A Busca do Infinito: exemplos de Goethe, Dostoievski e Michelangelo
A perfeição é conquistada por intermédio de muitas pequenas imperfeições.
Goethe é um bom exemplo ocidental de equilíbrio. No entanto, ele nunca deixou de se queixar da dificuldade que lhe advinha em sua vida de criador. Escreve ele no Diário, em 1779: “Luto com o anjo desconhecido, até à exaustão; homem algum pode imaginar os combates que tenho que travar para produzir o pouco que peço. Que falta de ordem e de continuidade na minha ação, nas minhas ideias, na minha criação poética! Que raros foram os dias que me renderam! Meu Deus, continua a dar-me o teu auxílio; continua a dar-me a luz necessária para que eu não seja um obstáculo para o meu próprio caminho”.
Muita gente pode pensar que assim ele disse porque era jovem ainda. Contudo, que pensar do que Goethe disse 45 anos depois, no fim de uma vida plena de glória e recheada de obras-primas? Eis as suas palavras: “Sempre me invejaram por ter sido singularmente favorecido pela sorte. Também sinto que não me posso queixar e não serei eu a invectivar o meu destino. No entanto, no fundo, a minha vida foi só sofrimento e trabalho. Posso garantir que, ao longo de setenta e cinco anos, não tive quatro semanas de verdadeira satisfação. Foi sempre o mesmo rolar duma pedra, como a de Sísifo, que era preciso a cada momento voltar a levantar”.
A mulher de Dostoievski relata que seu marido sempre foi muito severo consigo próprio e que raramente os seus escritos lhe mereciam aprovação. Às vezes apaixonava-se pelas ideias dos seus romances, que trazia na cabeça durante muito tempo, mas quase nunca ficava satisfeito ao vê-las expressas. Apesar de nunca ele haver tido ideia poética mais rica do que “O Idiota”, Dostoievski dizia que não tinha chegado a dizer nele a décima parte do que queria. Para ele, não era mais do que a sombra do que vislumbrava no íntimo.
Michelangelo, após anos de trabalho, contempla pela primeira vez o teto da Capela Sistina e chora, porque não encontra nele o sonho que o inspirara. Podem vir os críticos, os professores de arte, com seu talento, a comentar e a explicar, descortinando intenções, descrevendo simetrias. Miguel Ângelo os ouve com um secreto espanto porque sabe que a realidade interna é infinitamente mais complicada e infinitamente mais simples. Podem os homens falar; ele sempre buscou o impossível até o fim de seus dias, num anseio incontido de perfeição.
Por isso, todo grande buscador, em qualquer campo, foi profundamente silencioso. Eles tinham a consciência da impossibilidade de comunicar facilmente tudo o que recebiam de dentro e do íntimo. É um silêncio de defesa e de pequenez ante o Infinito.
A experiência do grande buscador é a experiência da verdade e a impossibilidade de falar de sua experiência da verdade. Fala pouco e depois se recolhe para lá do silêncio.
No entanto, só quando chega a esse ponto pode começar a falar devidamente, POR AMOR e na medida daqueles que o ouvem, buscando dar-lhes a pouco e pouco o que alcançou.
E nesse dar descobre a chave da maior elevação que o conduz mais depressa aos altiplanos da espiritualidade, do que uma intensa busca isolada da verdade.
O anseio de perfeição, o impulso de evolução, vem-nos de dentro, do próprio Espírito, em maior ou menor grau, segundo o nível de consciência.
Na medida em que nos vamos libertando da influência da personalidade dominante e nos vamos submetendo à vontade do Eu verdadeiro e superior, é claro que esse anseio cresce, porque Ele busca a realização da verdade.
Espantamo-nos quando Max Heindel nos ensina que um Irmão Maior, está, em sua evolução de consciência, à frente de um santo, assim como um santo está à frente de um selvagem adorador de totem. Todavia, imaginem os passos dos seres evoluídos, comparados com nossos passos.
Em que proporção e intensidade influímos nós na elevação da sociedade? Pensem bem e vejam que é pequena ainda — o que não nos deve desanimar, senão estimular a evoluir mais depressa, porque, quanto mais evoluirmos, tanto mais largos serão nossos passos em direção à meta.
A ação dos seres altamente evoluídos é realmente digna de admiração e de exemplo. Com seus largos passos — quais pequenos astros — eles vão deixando um rastro luminoso à sua passagem, para iluminar e nortear os que ainda se encontram nas trevas das limitações pessoais. E damos razão ao pensador escocês Carlyle:
“A História Universal é a História dos Grandes Homens, que foram os condutores da humanidade, os modeladores, os tipos e, num sentido lato, os criadores de tudo o que as massas humanas em geral se esforçam por fazer ou alcançar. Todas as obras que vemos no mundo são, em verdade, o resultado material exterior, a realização prática e a encarnação dos pensamentos que habitam nos grandes homens enviados a este mundo. Assim, a alma da História do mundo é a história deles”.
