Arquivo de categoria Histórias Aquarianas para Crianças e Adolescentes

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

O Círculo de Fadas

O Círculo de Fadas

Peça de um ato, em verso, para crianças.

Helen M. Mann

(Ao levantar da cortina, vê-se doze fadas de mãos dadas, dançando ao redor de um círculo. Todas estão cantando. O Sol se põe e, ao fundo, pode ser visto o tronco de uma grande árvore como se estivesse na clareira de uma floresta).

A CANÇÃO DAS FADAS

Em grande júbilo, nós dançamos e cantamos,

Por toda a beleza que vemos.

Para vocês, queridos amigos, nós sorrimos e vivemos,

O nosso amor é puro e verdadeiro e nós nele acreditamos.

Vocês disseram que nós vivemos e assim fazemos.

Acreditem numa coisa e é verdade, ela vai acontecer.

Tenham pensamentos amorosos e o amor vai estar

Em todos os lugares em que vocês o possam ver.

(As fadas desfazem o círculo e saem do palco. Enquanto desaparecem, vão cantando novamente):

Tenham pensamentos amorosos e o amor vai estar

Em todos os lugares em que vocês o possam ver.

(Assim que as fadas deixam o palco, um menino e uma menina aparecem vindos do outro lado. A menina vê o círculo que as fadas fizeram para poderem dançar e vai em direção dele).

MENINA

Oh! irmão, olhe e venha me dizer,

O que é isto que meus olhos estão a ver?

MENINO

Um círculo de fadas, um círculo de fadas vemos!

Agora tudo temos.

(Ele se aproxima)

MENINA

Mas, querido irmão, por favor não se aproxime,

O círculo pode algum mal lhe fazer.

Agora, que coisa engraçada é essa que eu ouço?

Aquela forma tão estranha que eu estou a ver?

(A menina olha para o tronco da árvore enquanto fala).

MENINO

Não vejo nada além deste círculo.

Nenhum barulho estou a escutar.

Mas venha e cante dentro desta roda,

Onde o mal não ousa se aproximar.

(Ambos entram no círculo, juntam as mãos e cantam).

CANÇÃO

Oh queridas fadas, tanto as de perto como as de longe,

Por favor, nosso pedido procure ouvir,

Venham brincar conosco e não tenham medo,

Pois o anoitecer já se faz sentir.

(As sombras aumentam, mas um raio de luz bate no tronco da árvore que se abre e revela um duende vermelho e verde dentro dela. Ele sorri e vem para a frente).

DUENDE

Oh crianças, venham, brinquem comigo;

Eu sou agradável de se ver.

Eu chamo os patos ou cisnes;

(Eles aparecem por detrás do palco)

Em vocês, rabos ou chifres eu farei nascer.

(As crianças ficam assustadas ao ouvir isso e olham para ver se neles já tinham crescido, mas ficam aliviados ao perceber que não).

Em qualquer lugar, eu posso fazê-los crescer,

Menos dentro do círculo que estamos a ver.

(As crianças aconchegam-se e permanecem bem dentro do círculo).

Eu peço, não tenham medo, por certo,

Mas venham um pouco mais para perto.

(Agora o pato e o cisne ficam em evidência. O cisne vem direto para o círculo, mas não entra nele. Anda orgulhosamente ao redor do círculo e o pato se bamboleia atrás).

CISNE

É um mau duende aquele, vocês podem ver.

Tomem cuidado!

Ele chamará vocês, mas não o vão atender.

Tomem cuidado!

As fadas novamente voltarão.

Que bom!

E como aquele duende vai fugir, então.

Que bom!

PATO

É melhor ficarem onde estão agora.

Eu faço esta declaração.

Pois apesar de estarem próximo, estão bem longe e fora.

Eu faço esta declaração.

E o duende não os alcançará mais, não.

Quack!

De qualquer forma, eu não me importo, não.

Quack!

(O cisne sai do palco quando diz isso e o pato vai se rebolando atrás dele. O duende que os estivera observando o tempo todo, corre de volta à sua árvore quando ouve uma música suave no palco. Parecia haver vozes à distância, mas elas tornavam-se cada vez mais altas, até que as fadas apareceram).

FADAS

Flores do pôr do Sol e flores do orvalho,

Oh! quanto nós vos amamos.

Tristeza da sombra e tristeza da noite,

Tomem vossa direção.

Viemos com nosso sorriso e nossa música

Efetuar a perseguição.

Estivemos no mundo onde os humanos vivem

E a eles demos satisfação.

(Quando as fadas aparecem, o duende fecha-se na árvore, desaparecendo de vista. A menina está de costas quando as fadas se aproximam e, de início, não as vê).

MENINA

Eu ouço vozes, ó querido irmão,

Distantes a princípio, mas mais claras estão se tornando.

Precisamos ir embora, as fadas estão chegando.

Se elas nos encontrarem aqui, o que dirão?

FADAS

Não temam, queridas crianças e, por favor, não se vão.

MENINA

Eu estou tremendo, irmão, ó irmão.

FADAS

Sobre toda a terra, as sombras estão se insinuando.

