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PorFraternidade Rosacruz de Campinas

As Bem-aventuranças – Por um Estudante

O “Sermão da Montanha” é um dos mais importantes trechos da mensagem Cristã; um código universal de conduta, cabível a qualquer Religião ou credo.

Cabe a cada um de nós, segundo o nível de compreensão, extrair desses princípios gerais as consequências práticas.

As Bem-aventuranças são uma síntese do espírito Cristão e não meramente da letra.

É uma sinopse espiritual e não literária.

Uma súmula geral, que sintetizavam os ensinamentos religiosos e filosóficos.

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Por um Probacionista – As Bem-aventuranças

2. Para estudar no próprio site:

Revisado de acordo com:

1ª Edição em Português, editada pela Fraternidade Rosacruz do Centro de São José dos Campos – SP

Pelos Irmãos e Irmãs da Fraternidade Rosacruz – Centro Rosacruz de Campinas – SP – Brasil

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Apresentação

Felicidade é SER.

Ser o que?

Ser o que essencialmente somos, mas sem condicionamentos da persona; uma Centelha Divina sem deturpações da natureza inferior.

Quando conseguirmos SER, nossa evolução decorrerá sem dores e muito mais rapidamente.

No entanto, estamos fascinados pelo materialismo; condicionados pelos conceitos falsos de que somos uma personalidade à parte e separada de Deus, dependentes de nossos recursos pessoais e externos.

Isso nos vem desviando e retardando a evolução. Urgente se faz retornar ao próprio íntimo, e lá encontrar e desenterrar o “tesouro escondido”, que dissolverá o sentido humano e nos devolverá a verdadeira identidade, na unidade do Espírito.

Mas há um caminho a percorrer; há uma verdade a realizar acerca de nós mesmos, como já enunciada naquela antiga frase (a um tempo convite e desafio), inscrita na fachada do templo de Delfos: “Homem, conhece-te a ti mesmo”.

Os enganos e a astúcia estão no labirinto da personalidade falsa. O “fio de Ariadne” que nos orientara nesse labirinto, para descobrirmos a ilusão e retornar à liberdade é o “Sermão da Montanha”, notadamente as “bem-aventuranças”, que são como “setas nas encruzilhadas” do Peregrino, em busca do próprio SER.

Neste amoroso desejo de SERVIR, o CRISTIANISMO ESOTÉRICO, exposto pela Fraternidade Rosacruz, fundada por Max Heindel, lhe oferece este trabalho.

Nota: não leia de um fôlego só. Medite uma por uma das exposições e acrescente sua própria experiência e sentir, valorizando-as com seu dom epigenético; pois, são temas inesgotáveis.

Oração do Estudante Rosacruz

“Aumenta o meu amor por ti, Ó Deus

Para que eu possa servir-Te melhor a cada dia que passa

Faze que as palavras de meus lábios

E as meditações do meu coração

Sejam agradáveis a Tua presença

Ó Senhor, minha força e meu redentor.”

         ÍNDICE

Apresentação.. 3

INTRODUÇÃO.. 6

Primeira Bem-Aventurança.. 10

Segunda Bem-Aventurança.. 21

Terceira Bem-Aventurança.. 30

Quarta Bem-Aventurança.. 40

Quinta Bem-Aventurança.. 49

Sexta Bem-Aventurança.. 56

Sétima Bem-Aventurança.. 65

Oitava e Nona Bem-Aventuranças. 73

INTRODUÇÃO

O “Sermão da Montanha” é um dos mais importantes trechos da mensagem Cristã; um código universal de conduta, cabível a qualquer Religião ou credo.

Mahatma Gandhi o considerou “o documento máximo da espiritualidade”. Outros seres humanos ilustres são de opinião que ele unirá, futuramente, todas as religiões e filosofias, concretizando o ideal do Cristo: “Um só rebanho e um só Pastor”. Disseram mais: se se perdessem todos os documentos do mundo e apenas se salvasse o “Sermão da Montanha”, a humanidade não ficaria prejudicada, porque ele constitui, por si só, um completo método de orientação espiritual.

De fato: qual a solução para a paz mundial? Qual o modo de restabelecer a harmonia entre os seres humanos? Só mesmo levando cada indivíduo a conhecer-se, reconduzindo-o ao próprio íntimo, para retomar contato com sua Divina Essência, e entrar na posse de sua herança de Filho de Deus. Mas isto pressupõe – como sugerem as bem-aventuranças – que sejamos:

  • desprendidos e servidores;
  • puros de coração;
  • coerentes na reta justiça, apesar de perseguições;
  • mansos, pacificadores e misericordiosos;
  • amorosos com os que nos odeiam sem razão; e
  • retribuidores de bem, mesmo aos que nos fazem mal.

Segundo as normas atuais de conduta, isto parece impossível de ser praticado. Pedimos que o leitor conserve a Mente livre e caminhe conosco através desta análise. Depois, meditando, certamente concordará conosco, dispondo-se a praticar também, com nova compreensão, estes maravilhosos princípios.

Notem que, ao contrário das diversas religiões e correntes espiritualistas, Cristo não dá instruções pormenorizadas acerca do que devemos ou não fazer. Ele foi antiritualístico e antidogmático. Rebatia severamente os fariseus, esclarecendo que as normas externas de nada valem. Sua mensagem se constitui de princípios gerais, para educar nosso estado mental. Ele mostrou que a causa da ação humana está na Mente: se o pensamento (a causa) é puro, logicamente os atos (os efeitos) serão corretos e edificantes.

Cabe a cada um de nós, segundo o nível de compreensão, extrair desses princípios gerais as consequências práticas.

Dos quatro Evangelistas que recolheram material para instituir seus métodos de Iniciação, foi São Mateus quem nos deu a versão mais completa do “Sermão da Montanha”, iniciando pelas bem-aventuranças.

Segundo São Mateus, as bem-aventuranças se constituem de nove passos. Nove é um número cabalístico, representativo do gênero humano, do que se deduz tratar-se de uma síntese para a libertação humana. Por seu profundo sentido, é compreensível que a maioria não a possa penetrar inteiramente. É um desafio, mesmo aos mais preparados internamente, porque sua prática prevê o despojamento do sentido humano vicioso.

As bem-aventuranças são uma síntese do espírito Cristão e não meramente da letra. É uma sinopse espiritual e não literária. Uma súmula geral, semelhante àquelas que, na velha maneira oriental, sintetizavam os ensinamentos religiosos e filosóficos, tais como: os oito caminhos de Buda; os dez mandamentos de Moisés, etc.

Em comparação a São Mateus, São Lucas omite a 3ª, 5ª, 6ª e 7ª bem-aventuranças. Só apresenta as demais, com as respectivas condenações: “ai de vós…”.

Salmo da Segurança pela União com o Cristo Interno

Aquele que habita no esconderijo secreto do Altíssimo,

à sombra do Onipotente descansará.

Direi ao meu Senhor: És o meu Deus, meu refúgio,

minha fortaleza; em ti confiarei!

Tu me livras do laço do passarinheiro

e da peste perniciosa.

Tu me cobrirás com tuas penas!

Debaixo de tuas asas estarei seguro:

tua verdade é escudo e broquel!

Não temerei espanto noturno,

nem seta que voe de dia;

nem peste que ande na escuridão;

nem mortandade que assole ao meio-dia.

Mil cairão ao meu lado

e dez mil à minha direita,

mas nunca serei atingido!

Somente com meus olhos olharei,

e verei a consequência dos ímpios.

Porque Tu, ó meu Deus, és meu refúgio

E o Altíssimo é Tua habitação.

Nenhum mal me sucederá,

nem praga alguma chegará à minha tenda.

Porque aos Anjos darás ordem a meu respeito,

para me guardarem em todos os meus caminhos.

Eles me sustentarão nas suas mãos,

para que eu não tropece em pedra alguma.

Pisarei o leão e o áspide;

calçarei aos pés o filho do leão e a serpente.

Pois tão encarecidamente Te amei

Também Tu me livrarás!

Pôr-me-ás num alto retiro

porque conheci o Teu Nome!

Eu Te invocarei e Tu me responderás.

Estarás comigo na angústia;

livrar-me-ás e glorificar-me-ás;

dar-me-ás abundância de dias

e mostrar-me-ás a Tua salvação!

 

Primeira Bem-Aventurança

“Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus.” (Mt 3:5)

“Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus.” (Lc 6:20)

“Mas, ai de vós, ricos, porque já tendes a vossa consolação!” (Lc 6:24)

São Jerônimo[1] fez constar na “Vulgata”: “pobres PELO espírito” ou “pobres SEGUNDO o espírito”. Talvez desejasse evitar a palavra “mendigos”, mas com isso induziu a um afastamento maior do sentido real, pois as versões atuais ao português registram: “Bem-aventurados os pobres EM espírito”.

Na linguagem corrente, “pobre em espírito” é um indivíduo tolo. Ninguém poderá supor que seja esse o sentido. Todavia, na melhor das hipóteses, nas mãos de pessoas simples, a leitura dessa bem-aventurança poderá sugerir que a pobreza é uma virtude e a riqueza um pecado. Não é de admirar que, ante essas traduções, os comunistas acusem os Cristãos de estarem disseminando o conformismo à miséria, para servirem aos poderosos.

Nada mais errado. A tradução exata do texto original grego do primeiro século é: “pobres em espírito” (ptôchoi tôi pnêumati), como fizemos constar acima. “Ptôchoi” quer dizer: “aquele que caminha a mendigar”. É o mesmo que dizer: “O indivíduo internamente aberto para receber de seu Espírito interno o de que necessita para sua evolução diária”. O Cristo não se refere, pois, a pobrezas ou riquezas materiais, senão, à necessidade de a pessoa se abrir à Fonte interna para dela receber mais amplos e justos recursos. Se Ele ensinou isso é porque NOS fechamos. Vejamos como e porque acontece isto, a fim de tomarmos consciência e buscarmos a solução indicada nesta bem-aventurança.

O ser humano é uma Centelha Divina em evolução, ou, como disse São Paulo, um “Cristo em formação”. O Gênesis ensina que “fomos feitos a Imagem e Semelhança de Deus” – o que levou os esoteristas a compreenderem que o ser humano é um microcosmo, tendo em si, em potencial, tudo o que tem o Macrocosmo. A evolução consiste em dinamizar ou transformar em consciência, as faculdades que se acham adormecidas no íntimo. Todos receberam igual herança divina, inesgotável, infinita. Mas a quantidade maior ou menor que cada um de nós dinamiza em seu íntimo, dessas faculdades divinas, é o que determina o grau de evolução. Ainda mais: cada qual desperta e utiliza esses talentos de um modo próprio, original. A isso os Rosacruzes chamam individualidade, consequência da Epigênese.

Acontece que o ser humano foi induzido a transgredir as leis da Natureza. Influenciado pela “falsa luz”, se tornou egoísta e pretensioso. Caiu (vibracionalmente) e perdeu contato com sua essência. Assim viciado, uniu a Mente Concreta ao Corpo de Desejos e formou uma espécie de “alma animal”, uma personalidade que, embora dependendo do Espírito para viver e atuar neste plano tem a ilusão de ser Algo à parte, separada e independente do Espírito.

Nesta ilusão condicionadora, toma os recursos evolutivos já dinamizados (Alma) como seus (da persona) e os usa segundo seus interesses deturpados.

Fá-lo por ignorância – o único pecado. Simplesmente não percebe que o Espírito é a CAUSA e os seus veículos (a Mente, o Corpo de Desejos, o Corpo Vital e o Corpo Denso) são MEIOS de expressão. Julga-se a persona (a máscara) e se arroga o DONO, com o direito de conceder ou negar, de dar ou reter, de reclamar honrarias e retribuições. Sua consciência comprometida, instintivamente, teme a morte. Ouve falar de um céu e procura fazer caridades que, ao mesmo tempo, promovam sua “fama de bom”. A estas pessoas – uma grande maioria, infelizmente – são bem oportunos e atuais os símbolos evangélicos: “tendes olhos e não vedes” (cegos que não veem as realidades suprafísicas circundantes); “tendes ouvidos e não ouvis” (surdos que não ouvem as verdades a respeito de seu próprio ser). Daí que sejam também “coxos” (vacilantes), “paralíticos” (que não caminham pela reta senda), “leprosos” (moralmente impuros), obsessionados (condicionados pelos vícios) etc.

Ora, se todos têm uma Alma – que é a soma das faculdades despertadas, do “tesouro desenterrado”, que convertemos em consciência, para uso do Espírito – todos podemos e devemos SERVIR. SERVIR é verter os recursos internos, para edificação dos outros e, em última análise, para nossa evolução.

É verdade que estamos em níveis evolutivos diferentes e variados; é verdade que, os que mais têm deveriam dar mais, como foi dito: “Ao que mais é dado (o que mais evoluiu) mais lhe será exigido” (tem maior responsabilidade no uso de seus talentos). Mas não temos nada com a vida dos outros; cada qual responde por seus atos e não pelos dos outros. Em vez de estarmos de mãos vergonhosamente estendidas, sempre a pedir aos mais aquinhoados, sempre a depender de sua proteção e ajuda, façamos nossa parte e recebamos por nossos esforços o que nos é devido, pois “digno é o trabalhador de seu salário”.

Se nos colocamos na consciência da verdadeira identidade, isto é, UM ESPÍRITO, AGINDO COMO UMA PESSOA – e não uma pessoa a depender de seu espírito (muito menos uma pessoa a depender de outras pessoas), NÃO PRECISAMOS DESTA BEM-AVENTURANÇA. Cristo endereçou este ensino àqueles que se situam na persona, que pensam ser uma pessoa a depender de um Divino separado e distante, para mostrar-lhes que eles SÃO UM COM O DIVINO, QUE AGE COMO OU SENDO ELES. Portanto, é apenas questão de romper a ilusão da separatividade. Este esforço, para a religação exige persistência, anelo, ardente aspiração, esforço metódico. A isto é que se chama MENDIGAR O ESPÍRITO, expressão forte para esclarecer que nessa busca devemos ter consciência de que, como pessoa, não somos nada e que dependemos inteiramente d’Ele, que não é Ele, mas é EU, verdadeiro e superior, único.

A propósito, lembramos que há muito espiritualista sincero que tropeçando nesta e noutras bem-aventuranças, como o mancebo rico, cumprem a Lei, mas não querem deixar suas riquezas. Estão ricos de verdades espirituais, de idealismo, de boa vontade e até de desprendimento material; mas, por falta de um paralelo cultivo interno caíram na vaidade intelectual e outras manhas da personalidade. O Cristo ama-os, porque realizam bom serviço; mas lamenta que se afastem, com seus muitos bens, da verdadeira realização.

Este ponto nos lembra de um formoso relato Rosacruz: um ser realizado, iluminado, chegou ao cimo da montanha e bateu à porta do “Castelo”, o “Guardião” apareceu, levou-o para dentro, mostrou-lhe as acomodações vazias.

– Vai ficar?

– Não. Quero voltar para encaminhar os que veem atrás.

– Compreendo Irmão. Quando se alcança a realização, não se quer usufruí-la. Essa renúncia é superior à renúncia do sentido humano.

É preciso meditar nisto todos os dias, até que uma nova consciência nos torne administradores fiéis, isto é, sabendo que todos têm, podem e devem DAR: amor altruísta, experiência, conhecimento, dons, habilidades várias e até recursos materiais, de modo JUSTO, AMOROSO, DESPRENDIDO, DISCRETO – reservando para nossa manutenção o que as justas necessidades reclamam. Entendamos bem: isto não é indiferença para as coisas do mundo nem omissão nas atividades. Ao contrário, é trabalhar como um ambicioso, mas estar desapegado dos resultados; administrar seriamente, de modo competente e equilibrado, corrigindo falhas, aprimorando normas, sem nos considerarmos DONOS, mas simplesmente administradores, com responsabilidade proporcional ao que recebemos, de fazer fluir os recursos na edificação de todos.

Já imaginaram um mundo assim? Já viram pessoas agirem assim? Houve e há muitos servos e amorosos; firmes e serviçais; justos e nobres. São pobres porque se sentem desapegados, isentos do sentido de POSSE. Não buscam glorificação por meio das realizações e se a fama os distingue, não se deixam corromper por ela. Fazem o melhor que podem e se o poder os bafeja, não o usam para benefício próprio ou de seus apadrinhados. Ao contrário, usam a fama e o poder para promover o progresso coletivo, sofrendo coações dos que se sentem prejudicados por sua atuação honesta. Estes “acumulam tesouros no céu” (Alma), mas “não entesouram na Terra (personalidade), que o ladrão rouba, a ferrugem corrói e a traça destrói”. Eles têm a serena convicção de que, o que é plantado na persona, com ela morre e nada acrescenta a sua evolução. Não se apoiam no externo, mas permanecem internamente abertos ao fluxo interno da única Fonte. Isto é ser autossuficiente, apoiado em SI (no “Eu” real e não na persona). Se algumas coisas recebem de fora, é aparente: receberam realmente de dentro, indiretamente, como resposta de sua atuação correta: “O que dá, recebe”.

Guardemos bem: não há virtude na pobreza nem pecado na riqueza. Os valores materiais, morais, mentais, etc., em si mesmos não são bons nem maus; são apenas MEIOS evolutivos: dependem do USO que deles se faça. O dinheiro pode ser maldito ou abençoado; a inteligência pode ser maquiavélica ou serviçal. A pobreza pode ser sinônimo de preguiça, de um mal-entendido desapego, de indiferença, de omissão de responsabilidade ou omissão de esforço ante as inúmeras possibilidades do mundo moderno. As restrições mentais, morais e físicas são meros efeitos de abusos anteriores e reclamam ainda mais um esforço de recuperação. Neste sentido é que devemos ajudar os carentes: a não precisarem dos outros; a servirem, em vez de serem servidos; a carregarem, em vez de serem carregados. Se desvirtuarmos o uso de nossos recursos diversos, eles se tornam um entrave e um prejuízo para nós e, às vezes, para os outros também, a quem eventualmente prejudicarmos. Se omitirmos a aplicação de nossos talentos, deixamos de evoluir, cristalizamo-nos e cortamo-nos da “videira” interna: deixamos de receber-lhe a seiva renovadora do progresso.