Aparentemente, Carlyle anula a contribuição menor de todos que, com sua Epigênese, estão enriquecendo o patrimônio histórico, às gerações porvindouras. Porém, na mesma obra, ele considera como herói todo aquele que se vence diariamente ao conscientizar e deixar seus defeitos, atuando gradativamente melhor em sua vida pública, quer como padre ou profeta, quer como homem público, poeta, escritor ou artista ou artífice. Carlyle arremata: “Sempre saímos ganhando ao conhecer as obras ou dialogarmos com um deles”.
Há um eterno convite de perfeição a todo ser humano. Se ela não nos fosse possível, o Cristo não o teria dito: “Sede vós perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celestial”. O Mestre podia vislumbrar claramente o que significa sermos “à Imagem e semelhança de Deus”; de “sermos herdeiros d’Ele”. Há um tesouro potencial em nosso íntimo, passível de enriquecer nossa consciência, quando conquistarmos nossa natureza e o desenterramos de nosso íntimo. A própria natureza de Deus está individualizada como eu ou como tu, à espera da desvelação.
Assim como a semente plantada se desmancha e se transforma, ao devido tempo, numa árvore igual àquela da qual proveio — assim também somos sementes de Deus e devemos renunciar ao que pensamos ser, para nos converter em algo maior, à semelhança e estatura d’Aquele que nos criou.
Somos gratos aos Irmãos Maiores que nos indicam o caminho mais seguro e curto. Ao mesmo tempo devemos assumir nossa própria Epigênese e percorrê-la à nossa maneira, na formação de algo diferente, individual, que seja uma contribuição a mais, no tesouro de Deus.
(Publicado na Revista Serviço Rosacruz de maio/1976)
“Vós Sois Meus Amigos”: fomos ensinados a praticar essa frase no nosso cotidiano
“Vós sois meus amigos”. Frase simples, que se dilui no contexto grandioso dos Evangelhos. Não raro, passa despercebida a profundidade de seu significado.
O fato de o Cristo nos considerar amigos transcende qualquer possibilidade do conhecimento humano. Mas, a transcendentalidade do fato não nos impede de meditar e de lhe extrair lições.
O Cristo, quanto à evolução, encontra-se muito acima da nossa onda de vida. Não obstante a distância evolutiva que nos separa, Ele desceu ao nosso plano, isto é, o Verbo se fez carne e habitou entre nós e nos considera amigos. Se esse glorioso Ser pode assim considerar-nos, seguramente não poderemos ser menos que amigos entre nós mesmos.
Na Bíblia, à frase “Vós sois meus amigos” segue-se: “se fizerdes as coisas que Eu mando”. O que Ele mandou fazer, por suposto, é praticar Seus ensinamentos na vida diária, para o despertamento do Cristo Interno. É a única maneira de chegarmos a ser como Ele, fazendo o que Ele fez e coisas maiores ainda. Se nos empenharmos em assim proceder, seremos Seus discípulos e mais do que isso, Seus amigos.
Nesse particular, o conceito de amizade transcende a ideia geralmente aceita de estima e afeto entre um grupo de indivíduos intimamente relacionados e ascende a um nível indiscutivelmente superior, ao plano da amizade universal, na qual todos se incluem.
Se fizermos o que Ele nos mandou seremos Seus amigos no sentido mais elevado do termo. Também alcançaremos o nível de amizade ideal com nossos semelhantes, não só com aqueles que estão buscando a iluminação espiritual ao longo do caminho que estamos trilhando, mas com todos os viajores de outras rotas.
A definição de amizade varia de acordo com a época. Aristóteles a definiu como um “caminho”, enquanto Coleridge a ela se referiu como “uma árvore de refúgio”. Emerson falou em “ordem de nobreza”; seu incomparável ensaio sobre a amizade não encontrou paralelos em quaisquer outras literaturas. Em Thoreau, encontramos, talvez, a mais perfeita compreensão do que seja esse sentimento, nestas palavras: “Inspiramos amizade aos homens quando já a temos com os deuses”. Quando chegamos a ser amigos de Cristo, certamente inspiraremos amizade aos indivíduos por força de nossa conduta profundamente compassiva.
O melhor que pudermos fazer pela humanidade, seja individual seja coletivamente, como membros da Fraternidade Rosacruz, será realizado por meio da amizade. Podemos ajudar uma pessoa porque a consciência nos obriga a fazê-lo; ou porque nos apiedarmos dele; ou porque isso pode nos trazer alguma vantagem pessoal. Sob quaisquer dessas circunstâncias poderemos ser úteis. Porém, somente quando nos consideramos seus amigos, ligados por sentimentos de estima e compreensão, sobrepondo-nos aos nossos interesses pessoais, é que lhe seremos verdadeiramente úteis.
Quando trabalharem juntos, unidos e inspirados pelos laços de amizade, os seres humanos podem realizar algo realmente duradouro. A esse respeito Thomaz Carlyle assim se manifestou: “Como é possível a amizade? Por meio da mútua devoção ao bom e verdadeiro… um homem é suficiente para si mesmo: dez homens unidos pelo amor são capazes de fazer o que dez mil individualmente não poderiam. Infinita é a ajuda que o homem pode proporcionar ao homem”.
(Revista ‘Serviço Rosacruz’ – nov/dez/87)