Vamos ver, resumidamente, a maneira DIFERENTE pela qual captava cada um dos chamados gênios da música a mensagem musical de suas épocas. As diferenças existentes entre as composições de Bach, Verdi, Chopin, Beethoven, Purcell, Bartock, Mussorsky e Lizst são óbvias ao ouvinte menos sofisticado de música erudita e as grandes diferenças são evidentes ao ouvido treinado do estudante de música. Evoluções divergentes e soluções epigenéticas existem também no compor e interpretar a música, assim como em todas as fases da atividade humana, sejam artísticas ou práticas.
A música é um veículo de comunicação ao qual o ser humano reage de acordo com sua própria evolução. Muitos dos compositores ficaram famosos somente após a sua morte e isso é devido ao fato de que a sua expressão musical estava além da compreensão popular do seu tempo. Charles Ives, um dos compositores americanos de música considerada inovadora foi criticado ou, simplesmente, ignorado até meados de nosso século, época em que foi “descoberto”, afirmou: “As impossibilidades de hoje são as possibilidades de amanhã”. A música concebida em termos antagônicos aos princípios já estabelecidos pela tradição é sempre alvo de chacota nos meios acadêmicos, até que, com o passar dos anos, encontra seu lugar no repertório convencional. Com o tempo, essa mesma música também se torna “tradicional” e uma forma ainda mais nova toma o seu lugar, na arena das discussões musicais.
Poucos dos mestres compositores receberam o que poderíamos denominar “admiração universal” ou até mesmo certo respeito, em seus tempos. Geralmente, gozavam da apreciação de um pequeno grupo de seguidores, sendo ao mesmo tempo alvos de críticas consideráveis. Mesmo Verdi, sem dúvida um dos mais populares, suportou severas críticas de certos grupos incomodados com os novos rasgos de sua música, bem como pelo fato de que as suas óperas lidavam somente com problemas “humanos” e não grandiosas situações lendárias ou históricas.
Porém a música não pode ser uniforme ou mesmo similar. O terreno para a expressão é amplo demais, havendo infinitas possibilidades de som, conotações musicais e interpretação que somente agora estão começando a ser exploradas. Sublime como certamente é a música de Beethoven, causaria enfado ao mais fervoroso discípulo do grande mestre, se a única música existente no mundo fosse a dele. O tesouro da música é tão amplo e suas pérolas, tão diversificadas, que a humanidade deve um preito de gratidão aos grandes egos que, mediante suas páginas, cada um à sua maneira, alargaram esse canal de expressão.
Conforme os egos individuais e a humanidade em geral se tornam mais sensíveis e profícuos na arte de pensar e chegar às suas próprias conclusões, é bem possível processar-se uma enorme ampliação não somente nos meios usados pela arte musical para expressar-se, mas também em todos os outros setores de manifestação. Gostaríamos de fazer nossas, mais uma vez, as palavras de Charles Ives: “Dia virá, quando cada homem respirará os seus próprios poemas, sinfonias e, quando sentado à tardezinha na sua varanda, poderá contemplar seus filhos brincando no quintal, usando sua própria criatividade para elaborar suas próprias composições, que farão parte de suas próprias vidas. Então esse homem olha por sobre as montanhas, notando que suas visões se tornam uma realidade completa”. Isso até parece estar acontecendo entre os nossos jovens. Indiferentemente se estamos preparados ou não a considerar a música jovem e moderna como “séria”, no sentido clássico, não há meio de discordar de que esteja altamente individualizada, havendo grande ênfase na participação ativa, oposta ao passivo ato de “assistir”.
Se a música oferece tão grande diversificação de interpretações, é até incompreensível a intolerância de um grande mestre para com a criação do outro. O grupo “anti-Wagner” de compositores criticava esse gênio com a mesma veemência dos grupos leigos. Brahms criticava a música de compositores cujo talento ganhou do tempo prestígio igual ao seu. Por outro lado, Hugo Wolf disse: “A arte de compor sem imaginação alguma definitivamente tem o seu mais digno representante em Brahms”. Há muitos exemplos desse tipo e pela sua preferência à própria música não poucos compositores poderiam ser considerados decididamente egocêntricos. Esses gênios deveriam ter sido capazes, mais do que o a humanidade comum, de reconhecer a música como arte de grande diversificação e TOLERAR, quando não admirar, músicas de interpretações divergentes.
Poucos dos compositores tiveram o que chamaríamos de “vidas felizes”, no sentido convencional da palavra. O preço do gênio é, na maioria das ocasiões, muito elevado. Essa qualidade é desenvolvida por meio de uma singular dedicação ao trabalho em vidas passadas, dando pouca atenção aos outros aspectos da personalidade e do caráter. Por esse motivo, o gênio brilha no peculiar ramo de atividade por ele elegido, havendo carência nos outros aspectos.
O papel do nacionalismo na música, ou, para usarmos os termos do ocultismo, a resposta dos músicos à influência dos Espíritos de Raça, é uma a considerar. Chopin, o primeiro dos grandes nacionalistas, desenvolveu um estilo que o acompanhou durante toda a vida, na sua Polônia natal, apesar de ter vivido em Paris a maior parte de sua vida. Debussy trabalhou e se identificou com o papel de “músico francês”, imprimindo em sua obra os ideais que lhe eram mais caros. Verdi brilhou em transmitir as explosões de paixão características do povo italiano. A música é, sem dúvida alguma, uma expressão do estado interno do ser humano e do estado externo da cultura do lugar ao qual ele pertence.
(publicado na Revista Serviço Rosacruz de julho/1975)