Ah! O príncipe do grupo das fadas está chegando.

(As fadas estão agora próximas do círculo, mas olham ao redor quando o príncipe, todo elegante, vestido em púrpura e branco, entra. Ele está cantarolando uma melodia, mas para de cantar assim que vê as crianças e parece surpreso, mas feliz. O menino dá um passo para trás, em evidente surpresa e adoração).

MENINO

Por que meu coração bate tão rapidamente?

O príncipe, o príncipe das fadas, finalmente.

(O príncipe sorri e vai em direção ao menino).

PRÍNCIPE

Venha, meu querido amigo, eu lhe dou as boas vindas,

E você verá que é sincera a minha saudação.

Para sua irmã, meus súditos dançarão,

Um presente eu lhes enviarei e com cuidado vocês o guardarão.

(A luz vai lentamente se apagando. As crianças ainda estão no círculo e o príncipe faz a elas uma grande reverência e depois vira-se para as fadas).

PRÍNCIPE

Minhas fadas, dancem, dancem,

Enquanto eu trago riquezas

Minhas fadas, dancem, dancem

Enquanto cantam belezas.

(Está completamente escuro agora, menos para a Lua que se eleva e que envia sua luz sobre as duas crianças, que estão dentro do círculo. As fadas dançam em torno delas, vivamente a princípio, depois cada vez mais vagarosamente, cantando uma cantiga de ninar).

AS FADAS CANTAM SUAVEMENTE

No mais lindo esplendor, a Lua se levantou,

Enquanto na brisa da noite dançamos.

E suas tranças de longos cabelos prateados lançou

Sobre o topo das árvores que enxergamos.

(A menina olha por cima do ombro).

MENINA

A Lua se levantou, irmão!

(A voz do duende se ouve atrás).

Vocês estão numa prisão.

(As crianças ficam perplexas, mas como as fadas recomeçam suas canções, elas sentam-se e ouvem quietamente).

CANÇÃO DAS FADAS

O sono virá com as estrelas no céu, suavemente.

As lembranças do prazer e da dor fugirão.

Durmam, durmam, gentil e docemente,

E os desejos do mundo dos sonhos acontecerão.

(Vagarosamente as fadas saem, cantarolando. As crianças estão dormindo profundamente, um nos braços do outro. O príncipe retorna e vendo-os dormindo, inclina-se sobre eles).

PRÍNCIPE

Crianças, crianças, saibam que nós somos reais,

Não importa o que OS adultos digam.

Ó, queridas crianças, vocês podem perceber

Que dançamos enquanto vocês brincam?

Doces sonhos, sonhos de paz para ver!

Voltem outro dia, novamente,

E por que não viver alegremente?

(O príncipe se retira e quando parte, um raio de luar atinge o tronco da árvore. Esta se abre imediatamente e surge o duende. Ele se dirige às crianças, mas fica parado bem fora do círculo).

DUENDE

Ugh! Ugh! Ugh! Eu não os pude ter,

Mas esperem — Ugh! Ugh! — até a próxima ocasião.

Esperem para ver o que vou fazer

Com aqueles poderes mágicos na mão!

(Ouve-se uma doce voz de mulher, que se aproxima. O duende a ouve e parece apreensivo e assustado. Ele lança um olhar carrancudo para as crianças adormecidas e corre de volta ao tronco da árvore, que se fecha, tirando-o da vista. Uma linda jovem aparece. Quando vê as crianças adormecidas, vai até elas, toma-as em seus braços e segura-as bem próximo a ela).

MULHER

Eu segui um caminho ao longo de um muro,

Onde crescem lindas flores.

Esse pequeno caminho disse-me tudo realmente

E dirigiu-me para vocês diretamente.

(Quando a mãe disse isso, o tronco da árvore caiu ao chão fazendo um grande barulho, mas como é um mal desconhecido para a mãe, ela não ouve o barulho e inclina-se amorosamente sobre as crianças).

(CORTINA)

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

Fogo com Ar-Condicionado

Fogo com Ar-Condicionado

Chiado e Faísca, que faziam tudo juntos, tinham vivido a maior parte de suas vidas em fogueiras que as pessoas acendiam na praia. Eram Salamandras muito jovens e conheciam muito pouco do resto do mundo, mas, Chiado pelo menos, achava que sabia muito sobre todas as coisas.

Durante todo o verão, Chiado e Faísca tinham pulado de uma fogueira para outra. Competiram para ver quem conseguia provocar a chama mais alta ou a maior faísca. Eram muito bons para aparecer no ar no momento em que um fósforo era riscado, mas nem sempre eram cuidadosos sobre como os fósforos queimavam. Às vezes, o Mestre Salamandra tinha que lhes dar uma boa reprimenda por quase terem queimado os dedos das pessoas e, muitas vezes, tinha que pô-los em terra. Então, eles só podiam arder no carvão, enquanto seus companheiros se divertiam muito nas chamas altas e crepitantes.

Uma noite, Chiado e Faísca estavam no meio de uma fogueira muito grande e muito especial.

