No decurso dos passados milênios, as sublimes Hierarquias Criadoras lançaram mão de vários elementos para educar a humanidade, visando conduzi-la, com segurança, à superação das etapas de seu desenvolvimento. Um desses elementos, por sinal dos mais notáveis, é o mito. Os mitos, através de narrativas, aparentemente inocentes ou fantasiosas, projetam ideias ou imagens arquetípicas de verdades espirituais na mente humana. Revelam, de uma forma sutil e simbólica, as multifaces do caráter humano, suas falhas e virtudes, seus ideais legítimos e os obstáculos que impedem sua concretização. Indicam também os passos a serem dados para que sejam atingidas as metas elegidas pelas aspirações da humanidade.
O conhecimento da mitologia é, assim, conhecimento do próprio ser humano. Os Estudantes Rosacruzes que completaram o Curso Suplementar de Filosofia Rosacruz, familiarizaram-se com alguns mitos e lendas do norte da Europa. Puderam constatar em Lohengrin, Parsifal, Siegfried e outros, as suas próprias lutas, quedas e aspirações.
Outras narrativas, não menos importantes, oferecem-nos profundos ensinamentos. Uma delas, por exemplo, a de Ulisses, imortalizou a “Odisseia” de Homero.
A epopeia de Ulisses constitui o símbolo do ser humano que procura a verdade em si mesmo. O personagem deixa seu lar, onde é feliz com Penélope e o filho Telêmaco, seguindo para Tróia. O rapto de Helena e a guerra não passam de pretexto. Ulisses aceita o desafio imposto naturalmente pela vida. Percebe um mundo de ilusões à sua frente e renuncia a tudo — comodidade e segurança — para romper esse véu de aparências.
Tróia foi derrotada, mas, era apenas o começo da grande jornada. O primeiro obstáculo foi ultrapassado. Porém, o que viria pela frente? Eis a sempre presente indagação, inseparável companheira dos buscadores da verdade.
O que aparentava ser o regresso triunfal, consistia, de fato, na fase mais difícil dos desafios. Os deuses decidiram que nenhum grego vitorioso regressaria ao lar, a menos que arrostasse todos os obstáculos da viagem, ou via interior.
Ulisses depara com a ninfa Calipso, sedutora, mas possessiva; com princesa Nausicaa, e, finalmente, com a feiticeira Circe, com quem teve quatro filhos, embora a odiasse. Mil perigos o espreitam e atormentam, na tentativa de impedir seu retorno a Ítaca. Tentações as mais sutis procuram envolvê-lo. A caminhada é árdua, exigindo, às vezes, do viajante, que não confie nem na sua própria vontade. O canto das sereias costuma ser irresistível.
A crueza das provações parece tornar impossível o prosseguimento. Isso, todavia, é parte dos desafios.
Depois de 20 anos Ulisses retorna à bela Ítaca, encontrando Telêmaco já ser humano feito e Penélope mais formosa do que nunca. Isso significa que, vencidas as dificuldades, desmascaradas todas as sutilezas e falsas aparências, superando digna e estoicamente o sofrimento, o ser humano se renova interiormente, imprimindo mais ampla dimensão ao seu mundo interno. Observa, a partir de então, um sentido superior em todas as coisas. Aprende a contemplá-las em sua formosura e harmonia. Recordemos que Max Heindel sempre nos exortou a fortalecer o bem através de nossos pensamentos e sentimentos.
Assim, uma transformação se opera no ser humano. As agruras da jornada, a dor miraculosa, afastaram-no definitivamente da irrealidade, do superficialismo, da vulgaridade. Não acalenta mais sonhos banais, nem ilusões, nem utopias. Amadurecido internamente, sente o indizível gozo de saborear a verdade em tudo, porque soube encontrá-la em si mesmo. É sempre assim: o mundo exterior é um reflexo do interior. Os mitos também nos ensinam essa verdade.
Com a primeira vinda de Cristo e todo o Ensinamento Cristão que ele nos deixou, a aprendizagem por meio de mitos ficou ultrapassado, por oferecer um ensinamento referencial e, para quem é Cristão, um tanto superficial de quem somos, porque estamos aqui e para onde vamos. É importante conhecer para até compreendermos como o jeito de nos ensinar é trabalhado pelas Hierarquias Criadoras e perfeito para cada estágio que nos encontramos – e, também, para eliminarmos alguma parte de algumas lições que não aprendemos, quando o método de aprendizagem eram por meio de mitos. Sem dúvida, como a escala de evolução é constante e deve abranger a todas as necessidades de todos os irmãos e de todas as irmãs sempre, há irmãos e irmãs que ainda necessitam desse método de aprendizagem para compreender que somos muito mais do que somente esse Corpo Denso, o físico. Mas, todos esses irmãos e todas essas irmãs, um dia, abraçarão o Cristianismo e por meio dele aprenderá tudo o que precisa para caminhar nesse Esquema de Evolução.
(Publicado na Revista Serviço Rosacruz de agosto/1977-Fraternidade Rosacruz-SP)
Sobre o autor