Um rico pode ser muito virtuoso, quando vence a tentação da POSSE egoísta e bem emprega o que o Divino lhe deu para administrar. Neste caso será um rico na Terra e um rico no céu. Inversamente, um pobre pode ser mesquinho e mau, invejoso e desonesto, avaro e egoísta. Em tal hipótese, será um pobre na Terra e um pobre no céu.

Grande é a tentação dos quatro gigantes do mundo: o Poder, a Fama, o Dinheiro e o Amor.

Daí que o Cristo tenha dito: “Quão difícil é, para os que confiam nas riquezas, entrar no Reino de Deus”. Ele se referia genericamente ao sentido de apego e de posse (minhas ideias, meu prestígio, minha inteligência, meus bens, etc.) em relação ao que o Espírito põe como meios evolutivos. Não quis dizer que devamos fugir a essas tentações. Isto seria covardia, omissão comodista. É preferível cair em tentação a omitir-se. A omissão não faz evoluir; ao contrário, anestesia e cristaliza. O erro ensina profundamente, pela dor. Marca mais a consciência do que os êxitos. No entanto, o normal é evoluir sem dor. E há mais mérito no que tem e usa bem.

De toda maneira, independentemente das riquezas morais, mentais e materiais que estejamos a gerenciar (por mérito, é lógico, mas não da persona), é importante compreendermos que TUDO nos vem do Divino interno, que somos NÓS, num correto sentido. Se agirmos como Espíritos, SOMOS POBRES (referidos por São Lucas). Mas se humanamente nos apegamos e nos arrogamos os possuidores, somos ricos, sofrendo (“ai de vós…”) as consequências de seu uso egoísta e prejudicial. O dinamismo, a confiança em si, deve estar firmemente alicerçado nesta compreensão.

A virtude não está só no fazer grandes bens; o crime não está só no praticar grandes males. Além do fator quantidade, pesa muito a intenção. Os Evangelhos ensinam que o óbolo da viúva foi mais valioso do que as vultosas ofertas dos ricos, porque estes, além de darem do que sobrava, fizeram-no com ostentação; já a viúva deu com amor o pouco que tinha e lhe fazia falta. O dar de si, com sacrifício e amor, valoriza os pequenos atos. O bom observador, pelas pequenas coisas conhece as pessoas. A sabedoria popular o comprova: “ladrão de tostão; ladrão de milhão”. Não que “a ocasião faça o ladrão”, mas, sim, que a oportunidade enseja os pendores (bons e maus).

Há pessoas que trazem grandes conquistas espirituais de outras vidas ou já alcançaram o contato com o Eu real ou falta pouco. Com pequeno esforço o conseguem. Outras, que se empenharam menos no cultivo interno, têm maior caminho a percorrer se bem que isto dependa, também, da proporção do empenho, na intensidade da busca, até que se torne, no dizer de São Francisco de Assis: “um instrumento do Espírito”.

A parábola do fariseu e do publicano ilustra bem que o reconhecimento dos erros, o sincero propósito de emenda, a conscientização dos limites e funções da persona, face ao Espírito, ajudam a alcançar o contato e o influxo do Divino. O fariseu, de pé no templo, proclamava suas condições de bom religioso e a contrastava com o publicano, que considerava indigno. O publicano se ajoelhou e rogou misericórdia reconhecendo suas faltas. Com a pretensão e a crítica o fariseu se fechou internamente à graça. Pela humildade e sincero reconhecimento, o publicano esvaziou sua personalidade, formando um vácuo de aspiração que o Divino preencheu de luz. A genuflexão é interna: não importa o lugar nem a postura o essencial é que a personalidade se torne passiva, fiel, obediente, amorosa para reconhecer e honrar o “Único”.

Somos sementes divinas. Trazemos no íntimo as potencialidades divinas, cujo despertar far-nos-á “perfeitos como o nosso Pai celestial”, conforme o convite evangélico. Assim como a semente tem em si a árvore mãe em potencial, mas precisa mergulhar na terra e nela transformar-se, para converter-se, no devido tempo, numa árvore igual, assim também somos nós em relação ao Criador. Devemos igualmente deixar-nos transformar pelo Divino interno para alcançar essa gloriosa meta evolutiva. Identificar-se com a personalidade; julgar-se algo à parte e separado de Deus; condescender com a personalidade nos abusos, vícios e auto endeusamento é negar-se a transformação e retardar a evolução. Corresponde ao fato da semente permanecer na superfície; procurando ser ela, para não ser árvore, acaba se ressecando e nada produzindo. Felizmente, a dor nos protege da própria ignorância e seus prejuízos. A vida se incumbe de nos fazer evoluir contra vontade, embora lentamente. Felizes os que SE AJUDAM pela compreensão, ou melhor: “felizes os que mendigam o espírito”.

Se vocês meditarem seriamente sobre “Os dez mandamentos” e o magnífico resumo que deles fez o Cristo em Mt 22:37-40, poderão tomar consciência de como ainda vivemos a incensar nossa persona, julgando-nos bons e virtuosos; arrepiando-nos com os elogios, em verdade estamos morrendo em idolatria, adorando um falso deus e pondo-o acima de nosso Eu verdadeiro e superior.

Observemos como vive o mundo e quais as consequências: conflitos, doenças, preocupações, ansiedades, dores, etc.

Não nos deixemos condicionar pelos métodos comuns de vida. Os erros dos outros não justificam o nosso. Tenhamos a coragem de ser autênticos; de viver em coerência e harmonia com o Cristo Interno.

Certa vez uma pessoa me disse: “há muita gente que goza a vida toda, explora, prejudica os outros e depois morre feliz”. Engano! São Paulo diz claramente na Epístola aos Gálatas 6:7: “Não se deixem enganar; de Deus não se zomba. Pois o que o homem semear, isso também colherá”. Em algum tempo, em algum lugar, colheremos os frutos de nossas ações, boas e más. Se não nesta vida, nas vindouras. A morte não cancela dívidas. Isso explica porque nascem crianças com restrições físicas, morais ou mentais. Deus não castiga. Se for verdade que a ciência explica as anomalias e tendências buscando suas razões nos “gens”, a ciência oculta acrescenta: MAS NÃO POR ACASO…

Ninguém pode fugir de seu próprio bem. Ninguém pode escapar a Deus, pois “n’Ele vivemos, nos movemos e temos o nosso ser”. É mais fácil conhecermos a natureza e buscarmos trabalhar em harmonia com ela, para que ela trabalhe a nosso favor, do que a desafiarmos. Ninguém jamais levou qualquer vantagem nisso. É teimosia estúpida.

Cumpre-nos, pois, conhecer a verdade a respeito de nosso ser, nossa relação com Deus e empreender decididamente a regeneração. Feliz de quem chegou a esse ponto, como diz este passo: “Bem-aventurados os pobres em espírito!”. Não que precisamos mendigar ao Eu superior a religação consciente conosco.

Ao contrário: ele a deseja ardentemente. A personalidade é que, ignorantemente, se esquiva, vencida pelos condicionamentos; ela é que SE nega à religação. Por isso que o encontro se protela. Ele respeita nosso livre arbítrio. Como no famoso quadro de Sallman[2]: “Ele está sempre à porta de nossa consciência e bate. SE… ouvirmos; SE… abrir-lhe-emos a porta, Ele entra e se une conosco (vislumbres) e até pode ficar morando conosco (contato permanente)”. A relutância é nossa. Por fraqueza, Lhe fazemos ouvidos moucos. Só quando as coisas apertam é que nos lembramos dele. Então, supondo que esteja fora de nós olhamos para cima e rezamos, fazendo pedidos egoístas. E os Evangelhos explicam: “Pedis e não recebeis, porque pedis mal”. “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus…”. “Ele está dentro de vós”. Ora existe algo que o Divino interno não esteja fazendo, aqui e agora mesmo? Se não faz mais é porque não Lho permitimos, com nossa resistência, com nossos bloqueios, com nossos desvirtuamentos e egoísmos! Basta desejar Deus e buscá-Lo dentro de nós, pelo prazer de sentir-Lhe a Presença. Existe algo maior que possamos desejar?

Tudo depende da regeneração e aspiração do encontro. O Cristo jamais falha. Ele está buscando sempre a manifestação em e através de nós, ou melhor, COMO ou SENDO realmente nós, UNO. O galho e a videira são um, a menos que o galho se negue e se feche ao fluxo da seiva: então seca e é cortado. Mas o galho que se abre internamente recebe na proporção de sua abertura. Recebe amor para compreender e aceitar tudo como é, sem mágoas nem ressentimentos; amor para fazer sua parte independentemente da conduta dos demais; intuição para agir cada vez mais corretamente, segundo a circunstância; desapego para não atribuir a personalidade a que pertence ao Divino em cada um; etc. Por isso é que foi dito: “Ele sabe o que melhor lhe convém, antes mesmo de pedir-lhe”.

Busquemos equilíbrio de ação, sem cair nos extremos de omissão e de comissão viciosa; façamos fluir os recursos de nossa ação como um rio que se une a outros, para dessedentar, fertilizar, produzir, no curso que nos leva ao grande mar. Saibamos: tudo o que oferecemos aos demais e deles recebemos é mútua edificação e trabalho do Divino. É sempre o Divino quem dá e quem recebe, no intercâmbio de recursos individuais, para que se cumpra a divina lei de DAR e RECEBER. É claro que devemos ser gratos à pessoa que serviu de Canal ao divino suprimento. A gratidão se torna virtude quando o Divino em nós rende reconhecimento ao Divino de nosso irmão. Não se trata de enaltecer a personalidade de quem ajudou, mas ao Divino que dá e que recebe em cada um, realizando a ética do DAR.

Finalizando: a mensagem desta bem-aventurança define o conceito de SER e de TER.

O que julga TER é o que deseja “ser visto pelos homens”. Mas o que sabe SER é mendigo de espírito; anseia LUZ, almeja e busca o influxo da Graça. O que TEM sacia-se no que acumulou e se fecha ao Cristo interno vindo a sofrer insatisfação, que lhe advém da mais atroz das fomes: a fome d’alma. Mas o que é, deixa de sê-lo humanamente, sendo e tendo para o seu Senhor.

Termino contando uma pergunta que um garoto de oito anos me fez há alguns anos:

– De quem são as casas e terras desta cidade?

– São da Prefeitura, dos moradores da cidade.

– E daqui a mil anos, de quem serão?

Lembrei-me de um passo bíblico: “A Terra é do Senhor e sua plenitude também”.

E respondi-lhe:

– Tudo, sempre, é do Pai do céu.

Esperamos que até lá as pessoas já tenham entendimento para tudo atribuir ao Divino.

Segunda Bem-Aventurança

“Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados.” (Mt 5:5)

 “Bem-aventurados vós, que agora chorais, porque haveis de rir.” (Lc 6:21)

“Ai de vós, que agora rides, porque conhecereis o luto e as lágrimas!” (Lc 6:25)

Vejamos, primeiramente, o sentido esotérico de CHORAR e RIR. Logicamente o Mestre não se referia aos choros superficiais e astutos, como o “choro chantagem”, o “choro-moleza”, o “choro masoquista” e outros choros bem conhecidos, com seu fundo vicioso. Chorar por chorar não conduz a nada. Se o chorar valesse, os que choram para não enfrentar um desafio necessário; os que choram para atrair atenção e consolo; os que choram para diluir resistências; os que choram por males imaginários; etc. seriam os mais aquinhoados por Deus e os mais perfeitos dentre os humanos.

Nada disso. Este passo refere-se ao choro redentor, ao choro transformador, marcado pela consciência que reconhece e aceita seus erros; aquele que dissolve a crosta da relutância egoísta e abre a alma para nova e melhor etapa. São as lágrimas que extravasam dos olhos ao coração, amolecendo a carapaça do egoísmo para que a semente do amor possa germinar e produzir a cento por um.

E o RIR? Será o rir sem motivo; a alegria solta dos instintos? A euforia suscitada pelo álcool? O riso malicioso e turvo provocado por uma piada indecente? Será o sorriso hipócrita? O bom humor daquele que se sente mui seguro com seus recursos materiais? Será a alegria superficial, efêmera, das diversões mundanas? Esse rir é o condenado pelo versículo 25 de São Lucas.

Mas há um riso legítimo, uma alegria sã, natural, desejável, citada por Cristo: “Dou-vos a minha paz para que minha alegria esteja em vós e seja perfeita a vossa alegria e ninguém mais tire de vós a vossa alegria”! Chama-se alegria perfeita a esta alegria interna, pura, saudável, para destacar da outra alegria imperfeita que brota da natureza inferior. Essa alegria do Cristo interno pode ser experimentada por todos; suposto que se sobreponham aos aspectos viciosos do ser. O mundo é um “vale de lágrimas”, porque é uma escola de experiências. Mas é também um monte ensolarado de alegrias. Tristeza de constatar a resistência dos condicionamentos viciosos; alegria pelos lampejos de natureza real. Tudo o que passar desses naturais e compreensíveis estados, de tristeza e alegria conscientes, é manifestação do vício, dos instintos, da malícia. Sócrates[3] observou sabiamente: “As expressões ruidosas de alegria são outra forma de violência”. Ora, tudo o que seja vicioso há de ser corrigido no decorrer da evolução humana. Infelizmente, como os maus hábitos são, regra geral, muito velhos e profundamente enraizados, resistem à correção. Não que estejamos recomendando a violência com eles. Seria desastroso: violência gera violência. O Cristo recomendou: “Não resistir ao maligno”[4] (em nós). Quer dizer: não lutar contra os vícios de nossa natureza inferior; apenas tomar consciência deles para saber que eles existem em nós; para reconhecer que são indesejáveis e retardantes da evolução, e não permitirmos que nos prejudiquem. Por outro lado, buscar, paciente, diária e persistentemente, cultivar novos e melhores hábitos.

Disse São João Batista: “Lançai o machado à raiz da árvore”[5] (que não dá frutos: as vivências que não edificam). Se cortarmos apenas os galhos, tornam a crescer. A natureza inferior é muito astuta e, como a Hidra de Lerna[6] derrotada por Hércules, tem muitas cabeças falsas e apenas uma verdadeira. Às vezes pensamos haver superado um mau hábito e, na verdade, apenas fomos induzidos a substituí-lo por outro igualmente vicioso: cortamos uma cabeça falsa e nasce outra. O egoísmo é assim: a única real cabeça da Hidra; com essas camuflagens e trocas provisórias nos ilude. E continuamos a sofrer.

“O único pecado é a ignorância; a única salvação é o conhecimento aplicado”. A verdade nos liberta quando a cultivamos na espiritualidade autêntica pelo estudo, meditações, observação de si. Só assim podemos dissolver, aos poucos, nossas limitações (cegueira, surdez da persona às realidades espirituais), abrindo-nos à intuição, à Verdade que nos iluminará de dentro.

Para o ser de nível comum (nos quais incluímos os espiritualistas teóricos) só a dor, o sofrimento, são os meios frequentes de despertar. Não que Deus castigue; não que Deus imponha o sofrimento; senão que há leis universais mantenedoras da Harmonia e, onde quer que haja uma quebra dessa Harmonia, tais Leis buscam restaurá-la. A isso chamamos dor, sofrimento, mal, porque pretendemos que nosso egoísmo prevaleça sobre a Ordem Universal. Ninguém pode alegar ignorância das leis: quer do ponto de vista humano, jurídico, quer do espiritual. Mas, como a liberdade é um sagrado direito através dela exercemos nossa ação e vamos aprendendo a fazer parte do Macrocosmo divino. Deus não nos quer títeres ou fantoches, senão seres conscientes que se convertam em Filhos destinados a tomar posse, (quando maduros internamente) da herança que Ele nos destina. Ora, nessa liberdade de ação só podemos nos certificar de nossa correção pelas consequências que atraímos à nossa experiência. A consequência é da mesma natureza da causa. Não há consequência sem causa. As leis divinas, atuando fielmente pelas árvores, fazem-nas produzir os frutos conforme as sementes. Não há o caso de plantarmos limão e colhermos abacaxi.

Assim, relacionando os efeitos às causas, podemos compreender que, se nossa vida anda mal, o motivo está nas causas, nos atos passados. E o único modo de melhorá-la é corrigir as falhas.

Para darmos uma ideia global da humanidade ante as Leis divinas, consideremo-la em três grupos:

  1. O ser humano comum, que pratica superficialmente a Religião na esperança de agradar a Deus e merecer uma vida isenta de aflições.
  2. O consagrado, sinceramente devotado à reforma do próprio caráter, que busca agir com retidão fazendo o bem pelo bem; que trabalha conscientemente pela evolução, segundo as Leis divinas. É o que já sente lampejos da Essência interna, a Quem procura amar honrar e Neste grupo incluímos alguns pseudo-ateus (assim se consideram porque não concordam com os padrões hipócritas da maioria “religiosa” e não acreditam no Deus do vulgo. Estão próximos da verdade).
  3. Finalmente, os que já se acham às portas da Iniciação, ou seja, os que estão prestes a estabelecer uma comunhão permanente com o Eu real para serem cidadãos dos dois mundos, em mais amplo serviço.

Em relação a cada um desses graus de consciência, há um CHORAR e um RIR de naturezas diferentes.

O ser comum é triste porque não goza de harmonia interior. Não conhece a meditação. Evita o isolamento e silêncio porque, neles, afloram nitidamente as desarmonias – as preocupações, as ansiedades, as frustrações, galopando em sombrios pensamentos. Por isso, busca as alegrias externas, as distrações ruidosas, as músicas estimulantes, o sensacionalismo, programas movimentados de rádio e TV – em grande maioria tola e vazia – numa fuga constante de si mesmo. Em fase mais aguda, recorre a tratamentos condicionadores com psicanalistas ou a um vício. Atualmente, a sede de sensação conduz aos entorpecentes, de efeitos ruinosos sobre as glândulas, a psique e a vontade; termina em suicídio, ponto extremo da capitulação e da fuga. Outras vezes acabam numa instituição de moléstias mentais.

