo do fotógrafo focalizar as lentes. Uma vez ajustada a objetiva, o foco se conserva. Todavia, se a máquina tivesse vida e vontade próprias, se pudesse modificar sua direção e focalização, as imagens captadas apareceriam sem nitidez. A Mente encontra-se em situação análoga: vagueia sem objetivo como se estivesse literalmente com “dança de São Vito” e resistindo tenazmente a qualquer restrição. Mas ela pode e deve ser subjugada, e a perseverança é o meio de conseguir. Na proporção em que a Mente é aquietada, o Espírito pode refletir-se no Tríplice Corpo, segundo o princípio de que os raios do Sol não se podem refletir num mar encapelado, mas somente em águas tranquilas.
O Corpo Vital é como um espelho, ou melhor, como uma película cinematográfica em movimento: filma o mundo mesmo que esteja em desacordo com a nossa faculdade e observação e com as ideias que brotam do Espírito interno, conforme a clareza e o treinamento mentais. A devoção e o discernimento, ou em outras palavras, a emoção e o intelecto, decidem nossa atitude face a essas imagens, e o equilíbrio entre as ações de ambos conduz a um desenvolvimento perfeito. Alcançado certo grau de aperfeiçoamento, elas realizam inevitavelmente o processo de purificação. O ser humano precisa compreender que, para alcançar a meta, deve pôr de lado tudo o que possa entravar a roda do progresso. O bom mecânico prefere sempre as melhores ferramentas e esmera-se em conservá-las perfeitas, porque sabe quão importantes são para realizar um bom trabalho. Nossos Corpos são as ferramentas de nós, o Espírito, de modo que, na medida em que elas se encontrem obstruídas, estorvam a nossa manifestação. O discernimento aponta-nos o que obstrui. A devoção à vida superior ajuda-nos a eliminar maus hábitos e traços de caráter indesejáveis, suplantando o simples desejo.
A carne animal (mamíferos, aves, peixes, anfíbios, répteis, frutos do mar e afins) obtida à custa da vida e sofrimento de outros seres e, que além de estar impregnada dos desejos e paixões do animal encontra-se já em estado de decomposição, não é um alimento puro. Nenhum sincero Aspirante à vida superior e aos poderes superiores deve escolher este tipo de alimento. Deve estudar, sim, para aprender como atender às necessidades do seu organismo com alimentos puros. Deve também se dar conta da importância de manter seu cérebro lúcido para que sua consciência possa abrir-se completamente à influência espiritual, concluindo-se daí que abandonará o uso do fumo (seja de qualquer espécie e das bebidas alcoólicas que estimulam e entorpecem o cérebro. Moderação é um termo impróprio com relação à bebida alcoólica. O uso do álcool, em qualquer escala, é desastroso ao desenvolvimento espiritual.
Perder a serenidade é prejudicial ao crescimento interno, além de dissipar, em grande escala, utilíssima energia que poderia ser utilizada beneficamente; a raiva envenena o organismo, inutiliza-o e retarda enormemente o progresso espiritual.
Da mesma forma, pensamentos de crítica nos prejudicam, por isso deve o Aspirante à vida superior evitá-los tanto quanto possível. O discernimento ensina-nos, de modo impessoal, o que é bom e o que é mau, mas não imprime em nós nenhum sentimento sobre isso, e isto é um ponto muito importante. O exame de um fato, de uma ideia ou objeto, seguido de uma decisão relativa ao seu valor, é necessário e não deve ser evitado. Porém, os pensamentos não caridosos devem ser evitados, uma vez que geram pensamentos em forma de flecha que, conforme se exteriorizam, atingem e bloqueiam o fluxo de bons pensamentos emanados constantemente dos Irmãos Maiores e atraídos por todos os seres humanos bons.
Dois exercícios específicos são dados ao Aspirante à vida superior que inicia a jornada preparatória. Ambos conduzem ao desenvolvimento da visão e da compreensão espirituais. Um eles levam ao caminho reto e apela mais para o Ocultista, que trabalha mais com o intelecto, mas é de grande valor para o Místico porque desenvolve nele a qualidade que mais lhe falta — a razão. Esse exercício é chamado de Exercício Esotérico matutino de Concentração e produz “poder mental”. O outro produz resultado semelhante de maneira indireta. Agrada mais ao Místico, mas é extremamente necessário ao intelectual Ocultista porque proporciona-lhe o senso da verdade, que está além da razão. Tal exercício é o Exercício Esotérico noturno de Retrospecção, que desenvolve o “poder da devoção”. Ambos são necessários para garantir um desenvolvimento completo e harmonioso.
A filosofia da conquista da visão e compreensão espirituais resume-se em obrigar o Corpo de Desejos a efetuar, dentro do Corpo Denso e em completo estado de vigília, — ou seja, positivo e consciente — o mesmo trabalho que realiza quando se encontra fora durante o sono, ou no estado post-mortem.
Existem certas correntes no Corpo de Desejos de todos. São fortes, bem definidas, e formam sete grandes vórtices nos clarividentes, mas são fracas, descontínuas e destituídas de vórtices no ser humano comum, naquele que não pode “ver”. O desenvolvimento dessas correntes e vórtices conduzem à visão espiritual. Durante o dia, enquanto somos absorvidos pelos nossos interesses materiais, essas correntes fluem muito vagarosamente. Mas, tão logo nos retiramos do Corpo Denso ao dormir, iniciamos o trabalho de restauração, conforme descrito na Conferência nº 4 do Livro Cristianismo Rosacruz, as correntes reativam-se e os vórtices também, fulgurando como se fossem incandescentes, porque então o Corpo de Desejos se encontra no seu elemento de origem, livre do peso embaraçante do Corpo Denso.
O tempo de que o Corpo de Desejos precisa para restaurar o ritmo do Corpo Vital e do Corpo Denso depende do modo que usamos esse último durante o dia. Se o extenuamos nesse período, as desarmonias criadas serão naturalmente maiores, e isso exigirá a maior parte da noite para o Corpo de Desejos poder restaurar a harmonia e o ritmo. Assim, vive o ser humano preso ao seu Corpo Denso, dia e noite. Mas quando ele aprende a controlar a ação, a controlar gastos de energia nas atividades diárias, cessando de malbaratá-las em palavras e atos vãos, quando começa a dominar seus impulsos e a impedir novas desarmonias resultantes de uma observação imperfeita, então o Corpo de Desejos não precisa trabalhar o período inteiro do sono noturno para restaurar o Corpo Denso. Uma parte da noite pode ser empregada para se trabalhar fora. Se os centros sensoriais do Corpo de Desejos estão suficientemente desenvolvidos — como regra geral estão na maioria dos indivíduos inteligentes — o ser humano pode então desatar o cabo e elevar-se ao Mundo do Desejo. Lá ele tem uma visão do que se passa nesse plano, embora geralmente não consiga recordar depois de nada do que viu, até que consiga efetuar a separação entre as partes superior e inferior do Corpo Vital, conforme já explicado.
Vemos, pois, a grande importância da observação correta, da devoção aos elevados ideais, da pureza de alimentação, etc., tudo isso tendendo a harmonizar as vibrações internas com as vibrações externas. Na mesma proporção em que progredimos nessa direção, o tempo empregado na restauração dos veículos é abreviado, sobrando-nos, portanto, uma margem para trabalharmos no Mundo do Desejo.
EXERCÍCIO NOTURNO
O Exercício Esotérico noturno de Retrospecção é o mais eficiente dos métodos existentes para fazer o Aspirante à vida superior avançar na senda da realização espiritual. Seu efeito tem tal alcance que permite ao indivíduo aprender agora não apenas as lições dessa vida, mas também lições que normalmente lhe estariam reservadas para existências futuras.
Após deitar-se à noite, o Aspirante à vida superior relaxa o Corpo Denso e começa a recordar os acontecimentos do dia na ordem inversa, partindo dos da noite, em seguida os da tarde, e depois os da manhã. Deve esforçar-se para “rever” cada cena com a máxima fidelidade e procurar reproduzir ante seus olhos mentais tudo o que aconteceu em cada uma delas, a fim de poder julgar seus atos e certificar-se de que suas palavras transmitiram o sentido desejado ou deram uma impressão falsa, como também se exagerou ou foi omisso ao relatar experiências a outrem. Deve examinar sua atitude moral relativa a cada cena. E quanto aos alimentos, verificar se “comeu para viver” ou “viveu para comer”, para gratificar o paladar. Durante todo o Exercício Esotérico noturno de Retrospecção, o Aspirante à vida superior vai julgando a si mesmo, censurando-se onde couber reprovação e elogiando-se onde couber o louvor.
Os Probacionistas acham, às vezes, difícil permanecer acordados até o fim do Exercício Esotérico noturno de Retrospecção. Em tais casos, é permitido que se sentem na cama, até que lhes seja possível seguir o método comum.
O valor do Exercício Esotérico noturno de Retrospecção é imenso. Vai muito além de nossa imaginação. Em primeiro lugar, realizamos o trabalho de restauração da harmonia conscientemente e em tempo muito mais curto do que o Corpo de Desejos pode fazê-lo durante o sono, sobrando assim uma maior porção da noite para trabalhos fora do corpo. Em segundo lugar, vivemos nosso Purgatório e Primeiro Céu cada noite, incorporando a nós, o Espírito, o senso de retidão como essência das experiências do dia. Escapamos, assim, do Purgatório depois da morte, economizando também o tempo que despenderíamos no Primeiro Céu.
Por último, e não menos importante, tendo dia após dia extraído a essência das experiências que produzem o crescimento anímico, e havendo incorporado essa essência em nós, o Espírito, passamos a vivenciar realmente uma nova atitude mental e a nos desenvolver por linhas que normalmente estariam reservadas a vidas futuras.
Executando fielmente esse Exercício Esotérico noturno de Retrospecção, dia após dia, apagamos de nossa Memória Subconsciente o registro de fatos desagradáveis e eliminamos os nossos pecados, nossas auras começam a reluzir com o ouro espiritual extraído das experiências diárias pela Retrospecção, e aí começamos a atrair a atenção do Irmão Maior.
“Os puros verão a Deus.”, disse Cristo, e o Irmão Maior abrirá nossos olhos quando estivermos prontos para entrar no “Templo do Saber” — o Mundo do Desejo — onde obtemos nossas primeiras experiências de vida consciente fora do Corpo Denso.
EXERCÍCIO MATUTINO
O Exercício Esotérico matutino de Concentração, o segundo exercício, é executado pela manhã, tão logo o Aspirante à vida superior desperta. Ele não precisa levantar-se para abrir as janelas ou fazer qualquer coisa desnecessária. Sentindo o Corpo Denso confortável, deve relaxar e começar imediatamente a se concentrar. Esse momento é muito importante porque nós, o Espírito, acabamos de regressar do Mundo do Desejo, podendo termos contato consciente com esse Mundo, bem mais facilmente do que em qualquer outra hora do dia.
Se o Corpo Denso está em desconforto, o Aspirante à vida superior deve se mexer com o objetivo de acomodá-lo melhor antes de iniciar a Concentração, mas muito da eficácia do exercício é perdida em razão de se iniciá-lo com atraso.
Vimos na Conferência nº 4 do Livro Cristianismo Rosacruz que, durante o sono, as correntes do Corpo de Desejos fluem e seus vórtices movem-se e giram com enorme rapidez. Porém, tão logo ele interpenetra o Corpo Denso, suas correntes e vórtices são quase paralisados pela matéria densa e pelas correntes nervosas do Corpo Vital que levam e trazem mensagens ao cérebro. A finalidade deste exercício é levar o Corpo Denso ao mesmo grau de inércia e insensibilidade do estado de sono, embora com o Espírito dentro dele e conservando-se totalmente acordado, alerta, consciente. Deste modo, cria-se uma condição em que os centros sensoriais do Corpo de Desejos podem começar a girar no interior do Corpo Denso.
Concentração é uma palavra enigmática para muitos, por isso tentaremos esclarecer seu significado. O dicionário dá-nos diversas definições, todas aplicáveis à nossa ideia. Uma é “convergir para um centro”, enquanto outra, uma definição química, é “reduzir à extrema pureza e potencialidade pela eliminação de constituintes inúteis”. Aplicada ao nosso problema, uma das definições faz-nos ver que, se convergimos nossos pensamentos para um centro, para um ponto, podemos aumentar sua força, segundo o princípio que estabelece que a força dos raios solares é multiplicada quando focalizada num ponto através de uma lente de aumento. Eliminando-se de nossa Mente todos os demais assuntos, todo o nosso poder mental pode ser completamente aproveitado na consecução de um objetivo ou solução do problema em que nos concentramos. Podemo-nos absorver em nosso assunto a tal ponto que, mesmo um canhão sendo disparado, não o ouviremos. Há pessoas que podem concentrar-se numa leitura de tal maneira que são capazes de esquecer tudo mais. O Aspirante à vida superior deve, igualmente, ser capaz de abstrair-se numa ideia, objeto de concentração, a ponto de fechar por completo sua consciência ao mundo dos sentidos e atentar exclusivamente para os Mundos espirituais.
Quando aprender a fazer isso, ele verá o lado espiritual de um objeto, ou ideia, iluminado por uma luz espiritual e, assim, ele alcançará o conhecimento da natureza interna de coisas nem sequer sonhadas pelo ser humano mundano.
Quando se chega a esse ponto de abstração, os centros sensoriais do Corpo de Desejos começam a girar lentamente no interior do Corpo Denso e a se acomodarem por si mesmos. Com o tempo, esses centros tornam-se cada vez mais definidos e passam gradativamente a exigir menos esforço para pô-los em movimento.
O tema da concentração pode ser um ideal elevado e sublime, mas preferivelmente que seja de uma natureza tal que consiga situar o Aspirante à vida superior acima do tempo e do espaço, afastando-o das sensações ordinárias do Mundo material. Para isto, não há melhor fórmula do que os cinco primeiros versículos do primeiro Capítulo do Evangelho Segundo São João. Tomando-os como base, sentença por sentença, manhã após manhã, com o tempo, o Aspirante à vida superior terá adquirido uma admirável compreensão do princípio do nosso universo e do método da criação — compreensão que está muito longe de ser alcançada em livros.
Depois de algum tempo, quando o Aspirante à vida superior já tenha aprendido a manter sem oscilações, ininterruptamente por uns cinco minutos, a ideia na qual venha se concentrando, pode, um dia, tentar lançar fora repentinamente essa ideia, deixando a Mente “em branco”. Em nada deve pensar então, mas simplesmente esperar que algo venha preencher aquele vazio mental. Com o tempo, as visões e cenas do Mundo do Desejo deverão ocupar essa lacuna. Após ter-se acostumado a essa prática, o Aspirante à vida superior pode desejar que algo se apresente ante seus olhos mentais. A coisa virá e então ele poderá investigá-la à vontade.
Mas o ponto principal é que, seguindo as instruções acima, o Aspirante à vida superior vai purificando a si mesmo. Sua aura começa a brilhar e isso atrairá infalivelmente a atenção do Irmão Maior, que designará alguém para ajudá-lo, quando necessário, a dar o passo seguinte.
Mesmo que passem meses ou anos sem resultados visíveis, estejamos certos de que não nos esforçamos em vão; os Irmãos Maiores veem e apreciam nossos esforços, e vivem eles tão ansiosos por nossa colaboração quanto nós por trabalhar. Os Irmãos Maiores podem ver razões que nos impeçam de empreender o trabalho pela humanidade no momento presente ou mesmo por toda esta vida. Mas, tão logo essas razões desapareçam, poderemos ser admitidos à luz, onde seremos capazes de ver por nós mesmos.
Uma antiga lenda diz que escavações em busca de tesouros devem ser feitas somente na calada da noite e no mais absoluto silêncio; falar uma só palavra antes de os descobrir fará com que desapareçam inevitavelmente. Trata-se de uma parábola mística relativa à busca da iluminação espiritual. Se tagarelarmos ou contarmos a outrem as experiências de nossos momentos de concentração, poderemos perdê-las. Antes de extrairmos delas, pela meditação, pleno conhecimento das leis cósmicas subjacentes, tais experiências podem reduzir-se a nada, uma vez que esta classe de experiências não pode suportar a transmissão oral. A experiência em si, portanto, não conta muito, pois, afinal, não é mais do que uma casca envolvendo e ocultando saboroso fruto. A lei tem valor universal, como vai ficar evidente, porque ela explica os fatos da vida, ensina-nos como tirar vantagem de certas condições e o modo de evitar outras. Em benefício da humanidade, ela pode ser livremente revelada, à vontade de seu descobridor. Então, a experiência que a revelou parecerá, em sua verdadeira luz, apenas uma coisa passageira que dispensa maiores considerações. Por conseguinte, tudo o que aconteça durante o Exercício Esotérico matutino de Concentração deve ser considerado sagrado e guardado no mais absoluto sigilo pelo aspirante.
Finalmente, evitemos considerar os Exercícios Esotéricos Rosacruzes como tarefas desagradáveis. Estimemo-los em seu verdadeiro valor, pois eles são nossos mais altos privilégios. Somente quando assim os considerarmos, poderemos fazer-lhes justiça e colher todo o benefício de sua prática.
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Na Fraternidade Rosacruz, os Irmãos Maiores distinguem três classes:
1) Estudantes Preliminares e, depois Estudantes Regulares, aqueles que simplesmente estudam a Filosofia. Pessoas das mais variadas denominações entram em instituições de ensino tais como as Universidades de Harvard ou Yale e ali estudam mitologia, psicologia e Religião comparada sem prejuízo de suas filiações religiosas. Nestas mesmas bases, os candidatos a estudos podem inscrever-se na Fraternidade Rosacruz. Qualquer um pode candidatar-se, se não for hipnotizador ou não esteja profissionalmente comprometido como médium (ou qualquer pessoa que se submete a ser controlado, parcial ou totalmente por outra entidade, humana ou elemental), quiromante ou astrólogo.
2) Probacionistas, que são Estudantes Rosacruzes que aspiram o conhecimento direto a fim de se capacitarem para o serviço. Ao fim de dois anos na condição de Estudante Regular Rosacruz, e caso tenha já se convencido da veracidade dos Ensinamentos Rosacruzes e esteja decidido a cortar toda ligação que eventualmente ainda tenha com qualquer outra entidade esotérica ou ordem religiosa — exceto as igrejas e irmandades Cristãs — o Aspirante à vida superior pode assumir o Compromisso que o fará ser admitido no grau de Probacionista. A estes, a Sede Mundial fornece um formulário mediante o qual o Aspirante à vida superior promete a si mesmo praticar fielmente os dois Exercícios Esotéricos Rosacruzes (noturno de Retrospecção e matutino de Concentração), e registrá-los todos os dias em outro formulário especial que deve ser devolvido mensalmente à Sede. As provas duram no mínimo cinco anos e seu propósito é testar a dedicação e a persistência do Aspirante à vida superior, dando-lhe a oportunidade de purificar-se a si próprio antes de passar aos métodos de treinamento mais diretos pertinentes ao Discipulado. Esse registro diário destina-se também a ajudar o Aspirante à vida superior a fazer os Exercícios Esotéricos Rosacruzes. É próprio da natureza humana tentar fazer o melhor sempre que tenha de mostrá-lo, portanto, sabendo-se observado, o Aspirante à vida superior procura esmerar-se nesses Exercícios Esotéricos Rosacruzes.
Longe estamos de insinuar que as demais escolas de ocultismo não devam ser consideradas. Muitos são os caminhos que levam a Roma, mas lá chegaremos com menos esforço se seguirmos por um só deles ao invés de ziguezaguear de um a outro.
Em primeiro lugar, nosso tempo e energia são limitados e são reduzidos ainda mais pelos deveres sociais e familiares, que não devem ser negligenciados em favor do autodesenvolvimento. Portanto, só com o propósito de economizarmos essa limitada energia — a qual podemos usar de modo mais legítimo — e evitar o desperdício do reduzido tempo à nossa disposição, é que os Irmãos Maiores insistem para renunciarmos a todas as outras ordens.
O mundo é um agregado de oportunidades, mas para aproveitá-las é necessário possuirmos eficiência em certa linha de esforços. O desenvolvimento dos poderes espirituais pode nos capacitar a ajudar ou prejudicar aos nossos irmãos mais fracos. E esses poderes só se justificam quando o objetivo é Servir à Humanidade.
O método de realização Rosacruz difere dos outros sistemas por um pormenor especial: procura desde o princípio emancipar o Discípulo de toda dependência dos outros, tornando-o autoconfiante no mais alto grau, de maneira a poder permanecer só em todas as circunstâncias e enfrentar todas as condições. Somente aquele que for tão bem equilibrado pode ajudar ao débil.
Quando certo número de pessoas se reúne em classe ou círculo objetivando o autodesenvolvimento, mas por meio de métodos negativos, geralmente os resultados são conseguidos em pouco tempo, seguindo o princípio de que é mais fácil deixar-se levar pela corrente, do que lutar contra ela. O médium (ou qualquer pessoa que se submete a ser controlado, parcial ou totalmente por outra entidade, humana ou elemental), contudo, não é senhor dos seus atos, mas escravo do espírito que o domina. Por isso tais reuniões devem ser evitadas pelos Probacionistas.
