O ser humano, necessariamente, é sempre um peregrino do tempo, um andarilho dos labirintos da ilusão, um espectador, um turista da exposição maravilhosa que foi construída por um Mestre Artesão, um observador de eventos nos quais ele tem uma parte, mas que estão além e não são o seu Eu real. Se ele for sábio, absorverá as lições de ilusão da vida, seguro de seus enganos e limitações.
Eu digo que ele é necessariamente um peregrino. Pois é apenas nos labirintos do tempo que pode obter as faculdades, poderes e dons necessários, se quiser se tornar um mestre da ilusão. O verdadeiro lar do espírito está em outro lugar, no reino da Realidade, onde não há “mudança, nem sombra de mudança”. Não foi um místico, sábio e perspicaz, quem disse: “Aqui não temos uma cidade permanente, mas buscamos uma que seja”?
E, novamente, “não feito por mãos, eterno nos céus”? Pode parecer uma meta distante, uma jornada sem fim, mas algum dia chegaremos ao lugar onde poderemos fazer para nós mesmos “roupas de peles” e usar à vontade; naquele dia, nós nos tornaremos como nossos Irmãos mais velhos, os nascidos da Mente e Filhos da Sabedoria, aqueles “sem pai, sem mãe… sem princípio de dias nem fim de vida”.
Para conhecer essa consumação é necessário manejar de forma sábia a vara de poder que cria e dispersa à vontade, conforme a necessidade do espírito. Essa faculdade só pode ser adquirida experimentando tudo aquilo que o tempo pode oferecer e percebendo que o ser humano não está sujeito à passagem dos dias, mas permanece à parte deles, embora vestido com as roupas que estão sujeitas.
O peregrino está em uma jornada atemporal, já que seu fim seja a perfeição e seu objetivo, a eternidade. Ele está sempre buscando um caminho que vá do melhor para o melhor, do menor para o maior, da ilusão à realidade, da separação à união, do fragmento ao todo…
O microcosmo está sempre ansioso pelo macrocosmo. Seus fundamentos são sempre os mesmos: o ganho de experiência e sabedoria por meio de uma série de excursões pelos curiosos atalhos dessa ilusão conhecida como tempo. Porque o tempo é a maior de todas as ilusões. Acreditamos que vivemos pela graça de um relógio, dos dias que passam, das horas que marcam os anos; mas quando alguma crise se abate sobre nós, então sabemos que um minuto pode abranger um século e um dia, parecer um segundo, quando já passou. É então que percebemos o significado da frase, “para Ele um dia é como mil anos e mil anos, como um dia”. Inspirado por essa declaração profética, um dos maiores poetas do mundo escreveu sobre o monge que não conseguia entender como isso poderia ser verdade, mesmo em relação ao Deus que ele adorasse; então, quando ele saiu em uma manhã para caminhar, antes do café da manhã, ouviu por dez minutos (ele pensou) o canto de um passarinho cuja música fosse transcendentalmente doce. Quando voltou ao mosteiro, descobriu que os dez minutos tivessem sido mil anos para o mundo que ele ignorou enquanto ouvia.
A razão pela qual o tempo do peregrino parece ser a única realidade enquanto ele está experimentando é que ele deve estar continuamente vestindo e retirando “roupas de peles”, pois é somente por meio delas que ele pode ganhar experiência. No entanto, é igualmente por meio delas que o tempo consegue impor seu espetáculo de sombras como se fosse realidade.
Para essas “roupas”, descanso, comida e abrigo são necessidades. Uma das maiores imposições do tempo é a exigência de que, enquanto o peregrino começa a vida como uma criatura nova e ágil, com o passar dos dias ele envelhece, seus músculos se tornam mais rígidos, o brilho se afasta de suas bochechas, seu passo torna-se menos seguro, seu olho menos aguçado, seu entusiasmo se afasta — até que, por fim, a ilusão se completa e ele se torna um morador idoso nos corredores do tempo, diminuído por suas depredações, encolhendo-se diante das rajadas dos dias que se aproximam. Entretanto, essa mesma concepção é uma prisão, uma cela estreita feita para prender o peregrino na ilusão de que a vida seja uma coisa que possa ser medida com o passar dos anos, quando na realidade é incomensurável.
A vida é poder, força e vitalidade sem fim. Porque por algumas horas, dias e anos um pouco dela fica retida dentro do corpo físico, não significa que seja cativa desse corpo. A vida é tão imortal, eterna e sempre jovem quanto o Espírito do universo e sua extensão de atividade é tão imensurável quanto. A vida não começa com cada novo corpo que nasce no mundo. Não envelhece com o passar dos anos: nunca envelhece. Ela meramente permanece por algumas horas no mundo da ilusão, adquirindo um pouco da sabedoria e da força que o Ego que veio encontrar. Quando as “cascas” tornam-se inadequadas para seu florescimento posterior, ela as deixa cair para retornar ao seu próprio habitat verdadeiro, aguardar um momento favorável para assumir a ilusão de um novo tempo e acumular um novo estoque de conhecimento.
No entanto, mesmo o ser humano que cede mais plenamente ao engano do tempo, reconhecendo que envelhece com o passar dos anos, ainda guarda rebelião em sua Mente contra o que chama de necessidade da idade, o enfraquecimento das faculdades, a mão paralisada que não obedece mais às suas ordens… O espírito imortal que mora dentro dele conhece seu parentesco com as estrelas. Ele anseia pelo toque dos ventos da eternidade para encher seus pulmões e renovar suas energias. Seu verdadeiro lar está em outro lugar. Ele é um cidadão da esfera mais ampla, de uma perspectiva mais ampla, de uma visão mais ampla e nunca se contenta com a limitação dos anos.