Há, sim, um valor pedagógico da dor, como sábia advertência e prevenção dos abusos humanos. De fato, que seria do corpo se a dor não fizesse tirar a mão que inadvertidamente pusemos numa chapa quente? Que seria da saúde se os órgãos não acusassem pelas cólicas e incômodos nossos abusos? Sem essa amorosa advertência pereceríamos pelas transgressões convertidas em males sorrateiros. Isso se aplica aos males físicos, morais e mentais. A dor, a adversidade, é sempre um convite e um desafio para descobrirmos a causa viciosa e eliminarmos seu efeito.

Mas a maioria das pessoas é teimosa e fraca. Apegam-se desarrazoadamente aos vícios e condicionamentos, malgrado os conselhos dos outros e as consequências da própria vida. Estão sempre enfermando por causa dos abusos ou negligências. A sabedoria de sua natureza instintiva luta, mas acaba fracassando e “entregando os pontos”. Aí, que fazem? Vão fazer um acurado estudo das causas de sua enfermidade? Vão programar um esforço de regeneração? Longe disso! Vão à farmácia e pedem algo que ponha termo à dor, ao incomodo, à fraqueza. Querem um paliativo de efeito rápido. A questão é simplesmente esta: “não quero sofrer; não quero dores” – como se a dor fosse um inimigo e não uma conselheira extraordinária. Aí amordaçam a dor e VOLTAM AS MESMAS CAUSAS ERRÔNEAS, que fatalmente provocarão os mesmos efeitos dolorosos – ainda mais agravados, até que sejam mutilados numa operação ou “obrigados a perder tempo” num hospital.

O certo é que, em proporção à teimosia, serão a sua dor e prejuízos, até que despertem para uma vida equilibrada. Felizes dos que ouvem de início as advertências da dor! São poucos. Outros ouvem um pouco tarde e salvam-se estropiados, contentando-se em viver com suas deficiências para o resto da vida. Outros, enfim, acabam com o corpo – uma maneira lenta de suicídio. Não obstante, todos eles são bem-aventurados, até mesmo os últimos, porque a infalível lei do renascimento fá-los-á renascer de “gens” doentios, para continuarem a lição da regeneração, num corpo cheio de problemas, em circunstâncias morais e mentais limitadoras – até finalmente retornarem ao ajustamento consciente com o Cosmos de que fazem parte.

Os consagrados, do segundo grau de consciência, geralmente passaram pelo primeiro grau e subiram mercê da dor. Poucos, como dissemos, não precisam de extremas advertências – enveredando pela via mais curta e mais racional do entendimento. Como diz o ditado: “viram as barbas do vizinho arder e puseram as suas de molho”. Estes, vendo os benefícios de sua conduta, buscam orientar os demais à mesma desejável condição. É o que fazem as Escolas espirituais, mostrando que não há necessidade de sofrer se aprendemos a exercitar nosso livre arbítrio dentro das leis divinas, das quais ninguém pode fugir.

Todavia, como o erro é natural no curso da ação humana; como os condicionamentos viciosos são muito fortes – a dor é quase sempre inevitável e nos açoita com frequentes advertências, até que alcancemos a perfeição. Por isso, as pessoas do 2º e 3º graus também sofrem, uma vez que se encontram em pleno processo de regeneração. Sem serem masoquistas, eles compreendem e aceitam a função da dor, como um termômetro para avaliar as deficiências pessoais.

Aceitam e carregam a cruz de suas deficiências, mas aspiram e procuram a glória da ressurreição que um dia lhes virá. Com vistas ao amanhecer, suportam estoicamente as longas trevas da noite. Daí não se revoltarem, como os do primeiro grau, que não sabem ou teimam em não saber por que sofrem, queixando-se de que Deus não lhes deu um corpo de ferro, nervos de aço e um coração de pedra, para poderem gozar impunemente as delícias da vida mundana. Ainda bem que as divinas Leis lhes impedem o retrocesso e a perdição. Os consagrados (segundo grau) aprendem a fazer o exame retrospectivo noturno de seus atos, para conscientizarem as intenções; as causas das falhas e dos êxitos do dia – entregando os despojos da luta diária a seu Melquisedeque – o Cristo interno. Pela manhã concentram-se e meditam sobre assuntos elevados – predispondo-se a servir de canais conscientes à orientação divina interna – como fazem os membros do Probacionismo Rosacruz.

Mantém-se em vigilância e oração. Após cada fracasso, sofrimento ou discórdia, acalmam-se e buscam a Essência, para intuírem a causa da falha, que deve ser removida. Reconhecem-na humildemente, sem justificações e, no sincero propósito de emenda, alcançam a graça de dissolver o erro e retornar à paz.

Eles sabem que a Lei conduz à Graça. Estão alertas contra o perigo do orgulho da personalidade, que reclama razões e procura atribuir as falhas a outrem. Eles sabem que o simples fato de termos experiências negativas com alguém já revela que nos sintonizamos com ele, através de algo parecido e inferior; o semelhante atrai o semelhante. Eles sabem que, se se mantivessem harmoniosos e prudentes, suscitariam algo semelhante nos outros e promoveriam neles a paz.

Se alguém retrucar que o Cristo e santos foram perseguidos e judiados, lembraremos que isso pertence à etapa superior, em que ainda não estamos. Trataremos deste ponto mais adiante.

As pessoas do terceiro grau estão quase aptas para a união com o “Eu” real. Estão plenamente convictas da Verdade Espiritual. Cultivaram o discernimento para separar o joio do trigo; as motivações egoístas da persona e os reclamos superiores do espírito. É o fio da navalha, a nítida distinção do que lhes convém ou não. Este contraste lhes produz sofrimento. Desejam ardentemente alcançar a libertação dos condicionamentos viciosos, sabendo que “lá onde habita o Espírito, lá é que existe liberdade”. Mas sentem os esforços de sobrevivência da personalidade viciosa e astuta. Aí choram! Choram sentidamente, pedindo a Graça do Alto e do íntimo. Pedem-na com toda a alma, esforçando-se para que seus atos diários sejam uma reiterada confirmação desse anseio. Seus pequenos desvios são, proporcionalmente à sua consciência, grandemente dolorosos. E choram a hemorragia branca, na crucifixão da personalidade. São Paulo, Apóstolo, nos deu uma amostra eloquente desse estado. Depois de iluminado às portas de Damasco e de haver recebido “uma nova visão da realidade”, experimentou os ataques de sua antiga natureza, do “velho homem”, e exclamou cheio de angustia: “Realmente não consigo entender o que faço; pois não pratico o que quero, mas faço o que detesto. Ora, se faço o que não quero, eu reconheço que a Lei é boa. Na realidade, não sou mais eu que pratico a ação, mas o pecado que habita em mim. 18Eu sei que o bem não mora em mim, isto é, na minha carne. Pois o querer o bem está ao meu alcance, não, porém o praticá-lo. Com efeito, não faço o bem que eu quero, mas pratico o mal que não quero. Ora, se eu faço o que não quero, já não sou eu que estou agindo, e sim o pecado que habita em mim. Verifico, pois, esta lei: quando eu quero fazer o bem, é o mal que se me apresenta. Eu me comprazo na lei de Deus segundo o homem interior; mas percebo outra lei em meus membros, que peleja contra a lei da minha razão e que me acorrenta à lei do pecado que existe em meus membros. Infeliz de mim! Quem me libertará deste corpo de morte? Graças sejam dadas a Deus, por Jesus Cristo Senhor nosso.” (Rm 7:15-25).

Quanto tempo durou isto? Sabemos que São Paulo esteve três anos num mosteiro Essênio da Arábia e, depois, sete anos em Tarso, sua cidade natal. Dois números cabalísticos: 3 (relativo aos três corpos e sua regeneração) e 7 (natureza integral), mostrando um período variável, segundo o empenho de cada Aspirante para, como Arjuna, recuperar o “reino perdido” e nele reinar com o Divino, como atestou São Paulo desta vez aos Gálatas (2:19-20): “Se torno a edificar o que arrasei, constituo-me prevaricador. Pela lei, morri para a lei, a fim de viver para Deus. JÁ NÃO SOU EU QUEM VIVE – CRISTO É QUE VIVE EM MIM!”.

Tal é o CHORAR consciente, seguido do RIR triunfante. A Chama divina que nos anima reclama o despertar e nos move irresistivelmente ao Destino evolutivo, como a Prometeu encadeado, que ansiava voar e finalmente foi libertado por Hércules.

Terceira Bem-Aventurança

“Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra”  (Mt 5:4)

Por que São Lucas não incluiu essa bem-aventurança, tão afim a seu misticismo? Justamente ela, que figura entre a meia dúzia de textos mais importantes da Bíblia – pois encerra o segredo para dominar todas as espécies de dificuldades!

Parece-nos que seja porque o método de Iniciação de São Lucas já é, todo ele, MANSIDÃO. Ao método ocultista de São Mateus é que falta esse princípio e ele o inclui para equilibrar sua forma dinâmica de preparação.

Salienta essa bem-aventurança que a mansidão ou doçura (pralís, no grego), dá-nos a herança da Terra. Já o Velho Testamento o prometera também: “Os mansos herdarão a Terra e se deleitarão na abundância da paz” (Sl 37:11). Mais tarde escreveu Isaias: “Meus escolhidos herdarão a Terra e meus servos nela habitarão” (Is 65:9). Há, pois, uma constante no Antigo e Novo Testamento: uma Terra, cheia de paz, reservada aos mansos. Por que não prometem o céu, mas a Terra? É porque o “Reino dos Céus está dentro de nós” aqui mesmo, na Terra, para ser desfrutado, se formos mansos.

Querem alguns estudiosos, que essa bem-aventurança se refere a um estado evolutivo futuro, quando aprendermos, por meio de muitos renascimentos, a ser mansos. Então, faremos jus à herança de paz.

Não estamos de acordo com eles porque sempre haverá os malvados, que não serão expulsos do planeta, senão que todos continuaremos “viajando no mesmo trem”, provando-nos e ajudando-nos. Só que os malvados se consumirão ante as consequências das próprias maldades, pois as reações da lei se tornam proporcionalmente mais fortes, na medida da evolução.

Essa mansidão não tem sentido geral nem externo: ela deve ser individual e interna. A heterogênea massa humana, em evolução na Terra, apresentará sempre as diferenças de níveis evolutivos, tal como os alunos de uma escola ou de uma classe. Conforme esse nível e índice individual é que essa mansidão vai sendo conquistada.

Para compreendermos o sentido dessa bem-aventurança, analisemos as palavras-chave: MANSOS e TERRA.

O vocábulo “manso” pode sugerir, a um leitor contemporâneo, um indivíduo “mole”, “morno”, que se omite ou não se arrisca a contraditar ninguém; uma pessoa falta de coragem e de dignidade, servil e até hipócrita, empenhada em cultivar um relacionamento sem conflito, ainda que isso exija a bajulação, mentiras “brancas” etc.

Alguns agem assim, buscando não se chocar com ninguém, julgando ser um esforço virtuoso. Em Verdade é uma sutil manobra da persona: de parecer bonzinho.

Não! Jamais poderíamos atribuir ao Cristo essa deformação. O verdadeiro significado da palavra MANSO vem de uma atitude mental de “não resistência” recomendada pelo Cristo no “Sermão do Monte”: “Não resistais ao maligno (ou ao mal)” (Mt 5:39). É a mesma atitude inofensiva que os orientais chamam AHIMSA ou “não violência”, com a qual Gandhi venceu a Inglaterra e libertou a Índia.

A psicologia afirma que a agressividade é sinal de complexo, de recalque. E é mesmo. Só é manso quem se baseia no “Eu” real – aquele que se mantém num estado de receptividade, de Mente aberta, de canal consciente, numa amorosa atitude de entrega; no desejo de que o Divino interno se lhe manifeste; intuindo-o em tudo. Ora, toda solução que nos venha da Fonte interna será melhor do que a melhor solução meramente humana, mental, ditada pelas conveniências. Além disso, as circunstâncias e as pessoas em jogo estão sempre a compor situações diferentes.

Só o Divino interno pode intuir-nos e harmonizar cada necessidade, conduzindo cada dia do melhor modo. Tal atitude, complexa em sua análise, mas simples em si mesma, é a CHAVE DO ÊXITO NA VIDA.

Mais uma vez confirmamos: o que interessa ao Cristo, é a CAUSA interna: se o íntimo é manso, é doce, é receptivo à sabedoria interna, os atos – que são os efeitos, logicamente serão acertados e conducentes a infalível êxito.

Agora vejamos o sentido de “Terra”. Significa a esfera material, o exterior, a manifestação, a consequência, o lado humano pelo qual o Eu real se expressa. No “Pai Nosso”, a frase: “Seja feita a tua vontade, assim na Terra como no céu,” – por exemplo – indica que a vontade do Cristo interno deve ser feita nos assuntos externos da personalidade (pelos pensamentos, palavras, emoções e atos); que são a Terra como já é feita, de modo perfeito, no aspecto espiritual do ser; pois “o Reino dos Céus está dentro de nós”[7].

Desse modo se completa o sentido, para uma coerente cadeia de ação: se revelamos mansidão interna, pela reverente entrega (“Seja feita a Tua vontade”), o Cristo interno intuir-nos-á, assegurando-nos êxito através de correto agir. Não obstante sua franqueza, coragem, decisão e estoicismo, São Paulo foi manso: “Quando sou fraco é que sou forte”[8], “não eu quem vive, mas o Cristo vive em mim”[9]. Sua personalidade se despojava de qualquer pretensão e se submetia, como canal consciente e fiel, ao Espírito. Cristo, a mais esplendorosa Luz que jamais conhecemos; pois é o mais alto Iniciado dos Arcanjos, em perfeita unidade com o Pai – atribui toda a Sua imensa possibilidade ao Divino: “Não eu quem faz as Obras, mas o Pai, que habita em mim, é quem faz as obras”[10]. Isso revela que, na medida em que reconhecemos nossa real Identidade (Divina), vamos diluindo todo sentido humano de ser pela evidência da UNIDADE no Divino interno e, uma vez como Espírito, unimo-nos essencialmente a todos os semelhantes, a toda a Criação e ao Pai Universal.

A parábola da videira é um convite dos mais expressivos, nos Evangelhos, para alcançarmos essa mansidão e, por meio dela, realizarmos uma intensa e frutífera ação em prol da elevação do mundo (e, em última análise, em prol de nós mesmos). Aqueles que se apoiam nos recursos humanos egoístas e violentos tornam-se um galho separado da videira interna do Cristo e só podem colher os frutos de discórdia e ignorância que geraram, porque não são frutos do Espírito. Mas o “manso” liga-se internamente a Videira e recolhe a seiva que o sustenta numa ação reta e edificante. Ele sabe que o Eu real é quem pensa, ama, fala e age em e através dele, ou melhor, COMO ELE – sendo ele. Para chegar a essa entrega não é fácil; deve haver um total despojamento do sentido humano egoísta, separatista, criado pela “falsa luz”.

Felizmente os falsos frutos são ilusórios, transitórios e só vivem enquanto alimentados por nossa ignorância. Já os frutos espirituais são eternos porque nascem da essência imortal.

Regra geral, desvirtuamos as mensagens internas, verdadeiras e mansas, do Cristo interno: colhemos repetidos fracassos e teimamos em não compreender e aceitar os claros ensinamentos do Messias. Fazemo-lo por pura ignorância, como disse Sócrates: “o homem faz o mal porque não conhece o bem”. De fato, se confiássemos que, ao seguir os ditames do Espírito poderíamos “herdar a Terra”, ou seja, alcançar êxito autêntico em todas as circunstâncias, por certo procuraríamos com mais afinco, alcançar essa “mansidão”. Temos tido mostras disto pela ação de pessoas conhecidas com alguma dose dessa mansidão – elas se destacam nos trabalhos de equipe, nos conclaves, nas mesas-redondas, nos difíceis misteres de conduzir homens –, possibilitando que o bom senso prevaleça em benefício de todos.

Alguém pode objetar que essa mansidão é impraticável no mundo egoísta, competitivo, materialista, agressivo, interesseiro, de nossos dias. Dizem que a ideia pode parecer muito bonita em teoria, no papel, na boca do filósofo, e, todavia, inexequível. Analisemos esse argumento que naturalmente há de acorrer a muitos leitores. O reino animal é dominado pela lei de “sobrevivência dos mais aptos”; a supremacia do mais forte.  E a que sabemos existir na vida da floresta e do oceano: a maior, a mais forte, domina e devora o menor e mais fraco. Spencer diz que na sociedade humana é a mesma coisa. Mas, é esse o padrão ideal? A mansidão não pode medrar e levar ao êxito?

Relanceando os olhos pelo panorama mundial, vemos agrupamentos humanos em vários estágios de desenvolvimento nos mais variados graus de consciência desde as selvagens, próximos aos irracionais – que se regem pela força – até os ditos civilizados que apenas sofisticaram sua forma de violência: a violência mental, conhecida por eufemismos curiosos, tais como: sagacidade, astúcia, diplomacia, inteligência. Em todos esses degraus há uma constante: essas diferentes classes servem, de modo variado, a PERSONALIDADE EGOÍSTA. Todos se situam em nível puramente humano, separatista, anticristão.

Esse egoísmo, na busca de todos os recursos, tem invadido a espiritualidade, para ver em que medida os fenômenos, as forças psíquicas e mentais podem servir a seus propósitos. Atualmente existem muitos movimentos e líderes que ministram cursos (bem caros) para alcançar êxito através de poderes.

Esclareçamos bem: isso não é espiritualidade, e, sim, materialidade, de desastrosas consequências porque a maioria não tem base moral para bem empregar poderes. Em primeiro lugar o Reino dos Céus e o ajustamento às leis…

Ora, toda forma de egoísmo é manifestação da persona, com sua crença de separatividade. Toda forma de egoísmo é violenta, de algum modo.