Mesmo as reuniões em que se mantenha uma atitude mental positiva não são aconselhadas pelos Irmãos Maiores, porque os poderes latentes de todos os membros são amalgamados. Então as visões dos Mundos internos obtidas por quaisquer deles apenas resultam parcialmente da influência das faculdades dos demais. O calor de um carvão no centro de uma fogueira fica aumentado pelo dos carvões que o rodeiam. O Clarividente originado num círculo, mesmo que esse seja positivo, é como uma planta na estufa – demasiado dependente para que se lhe possa confiar os cuidados dos demais.
Portanto, todo Probacionista da Fraternidade Rosacruz efetua seus exercícios sozinho, no isolamento do seu lar. Seguindo esse método, obtêm-se resultados mais lentamente. Porém, quando tais resultados aparecerem, manifestar-se-ão como poderes cultivados por ele mesmo, e poderão ser empregados independentemente dos demais. Além disso, os métodos Rosacruzes constroem o caráter, ao mesmo tempo em que desenvolvem as faculdades espirituais, resguardando assim o Discípulo da tentação de perverter seus poderes divinos em busca de prestígio mundano.
Do que foi dito acima, não se conclua que o candidato deva empregar todo o seu tempo em esforços espirituais. Se não podemos dispor de muito tempo, cinco minutos pela manhã e quinze minutos à noite é quanto basta. De fato, dedicar ao desenvolvimento de faculdades espirituais um tempo que precisaria ser legitimamente usado em responsabilidades materiais é decididamente um erro. Antes de nos entregarmos ao serviço nos mundos espirituais, precisamos cumprir todos os nossos deveres no mundo material. Não se pode esperar fidelidade no trabalho espiritual de quem é infiel aos seus deveres terrenos.
Após a remessa de sessenta relatórios consecutivos, o candidato pode solicitar instruções individuais, as quais, se possível, lhes serão dadas.
3) Discípulos, composta de pessoas que, havendo completado a fase de Probacionista, são consideradas aptas para receberem instruções individuais dos Irmãos Maiores. O ensino é gratuito.
A Filosofia Rosacruz tem conquistado adeptos por toda parte, os quais se mantêm em estreito contato com o movimento e que trabalham para difundir as profundas verdades concernentes à Vida e ao Ser que os estão ajudando.
[5] N.T.: CONFERÊNCIA IV – SONO, SONHOS, TRANSE, HIPNOTISMO, MEDIUNIDADE E INSANIDADE
Vimos que o ser humano é um organismo muito complexo, compondo-se de:
1) Corpo Denso, que é seu instrumento de ação;
2) Corpo Vital, o veículo da “vitalidade” que torna possível a ação;
3) Corpo de Desejos, de onde parte o desejo que impele à ação;
4) Mente, um freio sobre os impulsos, que dá propósito à ação;
5) Ego, que atua colhendo experiências de seus atos.
O propósito da vida é transformar os poderes latentes do Ego em energia dinâmica para que possa controlar perfeitamente seus veículos e agir por sua vontade. Sabemos que, por enquanto, o Ego ainda não conseguiu esse domínio, caso contrário não haveria luta em nosso íntimo entre o Espírito e a carne, como se costuma dizer, uma luta que, na realidade, se trava entre o Espírito e o Corpo de Desejos. Esta “luta” é o que desenvolve o músculo espiritual, assim como a luta corporal desenvolve o músculo físico. É muito fácil mandar os outros fazerem isto ou aquilo, mas impor obediência a si próprio é a tarefa mais difícil do mundo. Na verdade, diz que “o ser humano que conquista a si mesmo é maior do que aquele que conquista uma cidade”. Goethe, o grande poeta Iniciado, nos dá a razão disto nestes versos:
De todo o poder que mantém o mundo agrilhoado
O ser humano se liberta quando o autocontrole houver conquistado.
Tal ser humano está acima de todas as leis, quer humanas quer divinas – não que ele as desobedeça, mas justamente o contrário, pois sua total obediência a elas torna-as todas supérfluas, do mesmo modo que a lei “não furtarás” é desnecessária a todo aquele que aprendeu a respeitar a propriedade alheia.
O pecado ou a atitude contrária à vontade de Deus ou às Leis da Natureza existia antes de toda Lei, e São Paulo aprecia muito bem sua benéfica ação quando diz que “a lei é o feitor que nos conduz a Cristo, porque sem a `Lei´ não conheceríamos o pecado”.
Todas as vezes que violamos uma das Leis da Natureza, tal transgressão, como uma causa, traz-nos a correspondente retribuição como efeito. Se comemos em demasia ou indevidamente, o resultado pode ser uma indigestão. Se o distúrbio for mais sério, talvez seja necessário a Natureza queimá-lo por meio de uma febre. Se pecamos contra as leis da moralidade, podemos esperar o ostracismo social como correspondente retribuição ao erro nos planos morais. Mas o ser humano que usa levianamente seus poderes mentais é o pior e o mais perigoso, porque glutão pode ser, sob outros aspectos, uma pessoa admirável e digna de todo respeito, que praticamente não prejudica ninguém, a não ser a si mesmo. A pessoa imoral, os desordeiros e bisbilhoteiros vulgares são cancros sociais, perigosos para todos. Mas podem ser isolados e evitados, minimizando-se assim os perigos de seu contato. Podem também se arrepender e até regenerar-se. Porém, o mais insidioso de todos os males é aquele que se refere ao plano mental de ação em que o ser humano, sob a máscara da perfeita respeitabilidade e muitas vezes sob o disfarce da benevolência, pode dominar a vida do semelhante, dirigir-lhe a vontade e ainda assim continuar parecendo impecável, não raro sendo até considerado por suas vítimas um amigo e benfeitor.
Deste modo, sem nenhum risco de prisão, ele alcança o seu objetivo, seja este dinheiro ou engrandecimento pessoal.
Sua transgressão é raramente castigada na mesma vida em que a cometeu, mas, nas vidas posteriores, ele encontra uma expiação na forma de idiotice congênita, portanto sem oportunidade para arrepender-se e ser perdoado como acontece quando o arrependimento é acompanhado de regeneração. O crime do hipnotizador é de fato um aspecto daquilo que a Bíblia chama de “pecado contra o Espírito Santo” – a maldade espiritual mais perigosa à sociedade.
O Espírito Santo é o princípio criador da Natureza, e a força criadora no ser humano é a sua expressão direta. A mesma força expressa-se através dos órgãos geradores para gerar um novo corpo e através do cérebro para gerar novos pensamentos que depois se cristalizam em “coisas”.
Quando alguém se torna vítima de um hipnotizador, deixa de ser senhor de si próprio e perde a faculdade de pensar por si mesmo, subjugado que fica pelas sugestões do hipnotizador, que na realidade são ordens, já que a vítima não tem outra alternativa senão obedecer.
Por conseguinte, uma vez que o hipnotizador interfere na expressão da faculdade criadora de pensamentos de sua vítima, cuja finalidade é uma expressão direta do Espírito Santo, comete um pecado contra este.
Para esclarecer melhor e reforçar as descrições de condições anormais tais como existem no sonho, transe, hipnotismo, mediunidade, obsessão e insanidade, começaremos com uma explanação das condições do ser humano nos estados normais de vigília e sono, sob o ponto de vista oculto.
O ESTADO DE VIGÍLIA
Neste estado, todos os veículos do ser humano acham-se confinados dentro do mesmo espaço. Assim como os ossos, a carne e os vários líquidos do organismo estão confinados dentro da pele, também todos os corpos do ser humano mantêm-se juntos dentro de uma espécie de nuvem ovalada, que envolve totalmente o corpo visível desde acima da cabeça até abaixo dos pés. Não importa a posição que assuma, o Corpo Denso sempre permanece no centro dessa aura, do mesmo modo que a gema está sempre no centro do ovo. A aura envolve o Corpo Denso humano como a clara envolve a gema do ovo. Mas isso não é tudo, porque essa aura, composta dos veículos sutis do ser humano, não somente envolve o Corpo Denso como compenetra cada partícula deste, de maneira um tanto semelhante ao sangue permeando todo o Corpo Denso.
Vemos assim que tais corpos estão mais perto de nós do que nossas mãos e pés, e ainda que tão invisíveis quanto nossa respiração, nem por isso são menos reais ou menos necessários. Durante a vida, o ser humano normalmente não pode separar-se deles e, a não ser que estejam todos juntos, ele não pode se mover nem agir conforme faz na vida diária.
Durante o estado de vigília, há uma constante guerra entre o Corpo Vital e o Corpo de Desejos. Os apelos e impulsos do segundo instigam constantemente o Corpo Denso, impelindo-o à ação para gratificar esses desejos apesar dos danos que podem resultar ao último. É o Corpo de Desejos que incita o bebedor a saturar seu organismo com bebidas alcoólicas, a fim de que a combustão química do espírito do álcool eleve as vibrações do Corpo Denso a tal ponto que este se torne dócil instrumento a qualquer impulso baixo, no que desperdiça grandes parcelas de suas reservas de energia.
O Corpo Vital, pelo contrário, não tem outro interesse senão o de preservar o veículo denso. Por meio do baço, ele especializa energia solar incolor que permeia o espaço e, mediante estranho processo químico, transforma-a em fluido vital de formosa cor rosa-pálido, espalhando-a a seguir por todo o sistema, em cada nervo e fibra do organismo. O Corpo Vital cuida sempre de economizar a energia que armazena no Corpo Denso. E trabalha constantemente na reconstrução dos tecidos danificados ou destruídos pelas poderosas investidas do dominador Corpo de Desejos.
O “fluido vital” tem função idêntica à da eletricidade num sistema telegráfico, pois mesmo que este sistema seja constituído de fios que ligam entre si diversas estações com telegrafistas operantes, seria, no entanto, totalmente ineficaz se não houvesse a corrente elétrica circulante que transportasse as mensagens. Assim também acontece com o Corpo Denso: só é útil quando o fluido vital lhe percorre os nervos. Quando isso cessa – no todo ou em parte – dizemos que o corpo está de certo modo imprestável. Notamos esse efeito, mas não vemos sua causa no mundo material.
Temos em nosso corpo dois sistemas nervosos: o voluntário e o involuntário. O primeiro é dirigido diretamente pelo Corpo de Desejos e comanda os movimentos do Corpo Denso; tende a obstruir e destruir e é refreado pela Mente apenas em parte. O sistema involuntário tem seu vantajoso e particular terreno no Corpo Vital e governa os órgãos digestivos e respiratórios que reconstroem e restauram o Corpo Denso.
Essa guerra entre o Corpo Vital e o Corpo de Desejos é o que produz a consciência no mundo físico. Mas, se a Mente não atuasse como um freio sobre o Corpo de Desejos, nossas horas de vigília seriam muito mais curtas, e bem mais curtas também nossas vidas, porque o Corpo Vital e sua benéfica atuação logo seriam vencidos pelo desenfreado Corpo de Desejos, como mostra a exaustão que se segue a uma explosão de ira. A ira é um estado em que o ser humano, “perdendo o controle”, permite ao Corpo de Desejos dominar livremente.
SONO E TRANSE NATURAIS
Apesar de todos os seus esforços, o Corpo Vital gradualmente vai perdendo terreno à medida que o dia passa. Os venenos resultantes dos tecidos destruídos acumulam-se e impedem o fluxo de fluido vital. Então, os movimentos tornam-se cada vez mais lentos e, em consequência, o corpo visível mostra sinais de exaustão. Por fim, o Corpo Vital entra, por assim dizer, em colapso; o fluido vital cessa de circular pelos nervos em quantidade suficiente para manter o equilíbrio do Corpo Denso. Aí, este se torna inconsciente e, portanto, impróprio ao uso do Espírito. Isto é o sono.
Muitos pensam que o sono é um estado passivo ou negativo. Nada mais incorreto. Se assim fosse, o corpo físico despertaria tão cansado quanto estava quando adormeceu. Ou melhor, nunca mais despertaria, pois foi sua incapacidade para receber fluido vital (por estar obstruído com toxinas deteriorantes) que o levaram a dormir. E se o único efeito desse estado fosse uma negativa cessação de desgaste de energia, as condições permaneceriam em status quo, e o corpo continuaria dormindo. Às vezes, acontecem casos que chegam a durar semanas e até meses. Aos que assim dormem, diz-se que estão em “transe”. Para que tal estado seja mantido por algum tempo sem que resulte em morte, o Corpo Vital não deve suspender inteiramente suas funções: precisa, até certo ponto, efetuar a digestão.
O que faz então do sono um estado restaurador? No próprio termo “restaurador” está implícita uma atividade. Se um prédio vai ser restaurado, é necessário que seus moradores o desocupem, cessando já aí o desgaste pelo uso. Mas não é o bastante. Os operários precisam reparar os danos consequentes do uso do edifício. Somente quando este trabalho tenha sido feito, estará a restauração completa e o prédio pronto para ser reocupado por seus moradores.
O mesmo ocorre com o templo do Ego – nosso Corpo Denso – quando fica exausto. Nessas ocasiões, é preciso que o Ego, a Mente e o Corpo de Desejos se retirem, deixando o Corpo Vital totalmente à vontade para que possa restaurar o tom do Corpo Denso. Assim, quando o Corpo Denso adormece, há uma separação. O Ego e a Mente, revestidos pelo Corpo de Desejos, retiram-se dos dois corpos que interpenetravam – o vital e o denso – permanecendo estes na cama enquanto os veículos superiores flutuam próximo e sobre o corpo adormecido.
Inicia-se aí o processo de restauração. Em qualquer combate no Mundo Físico, os ferimentos nunca acontecem só a uma das partes contendoras. O vencedor também sempre recebe algumas lesões. Quanto mais feroz a luta e quanto mais valentes os lutadores, mais ferimentos de ambos os lados. A mesma coisa se dá com os corpos vital e de desejos em seu combate: o Corpo de Desejos ganha todas as vezes, muito embora suas vitórias sejam sempre derrotas, já que ele é forçado a abandonar o campo de batalha e o prêmio, o Corpo Denso, nas mãos do vencido Corpo Vital, retirando-se a seguir para restaurar sua própria harmonia desfeita.
Quando se retira do corpo adormecido, o Corpo de Desejos penetra num oceano de força e harmonia chamado Mundo do Desejo. Ali, o Ego revive os acontecimentos do dia, mas na ordem inversa, isto é, dos efeitos para as causas, deslindando o emaranhado do dia e formando imagens verdadeiras que substituem as falsas impressões devido às limitações da vida no corpo físico. E, como as harmonias do Mundo do Desejo compenetram o Corpo de Desejos, e a Sabedoria e a Verdade substituem o erro, este recobra seu ritmo e tom. O tempo necessário para tal restauração varia, dependendo de quão ilusória, impulsiva e extenuante tenha sido a vida nesse dia.
Então, e só então, inicia-se o trabalho de restauração dos veículos deixados no leito. O Corpo de Desejos restaurado começa a reanimar o Corpo Vital, inundando-o de energia rítmica. Este, por seu turno, começa a trabalhar sobre o Corpo Denso, eliminando os produtos do desgaste, principalmente através do sistema nervoso simpático. Como resultado, o Corpo Denso fica restaurado e outra vez repleto de vida. É quando o Corpo de Desejos, a Mente e o Ego reentram nele pela manhã, fazendo-o despertar.
SONHOS
Acontece, porém, às vezes, que nos absorvemos e nos interessamos tanto pelos assuntos mundanos que, mesmo após o Corpo Vital ter entrado em colapso e tornado o Corpo Denso inconsciente, não podemos fazer nossa Mente deixá-lo para iniciar o trabalho de restauração. O Corpo de Desejos adere como se fosse sombria mortalha, é talvez retirado parcialmente pelo Ego e começa a ruminar os acontecimentos do dia naquela posição.
É evidente que tal condição é anormal. Primeiramente, porque a relação apropriada entre os diferentes veículos é rompida pelo colapso do Corpo Vital. Depois, porque a posição relativa dos veículos superiores se desconectou parcialmente os centros dos sentidos do último, e o resultado inevitável são aqueles sonhos confusos em que os sons e visões do Mundo do Desejo confundem-se com os acontecimentos da vida diária de modo mais absurdo e grotesco.
Às vezes, quando algum acontecimento do dia agitou sobremaneira o Corpo de Desejos, e este já se desligou dos veículos inferiores para se entregar à atividade restauradora, através da retrospecção, pode acontecer que um penoso incidente daquele dia surja, e o Corpo de Desejos veja a solução. Então, ele volta repentinamente ao Corpo Denso a fim de imprimir as ideias no cérebro, levando, portanto, o veículo denso a acordar bruscamente. Em raros casos, porém, ele é capaz de recordar a solução que parecia tão clara no Mundo do Desejo, e, ainda que consiga imprimi-la no cérebro, geralmente ela é esquecida ao amanhecer.
Sabendo disso, muitas pessoas, ao se recolherem, deixam papel, lápis e luz ao alcance da mão. E por tal precaução, são frequentemente recompensadas ao se encontrarem pela manhã com a solução de seus problemas sem nem mesmo precisarem rever seus escritos. É uma boa ideia a ser seguida.
Sob tais condições, em que a separação dos veículos não é completa, fica evidente que a perda de energia prossegue e que a restauração é impedida. O Corpo Denso revolve-se sobre o leito em casos extremos e, em consequência, levanta-se pela manhã com uma certa sensação de cansaço depois de um sono repleto de sonhos e pouco reparador devido à separação imperfeita dos veículos.
Mas nem todos os sonhos são confusos. Aqueles, por exemplo, que nos apontam soluções lógicas a certos problemas, ou aqueles premonitórios que nos advertem de um perigo iminente, muitas vezes nos possibilitam evitar ou prevenir um desastre. Tais sonhos ocorrem geralmente um pouco antes do despertar e, também, só quando tenha havido uma completa separação dos veículos, pois só nesta última condição é possível haver lógica no sonho, ou melhor, é possível ao Ego perceber no Mundo do Desejo o desastre iminente e transmiti-lo com clareza ao cérebro. Para que tais sonhos prossigam na noite seguinte, ajuda muito ir deitar-se com este último pensamento: “Quero saber isto e vou me recordar de tudo ao amanhecer”. Se for este o último pensamento antes de dormir, as respostas virão e serão lembradas ao despertar.
Ocupar o tempo citando exemplos para provar o valor dos sonhos seria desperdiçá-lo numa conferência. A imprensa diária frequentemente cita casos de escapadas providenciais atribuídas a avisos por sonhos. Os arquivos da Sociedade de Pesquisas Psíquicas podem fornecer abundantes evidências a quem queira sem maiores dificuldades.
HIPNOTISMO
É característica dos corpos invisíveis do ser humano só atuarem sob os ditames da Vontade. Cada impulso para agir que venha de dentro origina-se na vontade do próprio indivíduo, ao passo que o incentivo à ação proveniente de fontes externas, geralmente chamado de “circunstâncias”, origina-se na vontade alheia. A diferença entre o ser humano de forte caráter, seja bom ou mau, e o ser humano fraco reside no fato de que o primeiro é impelido por sua própria vontade, agindo por si mesmo, o que, a despeito das circunstâncias eventuais, capacita-o a dirigir sua vida conforme decida.
Por outro lado, o fraco, o carente de vontade, é apenas um desamparado joguete das circunstâncias, dominado pela vontade dos outros, um náufrago desgarrado no mar da vida.
Controlar outras pessoas pelo poder da vontade é um assalto mental, ato mais condenável até que um assalto físico. A essa agressão mental chamamos “hipnotismo”. Um ser humano robusto pode, com um tapinha amigável, induzir outro a satisfazê-lo, ou pode espancá-lo até torná-lo inconsciente. O vendedor hipnotizador também aplica a exata força para induzir o cliente a comprar algo que ele não quer ou não pode comprar, e ilude-se a si próprio denominando isso de negócio legal.
Por mais nociva e difundida que seja essa prática, seus efeitos posteriores, no entanto, nem se aproximam daqueles resultantes da prática de submeter-se “pacientes” ao sono hipnótico. A enormidade desse crime só é mais bem apreciada quando se podem ver os efeitos sobre os corpos invisíveis da vítima.
Nenhuma pessoa de forte vontade pode ser dominada por um hipnotizador a ponto de ser posta a dormir, e ninguém que mantenha uma atitude mental positiva pode ser subjugado. Daí que ele, de início, solicite à vítima confiante conservar-se perfeitamente negativa e desejosa de ser posta a dormir. Os passes do hipnotizador são então endereçados à cabeça, atingindo a cabeça do Corpo Vital e deslocando-a da física. A esta altura, a cabeça etérea “cai” como uma grossa dobra em volta do pescoço do paciente, semelhante a uma gola de um suéter.
