A Lua na Tradição Oculta – Parte II – A Significância Espiritual da Lua Cheia
Corinne Heline
Como a Lua Nova marca o tempo de novos começos, da nova Dedicação e nova Consagração aos mais elevados ideais aos quais alguém pode aspirar, então a Lua Cheia marca o tempo de Realização, Consecução e Cumprimento, as três palavras que expressam a nota-chave espiritual dela. E como o Batismo, que foi geralmente observado na época da Lua Nova como o cerimonial da nova dedicação e nova consagração do Ego àquilo que é mais elevado no ser humano, o Deus Interior, assim também o aprofundamento, o aumento e a glória da realização sublime estão incluídos no belo cerimonial da Festa do Amor Místico ou Eucaristia que, nos Templos de Mistério, era celebrado em noites de Lua Cheia.
A elevada realização do mistério da Eucaristia não pode ser adquirida em poucos meses ou mesmo anos; mas requer um período de muitas vidas. No entanto, um antegozo dessa glória toca a consciência de cada Aspirante à vida superior sincero, em qualquer parte do Caminho onde estiver, por mais humilde que seja. Participar do Rito da Realização significa que a personalidade se tornou a serva obediente, em todos os momentos, dos ditames do Espírito. Significa que alcançou a conquista suprema, a do “eu”. Na vida de Dante, isso foi alcançado quando ele chegou ao topo do Monte do Purgatório e Virgílio, seu mestre e guia espiritual, disse a ele: “Com coroa e mitra eu te nomeio soberano sobre ti mesmo!”. Quando nos voltamos para a Bíblia, aquele supremo Livro da Vida, encontramos entre seus personagens mais importantes aqueles que alcançaram esse alto nível de desenvolvimento.
No décimo quinto capítulo do Êxodo, Moisés canta sua canção triunfal da autorrealização. Ele declara: “O Senhor é minha força e meu cântico. O Senhor é minha salvação. Por causa Dele triunfei”. Com essas palavras, ele descreve sua passagem milagrosa pelo Mar Vermelho. Esotericamente, esse mar é apropriadamente chamado de Vermelho porque simboliza a cor marciana da paixão física à qual a natureza emocional está sujeita. As hostes do Faraó, que perseguiam os israelitas e foram engolfadas e afogadas pelas águas do Mar Vermelho, representam aqueles que não superaram suas propensões emocionais, inferiores e, consequentemente, são engolfados pelas águas da paixão e do desejo. Moisés e os israelitas, por outro lado, representam aqueles que dominaram sua natureza inferior e se tornaram obedientes aos conselhos e orientação do seu eu superior. Para eles, as inundações emocionais retrocedem e caminham a seco para as vistas gloriosas da Terra Prometida. Pela autorrealização, todo obstáculo que barraria o caminho para o autodomínio e a iluminação é infalivelmente removido.
Os Salmos de Davi são hinos de vários graus de Iniciação. Alguns são dirigidos ao iniciante ou neófito; outros foram compostos para aqueles que avançaram mais no Caminho; e ainda há os que expressam o estado exaltado de almas que alcançaram a consciência cósmica. No Salmo 24, por exemplo, ouvimos os acordes triunfantes de uma canção de Iniciado: “Abri, ó portas, ó portas eternas, para que o Rei da Glória possa entrar”. Esse Rei da Glória não é apenas o Senhor Deus dos Exércitos. Ele também é o Ser luminoso que chega à consciência e expressão na alma que alcançou o lugar de onde pode abrir as portas para os mundos espirituais e entrar e sair à vontade. Com essa conquista, vem a capacidade de estudar, ensinar e servir conscientemente nos planos interno e externo, conforme as condições e circunstâncias exigirem.
Em suas Epístolas, São Paulo delineou o caminho do Iniciado tal como ele próprio o havia vivido. Por isso, foi capaz de pronunciar aquelas palavras comoventes que incontáveis “atletas de Deus” proclamaram depois dele: “Eu combati o bom combate. Eu mantive a fé. Eu terminei a corrida”.
O Senhor Cristo reteve Seu ensino mais avançado até o final do Seu ministério terreno. Os mistérios mais profundos que Ele veio a revelar foram transmitidos aos Seus Discípulos mais avançados quando eles se reuniram no “Cenáculo” e compartilharam a “Última Ceia”. Essa observância perpetuou os cerimoniais anteriores do Templo, conhecidos como Festa do Amor Místico, e santificou-os como os mais sagrados dos sacramentos cristãos. A Eucaristia, ou Sagrada Comunhão, conforme observada pela Igreja, está no próprio cerne da fé e da prática cristã.