À medida que o ser humano evolui, reconhece que a violência é sinal de fraqueza. É preciso ser forte para diluir o egoísmo e sua violência inerente. O ser humano verdadeiramente forte é manso e, portanto, inofensivo. Requer muito mais de nós dominarmos os impulsos do que os seguir. Nisso se inclui a magia negra, uma forma personalista e covarde de interferir no livre arbítrio de outrem.

São Paulo comparou: “Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Depois que me tornei homem, fiz desaparecer o que era próprio da criança.[11]. Ele se referiu aos graus de consciência evolutiva: há crianças, há rapazes e há adultos espirituais. Tal como o livre arbítrio vai sendo concedido aos filhos, na medida em que se processa seu desenvolvimento interno, até que possam responder juridicamente por seus atos, exercendo direitos e deveres; assim na espiritualidade. Quando necessária, as crianças e rapazes são punidos pedagogicamente pelos pais; quando precisa também os adultos são punidos pela lei social e até perdem seus direitos de cidadão. São formas de educar o egoísmo e a violência.

A história nos ensina que a violência jamais dominou, senão temporariamente, ao passo que a força mansa do Espírito exerce domínio permanente. Onde está o domínio de Dario[12], de Alexandre Magno[13], de Júlio Cesar[14], de Gêngis Khan[15], de Napoleão[16], de Hitler[17] e outros adeptos da força e da agressão? Comparem-se esses feitos militares com o espírito de mansidão e de amor de Cristo, de São Francisco de Assis, de Mahatma Gandhi e outros. “Violenta non durant” – diziam os romanos; e eles mesmos o comprovaram.

A diferença entre a mansidão espiritual e a violência da persona é clara: a mansidão conquista mansamente, a pouco e pouco, seguramente, ao passo que a violência domina pela destruição. Hoje em dia, arrasando uma cidade em pouco tempo, com uma bomba de alto potencial. Mas, domina? Conquista?

Dirão alguns: “se a violência é própria do egoísmo humano, porque seres iluminados usaram de violência? A Bíblia relata inúmeros casos de agressão, como, por exemplo, as pragas do Egito, a destruição de Sodoma e Gomorra etc. o próprio Cristo expulsou os vendilhões do templo a chicote!”.

Aproveitemos essas dúvidas e pela meditação alcançaremos compreensão mais profunda.

O plano divino de manifestação e evolução se desenvolve em ciclos de CRIAÇÃO, PRESERVAÇÃO E DESTRUIÇÃO. Tudo, seja uma coisa, uma ideia, um sentimento, uma circunstância – tudo – é criado, e preservado para cumprir sua tarefa e colher os frutos de experiência e, finalmente, é destruído, quando se torna ultrapassado e inútil; porque a natureza não conserva o que seja inútil. Ora, tudo o que é criado e mantido, luta para conservar-se, mormente no campo humano, em que o “instinto de conservação” é o mais poderoso. Luta um governo para manter-se; luta uma ideia para prevalecer; luta um hábito para não morrer. E essa luta gera uma consequência cósmica: a dissolução violenta. Não que a violência venha do Divino, mas da resistência ao Divino, pela coisa criada.

Se o ser humano não resistisse ao Divino, jamais haveria destruição, mas apenas transformação constante para melhor.

A lei de evolução não permite que algo ultrapassado venha comprometer o natural desenvolvimento; que venha entravar a necessária e constante renovação. Ela interfere e quebra a resistência e cristalização. Quanto mais forte seja a resistência, mais dor. Isto ocorre em tudo. Até nas menores coisas da vida.

Pois bem, todas as aparentes agressões e violências bíblicas foram motivadas pela resistência do egoísmo humano, que buscava impedir as indispensáveis transições. As pragas do Egito não se referem a simples libertação de um povo cativo, senão a mudança de uma época evolutiva para outra. A destruição de Sodoma e Gomorra foi provocada pelo materialismo – como o foi à queima da Lemúria e o afundamento da Atlântica. Foi a culminância de um destino coletivo, de extrema desobediência às leis evolutivas. Assim também na esfera individual; muitas vezes recusamos as oportunidades e convites de elevação; então nos sobrevêm circunstâncias adversas que nos obrigam a mudar: depois vemos que foi para nosso próprio bem. Outras vezes chegamos a extremos de abuso e, como um fogo, a força divina surge como enfermidade, queimando as cristalizações acumuladas em nosso organismo, por causa de nossos desvios das leis naturais.

O Novo Testamento não diz que o Cristo chicoteou os vendilhões do templo: diz que Ele fez e usou o chicote, do que se infere que expulsou os homens com palavras e os animais com o chicote, porque não podiam compreender as palavras. Num sentido interno significa a decisão serena que não exclui a mansidão para expulsar do templo de nosso corpo, os instintos (animais) e egoísmos (mercadores).

Moisés e outros iluminados usaram de poder espiritual, mas não a serviço da personalidade deles, senão a mandato divino, pois eram fieis mensageiros, mandatários para cumprir difíceis missões. Pessoalmente foram mansos. Lot não pode converter os cidadãos de Sodoma e Gomorra para evitar a destruição dessas cidades. Não os forçou. Respeitou-lhes o livre arbítrio. Nem mesmo pode converter sua mulher, que, contrariando a recomendação dos Anjos, olhou para trás, para ver as cidades em chamas: é símbolo do apego ao passado vicioso que nos cristaliza; por isso ela se converteu numa estatua de sal.

O Direito na esfera humana; o legislativo na constituição busca preservar o interesse coletivo. Erram porque são humanos e agem em função da personalidade, ao passo que a Lei divina é infalível, é sábia.

Assim, a Deus cumpre a justiça; aos seres humanos a mansidão – se bem que a mansidão perfeita seja muito rara, porque pressupõe a orientação global do Eu divino, sem interferência egoísta da persona. Mas é um dever nosso buscar atingi-la, cultivando-a pouco a pouco, pois, só ela nos pode assegurar a verdadeira posse, a herança da Terra.

Entende-se por posse o agarrar, segurar, apropriar-se, isolar algo para nós, seja pessoa, direito ou coisa. Não é isso. A verdadeira posse subentende a concordância de ambas as pessoas na união: os dois são possuidores e possuídos, ao mesmo tempo. Não se trata de dominar externamente, como o domínio militar, a força para assegurar a posse. Já vimos que essa conquista é ilusória, transitória, porque suscita insatisfação e reação contrária. Também não é conquista a sedução egoísta, porque o egoísmo tem curta duração. Só possui quem conquista o íntimo e internamente se dá voluntariamente. E só permanece a conquista mútua quando cada parte procura edificar a outra, em vez de explorá-la, pois a mansidão é baseada no Amor e o Amor sempre dá: é centrífugo e altruísta.

Ser manso é viver em amor, estabelecendo harmonia conosco mesmos e daí com os demais e o Universo. Damos inofensividade e recebemo-la de volta, como um eco, de todos os reinos, infra e supra-humanos. Tal era a linguagem de São Francisco de Assis, que os pássaros entendiam, que os peixes escutavam; é a ação do que dá mansidão e a recebe, numa posse autêntica e efetiva.

Isso é herdar a Terra, para glória de Deus.

Quarta Bem-Aventurança

“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.”  (Mt 5:6)

“Bem-aventurados vós, que agora tendes fome, porque sereis saciados.” (Lc 6:21)

“Ai de vós, que agora estais saciados, porque tereis fome!” (Lc 6:25)

Atualmente para nós a palavra justiça sugere o sentido jurídico. Em francês, “justice” tem igualmente o sentido de JUSTESSE – em português: JUSTEZA ou AJUSTAMENTO. Tal é o exato sentido do texto original grego dos evangelhos (1º século). Daí havermos preferido adotar: “famintos e sequiosos de perfeição”, para remover qualquer dúvida – advertindo que o significado é: “felizes os que têm fome e sede de ajustamento”.

Ajustamento a que? Está claro: às divinas leis; à vontade divina em nós. Neste verdadeiro sentido, a palavra JUSTIÇA é uma das chaves com a qual o leitor poderá desvelar o sentido esotérico de muitas passagens da Bíblia.

Justiça não é meramente uma conduta reta, mas, sobretudo, uma INTENÇÃO reta, em cada assunto e aspecto da vida. Notem a reiteração de Cristo: o que interessa é a causa, o pensamento, a intenção. Se esta é reta, os efeitos (impulsos sentimentais, palavras e atos) também o serão. O ser humano interno se expressa (ex + pressar ou impulsionar para fora) e retrata sua intenção – pressupondo coerência e sinceridade, conforme a citação evangélica: “Assim como o ser humano pensa em seu coração (íntimo) assim ele é”. Caso contrário, a pessoa pensa ou sente uma coisa, mas fala ou age diferentemente. Nesse caso é insincera e hipócrita. A manifestação está em desacordo com a intenção.

Esta bem-aventurança é prometida e assegurada aos que têm fome e sede (forte aspiração, sincero propósito) de verdade. Ora, como que as bem-aventuranças constituem um conjunto completo de condições interdependentes deduzimos que a realização da justiça depende também de “sermos mansos”, “mendigos de espírito”, “chorando” sinceramente quando obstados por nossos condicionamentos viciosos. Buscando sinceramente viver as bem-aventuranças podemos receber os lampejos do Eu real, cuja vontade desejamos OUVIR e CUMPRIR em todas as nossas manifestações. Com a prática sincera os contatos se amiudarão, até que ocorra o Pentecostes. Todavia, as práticas iniciais, se bem-feitas, trarão as primeiras respostas da “pequenina e silenciosa voz”, em forma de intuição ou sabedoria interna, se preenchermos este anseio de ajustamento.

O divino Mestre proclama felizes os que têm essa fome e sede da experiência de Deus; um forte e sincero propósito de cumprir Sua vontade na vida de todos os dias.

Muitos podem pensar: “Ainda estou verde; longe da meta; como saber se estou fazendo a vontade de meu Eu real ou de minha personalidade?”.

Até que alcancemos a iluminação, não é fácil distinguir. O que importa, no entanto, é que cada um aja segundo seu nível de consciência. Se preenchermos os requisitos de humildade, desapego, sinceridade, exame de nós mesmos, mansidão etc., os resultados virão. Além disso, há sempre um “sabor interno”, um senso intuitivo do que é certo ou não. Vamos usando do melhor modo nossos recursos atuais e desenvolvendo outros, para atingir a meta. Importante, nesta bem-aventurança, é cultivar o hábito da coerência, pois, como bem observou Emerson[18]: “O que um homem é, grita tão alto, que não chegamos a ouvir o que ele mesmo diz”. A incoerência, mentira, hipocrisia têm pernas curtas. A convivência desmascara as intenções. Mas, os que se ajustam ao íntimo, em coerência consigo mesmos, serão saciados, satisfeitos, em todos os sentidos.

São Lucas registrou: “ter fome” e “estar farto”. Apenas isso. Referiu-se especialmente a “ter fome” do Divino interno, para experimentar a satisfação, gradativamente maior, da religação. Ao mesmo tempo desaprova os que se satisfazem, intensa e exclusivamente nos gozos da personalidade, lhe prevendo pela Lei de Consequência, a insatisfação, o vazio, a frustração e até mesmo a carência, a miséria, pelo uso injusto e egoísta dos recursos que o Cristo interno lhes deu para administrar.

A maioria dos ocidentais vive engolfada nos afazeres de sua vida predominantemente materialista. Não sentem necessidade de Deus, nem tem problemas de consciência com seus egoísmos, hipocrisias, deslealdades e desonestidades. Acostumaram-se a ver tudo isso como “males necessários” da vida moderna. Ora, o apego material é escravizador. Ele nos envolve num ciclo de progressão geométrica: se temos 1, queremos 2; se temos 2, esforçamo-nos para conseguir 4; se temos 4, tudo fazemos para conquistar 8; e assim por diante. Se há ‘X’ de prazeres, o usufruto aumenta o desejo de gozos maiores. Desse modo, vão se entretendo com seus pequenos finitos, sem desejar nem buscar o infinito em si mesmo, que é o objetivo da evolução: “Sede vós perfeitos, como é perfeito o vosso Pai Celestial”. Permanecem na faixa grosseira da personalidade e pagam um alto preço por essa degradação do ser; não raro perecem com um infarto ou um derrame. Quando são mais felizes, uma úlcera nervosa ou um esgotamento nervoso os lança num hospital. Inútil, ficam remoendo mentalmente suas preocupações; pensando nas contas, nos negócios etc., sem ajudar o organismo em seu desesperado esforço de restauração.

Quem não conhece esses casos? Essas pessoas? São muito comuns! E todas elas se julgam insubstituíveis!

Certa vez ouvi uma estória de um homem assim: não tinha tempo para nada sério ou elevado a que um bom amigo o convidava. Um dia esse amigo insistiu: “Dê-me, pelo menos, dez minutos, agora!”. O homem ascendeu com relutância e o amigo o levou de carro, encosta acima, até que pararam defronte ao cemitério”. O homem o olhou com estranheza e perguntou: “Que é isto? Por que me trouxe ao cemitério?”. Sem responder, o amigo o levou para dentro e, estendendo os braços, apontou para os túmulos e disse: “Todos eles se julgavam eternos e insubstituíveis! Como você! E a maioria deles só viveu para a carcaça! Agora voltemos e em cada enterro em que for obrigado a ir, lembre-se de minhas palavras”.

Felizmente, o egoísmo, a desonestidade, a mentira, os abusos e orgias, pela lei de atração dos semelhantes, se incumbem de aproximar pessoas de índole igual ou pior, para que ambos se tornem fartos de tudo isso. Deus não tem pressa. Seus moinhos moem devagar, mas moem fino, “É da vontade d’Ele que ninguém se perca”. Mas, felizes dos que acordam mais cedo à realidade de si mesmos. Aí chorarão arrependidos, e serão consolados; tornar-se-ão mansos e verão a promessa de Deus cumprida; ficarão famintos e sequiosos de perfeição a mendigar o Espírito, alcançando a satisfação do Reino.

Há outra classe de “fartos” ou “satisfeitos” que se encontra numa perigosa estagnação. Referimo-nos aos espiritualistas e religiosos que SE JULGAM superiores, “filhos de Deus” realizados; julgam estar em dia com sua consciência e com Deus. Pecam por orgulho espiritual, por uma presunção luciferina.

A meta é a perfeição. Ninguém deve estar satisfeito com o que é sob pena de estagnar. Estagnar é retroceder, porque a natureza não conserva coisas paradas. No rio da vida, ou remamos e subimos, ou a correnteza nos carrega.

No livro e no filme de “Fernão Capelo Gaivota”[19] há um pormenor que se adapta a este ponto quando o mestre Chang disse a Jonathan: “Todo limite é um limite; até mesmo o voar a velocidade da luz é um limite; a meta é a perfeição! Não podemos parar nos limites, por altos que sejam”!

Bem-Aventurados os famintos e sequiosos como a mulher samaritana que, tendo capacidade para retirar a profunda sabedoria tradicional (tirar água do poço de 33 metros: veja o símbolo: 3 x 3 = 9) buscou e entrou em contato com o Cristo interno, pedindo-lhe da água Viva, para que não mais tivesse sede das coisas e verdades humanas. Isto é normal no caminho da Espiritualidade: um constante esforço de superação. A cada lance de subida abrem-se novos horizontes, que nos suscitam o desejo de mais subir.

O impossível é alcançado por pequenos e sucessivos possíveis. Eis o convite da persistência diária, do esforço de aprimoramento, que tem feito os grandes atletas, os grandes artistas, os grandes seres humanos. Em todos eles havia, em comum, um desejo de perfeição, uma insatisfação pelo que haviam realizado antes.

Há seres humanos ultrapassados, mas não ideias ultrapassadas – diz uma norma da moderna empresa. Tudo pode e deve ser constantemente aprimorado. Quem para de criar, de crescer, de inovar, de ampliar é logo substituído numa empresa. Há sempre ideias novas no ar, a nossa espera.

Do ponto de vista espiritual é a mesma coisa. Max Heindel diz que a Epigênese (ou gênio) é o mais importante fator evolutivo.

Abordemos, a seguir, a relação desta Bem-aventurança com as atividades mentais:

É uma lei universal: o que concebemos em nossa Mente é automaticamente expresso em nossa experiência diária. Iludem-se e prejudicam-se aqueles que julgam pensar impunemente. Aqueles que tenham estudado o “Conceito Rosacruz do Cosmos” hão de lembrar-se de que tudo o que existe na natureza, ao nosso redor, bem como aquilo que compõe nossa atmosfera ou circunstâncias, é o resultado de um pensamento. Cada pensamento cultivado forma um arquétipo na região mental: um modelo vivo que sustenta vibracionalmente a forma criada. Se penso em miséria, acabo construindo a mesma. Se penso que estou doente, acabo gerando a doença.

Sabendo que ao pensar estamos formando um arquétipo mental – algo que vai influir em nosso destino futuro, porque criará e sustentará a condição mentalizada (seja de bem, seja de mal) – podemos avaliar a responsabilidade no ato de pensar.

Somos seres racionais. Nisto nos distinguimos dos reinos inferiores. Mas também assumimos com a capacidade da razão, uma responsabilidade maior. Somos os criadores de nosso destino, pelo ato de pensar e de exteriorizar os pensamentos na vida. Portanto, PODEMOS E DEVEMOS APRENDER A PENSAR CORRETAMENTE, conforme as leis divinas para nosso próprio bem.

As coisas e circunstâncias são obras do pensamento. Se desejarmos mudá-las, é preciso deixar de alimentar o pensamento que as sustentam, para que se dissipem com o tempo. A citação evangélica: “Se tiveres fé do tamanho de um grão de mostarda e disseres a um monte: remove-te para lá! Crendo em teu coração, crê que assim será feito”[20], tem explicação esotérica: sendo uma manifestação material de um arquétipo mental, só modificando PRIMEIRAMENTE o arquétipo é que podemos mudar o monte, fisicamente. Isto se aplica a tudo! Mas leva algum tempo.

As profecias e premonições se baseiam nisto: se a pessoa tem vidência ou sensibilidade para sentir a mudança arquetípica, pode anunciar antecipadamente o fato, que depois ocorrerá no plano físico.