Desta maneira, a ligação que existe entre o Ego e o Corpo Denso é cortada, como no sono, e os veículos superiores se retiram. Mas a condição agora é diferente daquela do estado de sono. A cabeça do Corpo Vital não se encontra no devido lugar envolvendo e compenetrando a cabeça física. Esta agora é compenetrada pelo éter do Corpo Vital do hipnotizador que, deste modo, consegue o domínio sobre a vítima.
Se conhecêssemos um meio de “interceptar a linha”, teríamos a chave da relação entre o hipnotizador e sua vítima, pelo menos até certo ponto. Se alguém dispõe de uma linha telefônica particular entre o próprio lar e seu escritório, e outro alguém faz uma ligação de escuta entre os dois pontos, poderá o segundo interceptar qualquer conversa, como poderá ainda fazer-se passar pelo negociante, emitindo ordens, etc. O hipnotizador faz algo assim. Intercepta a linha de comunicação entre o Ego e o corpo da sua vítima pela interposição de parte de si mesmo na linha. Assim, ele pode forçar o Ego a sair ao mundo invisível e obter tanto quanto possível qualquer informação que deseje ou pode obrigar aquele corpo a práticas fúteis ou até a atos criminosos.
Mas isso ainda não é o pior do hipnotismo. O mais grave perigo para a vítima reside neste fato: uma vez que parte do Corpo Vital do hipnotizador foi introduzida no dela, tal parte não pode ser expulsa dali completamente ao despertar. Sempre uma pequena parcela do Corpo Vital fica aderida ao corpo da vítima, formando um núcleo através do qual o hipnotizador nela pode ingressar mais vezes e submetê-la mais facilmente daí por diante. Em cada uma dessas ocasiões, esse núcleo sofre um acréscimo de tal modo que, pouco a pouco, a pobre vítima fica totalmente desamparada, sujeita à vontade do seu dominador, independentemente da distância, até que a morte de um dos dois rompa a ligação.
Esse remanescente do Corpo Vital do hipnotizador é também um repositório de ordens a serem executadas no futuro, e que implicam na realização de certos atos em determinado dia e hora. Quando chega esse tempo, o impulso é liberado à semelhança de um despertador. Então, a vítima deve executar a ordem, mesmo que seja um assassinato, sem saber sequer que está sendo influenciada por alguém. O hipnotismo é, portanto, o maior dos crimes sobre a Terra e o maior dos perigos para a sociedade.
Alega-se, às vezes, que o hipnotismo pode ser usado beneficamente para curar o alcoolismo e outros vícios, e isto, sob o ponto de vista material, é prontamente admitido e aceito. Mas, sob o prisma do conhecimento oculto, o argumento está longe de ser verdadeiro. Como todos os outros desejos, a ansiedade por bebidas alcoólicas reside no Corpo de Desejos, sendo dever do Ego dominá-la pela sua própria força de vontade. Eis porque ele se encontra nesta Escola da Experiência chamada vida. E ninguém pode processar esse crescimento moral em seu lugar, do mesmo modo que ninguém pode digerir o alimento que ele ingere. Não se pode burlar a Natureza. Cada um deve resolver seus próprios problemas, corrigir suas próprias falhas por sua própria vontade. Se um hipnotizador dominar o Corpo de Desejos de um bêbado, o Ego desse viciado terá de aprender sua lição numa próxima existência, caso morra antes do hipnotizador. Se, porém, este morrer primeiro, o viciado certamente voltará a beber, pois, em tais casos, a parte do Corpo Vital do hipnotizador que sustava aquele desejo inferior voltará à origem, anulando-se então a cura. Portanto, a única maneira de se dominar permanentemente um vício é pela aplicação da própria vontade.
Com a morte de um hipnotizador, todas as suas vítimas ficam livres e nenhuma outra sugestão posterior poderá influenciá-las.
MEDIUNIDADE OU QUALQUER PESSOA QUE SE SUBMETE A SER CONTROLADA, PARCIAL OU TOTALMENTE POR OUTRA ENTIDADE, HUMANA OU ELEMENTAL
Para que se compreenda a mediunidade, é necessário saber que na morte efetua-se a mesma separação de corpos como no sono, só que de modo permanente. Os chamados mortos possuem Ego, Mente e Corpo de Desejos, e muitas vezes permanecem conscientes do mundo que acabam de deixar ainda por algum tempo. Alguns se apegam à vida terrena e não podem ajustar suas Mentes ao aprendizado de novas lições. A esses chamamos “espíritos apegados à Terra”. Tais espíritos, impossibilitados de funcionar no mundo visível sem um corpo, aproveitam-se vantajosamente do fato de que nem todos os espíritos estão confinados com o mesmo rigor à prisão do Corpo Denso. Aqueles que se acham mais fortemente aderidos aos seus corpos são os materialistas. E aqueles cujos liames não os prendem tão fortemente são os “sensitivos”, capazes, até certo ponto, de responder às vibrações espirituais. As pessoas de caráter positivo, caso se desenvolvam, podem sensibilizar-se por sua própria vontade, tornando-se assim ocultistas exercitados. Os de vontade fraca só se podem desenvolver com a ajuda de outros e de maneira negativa. Estes são presas dos espíritos apegados à Terra, os quais, denominando-se a si mesmos “Guias espirituais”, desenvolvem suas vítimas como “médiuns de transe”, ou como “médiuns materializantes” se as conexões entre os corpos denso e vital das vítimas são fracos.
O controle desses espíritos apegados à Terra é, sob vários aspectos, idêntico ao dos hipnotizadores, salvo no fato de que os primeiros são invisíveis às suas vítimas e sobre estas exercem maior poder, já que são vistos como “seres superiores”, “anjos” sem maldade, que visam apenas proporcionar a felicidade e ministrar sabedoria de modo abnegado.
Na realidade, não existe nenhum poder transformador na morte. O pecador não se transforma em santo nem o ignorante se converte num Salomão por haver morrido. E é simplesmente chocante para o clarividente desenvolvido ver as imposições desses desclassificados espíritos sobre as suas ingênuas vítimas, tão inexperientes que não conseguem distinguir o verdadeiro caráter dos impostores, e vão aceitando suas duvidosas frases como sublime sabedoria. É verdade que, apesar de tudo, eles têm ocasionado algum bem provando a realidade da existência post-mortem, mas é certo também que têm prejudicado muito mais os médiuns.
O “modus operandi” do invisível controlador consiste simplesmente em expulsar os veículos superiores dos ditos inferiores do passivo médium (ou qualquer pessoa que se submete a ser controlado, parcial ou totalmente por outra entidade, humana ou elemental), tomar-lhe o lugar e assumir o controle. Quando o abandona, leva consigo uma parcela de seu Corpo Vital para usar posteriormente como uma chave ou alavanca.
Em alguns casos, não satisfeito em tomar emprestado um corpo, o espírito chega a roubar algum, mantendo seu dono fora dele permanentemente. Podemos ver o mesmo corpo, mas com uma alma que tem hábitos e gostos diferentes. Isto é conhecido como obsessão, que pode ser identificada pelo fato de a íris não reagir nem à luz nem à distância pelas suas contrações ou dilatações, porque o olho é a janela da alma e somente seu dono pode controlá-lo verdadeiramente. Em consequência, os olhos dos médiuns sob controle permanecem sempre fechados ou mostram um olhar vidrado.
Existem certos meios de se afastar um espírito obsessor, devolvendo-se o corpo ao seu dono, mas isto não pode ser revelado publicamente.
Vimos que, no estado de vigília, os corpos denso e vital estão envolvidos e interpenetrados por uma espécie de nuvem de forma ovalada, constituída pelo Corpo de Desejos e pela Mente. Estes veículos são todos concêntricos e formam os elos de uma cadeia. A interpolação de um com outro, de tal maneira que os centros sensoriais de um coincidam com os centros sensoriais do outro, é o capacita o Ego a dirigir seu complexo organismo e a realizar de modo ordenado os processos vitais que conhecemos como razão, linguagem e ação. Se há um desajuste em qualquer parte, o Ego ver-se-á tolhido correspondentemente em sua expressão. Esse equilíbrio perfeito é saúde; o oposto é doença.
A doença adquire muitas formas. Uma delas apresenta-se como insanidade mental que também se classifica em diferentes tipos. Onde a conexão entre os centros sensoriais do Corpo Denso e do Corpo Vital se dá obliquamente, quando, por vezes, a cabeça do Corpo Vital sobressai da cabeça densa ao invés de situar-se concentricamente a esta, fica o Corpo Vital desentrosado tanto dos veículos superiores quanto do Corpo Denso. Temos então o idiota dócil. Quando o Corpo denso e Corpo Vital acham-se entrosados, mas existe ruptura entre o Corpo Vital e Corpo de Desejos, as condições são semelhantes. Mas, quando o rompimento se dá entre o Corpo de Desejos e a Mente, temos o maníaco desvairado que é mais incontrolável que um animal selvagem, pois este ao menos é governável por seu Espírito-Grupo. Neste caso, todas as tendências animais são seguidas cegamente.
Quando a ruptura ocorre entre o Ego e a Mente, a última encarrega-se dos outros três veículos e aí temos a astúcia consumada que caracteriza certa classe de insanos. Os de tal categoria saberão ocultar muito bem seus maléficos propósitos e ludibriar a todos para poder vingar-se de uma ofensa apenas imaginária ou para realizar algum desejo inferior, até que a vítima caia em seu poder. Então, a natureza brutal do Corpo de Desejos entregar-se-á totalmente a alguma horrenda atrocidade ou poderá a Mente dominar o Corpo de Desejos e exercitar sua diabólica astúcia em lenta tortura, antes que o Corpo de Desejos se liberte, pondo fim aos sofrimentos da vítima, talvez de modo brutal, porém bem mais misericordioso que o prolongamento das torturas.
A lição que nos fica da matéria acima é que devemos sempre manter-nos senhores de nós mesmos e nunca, sob nenhum pretexto, permitirmos que qualquer agente externo nos hipnotize ou controle. O autodomínio é nossa meta e não o domínio sobre os outros.
[6] N.T.: CONFERÊNCIA V – MORTE – VIDA NO PURGATÓRIO
Entre todas as incertezas que caracterizam este mundo, uma coisa apenas é certa: a Morte. A qualquer momento, após uma vida mais curta ou mais longa, chega o fim desta fase material de nossa existência, que é um nascimento em um novo mundo, assim como o que ordinariamente denominamos “nascimento” não é mais que “um esquecimento do passado”, segundo os belos versos de Wordsworth:
Nosso nascimento não é mais que um sonho
e um esquecimento:
a alma que conosco se eleva, nossa Estrela da vida,
teve seu pôr-do-sol em qualquer outro lugar,
e tendo vindo de muito longe,
não está em completo esquecimento,
nem em total nudez parece estar.
Arrastando nuvens de glória,
de Deus viemos, que é nosso lar:
o céu está perto de nós em nossa infância!
Sombras da prisão vão-se fechar
sobre o Menino que vai crescendo.
Mas a luz emana e ele põe-se a contemplar,
e em sua alegria ele a está vendo.
O Jovem que vem de longe, do Oriente,
e que é ainda o sacerdote da natureza, deve prosseguir,
e pela esplêndida visão
protegido é, no seu seguir.
E ao longo do caminho, o Ser humano percebe o que esmaece,
e na luz de um dia comum se desvanece.
Nascimento e morte podem, portanto, ser considerados como transferência de atividades de um mundo a outro, e depende de nossa própria posição designar tal mudança como nascimento ou morte. Se um ser humano entra no mundo em que vivemos, dizemos que ele nasceu, mas, se ele deixa o nosso plano de existência para ingressar em outro, dizemos que ele morreu. Ao próprio indivíduo, contudo, a passagem de um mundo para outro é apenas algo como a mudança de uma cidade para outra. Ele vive imutável; somente mudam seu meio ambiente e suas condições.
A passagem de um mundo a outro dá-se com frequência de modo mais ou menos inconsciente – como um sono, no dizer de Wordsworth – e, por que motivo, nossa consciência pode fixar-se sobre o mundo que acabamos de deixar. Na infância, o céu está como um fato real perto de nós: após o nascimento, todas as crianças são clarividentes e assim permanecem por um maior ou menor período de tempo. Os que passam ao Além pela morte continuam vendo o mundo material por algum tempo. Se passamos para o Além em pleno vigor físico, com fortes laços de família e de amizades ou com outros interesses, o mundo denso continuará a atrair nossa atenção por um tempo muito maior do que se a morte tivesse ocorrido na “velhice consumada”, quando os laços terrenos já foram cortados antes da mudança a que chamamos morte. É o mesmo princípio que leva a semente a aderir à polpa de uma fruta verde, ao passo
E que é muito fácil separá-la da fruta madura. Por isso, é bem mais fácil morrer-se em idade avançada do que na juventude.
A inconsciência que geralmente acompanha o Espírito que chega na mudança chamada nascimento e, também, por ocasião da morte, é devida à incapacidade de ajustarmos de imediato nosso foco, analogamente à dificuldade que experimentamos ao saímos de um compartimento escuro para o ar livre, à luz do dia, ou vice-versa. Sob tais condições, algum tempo deve transcorrer antes que possamos distinguir os objetos à nossa volta. A mesma coisa se dá com o recém-nascido e com o recém-morto: ambos precisam reajustar seus pontos de vista às novas condições.
Chegado o momento que assinala o fim da vida no Mundo Físico, termina a utilidade do Corpo Denso. Então, o Ego dele se retira pela cabeça, levando consigo a Mente e o Corpo de Desejos conforme fazia todas as noites durante o sono. Como agora o Corpo Vital é inútil, também ele se retira. E o Cordão Prateado, que ligava os veículos superiores aos inferiores, rompe-se de uma vez para sempre.
Recordemos que o Corpo Vital é composto de Éter e interpenetra os corpos densos da planta, do animal e do ser humano durante a vida. O Éter é matéria física e, portanto, ponderável. A única razão pela qual os cientistas não podem pesá-lo deve-se ao fato de serem incapazes de isolá-lo em certa quantidade que possa ser posta numa balança. Mas, quando, pela morte, o Corpo Vital abandona o Corpo Denso, uma diminuição de peso é verificada em todos os casos, provando que algo ponderável – ainda que invisível – deixa o Corpo Denso nessas condições.
Em 1906, o Dr. McDougall, de Boston, pesou certo número de pessoas agonizantes, pondo-as com suas camas sobre balanças equilibradas com pesos. Observou-se, então, que o lado com os pesos baixava com rapidez surpreendente no instante em que os moribundos exalavam o último suspiro. Daí, espalhou-se a notícia de que haviam pesado a alma, façanha que jamais poder-se-á realizar porque a alma não está sujeita às leis do Mundo Físico. Mais tarde, o Professor Twining, de Los Angeles, supôs haver pesado a alma de um rato. Na realidade, o que esses cientistas pesaram foram corpos vitais abandonando, pela morte, os respectivos corpos densos.
Cabe aqui uma palavra com referência ao tratamento dado aos agonizantes, que, em muitos casos, sofrem indizíveis angústias em razão da equivocada solicitude dos amigos. Administrar estimulantes ao moribundo causa-lhe mais sofrimento do que qualquer outra coisa. Não é doloroso abandonar o Corpo Denso. Os estimulantes, contudo, forçam o Ego em retirada a voltar ao seu corpo com o efeito de uma catapulta, para experimentar novamente os sofrimentos dos quais estava quase livre. Almas que se foram frequentemente reclamam disto aos investigadores. Uma afirmou que jamais sofrera tanto em toda sua vida como quando tentaram lhe sustar a morte durante muitas horas. Quando se percebe que o fim é inevitável, o mais sensato é deixar que a Natureza siga o seu curso.
Outro pecado – maior ainda – contra o Espírito que se vai é dar expansão aos choros ou lamentações no aposento em que se encontra o morto ou mesmo nas imediações. Logo após libertar-se, o Ego empenha-se – desde algumas horas antes até dias depois – num assunto de suma importância. Muito do valor da vida recém terminada depende, pois, da atenção que a ela der o Espírito que está saindo do corpo. Se distraído pelos soluços e lamentações dos que o amam, grande perda poderá sofrer conforme veremos. Mas, se fortalecido pela oração e ajudado pelo silêncio, muito prejuízo futuro será evitado. Nunca podemos ajudar tanto a nosso irmão como quando ele passa através desse Getsêmani, e isso se constitui numa das maiores oportunidades para servi-lo e acumularmos para nós mesmos tesouros celestiais.
Tem-se estudado o fenômeno do nascimento e chegou-se a inventar uma Ciência do Nascimento. Tem-se formado obstetras e preparado parteiras com o fito de proporcionar o máximo conforto à mãe e à criança, mas é lamentável – muito lamentável mesmo – que ainda nos falte uma Ciência da Morte. Quando uma criança vem ao mundo, desdobramo-nos em esforços inteligentes, mas quando um velho amigo está para nos deixar, ficamos impotentes ao seu lado, ignorando como ajudá-lo. E, pior que tudo, tentando às vezes essa ajuda, mas sem conhecimento, lhe causamos ainda maior sofrimento.
A ciência física sabe que qualquer que seja a força que impulsiona o coração não vem de fora, mas sim de dentro dele. A ciência oculta vê uma câmara no ventrículo esquerdo, perto do ápice, onde um pequeno átomo nada num oceano do mais sutil dos Éteres. A força desse átomo, como a força de todos os demais é a vida não diferenciada de Deus. Sem essa força, a matéria não se converteria em cristais no reino mineral e os reinos vegetal, animal e humano seriam incapazes de formar seus corpos. Quanto mais fundo penetramos, tanto mais clara se faz para nós a verdade fundamental de que em Deus vivemos, nos movemos e temos o nosso ser.
Este átomo é chamado Átomo-Semente. A força que nele existe aciona o coração e mantém o organismo vivo. Todos os demais átomos do corpo devem vibrar harmoniosamente com aquele. As forças do átomo-semente subsistem imanentes em todos os corpos densos possuídos em cada Ego em particular, e sobre a sua superfície plástica estão gravadas todas as experiências porque passa o Ego em todas as vidas. Quando retornarmos a Deus, quando todos nos tenhamos tornado um com Ele mais uma vez, esses registros – que são gravações peculiares de Deus – subsistirão ainda, e assim nossa individualidade será mantida. Nossas experiências serão transmutadas em faculdades conforme veremos adiante. O mal é transmutado em bem e este nós retemos como força para um bem maior, mas o registro das experiências é de Deus, e está em Deus, no mais profundo sentido do termo.
O Cordão Prateado que liga os veículos superiores aos inferiores termina no átomo-semente no coração. Quando a vida material chega ao fim de modo natural, as forças no átomo-semente se libertam, retirando-se pelo nervo pneumogástrico e saindo pela parte posterior da cabeça, ao longo do Cordão Prateado, juntamente com os veículos superiores. Essa ruptura no coração é que marca a morte física, mas o Cordão Prateado não se rompe de imediato: em alguns casos, mantém a conexão por vários dias.
O Corpo Vital é o veículo da percepção sensorial e, como permanece ainda unido ao corpo das sensações, ligados ambos ao abandonado Corpo Denso pelo cordão etéreo, é evidente que, até o cordão partir-se, o Ego poderá experimentar, até certo ponto, as sensações resultantes de injúrias corporais. Assim, a extração do sangue, a injeção do fluido embalsamante, a autópsia e a cremação causam-lhe dores.
O autor sabe de um caso em que um cirurgião amputou, sob anestesia, três dedos de uma pessoa viva. A seguir, lançou os dedos decepados ao fogo. Imediatamente, a paciente pôs-se a gritar em desespero. A rápida desintegração dos dedos densos produzia igual e rápida desintegração dos dedos etéreos, os quais permaneciam ligados aos veículos superiores. De maneira idêntica, qualquer injúria ao Corpo Denso afeta ao Espírito desencarnado desde umas poucas horas até três dias e meio após a morte, quando toda a ligação é cortada e tem início a decomposição do corpo.
É preciso, pois, o máximo cuidado para não prejudicarmos o Espírito que se vai. Se as leis ou outras circunstâncias não permitem manter o cadáver tranquilamente por alguns dias no aposento onde se deu a morte, que ao menos permaneça enterrado durante aquele espaço de tempo, dando-lhe a seguir o tratamento que se queira. Serenidade e oração são benefícios inigualáveis nesses momentos. Se amamos sabiamente o Espírito que parte, podemos vir a ser credores de sua perene gratidão apenas pela observância do que acima ficou recomendado.
Vimos na Conferência III que o Corpo Vital é o repositório das memórias conscientes. Neste corpo, ficam gravados indelevelmente cada ato e experiência da vida passada, à semelhança do que acontece numa chapa fotográfica exposta. Quando o Ego se retira do Corpo Denso, a vida inteira – tal como foi registrada pela memória subconsciente – abre-se aos olhos da Mente. É a parcial retirada do Corpo Vital que leva alguém que se afoga a ver toda a sua vida passada, só que então apenas a vislumbra, como um relâmpago, e antes de perder a consciência por completo. Nesses casos, o Cordão Prateado permanece intacto, senão seria impossível a reanimação da pessoa.