O espírito do ser humano começa sua peregrinação pelos intermináveis corredores do tempo como uma centelha viva do Divino, mas que deve crescer, através da sabedoria acumulada por suas muitas jornadas, e se tornar uma chama envolvente, um fogo vivo que irá, por incontáveis eras do infinito, brilhar para iluminar outras Centelhas em seu caminho de expansão. A princípio, e por muitos renascimentos, essa Centelha não consegue perceber, enquanto habita em seus “casacos de pele”, que possui outra casa além das estrelas que abandonou temporariamente.
No entanto, à medida que mais e mais frutos da experiência se acumulam na casa real do peregrino, vislumbres começam a aparecer. Cenas surgem diante do olho interno, uma experiência vem, à qual ele responde: “Eu já tive isso”. As paisagens se revelam para sua visão e ele diz: “Já estive aqui”. Velhos amigos são recebidos e calorosamente saudados com uma lembrança de outros lugares claramente diante dele.
Antigos inimigos também são enfrentados e dívidas, canceladas. Uma grande expansão de consciência ocorre. Quando isso acontece, a vida no corpo e fora dele se torna uma aventura maravilhosa, não no tempo, mas nos campos infinitos da eternidade. Cada vez mais colhemos no corpo o que semeamos e devolvemos isso ao Lar como feixes de luz.
O peregrino agora vislumbra o grande plano de evolução, que está sendo cumprido de forma lenta, mas segura. O drama é visto através dos véus do tempo, porém não é menos real e impressionante por isso. Surge uma novo ser que, do pó da decepção, reconhece o fruto das oportunidades que não foram aproveitadas, em outro dia distante, quando, em outro corpo, ele descuidadamente deixou de lado o papel que deveria ter desempenhado e outro assumiu a função que deveria ter escolhido. Pela agonia da perda, ele aprende três coisas: primeiro, qualquer coisa que não fosse dele ele não poderia reter; segundo, o que ele tira dos outros deve ser pago, embora seja com gotas de sangue; terceiro, e o melhor conhecimento de todos, o que é verdadeiramente seu não pode ser tirado dele.
À luz obtida com o drama da evolução e sua parte nele, o peregrino deixa de se preocupar, de se afligir, de abrigar inquietação. O vertiginoso turbilhão do tempo diminui e se torna uma vibração constante, segura e silenciosa que o leva mais rápida e infalivelmente em direção ao seu objetivo. Nenhum obstáculo, nenhum atraso, nenhuma decepção podem prejudicar a serenidade do seu progresso. Nenhuma perda pode deprimi-lo, nenhum triunfo ou prazer pode atrasá-lo por muito tempo, porque ele sabe que isso é apenas outra fase da novela de sombras mágicas do tempo e usa todos os eventos, todos os pensamentos e todas as emoções como degraus para pavimentar o caminho que leva da ilusão para a vida, do tempo para a eternidade.
Ele aprende outra coisa importante: ele não é escravo de suas “túnicas de peles”; se ele recorrer ao seu próprio Eu eterno, incansável e sempre ansioso, ele poderá ser jovem, embora seu cabelo esteja branco e seus membros se tornem lentos, incertos. Seguro em seu conhecimento acumulado durante eras, ele percorre os corredores do tempo, absorvendo novas experiências e transmutando-as no ouro da sabedoria eterna que perdurará quando o tempo não existir mais. Ele sorri da própria dor, o que o torna irmão de todos os que sofrem e o permite ser seu consolador. Ele aceita a adversidade, porque ela traz consigo a força para resistir. Ele aprende a trazer para sua consciência os sofrimentos do grande órfão, a humanidade — toda sua agonia, todas as decepções esmagadoras que parecem ameaçar a vida do espírito; todos os desesperos que não conhecem mitigação; todas as esperanças que morrem antes de florescer, deixando apenas uma dor maçante para trás; as separações que parecem intermináveis e os dias de dor que parecem nunca cessar…
O peregrino aprende a trilhar o caminho com o coração partido, com lágrimas interiores que sempre caem pelas tristezas do mundo, mas também com o pleno conhecimento de que um dia as ilusões passarão, os olhos se abrirão de verdade e, então, essas coisas também morrerão.
Tudo isso ele faz para ser considerado digno de ter levado a termo sua crucificação na cruz da matéria, de ter mantido seu lugar com plena paciência, resistência e sacrifício para que outro universo possa surgir no grande drama da Evolução e outras Centelhas da Chama possam ter seu Dia de evolução nela. Naquele dia ele saberá que será totalmente um com tudo o que vive e esse conhecimento tornará doce o presente trilhar do Caminho.
Por fim, chegará o tempo em que o peregrino perfeito se tornará um cidadão do reino da luz, com a escuridão sendo um sonho do passado, a bem-aventurança, uma realidade viva e a agonia, estando para sempre terminada. A paz eterna estará à sua disposição. Ele só precisará estender a mão para obter a meta que conquistou por meio da angústia e da alegria de muitas vidas.
Então a escolha é oferecida a ele. Ele pode ter a paz da perfeição, a glória da plena união com o “Eu Superior”, o amor puro que o espera. Ou pode voltar e, tomando o caminho da renúncia, ajudar aqueles que ficaram para trás, seus próprios irmãos e irmãs ainda tateando na ilusão do tempo.
E quando ele faz a grande renúncia, quando se liga ao mundo que conquistou, o peregrino se torna a coisa mais sagrada que a terra pode produzir, sua flor mais bela e portadora do título mais digno: “Salvador dos Homens”.
(Publicado na Revista Rays from the Rose Cross de novembro-dezembro/1995 e traduzido pela Fraternidade Rosacruz em Campinas – SP – Brasil)