Agora, tome esta chave esotérica e aplique-a na regeneração mental: os arquétipos são alimentados pela repetição do pensamento que o criou. Eles se debilitam quando o deixamos de alimentar e podem ser dissolvidos pela conscientização da falha, pelo sincero desejo de emenda, pela correção e compensação no diário viver.

Troquemos em miúdos: não se pode pensar uma coisa e criar outra. É absurdo. Pensamos numa casa e construímos uma casa. Pensamos e criamos algo correspondente. Só podemos mudar nossa vida quando mudamos nossos pensamentos. Pretender que nossa vida mude, sem a transformação de nossos hábitos mentais, seria o mesmo que imaginar uma favela e criar um palacete. Impossível. Aqui está a raiz da infelicidade humana. Se estivermos sofrendo carências, infortúnios, enfermidades, depressões, pessimismo, fracassos etc., a causa é mental. É sinal vermelho! Temos de parar e retomar o caminho certo. Isto se chama conversão. Temos de reconsiderar nosso modo de pensar, para que mudem nossos hábitos e, desse modo, cheguemos um dia a SER BEM-AVENTURADOS PELA FOME E SEDE DE AJUSTAMENTO às leis de harmonia.

Aparentemente é muito simples. Mas a prática não é fácil como se nos afigura. Por que? A explicação está no extraordinário poder do hábito, no automatismo dessa segunda natureza que nos exige conscientização cuidadosa. Assim, o estudo do hábito é fundamental no processo da iniciação ou comunhão com Deus.

Como se forma o hábito? Pela REPETIÇÃO. Como enfraquecemos um hábito? Deixando de repeti-lo, ao mesmo tempo em que o substituímos por outro hábito melhor. Mas aí está a dificuldade. O hábito é o que está “farto” e não deseja ser privado de sua satisfação. No esforço de alimentar-se pela repetição, desencadeiam as mais curiosas reações como medos, intimidação, dores, etc., através de nosso corpo etérico. É uma reação de sobrevivência.

Por isso, antes de inteligentemente encetar nossa reforma, tornemos nítida consciência mental do que é certo. Enchamo-nos de convicção e confiança. Depois podemos começar a formar os novos hábitos tomando muita consciência para não cair no automatismo dos hábitos antigos. É questão de persistente conscientização e de observação de nós mesmos. Saibamos que o Cristo interno está dirigindo esse esforço de transformação, pois Ele mesmo no-lo suscitou. Deste modo, estejamos seguros, iremos levando de vencida os pequenos hábitos inconvenientes. A promessa é bem clara: SERÃO SATISFEITOS!

Não nos impacientemos com a aparente lentidão. Uma transformação efetiva exige segurança; consolidação de cada passo. Não nos detenhamos a lamentar nossas falhas. Isto é masoquismo, sofrimento falso. Conscientizemos o melhor e busquemo-lo. Cada vez que pensamos no passado estamos a alimentá-lo. É o que ele quer. O exame noturno de Retrospecção é de outra natureza: é tomar consciência de nosso comportamento mental e emocional, para desarraigar as falhas no próprio ato em que desejam medrar.

Saiba compreender e aceitar os outros como eles são e não como desejaria que eles fossem. Sobretudo, compreenda e se aceite, em cada nível de consciência, a realidade é que devemos partir do que somos para algo sempre melhor! Se você vê os erros do passado é sinal de que se elevou um pouco e de lá os vislumbra. Você é o hoje e não o ontem. Não lamente.

Livre-se dos pensamentos negativos, em relação aos outros e a si mesmo. Você não sabe como isso influi em sua felicidade, em sua harmonia interna e como se reflete em seu lar!

Se você tem real fome e sede de ajustamento ao Cristo esteja seguro; passo a passo, grau a grau, será satisfeito o seu anseio. Não é possível que a busca da verdade e da justeza, com todo o coração, com persistência, observação de si, conscientização imparcial e serena das falhas, não seja coroada de êxito. Não se zomba de Deus nem Ele zomba de seus filhos!

Quinta Bem-Aventurança

“Felizes os misericordiosos, porque eles obterão misericórdia.”  (Mt 5:7)

Também essa bem-aventurança não foi incluída por São Lucas, pela mesma razão que seu evangelho, como método de Iniciação e místico, já a subentende.

Aqui fala Cristo dos misericordiosos, isto é, daqueles que, segundo São Paulo “se revestem das entranhas da misericórdia” (Col 3:12). É o amar, pelo amar espontâneo; é o SERVIÇO altruísta em seu mais amplo sentido. Esta bem-aventurança constitui um sumário da Lei da Vida, que o Cristo apresentou no próprio Sermão do Monte (Mt 5:1-5).

A semelhança das anteriores bem-aventurança, o essencial desta, é a causa, a intenção, o íntimo. Importa que sejamos misericordiosos em PENSAMENTO, em SENTIMENTO, já que o pensar e o sentir precede o agir amoroso: uma Mente Pura e um Coração amoroso, unidos no propósito de SERVIR. Infelizmente, muitas vezes o coração pede misericórdia e compreensão, mas a Mente discorda e impõe pela fria e egoística argumentação, o “olho por olho e dente por dente”. O coração vai à frente, com o novo mandamento do Cristo: “amai os vossos inimigos”!

A Mente fica atrás, no Velho Testamento, na “lei de Talião”[21]. É preciso conciliá-los, estabelecendo uma ponte que os ligue, no abismo que se criou. E essa ponte é a misericórdia, que compreende e aceita cada um, como ele é, fazendo o que pode para edificá-lo.

Cristo deixou bem claro a transição da Lei à Graça: “Ouvistes o que foi dito aos antigos” (Lei mosaica); porém, eu vos digo...” (Cristo)[22]. Se ficamos na Lei, recebemos o efeito doloroso da Lei; se vamos para o Amor, para a Graça, então, recebemos a Graça. Não há como fugir: “SÓ OBTÉM MISERICÓRDIA O QUE DÁ MISERICÓRDIA”.

As ações e as atitudes podem ser delicadas e jeitosas; mas, se estiverem ligadas a pensamentos maldosos, hipócritas, ditados pelo medo ou o desejo de ser “bem-visto pelos homens”, são falsas e não abençoam ninguém: nem ao que dá, nem ao que recebe. O amar não são palavras, nem atitudes, nem gestos vazios. “Deus é Amor”. Portanto, o amor é divino, é nossa própria Essência. A personalidade não pode ser misericordiosa, senão como canal consciente do Cristo interno.

Sabemos que a personalidade é falha. Humanamente falando, quem é bom? Quem é perfeito? Como disse Cristo: “Por que me chamas bom? Bom é só um, a saber: o Pai celestial[23]. Ele queria significar justamente isso: só o divino expressa amor.

Estamos todos na escola do mundo, num processo evolutivo, num desdobramento de faculdades latentes e aprendizagem de seu justo uso. Ora, a espiritualização do ser é o atingimento gradativo do amor; a vivência cada vez mais autêntica desse amor, que é o Eu verdadeiro e superior.

Quem julga se julga, porque será fatalmente julgado segundo o julgamento que faz. Devemos manter, vigilantemente, nosso pensamento na verdade do ser: o VERDADEIRO ser é espiritual, é divino, é eterno, imagem e semelhança de Deus e, portanto, é AMOR. Já a personalidade, como explicamos, está presa na ignorância; ofuscada pela falsa luz; condicionada pela ilusão de separatividade – apesar de mantida pela Centelha que a criou: o Espírito interno. A personalidade constitui a Mente concreta, o Corpo de Desejos, o Corpo Vital e o Corpo Denso. Ela está se debatendo entre os pares de opostos de bem e de mal, até que se situe no convicto SER que ele é em unidade com o Eu verdadeiro e superior, nem bem nem mal, senão simplesmente a expressão da justiça e do amor.

Todos, sem exceção, podemos e devemos dar e receber misericórdia, na mútua edificação. Para receber é preciso, primeiramente, dar; a causa gera o efeito. Se a misericórdia está na origem, na causa, no pensamento, se continuar nos sentimentos e terminar coerentemente, fielmente, nas palavras e ações, então, é autêntica; não foi desvirtuada pela personalidade. Tal como a recebeu do Espírito, assim a revelou.

Observem o próprio comportamento. Notem quantas vezes somos faltos de misericórdia, sobrecarregando, com a influência de nosso pensar, de nosso sentir, de nossos comentários desamorosos, um pobre semelhante curvado ao peso da tentação, da aflição. Ao contrário, se pelo menos, buscarmos ver o Cristo dentro dele – que o torna nosso irmão – já estaremos contribuindo para que nele se desperte a vontade espiritual de erguimento; ficaremos livres de atrair sobre nós a falta de misericórdia de outras pessoas.

Quando exercemos misericórdia autentica, profunda, nascida de um pensamento de compreensão e de bondade, por certo, colheremos os frutos de misericórdia que plantamos, segundo a lei infalível que diz: “Aquilo que o homem semear, isso mesmo colherá[24]. Não que exerçamos a misericórdia interesseira, premeditada; fazer PARA receber; PARA parecer bom. Não! Em tal caso ela já está viciada. A personalidade nada tem a reclamar, porque a misericórdia nasce do Espírito. O entregador não tem méritos. Deixemos de lado a motivação interesseira.

Exerçamos espontaneamente a misericórdia como uma fonte que jorra, como incontida manifestação do Divino interno. Que mérito tem o cano por conduzir a água? Foi o cano que a produziu? Deve receber gratidão por isso? Tomemos nítida consciência disto para não cairmos no auto-endeusamento e nem nos revoltarmos “quando o ingrato não soube nos retribuir”. Só a ilusão de separatividade nos pode presumir autores das manifestações do Espírito. À medida que nós vamos RE-ligando ao Divino interno, esse sentido humano vai desaparecendo. Sentimo-nos felizes por agir em unidade com Ele, como canais conscientes de serviço. Nessa atitude somos abençoados. Então, a água viva que conduzimos aos outros, molha-nos PRIMEIRAMENTE, purificando-nos para servirmos cada vez mais fielmente.

Enquanto estivermos agindo como se fôssemos uma persona à parte e separada do Espírito, expressaremos, inevitavelmente, os vícios a ela inerentes. Estaremos de olho nos frutos da colheita, reclamando sempre o que não nos pertence. Mas quando começamos a nos situar como Seres espirituais em evolução, compreendemos o que disse Cristo: “Assim também vós, quando tiverdes cumprido todas as ordens, dizei: Somos servos inúteis, fizemos apenas o que devíamos fazer.[25]. De fato, estamos dinamizando as faculdades potenciais do Espírito. Disso depende nossa evolução. Assim, quando expressamos misericórdia, estamos dinamizando nosso Amor, para alcançarmos a vivência e a realização do Amor – o Amor que devemos ser como Deus é. Logo, o Amor é a própria recompensa.

Aquele que está buscando compreender as Leis divinas e agir em harmonia com elas, tem responsabilidade maior que as pessoas comuns, que ainda vivem na ignorância delas, sofrendo-lhes as reações. Se nossa personalidade, por seus “eu’s” viciosos, vê um erro ou nota uma falha em alguém, que isto nos sirva de alerta: é um chamado do Cristo interno, apelando para nossa misericórdia e dizendo mudamente em nós: “Aquele que não tiver pecado atire a primeira pedra[26]. Se não exercemos a misericórdia quando ela se faz necessária, quando vamos pô-la em ação? Com nossos amigos e entes queridos? Que mérito há em tolerar, em compreender e aceitar os que agem da mesma forma conosco? “.

Cristo não veio trazer normas de conduta. Sua mensagem é de AJUSTAMENTO ao Divino interno, pelo caminho das BEM-AVENTURANCAS. Nesta sequência maravilhosa, vemos que não é possível sermos MISERICORDIOSOS se, PRIMEIRAMENTE, não formos MENDIGOS DE ESPÍRITO; FAMINTOS E SEDENTOS DE DEUS; MANSOS, etc. As bem-aventurança constitui uma escada de realização e um degrau pressupõe, necessariamente, o outro. Um se completa com o outro. Não é possível sermos misericordiosos sem que Deus se expresse em e pela personalidade. Deus, na medida em que se expressa COMO ou SENDO nós, é que nos torna bons. E se somos realmente bons, não podemos evitar expressarmo-nos em bem. Relembremos a ética do DAR: se Deus age no que dá e no que recebe, sua unidade de amor se refrata na Trindade da ação; um só Deus é o que dá e o que recebe.

Todos teremos algo para dar, porque, como seres espirituais possuímos uma riqueza conquistada pela evolução. Basta expressá-lo, trazê-lo a atividade. Os talentos de Deus abrangem tudo, não apenas os bens materiais, não só o prestígio, a fama, a inteligência como, principalmente, o AMOR, com seu corolário de bênçãos. A personalidade se restringe às coisas de seu imediato interesse; enquanto não se sente um CANAL desvirtua fatalmente as coisas, com seu egoísmo. Mas quando Deus dá em nós, também recebe através da personalidade tudo o que pode torná-la um meio mais eficaz do Espírito; tal é a razão do ser humano na Terra; tal o sentido de fraternidade.

É uma benção ser um canal divino. No mito musicado por Wagner[27] (A “Tetralogia”), as Valquírias, filhas da verdade, iam buscar com seus corcéis brancos, os heróis que haviam sustentado até o fim o “bom combate da vida”, no propósito de autossuperação constante. Era desonra morrer na cama, isto é, desistir ou fugir desse objetivo essencial. Esses heróis eram levados ao Valhala, a terra da BEM-AVENTURANÇA, onde eram alimentados com a carne do javali SCRIMNER (símbolo da Sabedoria). A cada naco que tiravam do javali, nascia imediatamente outro no lugar, de sorte que ele se mantinha sempre inteiro.

Assim é a misericórdia. Ao expressá-la, em seus inumeráveis matizes, jamais ficamos diminuídos do que saiu. Os dons espirituais se alimentam de si mesmos. Se dermos corretamente, recebemos os juros de uma consciência aumentada. Aqui estamos para crescermos (animicamente). Cada vez que o Espírito desce ao renascimento, deve voltar com uma consciência maior, através da qual possa expressar mais dons divinos. Em espiral menor, cada vez que o Espírito desce à personalidade (em cada dia, em cada ato), é para subir a um nível de consciência um pouco mais alto. Como um carro que aproveita a descida para tomar impulso e alcançar um pico mais alto, assim o Espírito nas atividades cíclicas de inspirar e expirar; de plantar e colher. Ora, não é possível que o Espírito se manifeste sem que, naturalmente, SIRVA, a si mesmo e aos outros, na edificação evolutiva. A vida é um SERVIR, uma expressão de MISERICÓRDIA, quando o Espírito, que é Amor, Se exprime puramente.

Fixemos, pois, este ponto: esta bem-aventurança (como as demais) abrange a totalidade de nosso ser, como ESPÍRITO e como PERSONA, desde que haja a unidade e coerência entre esses dois polos do Espírito encarnado. Como Espíritos, somos necessariamente bons; sendo bons, somos decorrentemente misericordiosos. Como diz São João evangelista: “Quem vive em amor vive em Deus e Deus nele; quem ama Deus, ama também o seu irmão[28]. E nisto não há mérito; é simplesmente e naturalmente, ser o que somos: Espíritos.

Ora, o que se faz com amor leva o caráter de gratuidade atendendo ao princípio espiritual: “Dai de graça o que de graça recebestes[29]. Este princípio identifica a verdadeira escola e o verdadeiro instrutor. Não nos referimos à profissão como um médico ou uma enfermeira, podem exercer a sua profissão com ou sem amor. Mas é o amor que valoriza o seu trabalho. Melhor ainda; é o amor que justifica uma atividade qualquer. E toda profissão deve reservar tempo e energia ao SERVIR gratuito, misericordioso que constitui o DÍZIMO, depositado no Banco Divino, a nosso crédito e da humanidade.

Sexta Bem-Aventurança

“Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus.”  (Mt 5:8)

Outra bem-aventurança omitida por São Lucas, cujo método, predominantemente místico, constitui, por si, a limpeza de coração.

Vejamos, inicialmente, o sentido esotérico das palavras-chave desse passo: “puros”; “coração”; e “ver”.

PUROS – Não se trata meramente de pureza no sentido de castidade, de não contato sexual, como querem muitos. O sentido é mais amplo e abrange as manifestações todas do ser. A palavra “Katharós”, do original grego, tem sentido de “puro” por não ter mistura; “puro” porque é limpo ou isento de qualquer agregação.

A expressão “limpos de coração” (Katharoi tèi Kardíai) já aparece no Salmo 24:4. Ali surge a pergunta: “Quem subirá ao monte de YHVW e quem estará no lugar santo?”, ou seja: “Quem obterá a realização do encontro com o Divino interno, ultrapassando o véu da personalidade e permanecendo com Ele na “Sancto Sanctorum?”. A resposta diz: “Será aquele que é inocente (sem culpa, limpo) nas mãos (nos atos) e Limpo de Coração”; pureza mental e emocional para não desvirtuar os propósitos do Eu verdadeiro e superior. É o que se sobrepôs aos condicionamentos da personalidade egoísta e a converteu numa serva passiva e fiel do Espírito, tal como Kundry, a serviço dos cavaleiros do Graal, depois que Parsifal[30] dissolveu a ilusão do castelo de Klingsor. Isto só acontecerá quando nos convertermos, de Amfortas em Parsifal, o puro.

CORAÇÃO – tem o sentido que a psicologia moderna chama de “Mente subconsciente”. Comparando-se o ser humano a um “iceberg”, a Mente consciente é a parte menor, visível sobre as ondas, ao passo que o subconsciente constitui a parte maior, mergulhada no oceano – uns 80% de nossa atividade mental. O Mestre mostra o quão importante é a conscientização e limpeza desses “porões da personalidade”. Ele disse: “Assim como o homem pensa em seu coração, assim ele é”[31]. Chamando a atenção para o mesmo ponto, escreveu Salomão: “Guarda com toda a diligência o teu coração, pois dele procedem às fontes da vida[32].