No caso de um Espírito que atravessa o umbral da morte, o movimento é mais lento: o ser humano permanece como um espectador enquanto as imagens se sucedem umas após outras, mas na ordem inversa, isto é, da morte ao nascimento. Deste modo, ele contempla primeiro os acontecimentos imediatamente anteriores à morte; a seguir, os anos da maturidade; depois a juventude, a adolescência e a infância até o nascimento. Contudo, nesse momento, tais imagens não despertam no ser humano nenhum sentimento. O objetivo aí é simplesmente gravar o panorama no Corpo de Desejos, que é o acento do sentimento. Dessa impressão, o sentimento brotará quando o Ego entrar no Mundo do Desejo, mas devemos anotar aqui que a intensidade de sentimento despertado depende do espaço de tempo utilizado no processo da gravação e da atenção a ela prestada pelo ser humano. Se ele não foi perturbado por agitação e histeria durante algum tempo, uma impressão nítida e clara efetuar-se-á no Corpo de Desejos. Consequentemente, sentirá o mal praticado com muito mais intensidade no Purgatório, e fortalecerá muitíssimo mais suas boas qualidades no Céu.
E ainda que as experiências disso não se façam presentes na vida futura, os sentimentos, todavia, subsistirão como “a pequena voz silenciosa”. Quando o sentimento é fortemente gravado no Corpo de Desejos do Ego, essa voz sempre falará em termos precisos e claros. Impele o ser humano irresistivelmente, forçando-o a desistir daquilo que lhe causou sofrimento na vida anterior e compelindo-o a fazer aquilo que é bom. Portanto, o panorama se desenrola PARA TRÁS, a fim de que o Ego veja primeiramente os efeitos e depois as causas geradoras.
Quanto ao que determina a duração do panorama, recordemos que é o colapso do Corpo Vital que obriga os veículos superiores a se retirarem. Igualmente, após a morte, quando o Corpo Vital se paralisa, o Ego tem de retirar-se, encerrando-se aí o panorama. A duração deste depende, portanto, do tempo que a pessoa pode permanecer desperta. Algumas só conseguem por poucas horas, enquanto outras podem resistir acordada por vários dias, dependendo isso do vigor do Corpo Vital de cada um.
Quando o Ego abandona o Corpo Vital, este é atraído de volta ao Corpo Denso e fica flutuando sobre a sepultura, decompondo-se sincronicamente com este. Ao clarividente que passa por um cemitério e vê todos esses corpos vitais – cujo grau de decomposição indica o de putrefação do corpo sepultado – tal visão é de efeito nauseante. Se existissem mais clarividentes, mais cedo seria a cremação adotada, se não por razões sanitárias, ao menos como uma medida de proteção aos nossos sentimentos.
Quando o Ego se liberta do Corpo Vital, seu único laço com o Mundo Físico se desfaz. Então, ele penetra no Mundo do Desejo. O ovoide Corpo de Desejos muda agora sua forma e assume a do Corpo Denso descartado. Existe, contudo, uma peculiar combinação na matéria de que ele é formado, a qual tem grande significação com respeito ao tipo de vida que aquele que partiu terá ali.
O Corpo de Desejos do ser humano é composto de matéria de todas as sete regiões do Mundo do Desejo, assim como o Corpo Denso é constituído de sólidos, líquidos e gases deste Mundo Físico. Mas a quantidade de matéria de cada região que entra na formação do Corpo de Desejos depende da natureza dos desejos que o ser humano acalentou. Desejos grosseiros são formados da mais grosseira matéria de desejos, que pertence à região mais inferior do Mundo do Desejo. Se um ser humano cultiva tais desejos, está construindo para si próprio um Corpo de Desejos grosseiro, no qual predominará a matéria das regiões inferiores. Mas, se ele persistentemente repele de si esses desejos inferiores, cedendo apenas aos puros e bons, seu Corpo de Desejos passará a incorporar em si matéria das regiões superiores.
Presentemente, nenhum ser humano é totalmente mau, e nenhum é totalmente bom. Somos todos uma mistura de ambas as qualidades, mas há uma diferença na composição de cada um, a saber: no corpo de desejo de uns predomina a matéria grosseira, no de outros predomina a matéria refinada. Isto é o que estabelece toda a diferença de ambiente e de condições entre os homens logo que entram no Mundo do Desejo após a morte, porque então a matéria do seu Corpo de Desejos, tomando a forma e semelhança do Corpo Denso abandonado, organiza-se de tal modo que a matéria mais sutil pertencente às regiões superiores do Mundo do Desejo forma o centro do veículo, enquanto a matéria das três regiões mais densas forma a periferia.
Quando a vida do Ego termina, ele emprega a força centrífuga para libertar-se de seus veículos. Segundo a mesma Lei pela qual um planeta lança de si ao espaço aquela parte que ficou mais densa e cristalizada, o Ego descarta primeiro o seu Corpo Denso. Quando ele entra no Mundo do Desejo, esta força centrífuga atua igualmente para lançar fora do Corpo de Desejos a matéria mais grosseira, e assim o ser humano vê-se forçado a permanecer nas regiões inferiores até que seja purgado dos baixos desejos que foram incorporados à matéria de desejos mais densa. A matéria mais grosseira, portanto, sempre fica na periferia de seu Corpo de Desejos enquanto atravessa o Purgatório, sendo gradualmente eliminada pela purificadora força centrífuga.
A Força de Repulsão, que erradica do ser humano o mal, permite-lhe ascender ao Primeiro Céu – parte superior do Mundo do Desejo – onde só a Força de Atração atua e, também, onde o poder anímico extraído do bem da vida passada é acrescentado ao Ego. A parte descartada do Corpo de Desejos é então abandonada como um “cascão” vazio.
Quando o Ego abandona seu Corpo Denso, este morre rapidamente. A matéria física torna-se inerte a partir do momento em que é privada da estimulante e vitalizante energia, e desfaz-se como forma. A mesma coisa não se dá com a matéria do Mundo do Desejo: uma vez que se lhe tenha comunicado vida, essa energia subsiste ainda por considerável tempo, mesmo após haver cessado o influxo vitalizante, dependendo sua duração da intensidade do impulso. O resultado é que, após terem sido abandonados pelo Ego, esses “cascões” subsistem por um tempo maior ou menor. Vivem uma vida independente, e, se o Ego ao qual pertenceram era muito apegado aos desejos mundanos e se tenha desligado do plano físico no apogeu da vida, com fortes ambições não realizadas, então esses corpos sem alma, muito frequentemente, esforçam-se de modo frenético para retornar ao Mundo Físico. Muitos dos fenômenos verificados em sessões espíritas devem-se a eles. O fato de muitas comunicações recebidas desses assim chamados Espíritos serem totalmente destituídas de sentido é facilmente compreendido quando nos damos conta de que não se trata absolutamente de Espíritos, mas tão somente de partes sem alma das vestimentas do Espírito que se foi, carentes portanto de inteligência. Recordam a vida passada em virtude do panorama neles impresso logo após a morte, o que frequentemente capacita-os a se afirmarem ante os parentes relatando fatos só deles conhecidos. A realidade, porém, é que eles nada mais são do que uma roupa velha do Ego, dotada de vida independente por algum tempo.
Contudo, nem sempre esses “cascões” permanecem sem alma. No Mundo do Desejo, existem diferentes classes de seres cuja evolução se processa naturalmente ali, havendo entre eles, conforme aqui, os bons e os maus. De modo geral, eles são classificados sob o nome de “elementais”, ainda que difiram grandemente entre si em aparência, inteligência e características. Deles ocupar-nos-emos apenas no quanto sua influência afeta o estado post-mortem do ser humano.
Acontece às vezes – especialmente quando uma pessoa tem o hábito de invocar Espíritos – que esses seres se apoderam de seu Corpo Denso na vida terrena e convertem-no num médium irresponsável. De modo geral, primeiramente eles o atraem com ensinamentos de aparência elevada, mas, aos poucos, conduzem-no à crassa imoralidade e, pior que tudo, podem apoderar-se de seu Corpo de Desejos após ele o abandonar para entrar no Céu. Como os impulsos contidos no Corpo de Desejos são as bases da vida no Céu e, também, as molas de ação que levam o ser humano a renascer para continuar seu desenvolvimento, este é, com efeito, um assunto muito sério, pois toda a evolução de uma pessoa pode estacionar por épocas inteiras antes que o elemental abandone seu Corpo de Desejos.
São esses elementais os causadores de muitos fenômenos espirituais onde se nota mais inteligência além daquela que pode ser manifestada por esses “cascões” sem alma, particularmente, e pelo menos nas materializações. Ainda que tais “cascões” possam participar, os fenômenos sempre são dirigidos por um ser inteligente. A diferença entre um médium materializante e uma pessoa comum é que a aderência do Corpo Vital ao Corpo Denso é mais frouxa no médium, e de tal forma que parte de seu Corpo Vital pode ser extraída. Parcelas de gases e mesmo de líquidos do Corpo Denso do médium também podem ser usadas para formar os corpos das aparições. Essa extração e a prática de vestir-se com “cascões” geralmente são realizadas pelos elementais, que extraem o Corpo Vital do médium pelo baço. Regra geral e em consequência, o corpo do médium encolhe horrivelmente. Quando o Corpo Denso é por este modo privado de seu princípio vital, sofre a exaustão. Então, e infelizmente, ele procura, geralmente, restaurar seu equilíbrio tomando bebidas fortes até que, com o tempo, converte-se num alcoólatra.
Na Conferência IV, foram apontados os perigos de se permitir a um hipnotizador dominar nossa vontade e privar-nos de nossa liberdade, mas, neste caso, a vítima ao menos pode vê-lo, como também pode formar sua própria opinião sobre aquele que o controla. No caso do médium, o perigo é mil vezes maior, porque a influência dominante não pode ser vista. A morte do hipnotizador liberta suas vítimas, mas, para o médium, o maior perigo verifica-se depois da morte.
Portanto, um estado negativo em que todo o corpo, ou mesmo só a mão de uma pessoa seja usada – como um autômato – independentemente de sua própria vontade, é muito arriscado. Não negamos que, às vezes, possa haver autênticas comunicações do Espírito que se foi e que existam casos de benfazejos comunicados da parte de seres que não estão sujeitos à nossa vontade. Mas nosso propósito é indicar os perigos que correm aqueles que se envolvem com o que não conhecem. Positivamente, estes seres que estão no Mundo do Desejo não são nem grandes nem bons. Tampouco são anjos, uma vez que se divertem afundando chapéus nas cabeças dos assistentes, derramando-lhes água colarinho abaixo, ou fazendo quaisquer outras das tolas brincadeiras que se verificam nas sessões espíritas comuns. Tais seres são enfaticamente tanto “cascões” sem alma de depravados ou elementais pregando peças.
Quando um ser humano desperta no Mundo do Desejo, exceto por um pormenor, ele é em tudo o mesmo ser humano que era antes de morrer. Qualquer pessoa que o tenha conhecido aqui pode conhecê-lo lá. Não há nenhum poder transformador na morte. O caráter do ser humano não muda. O viciado e o alcoólatra continuam tão viciados e dissipadores quanto eram aqui; o avaro continua mesquinho; o ladrão ainda tão desonesto quanto antes. Mas, há uma grande e importante mudança em todos eles: é que todos perderam seus corpos densos, residindo nisso toda a diferença relativa à gratificação dos seus vários desejos.
O alcoólatra não pode beber – falta-lhe o estômago. E mesmo que ele possa entrar, o que geralmente faz, num tonel de vinho de uma taberna, nenhuma satisfação encontra nisso porque o vinho embarricado não produz vapores alcoólicos como no tubo digestivo pela combustão química. Tenta, então, obter o efeito adentrando o Corpo Denso de algum bêbedo da Terra. Isto ele consegue com facilidade, porque o Corpo de Desejos é de tal natureza que ocupar o mesmo espaço com outra pessoa não lhe causa nenhum incômodo.
Os “mortos” aborrecem-se, a princípio, quando algum de seus amigos vem sentar-se na mesma cadeira que eles estão ocupando. Contudo, depois de certo tempo, aprendem que não é preciso apressar-se em sair da cadeira quando o amigo terrenal se aproxima para ali sentar-se. Ter alguém “sentado sobre” o Corpo de Desejos não o incomoda. Ambas as pessoas podem ocupar a mesma cadeira sem se tolherem mutuamente os movimentos. O alcoólatra pode assim ter acesso ao corpo de outrem que esteja bebendo, mas nem por isso consegue a satisfação desejada. Em consequência, ele sofre os Suplícios de Tântalos até que afinal o desejo se extingue por falta de gratificação, conforme acontece com todos os desejos, mesmo no plano físico.
Isso é o “Purgatório”. Convém notar que não existe nenhuma deidade vingativa nos julgando e avaliando o sofrimento que merecemos, nem qualquer diabo para executar a sentença. Os maus desejos cultivados nesta vida e impossíveis de serem satisfeitos no Mundo do Desejo é que causam tais sofrimentos, até se extinguirem com o tempo. O sofrimento é estritamente proporcional à força do mal hábito.
Tomemos como exemplo o caso do avarento: ele ama o ouro tão intensamente depois da morte quanto o amava antes de morrer, porém, já não pode mais amealhá-lo. Já não tem mãos físicas para tocá-lo e, pior que tudo, não pode mais proteger o que havia entesourado. É capaz de sentar-se de guarda à porta do cofre-forte, mas seus herdeiros poderão vir, “atravessá-lo” com as mãos e levar todo o seu querido ouro, rindo-se talvez do “velho mesquinho e tolo”, enquanto este, a tudo assistindo, entre colérico e humilhado, sofre terrivelmente porque é incapaz de detê-los. Por fim, ele aprende a resignar-se. Então, é automaticamente purgado ou purificado de sua avareza – como o alcoólatra o foi das bebidas – pela Lei de Consequência que erradica as falhas de cada pessoa de modo impessoal.
Em verdade, não há castigo. Todo sofrimento é devido aos nossos hábitos adquiridos, aos quais é também exatamente proporcional. Benevolamente, ele nos liberta de nossas imperfeições de modo que, em consequência dessa purificação, renascemos inocentes, podendo assim mais facilmente adquirir virtudes ao ser de novo tentados, se dermos ouvidos à voz que nos previne. Portanto, cada ato malévolo é no mínimo um ato voluntário.
Enquanto nossos maus hábitos são de modo geral tratados dessa maneira, nossas específicas más ações da vida passada são tratadas com idêntico automatismo mediante o panorama da vida gravado no Corpo de Desejos. Ao entrarmos no Mundo do Desejo, esse panorama começa a desenrolar-se para trás, da morte ao nascimento. E retrocede numa velocidade três vezes superior à da vida física, de modo que um ser humano que haja morrido aos sessenta anos de idade reviverá sua vida passada no Mundo do Desejo em cerca de vinte anos.
Recordemos que, ao contemplar esse panorama logo após morrer, nenhum sentimento é despertado no Ego, que então permanece como simples espectador, vendo as imagens se desenrolarem. A mesma coisa não se dá quando elas despontam em sua consciência no Purgatório. Ali, o bem não causa impressão, mas o mal atua sobre ele de tal maneira que nas cenas em que tenha feito outros sofrerem, ele próprio sofrerá no lugar do ofendido. Sofrerá todas as dores e angústias que suas vítimas sentiram na vida. E por ser triplicada a velocidade da vida nesse plano, o sofrimento é proporcional. É até mais agudo porque o Corpo Denso vibra tão lentamente que entorpece até mesmo o sofrimento. Mas, no Mundo do Desejo, onde estamos sem veículo físico, o sofrimento é mais intenso, e quanto mais nítido tenha sido o panorama da vida passada gravado no Corpo de Desejos ao morrer, tanto mais o ser humano sofrerá, como também mais claramente sentirá nas vidas futuras que o erro deve ser evitado.
Há um aspecto peculiar nesse sofrimento que também se acrescenta ao seu caráter desagradável. Se na vida o indivíduo ofendeu a dois homens simultaneamente – sendo que um vive no Maine e o outro na Califórnia – quando o ofensor está submetido às suas experiências purgatoriais pelo sofrimento que lhes causou, ele sentir-se-á como estando na presença de ambos ao mesmo tempo, uma parte no Maine e outra na Califórnia. Isto lhe provoca uma estranha e indescritível sensação de estar feito em pedaços.
Existem duas classes de pessoas para quem o processo purgatorial não começa de imediato: os suicidas e as vítimas de assassinato. No caso do suicida, o processo não se inicia até que se complete o tempo em que o corpo deveria morrer por decurso natural, mas, nesse ínterim, ele sofre por seu ato de um modo tão terrível quão peculiar. Tem a sensação de estar oco, por assim dizer, e de habitar num doloroso vazio, uma vez que o arquétipo de sua forma continua ativo na Região do Pensamento Concreto.
Quando uma pessoa jovem ou velha morre naturalmente ou em consequência de acidente, cessam aí as atividades arquetípicas. Os veículos superiores sofrem então uma mudança, de sorte que a perda do Corpo Denso em si mesmo nenhuma sensação de desconforto produz. O suicida, porém, não experimenta tal mudança até que o arquétipo do seu corpo deixe de atuar por decurso de tempo, isto é, por morte natural. O espaço que seu Corpo Denso devia ocupar está vazio, porque o arquétipo é oco e isso o faz sofrer indescritivelmente. Assim, ele aprende também que não é possível cabular aulas na Escola da Vida sem atrair desagradáveis consequências. E em suas vidas futuras, quando o caminho lhe parecer muito áspero, ele recordará em sua alma que a covarde tentativa de fugir pelo suicídio só pode acrescentar-lhe maiores sofrimentos.
Há pessoas que se suicidam por razões altruístas, para aliviar outros de um fardo. Estes naturalmente são recompensados de outra maneira, mas não escapam do suplício do suicida da mesma maneira que aquele que entra num edifício em chamas para salvar outros não está isento de se queimar.
A vítima de assassinato escapa a esse sofrimento porque, geralmente, fica num estado de coma até o tempo em que a morte natural devia ocorrer. E a tal respeito deve-se ter o mesmo cuidado que se tem com as vítimas dos chamados acidentes, só que estas últimas ficam conscientes imediatamente ou pouco depois da morte. Se o assassino é executado entre a época do crime e aquela em que sua vítima deveria morrer em circunstâncias naturais, o Corpo de Desejos comatoso do último é atraído magneticamente ao seu matador, seguindo-o onde quer que ele vá, sem um momento de trégua. A cena do assassinato passa então a apresentar-se sempre a ele, assassino, causando-lhe os dolorosos sofrimentos e angústias que inevitavelmente acompanham essa permanente reapresentação de seu crime em todos os horríveis detalhes. Isso continua por um tempo que corresponde ao período de vida do qual privou sua vítima. Se o assassino escapou da forca, de maneira que sua vítima tenha passado além do Purgatório antes da sua morte, o “cascão” da sua vítima subsiste para representar a parte de Nêmesis no drama do crime revivido.
Assim, é o Ego purgado de toda classe de males pela ação impessoal da Lei de Consequência, ficando apto para entrar no Céu e fortalecer-se no bem, tal como foi enfraquecido no mal.
[7] N.T.: CONFERÊNCIA Nº 7 – NASCIMENTO: UM ACONTECIMENTO QUÁDRUPLO
Quando o Ego, em sua peregrinação através dos Mundos invisíveis, alcança o ponto em que ele ingressa no Terceiro Céu, após ter abandonado: o Corpo Denso ao morrer, o Corpo Vital logo a seguir, o Corpo de Desejos ao deixar o Purgatório e o Primeiro Céu e, por último, a Mente, ao deixar o Segundo Céu para ingressar no Terceiro Céu, está absolutamente livre de quaisquer empecilhos. Todos os veículos abandonados se desfazem, subsistindo apenas os Átomos-sementes de cada um, e ele permanece por algum tempo no grande reservatório espiritual de força a que chamamos Terceiro Céu, a fim de se fortificar para o próximo renascimento na vida terrena.
A Lei de Consequência determina nossa existência post-mortem consoante a vida que vivemos aqui. Se nessa vida nós fizemos mais concessões aos desejos inferiores e paixões, nossa existência purgatorial será a parte mais vívida do nosso estado post-mortem; a existência nos vários céus será insípida. Se vivemos emoções superiores, a vida no Primeiro Céu será a mais rica dos diferentes estágios. Gostávamos de planejar melhoramentos e foi nossa Mente bastante construtiva no plano físico? Então, colheremos grandes benefícios ao estagiarmos no Segundo Céu, onde o pensamento concreto é a base das coisas concretas na Terra. Contudo, para usufruirmos uma existência consciente no Terceiro Céu, devemos ter dedicado muito do nosso tempo e do nosso esforço a pensamentos abstratos que não se relacionam com tempo ou espaço.