Em nosso volume O Mistério dos Cristos citamos: “A Última Ceia ou Rito da Eucaristia fez parte de todo ensinamento iniciático que já foi dado ao ser humano. No Egito, o pão e o vinho místicos significavam as bênçãos do Deus Sol, Rá. Na Pérsia, a Eucaristia fazia parte dos Mistérios Mitraicos. Na Grécia, o pão era sagrado para Perséfone e o vinho, para Adônis. O Rito também é referido em um fragmento antigo do Rigueveda, na Índia. – “Você bebeu soma”, diz uma passagem, “nos tornamos imortais; entramos na luz; nós conhecemos os deuses”.
Todas as épocas, pessoas e Religiões receberam esse ritual sagrado do “pão e do vinho” e ele sempre é visto como o cerimonial que carrega os mais elevados ensinamentos espirituais que podem ser ministrados à época. Em cada época e religião sucessivas, à medida que a revelação divina se estende, o ritual da Eucaristia assume significados mais profundos, alcançando seu mais alto significado espiritual quando o Cristo, o supremo Instrutor do Mundo, celebra o rito com Seus Discípulos no Cenáculo, à meia-noite da Quinta-feira Santa, imediatamente antes da Sexta-Feira Santa ou Dia da Paixão.
Na hora da Última Ceia, esse serviço sagrado foi dividido em três partes. A primeiro consistia principalmente de orações e hinos com o objetivo de criar um espírito de pura comunhão entre os reunidos, porque somente em um estado de harmonia um eficaz trabalho espiritual pode ser realizado.
A segunda parte do Serviço consistia dos ensinamentos que Cristo deu a estes, Seus Discípulos mais avançados, relativos à doutrina do balanço, ou equilíbrio, entre as forças masculina e feminina da mente e do coração. O pão personificava a força positiva, ou masculina (a mental), e o vinho, a força negativa ou feminina (o coração). Enquanto o Cristo administrava aos Discípulos o pão e o vinho, ao mesmo tempo derramava do Seu próprio Ser esses poderes duais que possuía em um estado perfeito de equilíbrio. Essas duas forças também são representadas como o Maná do Céu, ou Pão da Verdade, e o Vinho do Amor.
Astrologicamente, o pão se correlaciona com o Signo terrestre de Virgem, a virgem do céu, que carrega um feixe de trigo; enquanto o fruto da videira, o poder do amor feminino, relaciona-se ao Signo ígneo e masculino de Leão, o rei leão. Nessas relações estelares, descobrimos como a mistura dos opostos é tecida na própria estrutura do Universo. Assim, a Hierarquia feminina de Virgem carrega consigo poderes masculinos ocultos e a Hierarquia masculina de Leão, as potências femininas. A interação harmoniosa entre esses poderes, seja na abóbada dos céus ou nos interiores da alma humana, é o estado que leva à totalidade ou santidade.
De muitos pontos de vista, o registro bíblico indica a necessidade que o ser humano tem de atingir o estado de consciência no qual é justo dizer-se que ele pode pensar com o coração e amar com a mente. Com tal realização, vem a Iluminação. O ser humano pode então andar na Luz como Ele está na Luz.
No terceiro e último estágio do cerimonial da Eucaristia, aberto apenas aos “Poucos” ou “Remanescentes”, o Mestre ensinou a Seus Discípulos como derramar os poderes espirituais da polaridade Amor-Sabedoria nas substâncias físicas, resultando que, assim magnificados – engrandecidos com louvor –, irradiaram poderes de cura. Que as potências vivas e energizantes são transmitidas a objetos tocados por um Mestre foi intuitivamente reconhecido em todas as religiões, desde os primeiros tempos e, embora isso tenha dado origem a muitas práticas supersticiosas em relação a talismãs e relíquias, ainda existe uma realidade espiritual e subjacente a elas.
Depois da Ascensão e da partida do Mestre, os Discípulos se reuniam todas as noites naquele Cenáculo, que era sagrado para a memória do Banquete Místico. A ocorrência mais importante do dia para eles foi a celebração da sagrada Festa do Amor. Depois que os elementos do pão e do vinho eram energizados com a vital força cósmica, os Discípulos os levavam para os enfermos e aflitos; tão poderosas eram suas emanações magnéticas que muitos eram curados simplesmente tocando ou mesmo olhando para eles.
Na tarde da Páscoa, durante a festa e a caminho de Emaús, dois Discípulos convidaram um estranho que passava para entrar e jantar com eles. Eles não O reconheceram como o Mestre até que, à mesa, Ele colocou as mãos sobre o pão, o qual, de repente, tornou-se luminoso como ouro fundido. Foi então que eles souberam que o Cristo ressuscitado estava no meio deles. Quando, mais tarde, Ele desapareceu de suas vistas, eles saíram com alegria, proclamando que o Mestre ressuscitado havia retornado para eles.