As psicanálises buscam interpretar, nas ações humanas, as poderosas influências do subconsciente. Estão certos os psicólogos ao buscarem “reeducar o subconsciente humano”. No entanto, alcançariam maior êxito se conhecessem e aplicassem os conhecimentos esotéricos do “Sermão da Montanha”. Não basta a mera apreciação intelectual das falhas e o ajustamento da pessoa aos padrões sociais, que estão longe de ser um modelo de vida. Não é suficiente definir as causas subconscientes de nossos erros atuais e indicar soluções. Muito mais do que isso, é preciso VIVER, REALIZAR a “nova criatura em Cristo”; transformar as verdades intelectuais em CARÁTER; iluminar o subconsciente e convergir os hábitos todos na decidida e persistente regeneração do ser.

Sem essa reforma de base não terminarão as angústias, as insatisfações, as neuroses, as frustrações. E o melhor método de reforma é a prática da conscientização da Divina Presença interna, que deve dirigir o exercício retrospectivo noturno, para assegurar-lhe impessoalidade e eficácia.

VERÃO – Futuro do verbo grego “haráô”, que significa “ver”, não no sentido físico, pois, o Espírito é intangível e invisível. O sentido é interno, isto é: sentir; vivenciar, experimentar a Presença do Cristo interno e vislumbrá-lo entre os olhos de cada semelhante.

Não basta crer. Crer é um estágio inicial e insuficiente para liberar o indivíduo de suas limitações e contatá-lo com a divina Presença. Todos os iluminados atingiram essa meta. O testemunho deles é um aval para nosso empenho e persistência no mesmo sentido.

Moisés “viu” o Senhor na montanha – quer dizer, experimentou o influxo da Presença interna, quando se elevava vibracionalmente. Ele foi incumbido de libertar o “povo eleito”. Todos nós, também, quando chegarmos a esse contato, seremos incumbidos de redimir todos os pequenos “eu’s”, ou hábitos que ainda se encontram sob o jugo da personalidade (Faraó); libertar todos os medos; os apoios nos recursos exteriores; diluir todas as ilusões.

Como Parsifal, em sua primeira visita ao Castelo do Graal, o ser humano era primitivamente puro e inocente. Nada sabia e, por isso, não podia dirigir o Castelo de seu ser. A esse estado de consciência, no início da Época Atlante, a Bíblia chama de Éden ou Paraíso.

Era amorosamente dirigido, de fora, pelas Hierarquias, principalmente os Anjos. Depois foi induzido a transgredir as leis da natureza e comeu da simbólica “árvore do conhecimento, do bem e do mal”. Sob a ilusão da falsa luz luciférica, a consciência humana foi mergulhada em vibrações cada vez mais baixas, até que perdeu a visão primitiva dos mundos espirituais. Perdemos a visão global do Universo e ficamos limitados à grosseira faixa vibratória deste plano material, que passamos a considerar como a única realidade.

Isolados numa personalidade, desenvolvemos a noção falsa do “eu” separado com seu inerente egoísmo e egolatria. Conhecendo as consequências de nossos desvios como um MAL e os prazeres como um BEM, construímos uma cultura baseada nos “pares de opostos”. Estamos sofrendo essas condições e cultivando o discernimento entre “o joio e o trigo”. Essa capacidade de discernimento será o “grande prêmio” que levaremos em nossa libertação final deste período tenebroso. A formação do “eu” personalístico é relatada na Bíblia, pela construção da “Torre de Babel”: o homem tinha a pretensão de forjar os tijolos e edificar uma torre que chegasse ao céu, isto é, a insinuação de Lúcifer de nos igualarmos a Deus com os recursos meramente humanos. Para castigar-nos (castigar significa “tornar casto”, purificar), fez Deus que falássemos individualmente línguas diferentes: a língua do egoísmo que ergue muralhas entre o eu e o tu, entre o meu e o teu.

Essa é a condição ainda prevalecente na grande maioria da humanidade, em graus diversos. A personalidade se tornou ativa e assumiu o comando da ação. Na ilusão de um “eu” separado, julgamos não precisar de Deus, ignorando que somos sustentados nesse “trono” pela ação do Espírito a quem traímos. Assemelhamo-nos a um cego cercado de luz e cores por todos os lados (a ilha da psicologia). E como não vemos a luz nem a cor, negamo-las. O Cristo referiu a essa limitada relação do ser humano comum com o Universo, dizendo: “Tendes olhos e não vedes; tendes ouvidos e não ouvis”. Realmente assim é, embora Deus seja Onipresente, patente em tudo: “mais próximo de nós do que nossos pés e mãos; mais perto do que nossa respiração”. Não o percebemos em nós. Por isso mesmo não o vislumbramos nos demais, nem na Natureza. Ora, para percebê-lo em nós e nos outros, é preciso que tiremos o véu dos olhos, para ver “face a face”. É preciso que sejamos PUROS DE CORAÇÃO, isto é, que nos despojemos de todas as escórias acumuladas em nosso íntimo, através das idades, a fim de revelarmos o brilhante oculto no diamante bruto. São Paulo acena a esse renascer, quando diz: “Desperta tu que dormes, levanta-te dentre os mortos e o Cristo te alumiará[33].

Nos primórdios do teatro grego, havia um relator a representar todos os personagens, num púlpito aberto, no meio do salão. Para facilitar a identificação de cada personagem, quando representava um deles, usava a máscara adequada, a entonação de voz indicada, o porte, os trejeitos próprios etc. Se era a rainha a falar, o intérprete punha a máscara da rainha, falava como rainha, assumia porte e atitude de rainha. Se era um vilão, punha a máscara do vilão, falava como vilão, assumia atitudes de vilão etc. E, dentre as máscaras diversas, havia uma espécie de “coringa”, que o relator podia usar para representar qualquer personagem numa dificuldade. Essa máscara era lisa (sem feições) e se chamava HIPÓCRITA.

Atualmente acontece o mesmo. A maioria entra no palco do mundo para representar seu papel e acaba se identificando tanto com ele que esquece sua origem e identidade própria, de Centelha Divina que é. Torna-se uma personalidade (persona significa “máscara”). Muitas vezes assumimos uma máscara especial: a do hipócrita. Etimologicamente, a palavra “hipócrita” quer dizer: “o que está oculto sob”, o que desvirtua os propósitos do Espírito.

Todos estão representando um papel, um estado de consciência, uns níveis evolutivos. Todos têm qualidades boas e más; hábitos nobres e inferiores; impulsos elevados e vis. A tudo isso a psicologia chama de “máscaras”. Cada indivíduo tem muitas máscaras ou “eu’s” e as usa segundo as circunstâncias e conveniências. Ignoramos ou fingimos ignorar que somos um SER divino, um “Cristo em formação”, que transita por essas aparências ou máscaras. Somos maus artistas porque nos identificamos com o papel; julgamos ser o papel. E cada vez que deixamos o palco (pela chamada morte) e voltamos aos bastidores, tiramos o “traje” e, livres de sua vibração rebaixada percebemos que somos o ARTISTA, bem distinto dos papéis. Infelizmente, quando renascemos e mergulhamos no corpo físico ainda embrutecido, de baixa vibração, esquecemos nossa identidade celestial, como bem exprime Fernando Pessoa, de alguém que pôs a máscara e ela se ajustou tão bem a face que grudou e não mais pode tirá-la.

É mais fácil nos desligarmos do “meu” do que do “eu”. O “meu” a gente vê, administra e, sem muita dificuldade pode renunciar a ele. Mais difícil é deixar o “eu”, renunciar à personalidade, porque nosso sentido humano é muito forte e tal despojamento se nos afigura um aniquilamento, por falta de conhecimento espiritual. Quando vivenciamos a verdade do Ser sabemos que não existem dois (o Espírito e a persona) senão Um – o Espírito atuando por dois polos, como vida (pura) e matéria (vida cristalizada); como Ser e não ser, como Consciência atuando numa personalidade. Religar-se pela renúncia ao humano é, simplesmente, submeter a persona ao Espírito; e mudar a polaridade da persona, tornando-a, de ativa que é atualmente, em passiva serva do Eu verdadeiro e Superior.

Não desanimemos, pensando que essa libertação é superior às nossas forças. Não é o humano quem vai realizá-la, senão o Divino em nós, como bem disse Cristo: “Não eu quem faz as obras, mas o Pai, que habita em mim, Ele é quem faz as obras”. “Eu, de mim mesmo (como humano) nada posso, mas tudo posso n’Aquele que me fortalece”.

Toda grande dificuldade pode e deve ser decomposta, subdividida em pequenas dificuldades, facilmente vencíveis. Essa cristificação do Ser deve basear-se, em primeiro lugar, na confiante e esclarecida ENTREGA ao Divino interno.

“A batalha não é nossa” (do interprete), mas de Deus (o Diretor da peça). Só Ele pode pôr fim à trágica comédia humana, quando não mais prescindirmos dos aplausos do mundo. Em segundo lugar, a espiritualização se realiza através do Corpo Vital, nosso veículo de hábitos, por meio da repetição sistemática de meios adequados (os exercícios diários de retrospecção noturna, a concentração e meditação matinais, os exercícios de conscientização da Divina Presença em nós, o estudo constante das verdades espirituais, as preces, as músicas elevadas etc.).

Devemos aprender a humilhar-nos, a assumir nossa real pequenez humana, MENDIGANDO o Espírito, despojando-nos do sentido de posse e do senso personalístico, até compreendermos e aceitarmos que “Eu e o Pai somos UM” e não dois. Purifiquemo-nos para nos elevarmos vibratoriamente e atingir verdades mais profundas. Se realizamos as “bem-aventuranças”, o Divino, em nós, seguramente faz o resto. O Cristo interno está sempre à porta de nossa consciência e bate. Ele respeita nosso livre arbítrio. A relutância é nossa e não d’Ele. Segundo seja a colaboração, será o resultado. Como a maioria não faz um décimo do que poderia fazer, a realização se protela para outras vidas. Nem os mais esforçados se empenham como deveriam. É pena que negligenciemos tão raras oportunidades!

Todavia, o que fizermos será contado e conservado, para renascermos em melhores condições e reencetarmos a cristificação iniciada.

Em “Parsifal”, Amfortas sofre porque não soube confiar em Deus; porque não soube manter a mansidão da não resistência; porque usou a lança do poder espiritual para vencer uma ilusão. Lembremos que Hércules (o “homem” realizado) não pôde exterminar a Hidra de Lerna enquanto não lhe atingiu a cabeça verdadeira: a personalidade egoísta. As outras inúmeras cabeças eram falsas, eram as manifestações sem-conta das “máscaras”, das dissimulações.

É mister encarar honestamente nosso íntimo e repetidamente perguntar: “quem sou eu?”. Das profundezas do Ser nos chegarão as respostas para libertar-nos da “caverna de Platão” e mostrar-nos as realidades que interpretamos atualmente de modo errado, porque são projeções, reflexos distorcidos, de nossa real natureza. Agora “vemos como por espelhos, em enigmas – mas depois veremos face a face” (I Cor 13).

A magia dos sentidos deve ser quebrada. Estamos como num “vestíbulo de espelhos”, cercados de imagens ilusórias, porque não sabemos ver objetivamente, senão que enxergamos as projeções de nosso íntimo condicionado. É uma hipnose de que nós devemos despertar. Se não dedicamos o devido interesse a essa libertação, continuaremos dormindo, como a “Branca de Neve” em seu caixão de Cristal (o corpo) sob o efeito anestésico da “maça” (materialismo) até que o Cristo interno nos possa despertar com seu contato.

Quando fomos expulsos do “Paraíso” ficou um Querubim guardando a entrada com uma espada flamígera. Agora, para regressarmos conscientemente ao Paraíso (em nosso íntimo), devemos levar a senha da PUREZA, como indica o Templo de Salomão, a cuja entrada de novo aparece o Querubim, não mais com a espada flamígera: agora segura uma FLOR, formoso símbolo da pureza. Tal é o requisito para nossa RE-ligação; para atingirmos conscientemente o “lugar secreto do Altíssimo”, subindo com a força criadora, pela coluna, ao MONTE de nossa cabeça, o “lugar das caveiras”, o “sancto sanctorum” de nosso tabernáculo corporal. Despertaremos a visão espiritual pela união vibratória dos centros espirituais da pineal e pituitária.

Essa iluminação era muito difícil antes de Cristo. Só depois que Ele purificou a Terra, liberando-a para mais alta vibração e permitiu a formação de veículos mais refinados (aos mais adiantados) é que a iniciação foi aberta a todos, indistintamente (rasgou-se o véu do Templo).

Saímos da escravidão da Lei (ouvistes o que foi dito aos antigos) e entramos no reino da Graça e do Amor (porém, eu vos digo…). A Lei se torna colaboradora e poder, que o Amor utilizará no SERVIÇO amoroso e altruísta.

Salmo do Bom Pastor

O Senhor é meu pastor: não me faltará!

Deitar-me faz em verdes pastos;

guia-me mansamente a águas tranquilas;

refrigera a minha alma;

orienta-me pelas veredas da justiça,

por amor de Seu Nome.

Ainda que eu andasse

pelo vale da sombra da morte,

não temeria mal algum,

porque Tu estás comigo!

Tua vara e teu cajado me consolam.

Preparas uma mesa perante mim,

na presença de meus inimigos;

unges a minha cabeça com óleo;

o meu cálice transborda.

Certamente que a bondade e a misericórdia

me seguirão todos os dias da minha vida:

e habitarei na casa do Senhor

por longos dias!

Sétima Bem-Aventurança

“Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus.”  (Mt 5:9)

A palavra “pacificadores” tem o sentido de ‘FAZEDORES DE PAZ’.

A tradução: “pacíficos”, em vez de “pacificadores”, que consta de muitas versões portuguesas não corresponde ao sentido do original grego eirênopoioi e tampouco ao latim “pacifici”. Ser pacífico – conforme essas falhas versões induzem a pensar, seria um estado passivo de paz. Mas o significado original indica um processo ATIVO e dinâmico de “exercer a paz”, de manifestar a paz, de “estabelecer a paz”.

Todavia, essa paz dinâmica ativa e INTERNA, consoante o princípio esotérico: “Tudo vai de dentro para fora”. Daí que o Cristo ensine a irmos da causa para o efeito. Ninguém pode dar o que não tem: só comunica paz aquele que a estabeleceu primeiramente dentro de si. O inverso é verdadeiro: todo conflito exterior nasce dos conflitos interiores: “A boca fala do que está cheio o coração[34]”. Sejam os conflitos individuais, sejam os familiares, os regionais, os nacionais como os mundiais, todos eles são filhos de conflitos internos não pacificados. A paz efetiva é assinada no Tribunal da Consciência. Os acordos externos, assinados pela personalidade falsa, são instáveis como ela. São meros armistícios (repouso de armas), tréguas maiores ou menores entre duas guerras.

É comum interpretarem exotericamente esta bem-aventurança, citando-a para exaltar os que se esforçam por estabelecer a paz e concórdia nas relações individuais, na família, no trabalho, numa pendência jurídica e até estender sua influência à Nação e ao Mundo. Nesse pensamento é que se instituiu o Prêmio Nobel da Paz.

Não se pode negar o mérito de alguém procurar conciliar interesses e dissolver desavenças, num sentido externo. Mas a prática da vida nos tem demonstrado a quão difícil e delicada é essa tarefa. Quase sempre a interferência de terceiros piora as coisas em vez de melhorá-las. Além disso, é humano que o conselheiro se deixe influenciar por seus próprios pontos de vista, levando mais falhas a questão. Melhor seria que, chamados a ajudar, pudéssemos, SEM OPINAR, convencer as partes a sinceramente buscarem um novo ponto de vista. Isso é melhor que convencê-las a um acordo, às vezes com alguma coação; aí a pendência será apenas remendada na superfície; não houve paz; as partes ficaram insatisfeitas e não se perdoarão. Ora, o que vale é o íntimo!

A nosso ver, a ideal atuação do pacificador nessas questões externas é a da ORAÇÃO verdadeira. Se o “conselheiro” tem paz interna poderá aquietar-se, não permitindo que suas próprias opiniões interfiram, não importa o que suceda e malgrado as aparências do caso. Ele pede às partes que se acalmem e orem sinceramente por solução com ele. Essa é a norma: ORAR POR E COM ELAS, para que se estabeleça a regra de Cristo: “Se dois ou três se reunirem EM MEU NOME, ali estarei NELES[35]. O “pacificador” ergue, então, um silencioso pensamento ao PAI, pedindo-lhe sabedoria às partes. Permanecem alguns minutos no anseio e expectativa da luz, sem permitir que os canais internos fiquem “entupidos” com teimosias, opiniões ou com “ordens a Deus”. Então, o que melhor atenda às partes, manifestar-se-á. Em tal caso, essa pacificação tornar-se-á ATIVA.

Devemos adquirir experiência do poder da oração e da conscientização da Divina Presença. Em muitas situações difíceis, entre discussões desagradáveis, em meio a desarmonias, quase sempre se dissolvem as tensões e se estabelece um clima de concórdia, sem que se proclame qualquer solução nem se pronuncie qualquer opinião. O importante, indispensável é que o “pacificador” o seja INTERNAMENTE, em boa medida.

Uma boa ajuda que podemos prestar a muitas pessoas carentes de paz e de equilíbrio, que recorrem à nossa oração é mostrar que a única fonte de luz e de paz é o CRISTO INTERNO. Qualquer pessoa pode ter acesso a essa graça, se buscá-la sinceramente, dentro de si. No entanto, até que a pessoa se equilibre, é mister atendê-la e mostrar como, com sua indispensável colaboração, a “coisa funciona”. Depois elas farão isso sozinhas e, com a devida orientação e assistência podem chegar a serem também outras PACIFICADORAS a serviço do Alto. Infelizmente, a maioria abandona a prática quando se encontra melhor ou vê solucionadas as pendências. Paciência. Não compreenderam ainda a necessidade de uma pacificação permanente, mediante a regeneração do caráter.