A maioria de nós não consegue pensar abstratamente e, portanto, carecemos de consciência no Terceiro Céu. Se pensamos em “Amor”, logo o associamos a alguém. Não gostamos de matemáticas porque são áridas, sem emoções e abstratas. Nenhum sentimento está ligado à conclusão de que dois mais dois são quatro, mas, precisamente nisto é que está o seu valor, porque quando nos elevamos acima dos sentimentos, nossos preconceitos ficam para trás e a verdade revela-se imediatamente. Ninguém diria que duas vezes dois são cinco, nem discutiria sobre a proposição de que o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos outros lados de um triângulo. Essa é a razão de Pitágoras e outros mestres ocultistas exigirem dos seus discípulos um prévio conhecimento de matemática antes de ministrar-lhes seus ensinamentos. A Mente habituada a lidar com matemáticas está treinada no pensamento sequencial e lógico, sendo, portanto, capaz de examinar e distinguir a verdade sem prevenção. Só a esta classe de Mente pode o ocultismo ser ensinado com segurança.
A grande maioria das pessoas ainda não alcançou o estágio em que se progride adequadamente seguindo as chamadas “linhas práticas”. Para tais pessoas, o Terceiro Céu é meramente um lugar de espera, onde ficam inconscientes – como no sono – até a oportunidade de um novo nascimento físico. Por exemplo: a pessoa que tenha levado uma vida grosseira, voltada para a gratificação dos sentidos e que tenha sido extremamente destrutiva terá uma dolorosa existência no Purgatório. Passará inconsciente e rapidamente pelo Primeiro Céu por não ter praticado o bem. Sua destrutividade tornará sua existência no Segundo Céu quase inconsciente e não terá absolutamente vida no Terceiro Céu, onde os Egos avançados criam ideias originais que, mais tarde, na vida terrena manifestam-se como gênios. Portanto, esse atrasado Ego permanecerá adormecido até que um novo nascimento o desperte para um novo dia na Escola da Vida com outra oportunidade para aperfeiçoamento.
Ouvimos muitas vezes alguém dizer após ouvir esta doutrina pela primeira vez: “Oh! Mas eu não quero voltar”. Tal protesto parte só do cansado e extenuado corpo como consequência de uma vida árdua. Contudo, tão logo as experiências desta vida tenham sido assimiladas nos céus, a Lei de Consequência e o desejo de novos conhecimentos atraem o Ego de volta à Terra do mesmo modo que um ímã atrai uma agulha. Então, ele começa outra vez a contemplar seu renascimento.
Aqui, novamente a Lei de Consequência é o fator determinante: o novo nascimento está condicionado pelas nossas vidas passadas. Tendo vivido muitas vidas, é evidente que tenhamos conhecido muitas e diferentes pessoas, ligando-nos a elas nas mais variadas relações, afetando-as para o bem ou para o mal ou sendo assim por elas afetados. Causas foram então geradas entre elas e nós, e assim muitas dívidas – impossíveis de serem logo liquidadas por um ou outro motivo – ficaram pendentes.
A invariabilidade da Lei requer que essas causas tenham sua consumação durante algum tempo e assim os Anjos do Destino, que são as Grandes Inteligências encarregadas da Lei do Equilíbrio, examinam o passado de cada pessoa quando essa está preparada para renascer, verificando quais dos seus amigos ou inimigos estão vivendo naquele tempo e onde se encontram. Como fizemos no passado um número muito grande de tais relações, geralmente numerosos são também os grupos de tais pessoas que se acham na vida terrena, de forma que, se não existir uma razão especial que obrigue a imposição de um deles, os Anjos do Destino permitirão ao Ego escolher as oportunidades que se lhe ofereçam. Selecionam, então, em cada caso, uma quantidade de causas maduras que o Ego pode assumir e mostram-lhe, em uma série de quadros, o panorama de cada vida proposta – com tudo o que nelas sucederá – permitindo-lhe escolher. Tais panoramas desenrolam-se no sentido berço-túmulo e só mostram a vida em linhas gerais. Os detalhes dessa vida no plano físico são deixados ao Ego preencher, com uma boa margem de aplicação de seu livre arbítrio.
Vemos, pois, que o Ego tem certa liberdade quanto ao lugar do nascimento. Pode-se dizer, por conseguinte, que, na grande maioria dos casos, estamos onde estamos por nossa própria escolha. Não importa que não o saibamos intelectualmente. O Ego ainda é fraco. Não pode romper livremente o véu da carne e, também, depende em grande parte da personalidade inferior para ajudá-lo a crescer. Porém, quanto mais nos decidirmos intelectualmente a viver para o Eu superior, tanto mais aproximar-nos-emos do dia em que o Ego resplandecerá. Então, saberemos.
Quando o Ego faz sua escolha, a ela fica preso para o ajuste de contas – para o pagamento de dívidas contraídas em vidas anteriores – agora amadurecidas para a liquidação. É isto que forma o destino, ou as condições difíceis e fáceis da vida, impossível de ser modificado. Qualquer tentativa nessa direção será, por certo, frustrada, mas que ninguém jamais cometa o erro de pensar que seu destino o conduzirá à prática do mal. Como já vimos, as leis atuam apenas para o bem. O mal em qualquer vida é a primeira coisa purgada após a morte, permanecendo no ser apenas a tendência para esse tipo de mal, junto com o sentimento de aversão gerado pelo sofrimento experimentado no processo purificador. Quando, na vida seguinte, surge a tentação para cometer-se o mesmo erro, esta sensação de dor do passado a que chamamos consciência adverte-nos a não ceder, despertando ainda em nós a repulsa ao ato. Contudo, se, a despeito dessa advertência, caímos alguma vez, o sofrimento que experimentamos no Purgatório aumenta a intensidade da antiga aversão, até que a consciência desenvolva a necessária firmeza para resistir àquele tipo de erro, a partir do que cessa a tentação.
Vemos, pois, que nenhuma pessoa jamais é destinada a errar, e que pelo menos cada ação má é fruto de sua livre vontade, mesmo cometido contra a resistência da consciência desenvolvida anteriormente e relativa a esse mesmo erro.
Havendo-se, portanto, decidido a respeito do próximo renascimento, o Ego desce primeiro à Região do Pensamento Concreto e começa a atrair para si o material indispensável à formação da nova Mente.
Conforme dissemos, a pessoa se retira de seus diferentes Corpos no curso do seu trajeto post-mortem. Esses Corpos desfazem-se, mas, de cada um deles, inclusive da Mente, fica com o Ego Átomo-semente. Esses Átomos-sementes constituem o núcleo das novas roupagens com que o Espírito aparecerá na próxima vida.
Quando, então, o Ego desce à Região do Pensamento Concreto, as forças latentes no Átomo-semente mental de suas vidas anteriores entram em atividade e começam a atrair material para uma Mente nova, do mesmo modo que o ímã atrai aos seus polos a limalha de ferro. Se passamos um ímã sobre um depósito de limalhas de latão que contenha também as de ouro, ferro, chumbo, prata, madeira, etc., veremos que ele atrai somente as de ferro, e só na quantidade proporcional à sua força de atração. Tal força é limitada a uma certa quantidade de determinada classe de elementos. O mesmo acontece com o Átomo-semente: só consegue atrair, de cada região, o material com que tenha afinidade e na quantidade definidamente exata. Este material toma então a forma de um grande sino, aberto na base e com o Átomo-semente no topo.
Podemos compará-lo a um sino-mergulhador que afunda gradualmente num mar de crescente densidade. Os materiais atraídos de cada Região vão-se entrelaçando dentro do sino e aumentando seu peso de tal maneira que ele afunda cada vez mais até alcançar a base.
É assim que o Ego submerge na Região do Pensamento Concreto e, de passagem, o Átomo-semente recolhe material para a nova Mente.
A descida continua. Vestido em sua roupagem de matéria mental, com aparência de sino, o Ego submerge no Mundo do Desejo. As forças preservadas do Átomo-semente do seu antigo Corpo de Desejos são despertadas e colocadas no topo do sino, no lado de dentro. Daí, começam a atrair o material com a qualidade e na quantidade requerida pelo Ego para voltar com um novo Corpo de Desejos apropriado às suas necessidades particulares. Assim, quando a região mais densa do Mundo do Desejo é alcançada, o sino já possui duas camadas: a de matéria mental por fora e a de matéria de desejos por dentro.
Em seguida, o Espírito desce à Região Etérica, onde colhe matéria para o novo Corpo Vital. De uma parte dessa matéria, os agentes dos Anjos do Destino fazem uma matriz ou modelo para proporcionar ao novo Corpo Denso a forma apropriada, a qual depositam no útero materno quando o Átomo-semente é posto no sêmen do pai. Sem a presença desses dois fatores, nenhuma união sexual produziria resultados. Assim, quando um matrimônio se revela estéril, ainda que o casal seja saudável e anseie por filhos, isto significa simplesmente que nenhum Ego se sente atraído por eles.
Tão logo o Corpo Vital é depositado, o Ego retornante, envolto na roupagem parecida com um sino, fica flutuando constantemente próximo à sua futura mãe, que sozinha trabalha sobre o novo Corpo Denso nos primeiros dezoito ou vinte e um dias após a fertilização. Aí então, ele entra no corpo materno, cobrindo o feto com o molde do sino que se fecha por baixo e o encarcera mais uma vez na casa-prisão do Corpo Denso.
O momento de entrada no útero é um dos mais importantes da vida, pois, quando o Ego se põe em contato pela primeira vez com a já mencionada matriz do Corpo Vital, novamente contempla o panorama da vida que tem pela frente e que foi impresso naquela matriz pelos Anjos do Destino, com o objetivo de dar-lhe as necessárias inclinações para liquidar as causas maduras na vida futura.
A esta altura, o Ego já se encontra tão cego pelo véu da matéria que não pode mais reconhecer, de modo tão claro, o bem final visado conforme o podia por ocasião da sua escolha na Região do Pensamento Abstrato. Então, quando uma vida particularmente penosa se revela nessa visão ao Ego retornante no momento de sua entrada no útero, muitas vezes ele se apavora e, assim assustado, procura escapar da nova prisão. Porém, já não pode romper a conexão. Mas pode forçá-la, e o faz de tal maneira que a cabeça do Corpo Vital, que deveria permanecer concêntrica com a do Corpo Denso, fica deslocada, sobressaindo para cima da cabeça densa. Isso produz o idiota congênito.
Mesmo sob as mais favoráveis condições, passar pelo útero representa sempre uma grande e penosa tensão para o Ego. Por isso, tudo deve ser feito pelos pais no sentido de evitar que essa temporária permanência se torne ainda mais difícil para ele. Nunca é demais enfatizar este ponto. A desarmonia entre os futuros pais nos períodos críticos da gestação, especialmente no primeiro, muitas vezes põe tudo a perder.
Antes do acontecimento que denominamos nascimento, o futuro ser humano é encerrado em outro corpo (o materno), impossibilitando, portanto, de contatar com o mundo dos sentidos. Esta reclusão é necessária a fim de que o organismo se desenvolva até o ponto adequado de maturidade para receber por si mesmo essas impressões. Quando tal ponto é alcançado, o abrigo protetor, que é o útero, abre-se, e aí o novo ser humano entra na arena deste mundo.
Como vimos, o ser humano é muito mais que simples Corpo Denso. Por isso, não se deve pensar que, quando ele nasce para o Mundo Físico, todos os seus veículos estão igualmente amadurecidos. Na realidade, ainda não estão. O Corpo Vital cresce e amadurece dentro do seu envoltório etéreo até os sete anos, na troca dos dentes; o Corpo de Desejos requer proteção contra os perigos do Mundo do Desejo até próximo aos quatorze anos, nascendo no período a que chamamos puberdade; e a Mente não está suficientemente amadurecida para libertar-se de seu envoltório protetor até que o ser humano alcance a maioridade, aos vinte e um anos. Esses períodos são apenas aproximados, pois sua duração exata varia de pessoa para pessoa. Os períodos acima mencionados estão, porém, bem próximos da realidade.
A razão do lento desenvolvimento dos veículos superiores reside no fato de que esses veículos são adições relativamente recentes ao patrimônio do Ego, enquanto o Corpo Denso tem uma evolução muito mais longa, sendo, por conseguinte, o instrumento mais perfeito e valioso que possuímos. Quando as pessoas que só recentemente vieram a saber da existência dos veículos superiores pensam e falam constantemente de quão maravilhoso seria voar no Corpo de Desejos, pondo de lado o “baixo” e “vil” corpo físico, demonstram que ainda não aprenderam a apreciar a diferença entre “superior” e “perfeito”. O Corpo Denso é uma maravilha de perfeição, com seu forte esqueleto articulado, seus delicados órgãos de percepção e seu mecanismo nervoso de coordenação motora e cerebral que o torna superior a qualquer outro mecanismo do mundo. Visto em detalhes, tomemos para exemplo o longo osso da coxa, o fêmur, e examinemos suas rotundas extremidades. Partindo-o, podemos ver que somente uma delgada camada externa é feita de osso compacto, e que é reforçado internamente por um espesso entrecruzamento de delgados filetes ósseos, que o torna tão prodigiosamente forte quanto leve. A projeção de uma estrutura tal acha-se ainda tão distante da capacidade do mais competente engenheiro desta geração, quanto o cálculo diferencial encontra-se de uma formiga.
Portanto, mesmo sabendo que algum dia, num porvir distante, nossos veículos superiores alcançarão uma perfeição bem maior que a do nosso Corpo Denso, não devemos esquecer que presentemente eles ainda se acham desorganizados até certo ponto, sendo por isso de pouco valor quando estão separados do organismo físico perfeito. Deveríamos em tudo agradecer aos exaltados Seres por nos terem ajudado a desenvolver este esplêndido instrumento no qual agora funcionamos no mundo como seres humanos autoconscientes para cumprir nosso destino, vida após vida, tornando-nos a cada passo mais e mais semelhantes ao nosso Pai que está no Céu.
Vemos, pois, que o nascimento é um evento quádruplo, e que para cumprirmos por completo nossos deveres como educadores é de todo necessário que conheçamos isso, como também os fatos consequentes.
Não se deve simplesmente arrancar o bebê do útero materno e expô-lo aos impactos do mundo externo. Isto o mataria. Igualmente perigoso é violar as matrizes dos corpos invisíveis, expondo o ser imaturo aos impactos do mundo moral e mental. E, muito embora tal violência não mate o corpo físico, quase sempre obstrui sua capacidade, pois o que é prejudicial a um corpo o é também a todos os outros veículos. Para educar a criança devidamente faz-se, pois, necessário conhecer-se os efeitos da educação sobre os diferentes veículos e os métodos adequados a serem empregados, sem esquecer-se, entretanto, que nem sempre as regras gerais podem ser aplicadas em casos individuais.
Vimos que quando o Ego termina seu dia na escola da vida, a Força centrífuga de Repulsão leva-o a abandonar o Corpo Denso ao morrer e a seguir também o Corpo Vital, que é o mais próximo em densidade. Depois, no Purgatório, a matéria de desejos mais inferior, acumulada pelo Ego como incorporação dos seus desejos inferiores, é purgada pela mesma força centrífuga. Nas regiões superiores, somente a Força de Atração atua, conservando o bem pela sua ação centrípeta a qual atrai tudo da periferia para o centro.
A Força centrípeta de Atração atua também no regresso do Ego ao renascimento. Sabemos que podemos lançar à maior distância uma pedra do que uma pena. Pelas mesmas razões, a matéria mais inferior é lançada para fora após a morte, pela Força de Repulsão, e, pela mesma razão, a matéria mais grosseira, por meio da qual o Ego encarna a tendência para o mal, é precipitada para dentro, para o centro, pela Força centrípeta de Atração, resultando que quando a criança nasce, só o que ela tem de melhor e de mais puro aparece no exterior. O mal latente, de modo geral, não se manifesta até que o Corpo de Desejos nasça próximo aos quatorze anos, e suas correntes comecem a fluir para fora do fígado. É então que o Ego começa a “viver” sua vida individual e mostrar o que está no íntimo.
As estrelas são o Relógio do Destino, e mostram as tendências ocultas em cada ser humano. Os astrólogos podem falhar na previsão de acontecimentos, mas um Astrólogo bom e cuidadoso é capaz de determinar com precisão o caráter de uma pessoa em 99 por cento dos casos. E é desta maneira que os pais podem ter uma visão do lado oculto da natureza da criança. Mas como é relativamente fácil aprender a levantar o Tema Natal, sempre é melhor para os pais fazerem o horóscopo de seus filhos do que recorrerem a um estranho. Conseguirão, deste modo, uma visão mais profunda do seu caráter.
Com o nascimento físico, o Corpo Denso começa a sentir os impactos do mundo externo, os quais atuam sobre ele como atuavam anteriormente as forças do corpo materno. O que lhe fizeram estas durante a vida pré-natal, os impactos dos elementos continuam fazendo por toda a vida física. Até os sete anos, ou na mudança dos dentes, existe uma atividade especial, bem diferente de qualquer outra das fases seguintes. Os órgãos dos sentidos tomam formas definidas que já lhes dão as tendências estruturais básicas e determinam suas linhas de desenvolvimento em uma ou outra direção. Depois, ainda crescem, mas sempre em obediência às linhas previamente estabelecidas nesses sete primeiros anos, de modo que qualquer erro ou negligência no seu uso de modo correto nesse período, mui dificilmente poderá ser corrigido mais tarde. Se os membros e órgãos tomarem, pelo correto uso, a forma apropriada, todo o crescimento posterior será harmonioso; mas se houve uma formação imprópria nesse período, o pequeno corpo crescerá deformando-se em maior ou menor escala. É dever do educador proporcionar à criança um ambiente adequado, conforme faz a Natureza na fase pré-natal, pois só assim tem o sensitivo organismo condições de desenvolver-se na direção certa.
Há duas palavras mágicas que indicam a maneira pela qual a criança entre em contato com as influências formadoras do seu ambiente: exemplo e imitação. Nenhuma criatura debaixo dos céus é mais imitativa do que a criança e, nessa imitação, temos a força que pode dar as tendências e direção ao pequeno organismo. Tudo no ambiente da criança deixa-lhe uma impressão para o bem ou para o mal. Devemos, portanto, nos convencer de que o mais insignificante ato pode causar incalculável mal ou bem à vida de nossos filhos, e que nunca devemos fazer em sua presença algo que não desejemos absolutamente que eles imitem. É inútil ensinar à criança moralidade ou a raciocinar neste período. Exemplo é o único mestre que a criança necessita e segue. Não pode furtar-se à imitação, do mesmo modo que a água não pode evitar de correr encosta abaixo, porque este é o único método de desenvolvimento nesta fase. Instruções morais e sobre raciocínio ficam para mais tarde. Ensiná-las agora equivale a extrair o feto do útero prematuramente. Tudo o que a criança tem que adquirir em termos de pensamento, ideia e imaginação deve vir por si mesmo, do mesmo modo que os olhos e ouvidos desenvolvem-se naturalmente antes do nascimento do Corpo Denso.
Deve-se dar à criança brinquedos com os quais possa exercitar suas faculdades de imitação – algo com vida ou uma boneca articulada que possa ser posta em diferentes posições, permitindo-se que sua dona lhe troque as roupinhas sem nenhum auxílio. Assim, ela exercita sua força formadora de maneira correta. Ao menino, deem-se ferramentas, modelos e massas. Nunca se deve dar às crianças brinquedos terminados, de modo que elas nada mais tenham a fazer senão olhá-los. Isso tira do cérebro a oportunidade de desenvolvimento. O cuidado e objetivo do educador neste período deve ser o de proporcionar meios para um desenvolvimento harmonioso dos órgãos físicos.
No que tange aos alimentos, grande cuidado precisa ser tomado nesta fase, pois um apetite normal ou anormal nos anos seguintes dependerá de como a criança foi alimentada no primeiro período setenário. Aqui também o exemplo é o melhor mestre. Pratos excessivamente condimentados prejudicam o organismo. Quanto mais simples e fácil de mastigar, mais o alimento conduz ao apetite saudável, que norteará o ser humano quanto à nutrição durante sua vida e proporcionar-lhe-á um corpo sadio e uma Mente pura que o glutão desconhece. Não façamos um prato para nós e outro diferente para o nosso filho. Podemos assim evitar que ele coma certos alimentos em casa, mas despertamos nele certo desejo secreto pelo alimento “proibido”, e cuja satisfação buscará quando se tenha tornado adulto suficiente para ter vontade própria. Aí, sua capacidade de imitação se manifestará espontaneamente.
Quanto às roupas, certifiquemo-nos de que sejam sempre folgadas, e possam ser substituídas antes de se tornarem pequenas a fim de não irritar. Muito da natureza imoral que põe uma vida a perder tem sido despertado, primeiramente, pelas fricções causadas pelo uso de peças muito justas, particularmente em se tratando de meninos. A imoralidade é um dos piores e mais persistentes flagelos de nossa civilização. Lembrando disso, procuremos, por todos os meios, manter nossas crianças inconscientes de seus próprios órgãos sexuais antes dos sete anos. O castigo corporal é também um fator preponderante no despertar da sexualidade, nunca sendo demais condená-lo.