Em uma de suas interpretações mais importantes, a Bíblia pode ser verdadeiramente denominada “O Livro da Angelologia”. Muitos dos seus ilustres personagens foram acompanhados, dirigidos e iluminados por visitantes angelicais. Alguns dos eventos mais maravilhosos da Bíblia acontecem por meio da intercessão angelical. Há apenas um ligeiro reconhecimento desse ministério celestial em nossos dias, devido à luz ofuscante do materialismo. Mesmo nas igrejas, onde se esperaria que fosse um ensino muito proeminente, ele falhou em receber a ênfase que merece. E, no entanto, para aqueles que têm olhos para ver e ouvidos para ouvir, o ministério angélico continua a ser tão essencial e eficaz para a vida humana como sempre foi.
Durante as horas da noite, hostes de Anjos se reúnem acima das cidades do mundo, dissipando as escuras nuvens astrais que pairam sobre elas. Essa névoa cancerígena é composta pela combinação dos pensamentos negativos e sentimentos malignos da população. O medo, o desânimo, a crueldade, o ódio, a luxúria e os elementos discordantes e destrutivos de todo tipo escurecem e sobrecarregam a atmosfera psíquica. Para neutralizar essa condição, que surge no curso das atividades diárias, o ministério angélico trabalha durante a noite com o fim de dissipar a nuvem e limpar a atmosfera, de modo que melhores condições prevaleçam na madrugada do próximo dia para o progresso do ser humano.
Embora o ministério angélico seja incessante, é à noite, quando os humanos estão dormindo e suas mentes quietas, que eles respondem melhor às influências espirituais desse ministério.
Onde quer que haja problemas, tristeza e sofrimento, mensageiros angélicos estão sempre presentes para prestar Serviço amoroso e útil. Eles se reúnem em grande número nos campos de batalha, onde trazem paz aos recém-mortos e confortam os que sofrem. Os Anjos também visitam casas, hospitais e instituições psiquiátricas durante o dia e a noite. Eles trazem luz a lugares escuros, força aos fracos, esperança aos desanimados, conforto aos enlutados e paz de espírito às mentes perturbadas e alienadas. Embora não façam acepção de pessoas, sendo ministros de acordo com a necessidade e não o mérito, eles são mais felizes no ambiente daquelas cujas vidas estão em sintonia com os níveis superiores de consciência e expressão. Eles também se reúnem em grande número dentro, e ao redor, de lugares sagrados; por exemplo, os Templos de Mistério no plano etérico e onde quer que os devotos se reúnam na observância do Santo Sacramento da Eucaristia. Sua presença e participação são sentidas interiormente pelos devotos adoradores e são claramente vistas por aqueles que possuem uma segunda visão. Em ambos os casos, as bênçãos de suas emanações áuricas são inconfundíveis.
Nas lendas do Rei Arthur e dos Cavaleiros da Távola Redonda, que na verdade são descrições veladas das atividades do Templo que ocorriam na época medieval, cada cavaleiro recebia uma cadeira específica na qual sempre se sentava. Acima de cada cadeira e sobre a cabeça de cada cavaleiro via-se uma forma angelical. Pois foi dito que Deus designou a cada cavaleiro um Anjo que o acompanhava em todas as suas aventuras, ou testes, para sustentá-lo no fracasso e ampará-lo na justiça, regozijando-se com ele em sua realização espiritual, enquanto progredia em seu Caminho de Iniciação.
Realização, Consecução e a grande glória da Consumação — essas são as bases espirituais que transmitem o verdadeiro significado da noite de Lua Cheia. As lendas nos contam que, depois que Pedro negou seu Senhor, ele sofreu terríveis agonias de contrição e humilhação que foi literalmente reformado e sua natureza inferior passou por uma transmutação completa. Foi então que ele se tornou de fato e de verdade São Pedro, o Iniciado; foi a Iniciação de Pedro a que o Senhor Cristo Se referiu por estas palavras: “Sobre esta pedra fundamental edificarei a minha igreja”. Foi assim que, de acordo com a lenda, Pedro atingiu tal santidade que, enquanto caminhava, onde quer que sua sombra caísse nos enfermos, eles eram curados e, ao se levantarem, com alegria e exultação proclamavam o Santo Nome e seu poder transformador.
“Eu combati o bom combate. Eu mantive a fé. Eu terminei a corrida”. Esse é o glorioso ideal defendido por aqueles grandes Discípulos espirituais, São Pedro e São Paulo. E, à medida que avançamos no Caminho da Luz, também aprenderemos a superar as turbulentas águas do Mar Vermelho. Nós também estaremos em terra seca e teremos um vislumbre daquela Terra Prometida, que é a aurora dourada da Nova Era, agora se aproximando tão rapidamente… Aquela Era em que a “Paternidade de Deus” e a “Fraternidade do Homem” se tornarão uma realização viva em todo o mundo.
(Publicado na Revista New Age Interpreter – Corinne Heline second quarter, 1964 – traduzido pela Fraternidade Rosacruz em Campinas – SP – Brasil)
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