Voltemos à consideração da PAZ interna, referida pelos místicos como “o melhor passaporte para Deus”.

Quem nô-la pode dar? A personalidade? Jamais!

A personalidade é incoerente e egoísta, geradora de conflitos e divisões. Só o Cristo nô-la pode dar. É uma verdadeira GRAÇA. Num momento grave, em vésperas de sua crucifixão, Ele declarou: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo dá. Não se perturbe nem se intimide vosso coração.”[36]. “Dou-vos a minha paz para que a minha alegria esteja em vós e seja perfeita a vossa alegria; e ninguém mais vos tire a vossa alegria[37].

Consideremos seriamente essas palavras, embora não as possamos avaliar profundamente, enquanto não as vivermos. É uma “paz que ultrapassa todo o humano entendimento”.

No esoterismo as emoções são representadas pelas águas; e os pensamentos pelos ventos. Todos conhecemos inúmeros casos de pessoas que, num momento difícil, clamaram com toda a alma aos céus e foram assistidas “milagrosamente”. Em qualquer ocasião, como há dois mil anos, o Cristo interno pode erguer-se do fundo da barca de nossos corpos e, estendendo os poderosos braços, comandar: “Ondas, acalmai! Ventos, cessai!”. E, voltando-se, pode recriminar-nos como outrora: “homens de pouca fé!”.

Realmente, aquele que se habitua a buscar silenciosamente o Cristo, várias vezes ao dia, numa serena comunhão, alcança a imperturbável sensação de PAZ.

O Cristo adverte: “Pedis e não recebeis porque pedis mal[38]. A maioria ora apenas para pedir a satisfação de desejos egoístas. Vivem imersos nas atividades materiais, que constituem a motivação de sua vida.  Só se lembram de Deus nos momentos difíceis e oram para livrar-se dos incômodos e provas, não percebendo que são advertências para corrigirem seu modo de viver.

Oremos corretamente. Pratiquemos a conscientização da Presença, acima de instabilidade emocional: relaxando-nos e acalmando-nos para que vibratoriamente nosso elevador nos conduza internamente a Ele. Então, o Cristo se nos manifestará de algum modo, como outrora, andando sobre as águas e dizendo: “Não temas! Sou Eu!”[39]. Tenhamos a coragem e confiança de também pedir-Lhe para andar sobre as ondas (sobrepor-nos ao humano, ultrapassar a Mente concreta) sem vacilar como São Pedro.

Até que essa PAZ estável se estabeleça em nós, aqui e agora, devemos tratar de ir conquistando uma paz relativa e crescente, por meio das práticas espirituais recomendadas na parte final do “Conceito Rosacruz do Cosmos”, além das indispensáveis e preciosas práticas devocionais: conscientização da presença, orações etc. Não importa que durante muito tempo não tenhamos “sinal”. A semente enterrada deve sofrer um período de transformação e de preparação até que assome à superfície para alegrar-nos a visão. Mas durante todo o tempo ela exige nosso cuidado e colaboração. Assim a prece. A natureza divina, como a Terra, jamais deixa de fazer Sua parte. O Cristo nos ouve e age. Isso nos basta. Os “sinais” são muitas vezes prejudiciais porque excitam o Aspirante e prendem-no em curiosidade estéril e até na vaidade.

É preciso considerar igualmente outros fatores de PAZ, nos intervalos das práticas espirituais, todos os dias. Seja no trabalho, seja no lazer, numa roda de conversa, vigiemos para que essa PAZ continue presente em nosso íntimo e possa ajudar silenciosamente, onde estivermos. Isto exige “orai e vigiar”, ou seja, uma atitude CONSCIENTE, de observação de si, para não permitir a influência e contaminação de fatores negativos da má leitura, da má TV, do sensacionalismo, das piadas maliciosas, das rodas de crítica, cujas impressões nos invadem os sentidos e vão se acumulando em nosso subconsciente, quase sempre como impressões mal digeridas, mal conscientizadas, em quantidade e qualidade prejudiciais à psique humana. O tempo é um talento divino precioso em nossa evolução: não deve “ser morto” em atividades fúteis e negativas. É preciso aproveitar o tempo sobrante de modo mais legítimo. Higiene mental não é malgastar negativa e indolentemente as folgas, senão “fazer coisas que nos edifiquem”.

À medida que vamos conquistando a PAZ interna, sentimos impulso espontâneo de comunicá-la e, com isso, prestar um valioso SERVIÇO. Mas tenhamos cuidado em não a proclamar. Estejamos alerta com a personalidade! Não precisamos buscar oportunidades, porque o Cristo interno atrairá, automaticamente, as pessoas carentes. Nessas ocasiões devemos deixar que a PAZ do Cristo em nós serene as pessoas. Nem precisamos dizer nada. Só devemos saber que não é a persona quem faz. Não devemos “nos esforçar”. O importante é estar vigilante para que não nos deixemos contaminar pelos aspectos negativos da questão exposta pela pessoa. Não nos devemos identificar com o “caso”. Até é melhor que ela não diga de que se trata. Apenas silenciar e orar conosco. Mas se tem necessidade de “desabafar”, não nos deixemos contaminar, por meio és de nossos “eu’s” negativos. Nem permitamos que os encontros de ajuda sejam meros desabafos. A pessoa deve colaborar para que haja uma solução.

Se agirmos firmemente dessa maneira, nossa ajuda começa a ser solicitada. Devemos concedê-la amorosa e desinteressadamente, sem permitir, no entanto, que ela nos prejudique as tarefas essenciais. E que nossa humilde alegria seja a de nos sabermos “canais conscientes do Cristo, a Quem devemos dirigir todo o mérito”.

A pessoa que se abre internamente à sua videira alcança a paz e essa lhe vem como influxo de GRAÇA, com irresistível tendência para jorrar, transbordando em amoroso SERVIR, não apenas aos parentes e amigos, mas a todos com que se põe em contato, inclusive os animaizinhos e plantas. Aí nos tornamos como o “menino do dedo verde”[40], de mão abençoada, cuja imposição tira uma dor de cabeça. Mas é preciso que toda nossa vida seja uma expressão de PAZ, pela qual conquistamos tudo e todos, ao contrário da violência, que gera violência e enfraquece uma defesa justa.

O filósofo americano, Emerson, disse certa vez a um homem que falava muito em paz (mas que não a possuía dentro de si): “Não posso ouvir o que dizes, porque aquilo que realmente és, troveja muito alto”. De fato, ninguém nos pode convencer com palavras. É indispensável que nosso viver seja um testemunho e aval do que dizemos. O exemplo é o mudo e convincente argumento.

Ainda mais: todo sentimento personalístico de vaidade, de atribuir o mérito à persona, tem o efeito de fechar os canais da graça interna.

A conquista gradativa da PAZ interna resulta de um vigilante, persistente e bem orientado esforço. Não é a personalidade quem vai conquistá-la. Ao contrário: impede-a. É mister dissolver as nuvens da personalidade para que o sol brilhe.

Embora sejamos aparentemente pequenos e débeis como David; sempre que nos defrontemos com um desafio materialmente maior (gigante Golias), se temos a pedra da realização interna e a arrojamos para dissolver a ilusão, prostraremos os embaraços e alcançaremos a vitória pela paz. Até chegarmos a esse ponto, de conquistar sem violência as injustiças e dissolvê-las, experimentaremos muitos malogros. Não têm importância: “O único fracasso é deixar de lutar”.

Desses embates, os mais árduos são os internos. Trava-se uma luta real entre as duas naturezas opostas do ser humano, tanto mais árdua quanto mais apercebidos estejamos de nossas tendências viciosas. Elas lutam para sobreviver, como se relata na obra ocultista “Baghavad-Gita”[41]. Mas a vitória é alcançada sem violência, como já mostramos na terceira bem-aventurança. Essa batalha interna, pela regeneração do Ser e soberania de nosso Melquisedeque, é o tema constante de todas as religiões e filosofias, porque constitui a medula da evolução e o interesse maior do ser evoluinte. Entre os Maniqueus, o ensinamento principal é a lenda da guerra entre os filhos das trevas e os filhos da Luz. Entre os manuscritos essênios encontrados em 1947, há um que trata do mesmo assunto. No Velho Testamento há diversas passagens simbólicas, de lutas entre os filisteus (filhos das trevas) contra os filhos de Deus. No evangelho de João há o embate entre as trevas e a luz. Esses são alguns exemplos desse tema fundamental.

Encerraremos este passe com uma lição de São Paulo, acerca de nosso modo de viver, na conquista gradativa e segura da PAZ:

Finalmente, irmãos, ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, honroso, virtuoso ou que de qualquer modo mereça louvor. O que aprendestes e herdastes, o que ouvistes e observastes em mim, isso praticai. Então o Deus da paz estará convosco”. (Fp 4:8-9).

***

Lema Rosacruz: “Uma Mente Pura, Um Coração Puro e um Corpo São”.

Oitava e Nona Bem-Aventuranças

“Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus. “Bem-aventurados sois, quando vos injuriarem e vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e regozijai-vos, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois foi assim que perseguiram os profetas, que vieram antes de vós.”  (Mt 5:10-12)

“Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem, quando vos rejeitarem, insultarem e proscreverem vosso nome como infame, por causa do Filho do Homem. Alegrai-vos naquele dia e exultai, porque no céu será grande a vossa recompensa; pois do mesmo modo seus pais tratavam os profetas.”  (Lc 6:22-23)

“Ai de vós, quando todos vos bendisserem, pois do mesmo modo seus pais tratavam os falsos profetas.”  (Lc 6: 26)

As sete primeiras bem-aventuranças, anteriormente expostas, representam sete passos definidos na cristificação do ser humano. São os meios para a criação religar-se à sua Fonte, como disse São Paulo: “até que alcancemos todos nós a unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, o estado de Homem Perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo”. (Ef 4:13)

Essas duas últimas, 8ª e 9ª bem-aventuranças, representam as PROVAS indispensáveis para CONFIRMAR as sete primeiras. Serve de TESTE à legitimidade da evolução alcançada nos sete primeiros passos.

Se o candidato falhar nessas duas últimas bem-aventuranças, deverá voltar e REVIVER as sete primeiras, porque será “sinal” inequívoco de fracasso em um ou mais dos sete passos essenciais. Daí a necessidade de analisarmos cuidadosamente o sentido desses dois passos finais.

São Lucas inclui em seu método místico esse arremate, terminando por uma condenação (versículo 26) ou advertência, à tentação da personalidade aceitar falsa honra. O que a maioria aprova, quase sempre não é o melhor.

Confrontemos os dois sinóticos:

São Mateus fala de perseguição, injúria e mentira.

São Lucas refere-se a ódio, excomunhão, ultraje, rejeição e indignidade.

Que significa tudo isso? É preciso ter muito cuidado com as palavras porque podemos atribuir-lhes sentidos falsos. A personalidade falsa, em nós, é multo hábil para justificar-se e guardar o seu prestígio. Há sempre uma grande dificuldade para admitirmos imparcialmente as próprias falhas, justificando-as com eufemismos curiosos, no esforço de “sermos bem vistos pelos seres humanos”. O trecho é claro: o que se faz contra o Eu real, o que fere os interesses superiores da essência humana. Somos simples aspirantes, pessoas comuns ainda. É preciso cautela para não nos incluir entre os “justos”. As reações desagradáveis que provocamos nos demais têm, quase sempre, uma CAUSA INTERNA. O mal que vemos fora é, muitas vezes, um espelhismo. Se vemos ou suscitamos algo negativo, é sinal de que essa mesma falha se projetou de nós. Nosso “Eu” real a vê e chama nossa atenção para ela, convidando-nos a conscientizá-la e não mais a alimentarmos. Nada surge em nossa experiência, de bem ou de mal a não ser que algo semelhante, em nosso íntimo, o atraia. Assim como um imã atrai apenas as coisas de ferro ou aço (que lhe são semelhantes), também nós atraímos o que nos é afim. Somos como um aparelho transmissor e receptor: transmitimos a mensagem silenciosa de nosso modo de ser e captamos do exterior o que nos é semelhante. É a sintonia automática e fiel da “onda” ou “faixa” vibratória que nos corresponde.

As pessoas imaturas (os espiritualmente infantes) sofrem repetidamente pelas mesmas falhas, porque não as conscientizam e nem as sobrepõem. Então, como a Hidra de Lerna de cabeças falsas, aquela deficiência ressurge disfarçada, em nova curva do caminho, desafiando-as outra vez. Estão cegas, e surdas às advertências da vida; aos convites de regeneração. Querem colher o que não plantam. Gostariam de ser tratadas com simpatia e consideração e como não recebem esse tratamento dos outros, queixam-se de que são invejadas e perseguidas, tanto no trabalho como na sociedade. Para suprir a subconsciente falha (que lhes dá complexo de inferioridade) esforçam-se por demonstrar sua superioridade em alguma coisa, alegando esta e outras razões, como causa dessa atitude hostil dos outros, em relação a elas. “É despeito…” – dizem.

Simples camuflagem. Grande ilusão! Benditas desilusões que vêm demolir essas tolas justificativas da personalidade falsa. Não há justificação. Ninguém pode impedir de recebermos o que o destino traz a nosso encontro, como eco de nosso caráter. Tudo é produto do mérito ou demérito. Se desejarmos Deus em nossa vida; se almejarmos paz e harmonia; se aspirarmos “herdar a terra”, deveremos exercer, conscientemente, as bem-aventuranças descobrindo e levando os evangelhos aos pequenos “eu’s” não regenerados de nosso íntimo, que são as CAUSAS das perseguições, da hostilidade, frustrações, injúrias e calúnias de nossa experiência.

A personalidade é ardilosa no refugiar-se em justificações. Gostamos de nos enganar e nos enfurecemos quando alguém nos desmascara. Podemos perdoar tudo: perda de bens, de amizades etc., mas nunca perdoamos a quem nos desmascare. A psicologia diz que é muito comum uma pessoa ficar inimiga gratuita de outra a quem, num impulso de sinceridade, confessa um segredo importante de sua vida; porque ela se torna depositária de um ponto fraco. Estamos sempre a camuflar nossos vícios, sem coragem de olhá-los de frente e tomar consciência de sua real natureza: uma ilusão. Por isso é que o desmascaramento constitui o maior crime. Por isso condenaram Sócrates a beber cicuta e o Cristo a morrer na cruz.

Soltem Barrabás!

Compreendamos: a origem, a causa de toda adversidade, é INTERNA.

– Contudo – dirá o leitor – parece haver contradição em tudo isso! Se o Cristo manifestou Seu Amor e boa vontade em dar-nos o Reino, assegurando-nos, nas sete primeiras bem-aventuranças, que podemos ganhar o Reino dos Céus mediante o  esvaziamento da personalidade e aspiração do Eu superior; que por meio da conscientização das falhas seremos consolados, que pela mansidão (não resistência) podemos alcançar a felicidade aqui e agora mesmo; que a ardente aspiração de aprimoramento ser-nos-á atendida; que pela misericórdia exercida em relação aos outros (e a nós mesmos) estabeleceremos um reino do amor; que, pela limpeza interna alcançaremos a união com o Eu Superior; que ao realizarmos a paz, seremos chamados filhos de Deus – por que é que, nessas duas últimas bem-aventuranças Ele considera uma felicidade sermos perseguido, injuriados, caluniados, odiados, excomungados, ultrajados, rejeitados e desprestigiados? Por que é que o próprio Cristo, sendo perfeito, sofreu essas coisas todas, se as causas das perseguições são internas? Esclareçamos essa aparente contradição para que o assunto se torne definidamente lógico. Para isso, dividamos a humanidade em três categorias de pessoas:

  1. Os espiritualmente infantis, que se acham no nível de consciência de transgressões ignorantes às leis divinas. Suscitam reações da Lei de Causa e Efeito, sofrem e se revoltam porque não sabem por que sofrem. Para eles, a finalidade da vida é “gozar”, num sentido deturpado. Não compreendem por que não podem “gozar” sem restrições nem dores.
  2. Os Aspirantes à vida superior, que compreendem as verdades espirituais e estão procurando realizá-las, conscientes de que a regeneração há de ser conquistada lenta e seguramente pelo conhecimento e superação de suas falhas.
  3. Os seres realizados, espiritualmente adultos, que já se libertaram das limitações viciosas da personalidade e a transformaram em serva fiel do Eu superior, trabalhando para libertar os demais de sua escravidão.

Agora, raciocinemos: a violenta resistência da natureza inferior se dá DENTRO DE NÓS, na fase de aprimoramento; e acontece FORA, vinda de outros, quando um ser iluminado procura libertá-los. Portanto, ela sempre nasce da personalidade viciosa.

Entre duas pessoas condicionadas, uma vê e atrai, na outra, aquilo que está em si. E quando ela supera todas as limitações, a resistência vem APENAS como reação da natureza inferior, na pessoa a quem se deseja libertar. Ao mesmo tempo, isso serve de teste para o ser iluminado. Nada, nele, a esta altura, deve identificar-se com o mal dos outros. Ele não se deve entristecer pela ingratidão. Ele atribui tudo ao Eu real: êxitos e fracassos aparentes, pois, em realidade, tudo converge para o bem.

Há duas regras esotéricas que deveríamos guardar e praticar, em nossa espiritualização:

  1. Busquemos observar, imparcialmente, nossas reações internas. Mantenhamo-nos livres para receber as palavras e atitudes dos outros, despidas de agressão, analisando em que medida elas se ajustam a nós.
  2. Se uma ofensa ou oposição é justificada, não temos razões para nos aborrecermos. Aproveitemo-la em nossa correção.
  3. Se uma ofensa ou oposição é injustificada (realmente, pois as justificações e amor-próprio dificultam muito essa apreciação), também não nos devemos magoar, porque não cabem a nós.

As injustiças, a agressividade das atitudes e palavras, os agravantes vários em que a outra pessoa tenha incorrido, ficam por conta dela. Ninguém responde pelos erros dos outros. O destino é individual. “A doçura amansa a ira” (Salomão). Se aproveitarmos estar com a razão para amesquinhar a outra pessoa, nossa violência e grosseria debilitam nossas razões.