Com relação à educação do caráter, sabemos que a tal respeito as cores assumem a maior significação, se bem que o assunto envolve não somente o conhecimento do efeito das cores como, particularmente, das cores complementares, posto que são estas que atuam no organismo da criança. Se temos de lidar com o temperamento ardente de uma natureza impetuosa, façamos o vermelho predominar no ambiente, e assim conseguiremos abrandá-lo. Aposentos, móveis e roupas na cor vermelha produzir-lhe-ão o refrescante efeito da cor verde, lhe acalmando os nervos. O melancólico e de natureza letárgica terá melhor disposição se o rodearmos de azul ou azul-verde, que geram nos seus órgãos infantis o calor do vermelho e do laranja.
As cantigas de ninar são de maior importância nesse período. Não importa o sentido que tenham. De suma importância é seu ritmo, pois este constrói os órgãos mais harmoniosamente que qualquer outro fator. Portanto, isto e a manutenção de uma atmosfera alegre constituem os dois mais excelentes métodos educacionais, e continuam válidos e eficientes mesmo na falta de outros.
Por volta dos sete anos, o Corpo Vital da criança atingiu uma perfeição suficiente que lhe permite receber os impactos do mundo externo. Difundirá sua capa protetora de éter e, começa sua vida livre. É aí que se deve iniciar o trabalho do educador sobre esse Corpo Vital, auxiliando-o na formação da memória, consciência, bons hábitos e temperamento harmonioso. autoridade e discipulado passam a ser as palavras chaves desta época, em que a criança vai aprender o significado das coisas. Na primeira época, ela aprende o que são as coisas, não se importando com o seu significado, a não ser aquilo que entende a seu modo. Na segunda, porém, dos sete aos quatorze anos, é essencial que aprenda o que essas coisas significam, contudo sempre sob a supervisão de seus pais e mestres, mais memorizando suas explicações ou definições do que raciocinando sobre elas, posto que a razão pertence a um período de desenvolvimento posterior. E ainda que possa fazê-lo a seu modo, com proveito, não deixa de ser prejudicial neste período forçá-la a pensar.
Para que a criança em desenvolvimento possa melhor colher os benefícios decorrentes da instrução de seus pais e professores, é necessário, evidentemente, que sinta a maior veneração por eles e que admire sua sabedoria. Cabe a nós, por conseguinte, comportarmo-nos convenientemente, pois, se ela observa em nós frivolidade, ouve conversas levianas e presencia algum comportamento duvidoso, privamo-la por isso mesmo da maior força em sua vida: abalamos-lhe a fé e confiança nos outros. É nesta idade que se forjam os cínicos e céticos. Somos responsáveis perante Deus pelas vidas a nós confiadas, e temos de responder ante a Lei de Consequência pelo nosso descaso, ou por havermos negligenciado a grande oportunidade de guiar, em seus primeiros passos, um companheirinho de jornada no caminho certo. E exemplo é sempre melhor que preceito.
De pouca utilidade são os conselhos. Mostremos à criança exemplos vivos dos efeitos da virtude e do vício. Representemos ante sua fantasia juvenil as imagens do ébrio e do ladrão, e outra como a do santo. Isto afetará seu Corpo Vital a um ponto em que passará a ter aversão aos primeiros e um decidido propósito de imitar o segundo.
Neste período, a criança precisa ser ensinada sobre a origem do seu ser, a fim de que possa estar preparada para os vendavais de paixões que fazem a adolescência tão perigosa. Esta informação também pode ser dada através de figurações mentais e exemplos da natureza, mas de tal modo que ela fique totalmente impressionada da santidade da função. É inelutável dever daqueles que educam esclarecer devidamente a criança. Neste ponto, equivale a deixá-la cruzar de olhos vendados uma área cheia de armadilhas com a recomendação: Não caia. Ao menos, se retirem dele a venda e, mesmo assim, ela estará bastante coibida.
O instrutor que tome uma flor, que é o órgão gerador da planta, para ensinar o objetivo do ato criador, é capaz de fazê-lo compreensível no animal e no ser humano. Mas evitemos o erro de confundir a criança com muitos nomes tais como “estames”, “anteras” ou “flores pistiladas”, “flores estaminadas”. Isso frustraria o nosso objetivo, além de cansar as crianças no estudo.
Como as crianças se encantam com os contos de fadas, o instrutor engenhoso pode tornar uma história de flores mais fascinante que qualquer desses conhecidos contos, podendo ainda acrescentar um halo de beleza e santidade no ato gerador que envolverá a criança por toda a vida e a protegerá contra as tentações e provas quando se acenderem as chamas das paixões.
Sabemos que estame e pólen são masculinos, e que pistilo e óvulo são femininos. Também sabemos que algumas flores têm somente um gênero, como há outras que têm tanto o estame como o pistilo. Sabemos também que as abelhas têm cestas de pólen em suas patas, e nelas carregam pólen para os pistilos de outras flores. Nestas, o pólen trabalha sobre o óvulo, que então é fertilizado e capaz de crescimento em nova planta florida.
Com estes dados e algumas flores, juntemos as crianças e tentemos mostrar-lhes como as flores assemelham-se às famílias. Em algumas (as estaminadas), só há meninos; em outras (as pistiladas), só há meninas; e em outras, meninos e meninas. As flores-menino (pólen) são aventureiras como os meninos: cavalgam os corcéis alados (abelhas) mundo afora, à semelhança dos cavaleiros de antanho, em busca de princesa aprisionada em seu castelo mágico (o óvulo no pistilo); conta-se como o minúsculo cavaleiro flor-rapaz audaciosamente salta de seu corcel (a abelha) e avança em direção ao aposento secreto onde se acha a princesa (o óvulo); então, se casam e têm muitas pequenas flores – meninos e meninas.
Este conto pode variar e ser enriquecido à vontade à fantasia dos educadores, como ainda pode ser suplementado por histórias em que figurem só animais e pássaros. Isso despertará na criança a compreensão da origem de seu próprio corpo, o que emprestará à história de amor do papai e da mamãe todo o romantismo das flores-meninos e flores-meninas, e evita o mais leve pensamento de ódio ligado com nascimento na Mente da criança.
O Corpo de Desejos nasce aproximadamente aos quatorze anos, na puberdade. É tempo em que os sentimentos e paixões começam a exercer poder sobre o adolescente, posto que a matriz da matéria de desejos que até então protegia o Corpo de Desejos é removida. Na maioria das vezes, este é um período de provas para o jovem que aprendeu a reverenciar seus pais e mestres, pois estes podem então ser para ele uma espécie de âncora contra o influxo de sentimentos. Se habituar-se a confiar na palavra dos mais velhos e estes sempre lhe falarem sabiamente, o moço, no mínimo, terá desenvolvido um inerente senso da verdade que o guiará seguramente. Se, porém, houver uma falha, ele poderá desnortear-se.
É o tempo em que deve ser ensinado a investigar as coisas por conta própria para que aprenda a formar opiniões individuais. Procuremos imprimir-lhes a necessidade de pesquisar cuidadosamente antes de julgar e, também, quanto mais fluídicas ele puder conservar suas opiniões, mais capacitado estará também para examinar novos fatos e adquirir novos conhecimentos. Deste modo, alcançará sua maioridade aos vinte e um anos, quando a Mente se libertar também, e será capaz de ocupar o seu lugar no mundo como um cidadão íntegro e probo, graças àqueles que dele cuidaram amorosamente em seus anos de desenvolvimento: um homem ou uma mulher bem-educados.
[8] N.T.: CONFERÊNCIA VI – VIDA E ATIVIDADE NO CÉU
Vimos, no Conferência anterior, como nossas más ações e hábitos indesejáveis são tratados pela impessoal Lei de Consequência que favorece o bem nas vidas futuras. Para ilustrar a atuação desta Lei, servimo-nos de casos tais como o do assassino, do suicida, do alcoólatra e do avaro. Porém, esses casos são extremos, pois há muitos que viveram uma existência terrena de boa moralidade, comprometida mais por pecadilhos e pequena dose de egoísmo que é o pecado mais comum da atualidade, do que pela real e decidida maldade, e para os quais o estágio nas regiões purgatoriais do Mundo do Desejo é naturalmente reduzido e o sofrimento menos penoso. Deste modo, e no devido tempo, todos passam às regiões superiores do Mundo do Desejo, onde situa-se o Primeiro Céu, a “Terra de Veraneio” dos Espiritualistas.
Da matéria dessa Região, os pensamentos e fantasias das pessoas construíram durante a vida as formas reais que veem na sua imaginação. Uma característica dos mundos internos é que sua matéria é facilmente moldável pelo pensamento e pela vontade, sendo que todas essas fantásticas formas assim criadas se movimentam animadas por elementais e duram tanto quanto o pensamento ou o desejo que as gerou. Na época de Natal, por exemplo, Papai Noel vive realmente e guia seu trenó. E aí é visto em todas as variedades, robusto e saudável, por um mês ou mais, até que os desejos das crianças que o criaram cessem de fluir nessa direção. Então, ele esmaece e dissolve-se, até ser recriado no ano seguinte. A Nova Jerusalém – com suas ruas de pérolas e mar de cristal – e todas as demais ideias piedosas e morais das pessoas religiosas também se encontram ali. O Purgatório tem seu demônio em pensamento-forma, dotado de chifres e cascos fendidos, criado pelo pensamento humano. Mas, nas Regiões superiores do Mundo do Desejo, somente encontramos o que de bom e desejável existe nas aspirações humanas. Aqui, o estudante tem à sua disposição toda sorte de bibliotecas, e pode dedicar-se aos seus estudos de modo muito mais eficaz do que quando se achava no Corpo Denso. Se deseja um livro de imediato, logo o tem à mão. O artista, mediante sua imaginação, cria seus modelos perfeitamente e os pinta em cores luminosas e vivas, ao invés de fazê-lo nas cores inexpressivas e mortas da Terra, coisa que sempre o desespera, porque, na vida terrena, lhe é impossível reproduzir os tons que capta com sua visão interna, pois consegue a realização dos anelos do seu coração no Primeiro Céu, onde recebe inspiração e forças para continuar seu trabalho nas vidas futuras.
De maneira idêntica, o escultor encontra satisfação e elevação nesse estágio de vida post-mortem. Com a maior facilidade, ele trabalha sobre a plástica matéria desse mundo, modelando as imagens com que mais sonhou na vida terrena. O músico também é beneficiado, embora não se ache ainda no verdadeiro mundo do som. Este oceano de harmonia – onde a celestial “música das esferas” é ouvida – situa-se na Região do Pensamento Concreto, conhecida como Segundo Céu entre os Cristãos-esotéricos. Aí, o músico ouve apenas ecos das melodias celestiais, ainda assim muito mais sublimes que quaisquer jamais ouvidas na Terra. E sua alma deleita-se nessa primorosa harmonia, prenúncio de melhores coisas que virão.
Aqui, encontram-se também todas as criancinhas que passam direto a este plano após morrerem. Se seus familiares pudessem vê-las, então, por certo, não mais lamentariam sua partida, pois veriam que ali elas desfrutam de uma vida verdadeiramente invejável. Sempre são atraídas por parentes ou amigos que morreram antes e que delas passam a cuidar. Lá também, estão aqueles que acumulam tesouros celestiais empregando o melhor do seu tempo em inventar recreações e criar brinquedos para esses pequeninos. E, assim, a vida no Primeiro Céu transcorre de modo maravilhoso para as crianças, sem que sua educação seja negligenciada. São conduzidas em classes – não somente por idade e capacidade, mas também de acordo com o temperamento – todas são particularmente instruídas sobre os efeitos dos desejos e emoções, o que se consegue com toda facilidade num mundo onde tais condições podem ser demonstradas objetivamente. Deste modo, ensinam-lhe através de lições objetivas o benefício de cultivar o bem e os desejos altruísticos. Muitas almas que agora vivem aqui uma invejável vida moral devem isso a terem morrido na infância e vivido de quinze a vinte anos no Primeiro Céu antes de renascerem outra vez.
Muito se pergunta por que as crianças morrem. Existem muitas razões, entre as quais estão a morte sob a aflitiva tensão de um pavoroso acidente, morte pelo fogo e morte em campo de batalha. Em tais circunstâncias, o Ego não pode concentrar-se devidamente no panorama de sua vida passada. É também o caso em que a perturbação das lamentações dos familiares muito prejudica o recente falecido. O resultado é uma impressão fraca das experiências terrenas no Corpo de Desejos e, consequentemente, uma insípida existência no Purgatório e no Primeiro Céu. Em tais casos, o Ego não colhe o que semeou, e assim poderia cometer os mesmos pecados ou tolices vida após vida. Para evitar essa contingência, o novo Corpo de Desejos, atraído pelo Ego antes de renascer, deve ser impresso com as necessárias lições. A caminho do renascimento, o Ego fica sempre inconsciente, cego pela matéria que ele atrai ao seu redor, assim como nada podemos enxergar quando entramos numa casa escura num dia de Sol. Somente após o nascimento, a consciência retorna em certa medida. Então, quando, pela morte, ele passa ao Primeiro Céu, são-lhe ensinadas, objetivamente e de modo diferente, as lições que deveria ter aprendido em sua retirada da vida anterior. Quando tais lições tenham sido ensinadas e impressas sobre o futuro Corpo de Desejos, aí pode o Ego renascer sobre a Terra para uma vida ordinária que seguirá seu curso normal.
As crianças que morrem antes dos sete anos de idade não são responsáveis perante a Lei de Consequência, uma vez que só chegaram a possuir corpos denso e vital. E até mesmo aos doze ou quatorze anos – enquanto o Corpo de Desejos acha-se em fase de gestação, conforme será esclarecido na próxima Conferência. E, como o que não nasceu não pode morrer, somente os corpos denso e vital desfazem-se quando a criança morre, retendo seus corpos de desejo e corpo mental para o renascimento seguinte. Deixa, portanto, de palmilhar todo o caminho que o Ego geralmente percorre num ciclo de vida, indo somente para o Primeiro Céu a fim de aprender as lições de que precisa. Após um intervalo, variável entre um e vinte um anos, renasce como criança quase sempre na mesma família.
É um erro pensar-se que o céu é um lugar de perfeita felicidade para todos. Ninguém pode colher mais felicidade além daquela que semeou na Terra. A medida da nossa felicidade serão as boas ações que praticamos na vida terrena. O panorama da vida, impresso em nossos corpos de desejos logo após a morte, constitui a base de nossa felicidade no Céu, da mesma forma que o foi para o nosso sofrimento no Purgatório.
Recordemos que, no Purgatório, enquanto desenrola-se o panorama da vida passada, só as cenas em que ofendemos alguém nos causam sofrimentos. No Primeiro Céu, apenas os bons sentimentos e atos altruístas causam-nos sensações. Quando contemplamos uma cena em que ajudamos alguém, lhe suavizando as dores ou lhe amenizando os sofrimentos, não apenas sentimos a mais intensa satisfação pessoal, como também tudo aquilo que o favorecido sentiu em termos de alívio corporal e mental, mais a gratidão deste naquele momento. Não importa que ele tenha ou não conhecido aquele que o ajudou. O sentimento que ele emitiu a nós quando o ajudamos estará presente independente de outras circunstâncias. Por outro lado, se somos gratos aos nossos benfeitores, sentiremos o mesmo sentimento de alívio de angústia e gratidão por aquele que nos beneficiou. Como todos esses sentimentos e desejos são incorporados ao Ego pelas forças espirituais alquímicas geradas pela manifestação deles ali, transmutando-se tudo em faculdades a serem utilizadas em futuros renascimentos, percebe-se facilmente quão importante é para o nosso próprio crescimento anímico que sempre sintamos e expressemos gratidão aos favores recebidos. Assim procedendo, lançaremos as bases para a recepção de novos favores, tanto nesta quanto nas futuras vidas.
Diz-se que o Senhor ama ao que dá com alegria. Igualmente certo é que a “Lei” (de Consequência) ama um coração reconhecido.
Quando consideramos “dádivas”, devemos acautelar-nos contra a ideia falaciosa de que somente pode dar quem possui dinheiro. Donativos em dinheiro feitos de modo indiscriminado representam uma desgraça tanto para o doador quanto para o receptor. Somente quando o primeiro acrescenta à dádiva seu pensamento e seu coração, pode o ouro ter algum valor. Mas o que é o ouro dado indiferentemente comparado à solidariedade? Expressão de fé em um ser humano pode incutir-lhe coragem para avançar e vencer. Estimulando sua ambição, ajudamo-lo a ajudar-se a si mesmo, ao passo que a ajuda financeira o submete à dependência de nossa generosidade. Quando dermos, demo-nos a nós mesmos primeiramente.
A ética de dar, com o efeito de lição espiritual sobre o doador, é admiravelmente demonstrada em A Visão de Sir Launfal, de Lowell. O jovem e ambicioso cavalheiro Sir Launfal, envergando brilhante armadura e montando magnífico corcel, parte de seu castelo em demanda do Santo Graal. Em seu escudo brilha a cruz, símbolo da benevolência e ternura do nosso humilde e meigo Salvador. Mas o coração do cavalheiro está repleto de orgulho e altivo desdém para o pobre necessitado. Ele encontra um leproso pedindo esmola. Com expressão de repulsa, atira-lhe uma moeda num gesto de desprezo, assim como alguém que joga um osso a um cão faminto. Contudo –
O leproso não ergueu o ouro do pó, e disse:
“Melhor para mim é a côdea de pão que o pobre me dá,
e melhor sua mão que me abençoará,
ainda que de mãos vazias de sua porta me deva afastar.
As esmolas que só com as mãos são ofertadas,
não são verdadeiras.
Inúteis são o ouro e as riquezas dadas
apenas como um dever a cumprir.
A mão, porém, não consegue a esmola abarcar,
quando vem daquele que reparte o pouco que tem,
que dá o que não é possível visualizar,
– esse fio de beleza que tudo sabe unir,
que tudo sustenta, penetra, mantém.
O coração ansioso estende a mão
quando Deus acompanha a doação,
alimentando a alma faminta,
que sucumbia só, na escuridão.
Ao regressar, Sir Launfal encontra seu castelo ocupado por outro, sendo impedido de nele entrar.
Já velho, claudicante e alquebrado,
da busca do Santo Graal, ele voltou
pouco lhe importando o que para trás deixou.
Não mais luzia a cruz sobre seu manto
mas fundo em sua alma a marca ficou:
a divisa do pobre e seu triste pranto.
De novo encontra o leproso que, outra vez, lhe pede uma esmola. Mas o cavalheiro agora responde de outro modo:
E Sir Launfal lhe disse:
“Vejo em ti
a imagem daquele que na cruz morreu.
Tu tens a coroa de espinhos de quem padeceu,
muitos escárnios tens também sofrido
e o desprezo do mundo hás sentido.
As feridas em tua vida não faltaram
nos pés, nas mãos, no corpo, elas te machucaram.
Filho da clemente Maria, reconhece quem eu sou
e vê que, através do pobre, é a Ti que eu dou!”
Um olhar aos olhos do leproso traz-lhe recordações e reconhecimento, e
Seu coração era só cinza e pó.
Ele partiu em duas, sua única côdea de pão,
ele quebrou o gelo da beira do córrego
e ao leproso deu de comer e beber pela mão.
Uma transformação teve lugar:
Não mais o leproso ao seu lado se curvava
mas, à frente dele, glorioso se levantava.
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E a voz ainda mais doce que o silêncio:
“Vê, Sou Eu, não temas!
Na busca do Santo Graal, em muitos lugares
gastaste tua vida, sem nada lucrares.
Olha! Ei-lo aqui: o cálice que acabaste de encher
com a límpida água do regato que Me deste de beber.
Esta côdea de pão é Meu corpo
que foi para ti partido.
Esta água é Meu sangue
que na cruz para ti foi vertido.
A Santa Ceia é mantida, na verdade,
por tudo que ajudamos o outro em sua necessidade.
Pois a dádiva só tem valor
quando com ela vem o doador;
e a três pessoas ela alimenta assim:
ao faminto, a si própria e a Mim.
Há duas classes para quem a existência post-mortem é particularmente vazia e monótona: o materialista e aquele que de tal modo deixou-se absorver pelos negócios mundanos que nunca pôde pensar nos mundos espirituais. Não é difícil descobrir-se a razão: eles viveram uma vida de boa moralidade, jamais cedendo aos vícios dos quais purificar-se-iam nas regiões purgatoriais, o Mundo do Desejo inferior, mas tampouco praticaram aquelas boas ações que resultam em sensações de felicidade no Primeiro Céu. O haver dado grandes somas em dinheiro para a construção de igrejas, bibliotecas ou parques de nada lhe servirá ali, a menos que o doador se tenha interessado particularmente em suas dádivas, dando-se deste modo a si mesmo com seu dinheiro. Dar dinheiro simplesmente atrairá mais dinheiro na próxima existência. Dar a si mesmo é mais do que dinheiro: produz crescimento anímico. O materialista ser humano de negócio, portanto, vai para a quarta região, que é uma espécie de fronteira entre o Purgatório e o Primeiro Céu. Ele é bom demais para sofrer no Purgatório, mas não o suficiente para desfrutar o Primeiro Céu. Mesmo ali, anseia ardentemente prosseguir em seus negócios, mas sem nenhum outro interesse além daqueles que ali não podem ser gratificados, sua vida é de uma monotonia nada invejável, ainda que nada mais sofra.
O materialista convicto que negou a Deus e pensou que a morte é uma aniquilação fica em pior situação. Pode ver seu erro, mas, estando ainda divorciado de ideias espirituais, muitas vezes não pode crer que aquilo seja o prólogo do aniquilamento. Pavorosa expectativa pesa terrivelmente sobre essas pessoas, de sorte que é comum vê-las perambular murmurando: Quando acabará isto? E, pior que tudo, se alguém tenta esclarecê-las, continuarão negando a existência do espírito tão veementemente quanto o faziam na vida terrena, chamando esse alguém de visionário por acreditar na existência do Além.
A natural tendência do Corpo de Desejos é endurecer e consolidar tudo o que com ele se põe em contato. Pensamentos materialistas acentuam esta tendência a tal ponto que, muitas vezes, produzem em vidas subsequentes a terrível enfermidade conhecida como tuberculose que não é mais que o endurecimento dos pulmões. Estes deviam permanecer moles e elásticos. E ainda acontece frequentemente que o Corpo de Desejos pressiona demasiado o Corpo Vital nessas seguintes existências e, a tal ponto, que se torna impossível para o último resistir ao processo de endurecimento. Temos então a tuberculose aguda. Em alguns casos, o materialismo debilita, por assim dizer, o Corpo de Desejos, impedindo-o de realizar por completo o seu trabalho de endurecimento do Corpo Denso. O resultado então é o “raquitismo” que se caracteriza pela fragilidade dos ossos. Vemos, pois, quanto perigo envolve o alimentar-se tendências materialistas: ou endurecem as partes tenras do corpo, como na tuberculose, ou debilitam a dura parte óssea, como no raquitismo. Naturalmente, nem todos os casos de tuberculose significam que o doente era materialista na vida anterior, mas a ciência oculta afirma ser esse o resultado que, de modo geral, segue-se ao materialismo. Na Idade Média, foi gerada outra causa para essa horrenda enfermidade.
Após algum tempo, todo ser humano se prepara para ascender ao Segundo Céu, situado na Região do Pensamento Concreto. Todas as boas aspirações e desejos da vida passada são gravados na Mente, que contém todos os valores perenes. O Ego abandona então o Corpo de Desejos que é então um invólucro vazio e envolvido apenas pela Mente, e passa ao Segundo Céu.
Convém recordar que, ao término do panorama post-mortem, o Ego se retira do Corpo Vital e atravessa um período de inconsciência antes de despertar no Mundo do Desejo. Há também um intervalo entre o abandono do Corpo de Desejos no Primeiro Céu e o despertar no Segundo Céu. Mas agora não há consciência. Todas as faculdades encontram-se alertas, num estado de hiperconsciência, durante este intervalo que é chamado “O Grande Silêncio”. Não importa quão materialista tenha sido um ser humano sobre a Terra, esse estado mental agora se desvanece. E o ser humano sabe que ele é inerentemente divino ao alcançar esse Grande Silêncio, o portal de sua morada celeste. É como quando alguém desperta de um pesadelo e, com um profundo suspiro de alívio, dá-se conta de que o que aconteceu foi sonho, não foi realidade. Assim acontece com o Ego ao penetrar no Grande Silêncio. Desperta das ilusões e desilusões da vida terrena com uma sensação de infinito alívio e imensa segurança, e é invadido pela serena e repousante sensação de estar novamente nos eternos braços do Grande Espírito Universal.
Então, chegam-lhe aos ouvidos as indescritíveis harmonias da música celestial que incessantemente inunda essa região. Não é produto de imaginação ou fantasia o falar-se de música celestial, ainda que seja inverídico de que pessoas mortas, que pouca ou nenhuma habilidade musical adquiriram na vida física, subitamente possam despertar o gosto pela música e até a capacidade de expressá-la depois da morte. A verdade é que o Mundo do Pensamento – onde se situa o Segundo Céu – é também o reino do som, assim como o Mundo do Desejo é o mundo da luz e da cor, e o Mundo Físico, o reino da forma. O artista extrai suas nuances de cor e efeitos de luz do Mundo do Desejo, porém, o músico obtém sua inspiração no Mundo do Pensamento, bem mais sutil, e nisso reside o motivo de ser a música a mais elevada de todas as artes. O pintor extrai sua inspiração de um mundo muito mais próximo, e ao seu alcance, portanto pode fixar permanentemente suas criações em telas para serem vistas em qualquer tempo por todo aquele que tenha olhos. A música não pode ser assim fixada; é mais fugaz e precisa ser recriada a cada vez para, em seguida, desvanecer-se no silêncio. Mas, em troca, tem muito maior poder para falar-nos do que a mais inspirada tela, pois ela vem diretamente do mundo celeste, fresca e fragrante, como ecos do lar do Ego, despertando recordações e pondo-nos outra vez em contato com aquilo que frequentemente esquecemos em nossa existência material. Portanto, só a música, de todas as demais artes humanas, tem tal poder de pacificar e de nos afetar que nenhuma outra consegue.
Goethe era um Iniciado. Em seu “Fausto”, enfatiza ele por duas vezes o fato de que, nos reinos celestiais, todas as coisas se reduzem a termos de som. A primeira cena passa-se no Céu, com o Arcanjo Rafael dizendo:
“O Sol entoa sua velha canção
entre os cânticos rivais das esferas-irmãs.
Seu caminho predestinado vai trilhar,
através dos anos, em retumbante marchar.”
Novamente, na segunda parte:
“O som que penetra no ouvido do espírito
proclama a aproximação de um novo dia.
Portas de ferro gemendo, rangendo,
rodas de Febo girando e cantando,
que som intenso está a luz trazendo!”
A “música das esferas”, de que fala Pitágoras, é uma realidade no Segundo Céu. Para alguns músicos, esta ideia não é, de modo algum, absurda, pois sabem que cada cidade, lago e floresta tem seu tom próprio e peculiar. O murmúrio do regato e a brisa estival que agita as frondes do bosque falam a linguagem da alma Universal. O verdadeiro músico ouve sua grande e majestosa voz na torrente da montanha e na tempestade que se abate sobre o abismo. Nenhuma simples concepção intelectual de Deus, da vida ou das coisas suprafísicas pode jamais alcançar as sublimes alturas que tal músico atinge, pois ele sabe.
No Purgatório, os maus hábitos e atos da vida produzem sofrimento que é transmutado em Reto Sentimento no Primeiro Céu. O bem da vida passada é extraído no Primeiro Céu e, quando o Ego entra no Segundo Céu, assimila esse bem de modo a transmutá-lo em Reto Pensamento, que atuará como um guia nas futuras vidas terrenas. Assim, a cada novo nascimento, o Ego traz consigo – como capital – um acúmulo de sabedoria extraído das experiências de todas as vidas passadas, que é sua reserva ou capital realizável. As experiências em cada nova vida são juros que, no Segundo Céu, acrescentam-se ao capital.
O ser humano ali prepara-se também para o seu próximo mergulho na matéria, qualificando-se para a nova batalha contra a ignorância na próxima vida na grande escola de Deus. Se falhou em realizar uma ambição superior, vê onde se encontra a falha e aprende a superá-la para, na próxima vez, alcançar seu objetivo de modo mais seguro. O músico traz consigo as mais belas melodias quando regressa para alegrar o coração do ser humano em seu exílio de condições terrenas. O pintor traz novas inspirações, pois não se deve supor que no Segundo Céu não haja cor só pelo fato de ser chamado de região do som. Cor e forma, ambas existem ali como no Mundo Físico, mas o som é a característica predominante do Mundo do Pensamento. A cor é mais acentuada no Mundo do Desejo, enquanto a forma o é mais no Mundo Físico. Contudo, é certo também que as cores e formas do Segundo Céu são muito mais belas que as dos outros dois mundos.
Dissemos desse processo de assimilação da parte boa e duradoura, extraída das experiências de vidas passadas, como se fosse um processo negativo. Por isso, muitos estudantes podem pensar que a vida no Segundo Céu é uma ilusória experiência de sonhos. Nada mais errôneo, pois são múltiplas e reais as atividades da vida no Céu. O ser humano não apenas revisa ou vive seu passado como também prepara ativamente seu futuro.
Falamos muito de evolução, mas já analisamos alguma vez o que a produz? E por que não cessa ou entra em estagnação? Se analisássemos o assunto, dar-nos-íamos conta de que por trás do visível existem forças que produzem alterações na flora e na fauna e que as mudanças climáticas e topográficas prosseguem continuamente. Daí surgir muito naturalmente a pergunta: Que ou quem são as forças ou agentes da evolução?
Naturalmente, sabemos que os cientistas dão certas explicações mecânicas. E merecem grande crédito; eles conseguiram muito, se levarmos em consideração que a ciência se acha ainda em sua infância, e que os mesmos dispõem apenas de cinco sentidos e de engenhosos instrumentos ao seu dispor. Suas deduções são maravilhosamente corretas, mas isto não significa que não possa haver causas subjacentes, impossíveis por enquanto de serem por eles detectadas, mas que proporcionam uma compreensão mais perfeita do assunto do que meramente suas mecânicas explicações. Um exemplo esclarecerá este ponto.
Dois homens estão conversando quando, subitamente, um deles abate o outro com um soco. Temos aí uma ocorrência, um fato, que podemos explicar mecanicamente assim: “Vi um homem contrair os músculos de seu braço e derrubar outro com um violento murro”. Esta versão é correta, de modo geral, mas o cientista oculto vê também o pensamento de raiva que inspirou o murro. Portanto, numa versão mais completa, teríamos de dizer que o homem foi derrubado por um pensamento, uma vez que o punho cerrado não foi mais que o irresponsável instrumento da agressão. Faltando a força impulsora do pensamento de raiva, a mão teria ficado inerte e o murro jamais teria sido dado.
Deste modo, o cientista oculto atribui todas as causas à Região do Pensamento Concreto e diz-nos como ali são elas geradas pelos Espíritos humanos e sobre-humanos.
Recordando que os arquétipos criadores de todas as coisas que vemos no mundo visível acham-se no Mundo do Pensamento, que é o reino do som, estamos preparados para compreender que as forças arquetípicas estão constantemente agindo através desses arquétipos, que então emitem um certo tom, ou quando certo número deles agrupa-se para criar uma espécie de forma vegetal, animal ou humana, os diferentes sons fundem-se em um grande coro. Esse tom singular ou coro, conforme o caso, é, pois, a nota-chave da forma assim criada, de maneira que, enquanto soem, a forma ou as espécies perdurarão e, cessando, também cessará a simples forma ou as espécies.
Uma confusão de sons não é música, do mesmo modo que umas tantas palavras juntadas ao acaso não formam uma frase. Mas o som rítmico ordenado é o construtor de tudo o que existe conforme diz São João nos primeiros versículos de seu evangelho: “No princípio era o Verbo, … e sem Ele nada se fez”. Diz também que “o Verbo se fez carne”.
Vemos assim que o som é o criador e o mantenedor de todas as formas, sendo que, no Segundo Céu, o Ego torna-se UM com as forças da Natureza. Com elas, trabalha então sobre os arquétipos da terra e do mar, da flora e da fauna, provocando mudanças que gradualmente alteram a aparência e as condições da Terra, deste modo proporcionando um novo ambiente feito por ele próprio – para colher novas experiências.
Nesse trabalho, o Ego é dirigido por grandes instrutores pertencentes às Hierarquias Criadoras – chamadas Anjos, Arcanjos e outros nomes – constituídos como ministros de Deus para ensinar-lhe, de modo consciente, a divina arte de criar tanto o mundo quanto suas coisas. Ensinam-lhe como construir uma forma para si mesmo, dando-lhe para auxiliares os chamados “Espíritos da Natureza”. Desta maneira, todas as vezes que vai ao Segundo Céu, o ser humano aprende para ser um criador. Ali, ele constrói o arquétipo da forma que posteriormente, ao renascer, exteriorizará.
Na Conferência III, falamos dos quatro éteres, bem como das forças de assimilação que atuam no éter químico. Tais forças são os próprios Egos no mundo celeste, de modo que as pessoas a quem chamamos mortos são as mesmas que constroem nossos corpos e nos ajudam a viver. Convém notar também que ninguém pode ter um corpo melhor que aquele que é capaz de construir. Se comete erros no Céu, percebê-los-á depois quando tiver de usar tal corpo defeituoso na Terra, aprendendo, portanto, a corrigir a falha da próxima vez.
Isto recorda-nos um interessante aspecto da Lei de Consequência: o caso dos Egos que precisam de um corpo peculiar, como os músicos, nos quais não somente as mãos, mas também os ouvidos, precisam estar especialmente ajustados para que os três canais semicirculares apontem com precisão para as três dimensões do espaço, e que as fibras de Corti tenham extraordinária sensibilidade. Tal instrumento não pode ser formado de materiais grosseiros; eis por que tal Ego deve nascer em uma família onde outros Egos tenham trabalhado obedecendo a idênticas linhas, o que nem sempre acontece.
Supondo-se, então, que tal ocasião surja 100 anos antes do tempo em que esse Ego normalmente deva renascer, e que os Anjos do Destino – encarregados da Lei de Consequência – percebam que outra oportunidade não ocorrerá antes de 300 anos, esse Ego pode então ser levado ao renascimento 100 anos antes do tempo devido, compensando-se esta perda no céu em outra oportunidade. Vemos, pois, que os vivos e os chamados mortos agem e reagem constantemente uns sobre os outros em sua jornada ao longo do caminho evolutivo.
Havendo, deste modo, progredido através do Segundo Céu, o Ego finalmente descarta-se da Mente que fora até ali a sua roupagem. E assim, inteiramente livre e desembaraçado, entra no Terceiro Céu, que é o ponto mais elevado já atingido pelo ser humano em seu presente estágio de desenvolvimento. Segui-lo-emos até lá na próxima Conferência.
[9] N.T.: CONFERÊNCIA XIX – A FORÇA FUTURA – VRIL! O QUE SERÁ?
Tanto se tem falado dos mundos internos sob o ponto de vista oculto, tanta ênfase tem-se posto no fato de que possuímos veículos superiores e de que somos capazes de desenvolvê-los e neles funcionar conscientemente, que parece necessário, de tempos em tempos, ressaltar o enorme valor do corpo denso e do mundo visível ao qual ele nos correlaciona, isto para que se neutralize tanto quanto possível o menosprezo de algumas pessoas ao Mundo Físico em que vivemos.
Podemos estar certos de que, por trás de todo o processo evolutivo, estão Grandes e Exaltadas Inteligências, as quais ordenam todas as coisas com uma sabedoria tal que nenhum fator é negligenciado, e, assim, podemos tentar compreender o alvo e o propósito de nossa atual existência. Logo veremos, pois, que tudo está certo, que existem boas e suficientes razões para estarmos situados na presente fase de vida concreta e para as limitações disso resultantes.
Vemos que atualmente o mundo ocidental atravessa uma fase de desenvolvimento material e muitos dentre nós, que se agarram às coisas do espírito, inclinam-se a olhar “de cima para baixo”, a considerar as atividades do ser humano comum com um sentimento de “graças a Deus que sou mais santo do que ele”, atitude que é inteiramente sem sentido.
Por seu turno, o tão desdenhado “indivíduo comum” olha desconfiado para nós que falamos muito familiarmente do céu e do inferno, mas que vivemos pouco atualizados com os assuntos materiais. Ele sente que nosso primeiro e mais importante dever é conhecer o mundo material e cumprir as obrigações terrenas com o melhor de nossa capacidade aqui, antes de nos alçarmos às nuvens. Para enfatizar este argumento, ele aponta como exemplo o povo da Índia, que morre de fome em razão de pouca disposição para o trabalho: que tal povo pensa muito no Nirvana, mas esquece-se de suas condições terrenas.
O indivíduo comum poderá nos mandar contemplar as condições de atraso desses orientais, atribuindo tais condições à sua crença na doutrina do renascimento, que lhes inculca uma desconsideração natural à presente fase da existência. Então, sustentará que o desenvolvimento espiritual – especialmente o que não segue os métodos da igreja reconhecida – é nocivo no mais alto grau. E estará com toda a razão, mas há também um ponto de vista mais profundo que abordaremos depois.
A fim de que possamos nos desenvolver de maneira sadia e segura, é preciso apreciarmos corretamente a missão deste mundo no plano divino, denominado evolução, e fazer toda a nossa parte no trabalho do mundo. Por outro lado, pode-se dizer também que o ponto de vista oculto proporciona uma visão mais profunda e um campo de aplicação mais útil do que considerações meramente superficiais. Examinemos, pois, a senda do progresso no mundo material sob os dois ângulos.
Dissemos na Conferência II que todas as coisas do mundo material visível são pensamentos-forma cristalizados, e ilustramos a asserção mostrando como o arquiteto forma a casa em sua mente, e como, desse pensamento-forma, ele desenha a planta pela qual os carpinteiros e pedreiros constroem a habitação. A imaginação de Graham Bell cristalizou-se no telefone; a de Fulton cristalizou-se no navio a vapor, etc. Mas aquelas ideias, naturalmente, não surgiram perfeitas. Muitas experiências se fizeram necessárias antes que os inventos fossem dados como bastante eficientes para serem utilizados pelo ser humano.
Supondo que este Mundo Físico em que vivemos fosse como o Mundo do Pensamento, onde pudéssemos formar imagens como retratos mentais, mas que não proporcionasse nenhum meio de concretizarmos nossas imagens em metais ou madeiras, conforme costumamos fazer aqui, o que seria do telefone e do navio a vapor? Os inventores concluiriam seus inventos num abrir e fechar de olhos por não haver condições materiais que lhes apontassem as imperfeições do pensamento. Em consequência, eles não aprenderiam a raciocinar corretamente.
É missão do concreto Mundo material tornar manifestos os nossos erros. Estamos desenvolvendo dentro de nós mesmos uma força extraordinária e, no Mundo Físico, temos as condições mais ideais de aperfeiçoar a necessária habilidade para usá-la convenientemente. Sem tal habilidade, e dadas a ilusórias condições da matéria, esse poder seria imensamente maléfico. O que vem a ser essa força futura podemos saber se lançarmos um olhar ao desenvolvimento passado, que nos dará o padrão da verdadeira perspectiva.
Na aurora da existência humana, o ser humano lidava principalmente com os sólidos. Seus primeiros utensílios eram de pedras agudas ou rombudas, conforme achavam-nas à mão. Mais tarde, passou a confiar nos líquidos, quando pela primeira vez transportou-se em seu tosco barco sobre a água ou fez esta mover seu primeiro moinho. Depois, ele aprendeu a usar os gases – os ventos – como força propulsora em embarcações e moinhos.
Este foi um grande avanço, porque possibilitou pela primeira vez aos povos mais diferentes e distantes, nas diversas partes do mundo, comunicarem-se entre si, e ampliou desmesuradamente a área do conhecimento humano. O progresso alcançado pelo uso da força do ar, contudo, tornou-se insignificante diante do passo muito maior que pudemos dar ao começarmos a utilizar um gás mais sutil – a força do vapor. Isto fez girar as rodas do progresso a tal velocidade que nos deixou mudos de assombro. Mas até as maravilhas alcançadas através do vapor nada são comparadas aos mil e um melhoramentos – quer nas comunicações, quer na ampliação de conhecimentos – proporcionados pela descoberta e uso de uma força ainda mais sutil: a força elétrica, que circunda o globo com uma mensagem em menos segundos do que gastariam, em anos, os veículos sob os antigos meios de propulsão.
Vemos, pois, que o progresso humano tem sido alcançado pelo uso de forças cada vez mais sutis, e que, todas as vezes que aprendemos a empregar uma nova energia, damos novo e maravilhoso passo no caminho da civilização.
Este ângulo de visão do progresso humano é algo a que comumente não estamos acostumados. Geralmente, associamos solidez à fortaleza, como se ambos os termos fossem sinônimos. Um rápido exame, porém, mostrará a falácia dessa ideia.
As ondas do mar, apesar de líquidas, podem arrasar o tombadilho de um navio em poucos minutos; podem torcer ou curvar a mais forte viga de aço como se esta fosse apenas um arame. O vento pode partir o mastro de um navio num piscar de olhos e, no entanto, não passa de ar – um gás. A água, um líquido, está desmoronando as colinas de Seattle, Washington, EUA, fazendo no chão da cidade o que as sólidas picaretas e a pá não conseguiriam. Quando vemos uma grande locomotiva com seus vagões extremamente pesados, admirando o enorme volume da composição, damo-nos conta de que a razão pela qual o trem precisa ser assim solidamente construído reside no fato de que ele tem de ser movido por um invisível gás elástico, o vapor.