  1. “Nada pode ferir-me, senão na medida em que admito a ofensa”, ensina São Bernardo. Eis uma regra importante de psicologia. Se admito a ofensa, ela me fere. Se não a admito, permaneço ileso. Não se trata de superficialidade: sorrir por fora e magoar-me por dentro. Não. É não responder por dentro. Embora nossos “eu’s” reajam lá dentro à agressão (porque são semelhantes), não nos deixamos envolver por eles; ficamos à parte, observando sua reação sem nos identificarmos com eles. Não é fácil, mas pode e deve ser conseguido.

Também, nesse caso, é preciso ponderar honestamente se a crítica é fundada ou não. Se de algum modo contribuímos para essa atitude hostil, tenhamos a nobreza de pedir desculpas. Se não temos culpa, esclareçamos a coisa com mansidão e firmeza. Se a pessoa está emocionalmente descontrolada, aguardemos ocasião para esclarecê-la. E se, finalmente, não podemos provar nossa inocência tenhamos confiança de que “nada há em oculto que não venha a ser revelado”. De toda forma, não há motivo de mágoa senão na persona orgulhosa. E se há meios para se ajudar alguém ou esclarecer situações, só pode ser pela verdade AMOROSA.

É interessante observar as reações da personalidade falsa no período de aprimoramento. Ela usa dos mais astuciosos meios e justificações e reclamos, chegando a apelar para reações biológicas: asma, bronquite, diarreias, erupções de pele – de natureza alérgica, como choros e esperneios de uma criança caprichosa e mal-educada. Por quê? Porque deseja sobreviver. Quem está no “trono” luta para permanecer.

Enquanto atendemos aos velhos hábitos arraigados, alimentando-os com a repetição, tudo vai bem – exceto nas pessoas elevadas, nas quais a “pequenina e silenciosa voz” reclama por libertação. Por isso, toda mudança de hábitos é difícil. Os “poderes constituídos” resistem, o que é compreensível, conhecendo-se o instinto de conservação. Daí que toda reforma de caráter deva estar claramente delineada nas verdades do ser, usando-se adequadamente os conhecimentos, a observação de si, a não resistência e persistente realização da “nova criatura”. Não se trata de combater – no sentido comum – e matar a natureza inferior, mas, sim, transmutá-la, despindo-a dos condicionamentos e ilusões de que a revestimos com a “falsa luz”. A resistência, o combate, dão forças à ilusão. Quando combatemos algo é porque o julgamos real. Mas a única realidade é o Espírito. Não se trata de resistir, porque isso põe no palco de nossa consciência os chamados males e eles se fortalecem na luz de nossa atenção. Quanto mais pensamos em nossas falhas mais as alimentamos. Contudo, se lhes observamos as reações, na convicção de que são apenas realidades transitórias, agindo com a vida que lhes emprestamos, deixamos de alimentá-las e elas vão depauperando pela falta do alimento da repetição e da crença nelas.

A reação dos velhos hábitos é bom sinal. É prova de que estamos nos transformando para melhor; por isso reagem. Mas pode ocorrer o contrário, que bons hábitos reclamem dentro de nós, quando começamos a substituí-los por outros piores, numa queda de caráter ao condescender com uma vida fútil e viciosa. Aí já é outro caso. Devemos discernir. O critério seguro é consultar as verdades espirituais que os Iluminados deixaram, como setas nas encruzilhadas. São guias seguros.

O certo é que, na transformação para melhor começarmos a sentir uma alegria pura. Nosso relacionamento melhora, mas também sentimos prazer em ficar a sós, num desejo de comunhão interna. Tornamo-nos sensíveis a um pôr-do-sol, à beleza singela de uma flor, à simplicidade de uma criança. Compreendemos e aceitamos melhor cada pessoa como ela é sem nos deixarmos afetar por suas expressões negativas.

É o abrir-se à graça: as janelas d’alma estão abertas à luz, esperando até que o Sol nos visite. Fazemos o que nos incumbe, e Deus jamais falha em realizar a Sua parte. Depois vemos que foi só Deus Quem agiu; que não somos dois, mas UM.

Automaticamente vamos deixando velhos hábitos; já não nos apetecem. É um subir gradativo de escala vibratória, onde as consonâncias e dissonâncias vão se alterando. Não são as coisas que mudam; nós é que mudamos. Antigos amigos já não se comprazem em nossa companhia e novas pessoas surgem à nossa experiência pela lei de atração dos semelhantes. Não nos entristeçamos nem os seguremos. É preciso que se vão. E recebamos os novos amigos e sua contribuição. Cada encontro é um mistério insondável, de resultados imprevisíveis. Deixemos que o “rio da vida” corra. É claro que estamos em estado de oração, cada vez mais conscientes de nós mesmos, sem perder a visão da meta: um olho no presente e outro na eternidade, mas confiantes na lei divina que assegura a cada grau o suprimento exato.

Essa gradativa cristificação do ser vai alterando nossa relação com o destino passado. À medida que conscientizamos e superamos níveis inferiores de consciência, eles deixam de agir sobre nós como limitações do destino maduro[42]. Há uma gradual libertação e um conquistar de luz, porque somos como um parêntesis na eternidade, deslocando-nos para frente e acima, guardando uma individualidade, um modo próprio de ser.

Contudo, se inversamente deixamo-nos arrastar e escravizar pela “velha criatura com seus vícios”, as reações da Lei serão muito mais severas, como ensina a parábola do “credor incompassivo” (Mt 18:23-34).

Fixemos o brocardo: “o preço da liberdade é a eterna vigilância”.

Finalmente, vamos abordar o caso das perseguições externas. Distingamos as duas razões por que um iluminado é perseguido pela sociedade.

O nível de ser, o grau de consciência de cada indivíduo, mostra, em menor ou maior grau, suas tendências viciosas e nobres. O Divino, em cada pessoa, sempre invoca um desejo de aprimoramento, ao passo que a natureza inferior, para justificar-se, reage violentamente contra qualquer coisa que ameaça os velhos hábitos. A simples presença de um indivíduo justo, bom, iluminado, brilhante, assume o caráter de uma ofensa. É um contraste entre o que sabemos ser e o que desejamos ser. Reagimos porque desejamos. É como se a presença da pessoa nos lembrasse: “Se você não é, ainda, a culpa é sua”. É claro que não há palavras, senão uma “conversa interior”, a que podemos denominar inveja, “dor de cotovelo” etc. É uma defesa psicológica, por falta de compreensão. É a personalidade que gostaria de ser destacada, de ser bem vista, prestigiada. Uma reação curiosa: anseio de aprimoramento do Divino que a personalidade desvirtua com uma reação de inveja, de agressão, para justificar-se. Então, que faz a persona? Procura um defeito, “arranja” um ponto fraco na outra pessoa e procura diminuí-la. Para que? Para que ela não seja maior que ela. Os pequenos procuram sempre pisar nos grandes para terem a ilusão de que são maiores que eles. Entre os “civilizados” essa reação assume caráter mais sofisticado, mas igualmente violento e egoísta.

Há também a reação positiva que um ser elevado suscita: sentimos o desejo e fazemos o esforço de também sermos elevados, à nossa maneira.

A segunda razão por que um iluminado é perseguido, é esta: porque abala os fatores “massa” e “tradição” em que se apoia a sociedade.

Essa reação surge em maior grau nos meios religiosos, filosóficos e científicos. É inevitável que, no curso da evolução e dentro do Esquema Divino, de vez em quando surjam luminares para provocar mais um grande avanço. Aparece uma mentalidade brilhante e original, uma “exceção à regra”, um “metido” que se atreve a pôr em dúvidas os conceitos estabelecidos e fica procurando novidades para dar “panca de gênio”.

Ora, o ser humano comum, comodamente ilhado em sua personalidade, vibrando apenas na esfera de sua percepção, sente-se seguro nos condicionamentos, nos costumes ancestrais. Ao mesmo tempo, como uma criança que se amedronta quando não vê conhecidos, nos sentimos seguros em pertencer à nossa massa social. Os fatores tradição e massa nos dão segurança, porque somos dependentes, porque estamos ligados, subconscientemente, por cordões umbilicais, a esses poderosos fatores.

Por isso, quando um indivíduo liberto mostra não necessitar desses fatores e “começa a inventar moda”, provoca um terremoto em nossa estrutura. É um revolucionário! Todos se voltam contra ele, exceto uma elite menor (elite real) que não ousava externar seus pontos de vista, mas que admira um autêntico líder. Não foi o que sucedeu a todos os grandes inovadores? Muitas vezes as grandes ideias nasceram do sangue desses mártires da evolução, destemidos seres que tiveram a coragem de cumprir desígnios superiores para assegurar à evolução humana a rota prevista. A missão tinha de ser realizada. Agindo pelo Divino permanente, mesmo à custa da personalidade transitória, tais seres constituem (talvez uma centena apenas que renasce de tempos em tempos, segundo a necessidade) as molas da evolução humana.

Todas as coisas deste mundo se sucedem umas às outras, como as ondas do oceano que se desfazem na praia. Nascem, crescem, cumprem seu papel e depois começam a cristalizar-se, porque se conservam e não se renovam. Aí se tornam ultrapassadas. Ficam anacrônicas. Então surgem esses grandes seres para cumprir a demolição do velho e lançar as bases da edificação do novo.

Eles constituem o “Governo Oculto do Mundo”. Quando pensamos neles, nossa alma se reabastece na esperança; nossa fé em Deus se reafirma, e dizemos: “BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO PERSEGUIDOS POR CAUSA DA JUSTIÇA!”.

FIM

[1] N.T.: Jerônimo (347-420), também conhecido por Jerônimo de Estridão, foi um sacerdote Cristão ilírio, destacado como teólogo e historiador. Filho de Eusébio, da cidade de Estridão, na fronteira entre a Dalmácia e a Panônia, é mais conhecido por sua tradução da Bíblia para o latim (conhecida como Vulgata) e por seus comentários sobre o Evangelho dos Hebreus, mas sua lista de obras é extensa.

[2] N.R.: Warner Sallman (1892-1968) foi um pintor americano de Chicago mais conhecido por suas obras de imagens religiosas Cristãs. Ele está mais associado ao seu retrato de Jesus, Cabeça de Cristo, dos quais mais de 500 milhões de cópias foram vendidas.

[3] N.R.: Sócrates (469 a.C.-399 a.C.) foi um filósofo ateniense do período clássico da Grécia Antiga. Creditado como um dos fundadores da filosofia ocidental, é até hoje uma figura enigmática, conhecida principalmente através dos relatos em obras de escritores que viveram mais tarde, especialmente dois de seus alunos, Platão e Xenofonte, bem como pelas peças teatrais de seu contemporâneo Aristófanes.

[4] N.R.: Mt 5:39

[5] N.R.: Lc 6:3

[6] N.R.: Na mitologia grega era um monstro que habitava um pântano junto ao lago de Lerna. A Hidra tinha corpo de dragão e 3 cabeças de serpente (quando uma delas era cortada cresciam 2 no lugar da cortada) cujo hálito era venenoso e que podiam se regenerar.

[7] N.R.: Lc 17:21

[8] N.R.: IICor 12:10

[9] N.R.: Gl 2:20

[10] N.R.: Jo 14:10

[11] N.R.: ICor 13:11

[12] N.R.: Dario I (“que possui a bondade”) (550 a.C.-486 a.C.), cognominado o Grande, foi o terceiro rei do Império Aquemênida.

[13] N.R.: Alexandre III da Macedônia (356 a.C-323 a.C.), comumente conhecido como Alexandre, o Grande ou Alexandre Magno foi rei (basileu) do reino grego antigo da Macedônia.

[14] N.R.: Caio Júlio César (100 a.C- 44 a.C.) foi um patrício, líder militar e político romano.

[15] N.R.: Grafado também como Genghis Khan (1162-1227) foi o título de um conquistador mongol.

[16] N.R.: Napoleão Bonaparte (1769-1821) foi um líder político e militar durante os últimos estágios da Revolução Francesa. Adotando o nome de Napoleão I, foi Imperador dos Franceses.

[17] N.R.: Adolf Hitler (1889-1945) foi um político alemão que serviu como líder do Partido Nazista, Chanceler do Reich (de 1933 a 1945) e Führer (“líder”) da Alemanha Nazista de 1934 até 1945. Como ditador do Reich Alemão, ele foi o principal instigador da Segunda Guerra Mundial na Europa e figura central do Holocausto.

[18] N.R.: Ralph Waldo Emerson (1803-1882) foi um famoso escritor, filósofo e poeta estadunidense.

[19] N.R.: um romance de Richard Bach, publicado em 1970. Publicado originalmente nos Estados Unidos com o título de “Jonathan Livingston Seagull — a story”, foi lançado neste mesmo ano no Brasil como “A História de Fernão Capelo Gaivota”.

[20] N.R.: Mc 11:23

[21] N.R.: A lei de talião, também dita pena de talião, consiste na rigorosa reciprocidade do crime e da pena — apropriadamente chamada retaliação. A perspectiva da lei de talião é o de que uma pessoa que feriu outra pessoa deve ser penalizada em grau semelhante, e a pessoa que infligir tal punição deve ser a parte lesada. Ela pode ser encontrada nos livros do Antigo Testamento do Êxodo, Levítico e Deuteronômio. Mas, originalmente, a lei aparece no código babilônico de Hamurabi (datado de 1.770 antes de Cristo), que antecede os livros de direito judeus por centenas de anos. O rei Hamurabi foi responsável pela compilação dessas leis de forma escrita (em pedras), quando ainda prevalecia a tradição oral. Ao todo, o código tinha 282 artigos a respeito de relações de trabalho, família, propriedade, crimes e escravidão. Dentre elas, a lei do talião.

[22] N.R.: Mt 5:21-48

[23] N.R.: Mc 10:18

[24] N.R.: Gl 6:7

[25] N.R.: Lc 17:10

[26] N.R.: Jo 8:1-11

[27] N.R.: Wilhelm Richard Wagner (1813-1883) foi um maestro, compositor, diretor de teatro e ensaísta alemão, primeiramente conhecido por suas óperas (ou “dramas musicais”, como ele posteriormente chamou). As composições de Wagner, particularmente essas do fim do período, são notáveis por suas texturas complexas, harmonias ricas e orquestração, e o elaborado uso de Leitmotiv: temas musicais associados com caráter individual, lugares, ideias ou outros elementos. Por não gostar da maioria das outras óperas de compositores, Wagner escreveu simultaneamente a música e libreto, para todos os seus trabalhos.

[28] N.R.: IJo 4:8

[29] N.R.: Mt 10:8

[30] N.T.: Parsifal é uma ópera de três atos com música e libreto do compositor alemão Richard Wagner. Estreou no Bayreuth Festspielhaus em Bayreuth no mês de julho de 1882. É vagamente baseada em Parzival, atribuído a Wolfram von Eschenbach, um poema épico do século 13 do cavaleiro arturiano Parzival (Percival) e sua busca pelo Santo Graal (século XII).

[31] N.R.: Pb 23:7

[32] N.R.: Pb 4:23

[33] N.R.: Ef 5:14

[34] N.R.: Mt 12:34

[35] N.R.: Mt 18:20

[36] N.R.: Jo 14:27

[37] N.R.: Jo 15:11

[38] N.R.: Mc 10:38

[39] N.R: Jo 6:20

[40] N.R.: Tistou les pouces verts (O Menino do Dedo Verde) é um livro infanto-juvenil escrito por Maurice Druon em 1957, sendo este o único livro fictício e de linguagem infantil que o autor escreveu. Foi traduzido para o português por Dom Marcos Barbosa, o mesmo escritor/poeta que traduziu O Pequeno Príncipe. Tistu, desde pequeno era especial, de um modo que ninguém sabia, nem ele mesmo.

Como não conseguiu ficar na escola, Dona Mãe e Sr. Papai (seus pais) resolveram ensinar-lhe tudo que precisava saber na “prática”.

Seu primeiro professor, Bigode (jardineiro da casa de Tistu), descobriu que Tistu tinha o polegar verde, isso significa que onde ele colocasse o polegar iriam nascer flores, pois em cada canto do mundo há sementes, só esperando que um menino especial como Tistu faça elas se transformarem em flores. Por fim, Bigode disse a Tistu que não poderia contar isso a ninguém.

Seu segundo professor, Sr. Trovões, lhe mostrou o que era ordem e onde havia desordem, mostrando-lhe a favela de Mirapólvora, um lugar barrento e nojento. Tistu, achando a favela um lugar sem alegria, não perdeu tempo! Onde passava pela favela colocava seu dedo verde! Fez isso também no lugar onde levavam-no para aprender como na prisão e no hospital.

Um dia, no entanto, Tistu passou dos limites! Estava havendo uma guerra entre duas cidades, e Tistu não querendo que isso acontecesse, fez crescer flores em todos os canhões, o que causou a ira de todos em Mirapólvora, a cidade onde morava. Não havendo escolha, Tistu contou a todos que tinha polegar verde! Todos ficaram surpresos no começo, mas depois, acreditaram.

Após um tempo, uma coisa horrível aconteceu! O grande amigo de Tistu, Bigode faleceu. Como falaram a Tistu que Bigode estava no céu, Tistu fez crescer uma grande planta para que ele pudesse subir e buscar Bigode ou que Bigode pudesse descer.

Enquanto Tistu subia, seu pônei Ginástico, corroía a planta.

Quando Tistu se deu conta, estava subindo sem tocar em nada e viu que em si havia lindas asas brancas!

[41] N.R.: Bhagavad Gita (“canção do bem-aventurado) é um texto religioso hindu.

[42] N.R.: Destino maduro refere-se a consequência que necessariamente deverão ser vivenciadas pela pessoa. No entanto, a Filosofia Rosacruz, uma Escola de Mistérios Ocidentais, ensina-nos que sempre há certa margem para a pessoa colocar coisas novas em movimento. Em outras palavras, é possível modular a intensidade de um destino maduro, desde que a lição que se deve aprender tenha sido aprendida e o reequilíbrio com as forças da natureza, tenha sido reestruturado.

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