A roda hidráulica seria inútil como geradora de força se não tivesse contato direto com uma fonte de energia estacionária: a cachoeira. A força do vento era melhor e pôde ser usada como força propulsora por todo o mundo, mas era instável e incerta. O vapor era quase um ideal, pois podia-se consegui-lo à vontade e praticamente em qualquer lugar, mas exigia um maquinário considerável para funcionar, a exemplo da locomotiva, que é uma usina de força móvel. A eletricidade pode percorrer milhares de quilômetros através de fios e, ao longo de toda a linha formada, pode ser usada em qualquer lugar; ela pode ser armazenada, envasilhada de fato para uso a qualquer instante; pode até ser transmitida de um a outro lugar através do onipresente éter, sem necessidade de quaisquer fios.
Mostramos, pois, que o progresso do ser humano no passado foi alcançado por meio da utilização de forças de crescente sutileza – a água, o ar, o vapor, a eletricidade, e que a crescente utilidade de cada uma dessas forças é aumentada ainda mais em função da facilidade com que podem ser transmitidas e empregadas nos mais diversos lugares. O mais recente avanço nessa área é a transmissão de energia de uma fonte central a vários pontos sem a utilização de um condutor material visível, como é o caso do telégrafo sem fio.
Havendo revisto as conquistas do passado, fica evidente que o progresso ulterior da Raça humana depende da descoberta e utilização de uma energia ainda mais sutil, essa transmissível com facilidade ainda maior que as forças já conhecidas.
Qual será essa nova força, em que contribuirá ela para o progresso da Raça humana, e através do que chegaremos a descobri-la? Esta é a tríplice e natural pergunta que tentaremos responder.
O autor e sua obra: Sir Edward Bulwer-Lytton e a Capa da edição de 1871 da obra The Coming Race (A Raça Futura)
Em sua obra “A Raça Futura”, Bulwer Lytton¹ nos dá um vislumbre do que será essa força futura. Tal como ocorre a todas as histórias no gênero, essa também não foi levada a sério, mas considerada apenas como fantasia de um talentoso escritor. As histórias de Julio Verne emprestaram análoga atitude de admiração da parte do público em razão de sua vívida fantasia. No entanto, não é verdade que muitas coisas delas já se realizaram? “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias” é agora lenta demais para um corre-mundo do século XX. A navegação submarina e a aérea são realidades nos dias de hoje.
Em verdade, a mente humana é incapaz de imaginar qualquer coisa que não possa alcançar. Isto parece uma afirmação absurda, mas acaso não estará justificada por aquilo que já foi conseguido? E, voltando à diretriz do nosso argumento, podemos dizer que algo semelhante ao Vril de Bulwer precisa ser descoberto para que o ser humano possa dar seu próximo grande passo no caminho do progresso. É verdade, grandes e maravilhosas descobertas estão à nossa frente pela exploração das forças que já possuímos, mas o próximo grande passo depende da descoberta da força futura, bem como da preparação para seu emprego. Tentativas para descobrir-se a máquina a vapor foram levadas a efeito pelos antigos, muitos séculos antes do sucesso alcançado nos últimos tempos. A eletricidade também já era um pouco conhecida por eles, mas passou-se muito tempo até que suas ideias amadurecessem suficientemente para converterem-se em algo utilizável na prática. De igual modo, ao mesmo tempo que prosseguimos explorando as forças já conhecidas, precisamos também preparar-nos para a força futura, a fim de que, quando a descobrirmos, sejamos capazes de achar também o meio de a utilizar o mais depressa possível. Olhemos mais de perto a Vril de Bulwer Lytton porque é possível que, por baixo de sua fantástica roupagem, encontremos valiosíssima chave.
Vril era uma força gerada dentro de cada um dos seres da história de Bulwer, e que independia de custosa aparelhagem externa, só possível de ser adquirida por uns poucos privilegiados, mas não pela maioria. Ao contrário, todos sem exceção, do berço ao túmulo, tinham esse poder.
Esta é por certo uma fonte ideal superior mesmo a uma usina central de força. Ninguém precisava de elevadores porque todos podiam levitar à vontade; dispensavam os bondes e trens porque cada um podia locomover-se veloz e facilmente em razão de sua própria força; não havia necessidade de navios porque o ser humano podia viajar pelo ar, dispensando as lentas e pesadas máquinas de transporte terrestre e marítimo; e, viajando através do ar, tinha de vencer uma resistência bem menor – conforme se dá com as aves – do que através de outros meios e dependendo de aviões ou invenções afins.
Como qualquer outra força, Vril podia ser usada como meio de destruição. Nisto, era também muito sumária, de modo que o máximo cuidado era exigido daquele que a empregava. Seu uso requeria autodomínio no mais alto grau, pois perder a calma poderia certamente resultar em desastre. Se tivermos de usar tal força, pelo visto é absolutamente essencial que sejamos bons, afetuosos e que não façamos inimigos. Nossas vidas estariam, pois, nas mãos dos outros a tal ponto que nem poderíamos imaginá-lo presentemente.
Quando olhamos para dentro de nós, a ver se existe possibilidade de tal energia começar a desenvolver-se, somos forçados a reconhecer o fato de que ali se encontra uma força de vastíssimas possibilidades: o Poder Mental. Nossas ideias tomam forma como imagens mentais, as quais criamos com grande facilidade e, a seguir, cristalizamos em coisas materiais de maneira extremamente lenta e laboriosa, tais como cidades, casas, móveis, etc. Tudo o que é feito pelas mãos do ser humano é pensamento cristalizado.
Não devemos considerar esse modo lento do pensamento manifestar-se na matéria como uma medida de sua possibilidade, nem nos desanimar pelo fato de ser ele instável e efêmero. Tem sido assim com as outras forças que já atrelamos às rodas do progresso. Por incontáveis eras, as ondas do mar têm desperdiçado energia chocando-se de encontro às costas, mas agora os engenheiros começam a aproveitar a força da água fazendo cachoeiras moverem geradores elétricos. Por igual período, os ventos varreram terras e mares antes que o ser humano aprendesse a utilizá-los como propulsores do barco à vela e veículo do comércio do mundo. Por muitas eras, o vapor escapou-se dos caldeirões ferventes da Humanidade primitiva, antes que esta aprendesse a concentrá-lo e usá-lo na indústria. De maneira idêntica, assim como o vapor escapava-se inutilmente dos caldeirões da antiguidade, igualmente a energia mental radiante da Humanidade de hoje ainda não está sendo utilizada. E assim como precisou-se concentrar o vapor para poder utilizá-lo, assim também precisamos concentrar essa mais sutil e muitíssimo mais poderosa força mental, a fim de podermos utilizá-la para fazer nosso trabalho mundano com uma facilidade impossível de imaginar-se, mesmo por comparações, às forças conhecidas, pois estas operam meramente com as coisas já existentes, enquanto o Poder Mental é uma força criadora.
Sabemos quão perigosas são as outras forças quando utilizadas e concentradas. Quando o vapor se escapa normalmente do caldeirão, nenhum mal sério pode causar. A eletricidade gerada pela fricção de uma correia ou de um pedaço de âmbar não é perigosa a ninguém. Mas, quando uma grande quantidade de vapor se acumula sob pressão numa caldeira, esta pode explodir nas mãos de um operário incompetente; o mesmo se dá com a eletricidade acumulada sob tensão em um cabo: pode matar quem inadvertidamente toque no cabo. Podemos inferir, por analogia, que o Poder Mental mal dirigido, ou empregado ignorantemente, produziria efeitos bem mais desastrosos, porque trata-se de uma força bem mais sutil. Portanto, é preciso que o ser humano frequente uma escola onde possa aprender e usar essa enorme força de um modo seguro e eficiente e, quer nos demos conta disso quer não, os sábios guias invisíveis, que trabalham poderosamente pela Humanidade, já nos deram tal escola quando nos puseram nesta existência concreta – o Mundo Físico. Saibamos ou não, todos os dias, a toda hora, aprendemos aqui a lição do Reto Pensar. E, à medida que aprendemos essa lição, tornamo-nos mais e mais semelhantes ao nosso Pai Celestial.
Vemos assim quão grande erro cometemos ao menosprezar esta existência concreta para viver nas nuvens de esperanças e aspirações da vida e dos mundos superiores, negligenciando nossos deveres na presente vida material concreta.
Deve ser igualmente claro, contudo, que também é errado confinarmo-nos tão somente na vida material, excluindo o lado espiritual da nossa natureza. Os extremos são perigosos. Se reconhecemos os dois polos do nosso ser e nos esforçamos por guiar nossa existência material pela luz de nossa percepção espiritual, podemos aprender as lições maravilhosamente ministradas na escola da experiência em um tempo bem mais curto do que o requerido para aprender indo-se aos extremos.
Os resultados de seguir-se quaisquer dos extremos pode ser visto por comparação – sob o prisma ocultista – entre os indianos e os ocidentais.
Conforme já dissemos, as pessoas de tendência materialista, para justificarem sua indiferença aos assuntos espirituais, apontam nações e indivíduos que seguem esse caminho – particularmente o povo indiano – fazendo-nos notar suas condições de atraso, bem como a indolência do oriental, atribuindo tudo isso à sua orientação religiosa. Outros tentam defender aquele povo, apoiados no fato de que eles vivem aglomerados em uma vasta região árida e montanhosa, que não pode produzir suficiente alimento para os milhões de criaturas que a superpovoam, pelo que a doença e a fome se tornam inevitáveis. Assinalam o sol causticante e as devastadoras inundações da Índia em contraste com a nossa terra fértil e pouco populosa, onde a abundância é para todos, o que implica, segundo eles, numa injustiça da parte de Deus, o qual estaria dando a uns o que estaria negando a outros mais merecedores.
Que a condição dos indianos é tal como a descrita, e até pior do que poderíamos imaginar, é seguro afirmar-se. Considerando-se a vida sob o ponto de vista comum e ocidental, que admite uma só existência, poder-se-ia lamentar esse povo como vítima do capricho de um deus injusto. Mas, quando admitimos as Leis de Consequência e do Renascimento e as atividades levadas a efeito no Segundo Céu, prontamente compreendemos a razão espiritual para as diferenças de condições tanto das nações como dos indivíduos.
O Sol causticante, o solo estéril e as inundações devastadoras da Índia são apenas efeitos do Mundo material de causas geradas nos Reinos espirituais, conforme acontece em todos os atos da Natureza e do ser humano. Existe uma explicação espiritual para cada fenômeno, que é muito mais profunda que o fato material. Existe uma razão espiritual para a pobreza e para as condições climáticas da Índia, assim como há um profundo propósito para a nossa prosperidade. Para compreendermos tal razão, é necessário manter bem clara na mente a distinção entre o corpo e o Espírito que nele habita. Todos os Espíritos são idênticos, exceto que alguns progrediram mais do que outros. As Raças são apenas corpos criados pelos Espíritos e, ao evoluir, cada classe destes passa de uma Raça a outra. Os mais desenvolvidos fazem o trabalho pioneiro e conduzem a Raça ao seu mais alto grau de perfeição. Quando isto é alcançado, forma-se uma nova Raça. Os corpos de Raça, então abandonados, são aproveitados por Espíritos menos evoluídos e começam a degenerar. Quando, pois, tais corpos tornam-se também inúteis para esta classe, os Espíritos já mais avançados abandonam-nos a uma outra classe de Espíritos ainda menos evoluída. Sob sua influência, a Raça degenera ainda mais até que, finalmente, por não existirem Espíritos tão atrasados que possam adquirir experiência através de corpos tão degenerados, os homens tornam-se estéreis e a Raça morre. Serviu ao seu propósito.
Nós, das nações ocidentais, já ocupamos no passado corpos indianos. Isso foi quando a Índia atravessava sua fase gloriosa, quando a Raça evoluía tanto física quanto espiritualmente. Foi na chamada Época de Ouro, quando surgiram as sagradas escrituras, quando se ergueram os grandes templos e quando a evolução espiritual e material da Índia alcançou seu apogeu.
Mas o ser humano estava destinado a dominar por completo o mundo material. enquanto ele pensou ser única e principalmente um Espírito, e teve uma fé absoluta e firme na continuidade da vida. Enquanto ele soube positivamente que o renascimento se seguia à morte de modo tão certo quanto a morte seguia-se ao nascimento, sentiu também que tinha pela frente um tempo ilimitado para progredir, e, em consequência, pouco esforçou-se para aperfeiçoar os recursos do Mundo material.
Foi necessário, portanto, que ele esquecesse por algum tempo a doutrina do renascimento e acreditasse que vivia apenas uma vez, a fim de que pudesse concentrar todos os seus esforços no aproveitamento das oportunidades de avanço material. O modo pelo qual chegou a isso encontra-se nos primeiros capítulos desta obra e, também, mais detalhadamente, no livro: “O Conceito Rosacruz do Cosmos-Max Heindel-Fraternidade Rosacruz”.
Assim, nós – Espíritos que habitamos corpos de Raças ocidentais – abandonamos os corpos indianos e construímos em troca os corpos das Raças subsequentes, atingindo gradualmente níveis de desenvolvimento material cada vez mais elevados durante a vida terrena. E, como a vida no Céu entre os renascimentos é sempre o resultado da vida anterior e um preparativo para a seguinte, em cujo estágio construímos nossos futuros corpos e nosso futuro país sob a direção de grandes Hierarquias Criadoras – conforme descrito na Conferência VI deste livro – assim pois temos construído gradualmente esse nosso atual corpo altamente organizado; o nosso rico e belo país com os seus magníficos recursos naturais, seu clima propício, etc., pelo que podemos agora gozar dos frutos de nosso trabalho de existências anteriores tanto no céu quanto na Terra.
A Raça indiana foi a primeira da Época Ária e vem se degenerando desde que abandonamos seus corpos, que agora são habitados pelos Espíritos mais atrasados nascidos em corpos arianos. E, como lhe imprimimos essa fortíssima tendência espiritual, a hereditariedade tem preservado esses traços nos corpos indianos, de modo que eles são mais suscetíveis aos impactos espirituais do que os corpos mais materializados das Raças posteriores, muito embora não seja uma categoria de espiritualidade tão elevada quanto a expressa quando habitávamos os mesmos corpos. Tais corpos têm-se degenerado e os Espíritos evoluíram menos que nós, de forma que a Raça se destaca mais por uma mente muito analítica do que propriamente por uma verdadeira espiritualidade.
Havendo retido plena compreensão e fé implícita na doutrina do renascimento, a qual os ocidentais perderam temporariamente, e sendo atrasados, os indianos são também naturalmente indolentes e não procuram melhorar suas condições físicas nem na vida terrena nem entre os renascimentos. Em consequência, o país também se degenera com os corpos. e o sofrimento resultante tem por propósito despertar seu povo para a necessidade de concentrar-se nas coisas materiais, a fim de que aprenda a conquistar a Terra conforme fazemos. Eles terão de seguir nossos passos e esquecer por algum tempo sua natureza espiritual, para que possam aprender as importantes lições deste mundo material. A carência de bens de consumo e conforto materiais os levará a abandonar o lado espiritual de seu desenvolvimento e os introduzirá na fase material. Nossa plenitude e prosperidade material têm em vista um fim oposto: destinam-se a provocar-nos a náusea da sociedade, levando-nos deste modo a compreender a inutilidade das coisas materiais e fazendo-nos retornar ao espiritual, de maneira que, na medida em que novos inventos e melhores meios de distribuição tornam a vida mais fácil, a aspiração pela vida superior enfraquecerá a ânsia por sucesso mundano.
Nossa concentração sobre as coisas materiais e consequente êxito mundano deu-nos gradativamente um tal ímpeto em direção ao material que chegamos a considerar nossa natureza espiritual uma supersticiosa falácia desacreditada pelos fatos científicos.
Nossa atitude “científica” ultra-materialista é verdadeiramente oposta à atitude dos indianos. E, como os extremos se unem, o ultra-materialismo do pensamento ocidental atua destrutivamente sobre as terras do ocidente, assim como a indolência oriental devasta as Índias Orientais.
Há uma relação entre materialismo, abalos sísmicos e outros cataclismos.
No livro “O Conceito Rosacruz do Cosmos” dedicou-se um capítulo à descrição das diferentes camadas da Terra, tanto quanto permitido e possível sem a Iniciação. Basta dizer aqui que há nove dessas camadas de diferentes espessuras, e que o núcleo ou centro constitui a décima parte. Este é o assento da consciência do Espírito da Terra.
É um fato evidente para todo investigador ocultista que o Espírito da Terra sente tudo o que fazemos. Assim, quando no outono os ceifadores colhem os grãos maduros, Ele sente prazer, sente alegria por haver produzido. É uma sensação idêntica à da vaca quando o bezerro lhe suga o úbere cheio de leite. Quando as flores são colhidas, dá-se o mesmo, mas, quando as árvores e as plantas são arrancadas pela raiz, o Espírito da Terra experimenta dor, porque o reino vegetal é para Ele o que para nós são os cabelos.
Mas o Espírito da Terra não é afetado só por nossos atos. Ele sente do mesmo modo nossa atitude mental. Há uma camada da Terra que reflete particularmente nossas paixões, sentimentos e emoções de maneira a mais surpreendente, fazendo-os retroagir sobre nós, na forma de tempestades, inundações e tremores de terra.
O materialismo causa erupções vulcânicas de forma que, quanto mais prevaleçam as condições espirituais, menos cataclismos deverão ocorrer no mundo.
Este é um fato difícil de constatar pelo ser humano comum, e não teria sido afirmado se não fosse possível dar pelo menos uma evidência circunstancial de sua veracidade. Esta evidência deriva de um estudo da tendência do pensamento na ocasião em que ocorreu a erupção do Vesúvio. A lista de cataclismos que tiveram lugar em nossa era começou com a erupção que destruiu Herculano de Pompéia no ano 79 D.C. e em que pereceu Plínio, o Velho. A seguir, em 203, 472, 512, 652, 982, 1036, 1158, 1500, 1631, 1737, 1794, 1822, 1855, 1872, 1885, 1891, 1906.
Houve, portanto, 18 erupções em 1900 anos. A primeira metade (nove) ocorreu em 1600 anos, durante a chamada “Era da Escuridão”, quando o ser humano era suficientemente ignorante e supersticioso para crer em Deus, e até em duendes, fadas e “outras tolices”.
Desde que o advento da ciência moderna “iluminou” o mundo ocidental tentando demonstrar a superfluidade de Deus e ensinando que somos a mais alta inteligência do cosmos; que “o cérebro é uma glândula que segrega pensamento assim como o fígado segrega bile”; que “para andar empregamos a mesma força que usamos para pensar” e muitas outras coisas do gênero, tais reações cataclísmicas têm aumentado correspondentemente. Houve nove erupções nos últimos 300 anos em que a ciência moderna tem procurado iluminar-nos, contra igual número de catástrofes na “Era da Escuridão”, mas em 1600 anos. As seis primeiras ocorreram nos primeiros mil anos de nossa era, as cinco últimas dentro de um período de 51 anos. Se contarmos os passos dados pela ciência no último século, particularmente nos últimos sessenta anos, a conclusão é óbvia: quanto mais cresce o materialismo, mais numerosas se tornam as erupções; quanto mais se alastra o materialismo, mais pontos da Terra são afetados.
Não se conclua do exposto que a ciência é prejudicial aos olhos do ocultista. Ela ocupa legitimamente o posto de instrutora da Raça humana, mas, quando se divorcia da religião e se torna materialista, conforme se dá nos tempos modernos, então ela passa a ser uma ameaça à Humanidade. Houve um tempo em que a religião, a arte e a ciência estavam unidas, sendo ensinadas simultaneamente nos templos de Mistérios, e até bem tarde na Grécia. Mas como o plano físico é o da separatividade e especialização, elas tiveram que ser propositalmente separadas por algum tempo, a fim de que pudessem alcançar uma maior perfeição. No devido tempo, as três voltarão a juntar-se. Então, e somente então, teremos completa satisfação através do coração, do intelecto e dos sentidos. O coração se deleitará com o cerimonial religioso; o intelecto encontrará satisfação no lado científico; e a parte estética da natureza do ser humano desfrutará das diversas artes, que serão utilizadas nos serviços de templos do futuro.
Quando o ser humano haja espiritualizado seu ser sob a influência dessa religião científico-artística do futuro, terá ele aprendido o autodomínio e ter-se-á tornado um auxiliar altruísta de seu semelhante. Poderá então ser um firme guardião do poder mental, pelo qual será capaz de formar ideias exatas e prontas para serem cristalizadas de imediato em coisas úteis. Isto se efetuará por meio da laringe, que emitirá a Palavra Criadora.
Todas as coisas da Natureza vieram à existência pelo “Verbo que se fez carne” (Jo 1). O som, ou pensamento falado, será a nossa próxima força a manifestar-se, uma força que nos fará homens-deuses criadores quando, mediante nosso atual aprendizado, nos tivermos capacitado para o uso de tão grande poder para o bem de todos, a despeito dos nossos próprios interesses.