— Puxa! exclamou Faísca, diminuindo a língua de uma chama. Que belo fogo. Tomara que eles continuem pondo lenha nele a noite toda.

— Está muito quente, queixou-se Chiado, dando desconsolado um pontapé em uma brasa.

— Muito quente? Faísca olhou para ele espantada.

O que você quer dizer, muito quente? Você sabe que fogo é quente.

— Eu sei, eu sei, disse Chiado, mas gostaria que tivéssemos fogo como esse negócio que as pessoas chamam de ar-condicionado. Ele deve refrescar as coisas.

— Ar cond… Você ficou biruta. Você deve ter andado ultimamente rondando muitas chamas azuis.

— Não, não, não, resmungou Chiado. Eu só gostaria que houvesse fogo com ar-condicionado, só isso.

É tão fora de propósito?

— Bem, disse Faísca, eu acho que é fora de propósito. Mais ainda, acho que é loucura. Ora, vamos. Esqueça esse estúpido ar-condicionado e vamos nos divertir.

— Não, disse Chiado, endireitando os ombros. Eu vou dizer para o Mestre Salamandra que eu quero morar num fogo com ar-condicionado. Eles inventaram o raio e inventaram o granizo, com certeza podem inventar fogo com ar-condicionado.

— Chiado, disse Faísca. Você está doido! E é melhor não falar com Mestre Salamandra desse jeito. Ele vai pôr você numa chama de vela onde não terá condições de pular para cima e para baixo, de jeito nenhum.

— Não, ele não vai fazer isso, disse Chiado com firmeza. O Mestre Salamandra é esperto. Ele deve saber como fazer um fogo com ar-condicionado. Você vai comigo ou está com medo? Faísca suspirou.

— Não, eu não sou covarde, disse, sim, eu vou com você. Nós sempre fazemos tudo juntos e eu não vou recuar agora. Mas, continuo pensando que você está louco.

Então, Chiado e Faísca foram procurar Mestre Salamandra, que estava descansando depois de um dia duro, pois esteve reavivando raios de quinze tempestades diferentes. Ele não parecia muito satisfeito em vê-los.

— O que é que vocês, meninos, estão fazendo aqui? perguntou impaciente. Quem está cuidando das fogueiras?

— Oh, os outros estão fazendo tudo direito. Eles não precisam de nós, senhor, respondeu Chiado, o mais respeitosamente que pôde, a fogueira é muito quente. Nós queremos morar num fogo com ar-condicionado.

Mestre Salamandra arregalou os olhos para Chiado.

— Misericordiosos Fósforos! exclamou. O que é que esta nova geração vai inventar mais? Em nome de tudo quanto é explosivo, para que você quer um fogo com ar-condicionado?

— Senhor, disse Chiado de novo, é que aquela fogueira está muito quente. Um fogo com ar-condicionado vai fazê-la ficar mais fresca. O senhor deve saber como fazer isso. Por favor, senhor.

Mestre Salamandra olhou para Faísca.

— Você também está nesta loucura? Perguntou.

— Não senhor, respondeu Faísca. Eu também acho que é loucura. Não existe fogo com ar-condicionado. Mas como Chiado e eu sempre fazemos tudo juntos, achei que era melhor ficar de olho nele, porque eu acho que ele está ruim da cabeça.

Um som estranho, zangado veio da garganta de Chiado, mas ele engoliu-o.

— Hummmm, hummmm, murmurou Mestre Salamandra pensativamente. Sua preocupação com seu amigo certamente é digna de elogios. Mas, na realidade, existe mesmo fogo com ar-condicionado.

— Ah! gritou Chiado, virando-se triunfante para Faísca. Eu não disse? E você disse que eu era louco.

— Contudo, continuou Mestre Salamandra. Não creio que você possa gostar de morar nele. Não é muito confortável.

— Oh, sim, senhor, eu gostaria de morar lá. Por favor, mande-nos para lá, pediu Chiado.

— Você não sabe nada sobre ele, Chiado, avisou Mestre Salamandra.

— Oh, eu sei, senhor, eu sei. Por favor, mande-nos para lá.

Mestre Salamandra ficou pensativo por um longo momento e por fim disse:

— Muito bem, se você insiste. Acho que só vai aprender por experiência própria. Agora, você, Faísca, não precisa ir se não quiser. Você é muito boazinha em querer vigiar Chiado, mas estou avisando, lá para onde vocês vão, não é agradável.

— Eu — eu suponho que não é, senhor. Mas, de qualquer modo, eu vou com Chiado, disse Faísca lentamente. Eu ainda acho que devo ficar de olho nele.

— Talvez sim, disse Mestre Salamandra, talvez sim. Muito bem, dirijam-se para Longitude 158.2 Oeste, Latitude 73.4 Norte, amanhã de manhã. Lá vocês vão encontrar seu fogo com ar-condicionado.

Duas horas depois, Chiado e Faísca deslizavam rapidamente pelo ar, bem acima da Terra. Eles vinham de muito longe e ainda tinham um longo caminho pela frente. Tinham visto estrelas que nunca viram antes, e tinham corrido sobre correntes de vento nas quais nunca tinham corrido antes.

Uma vez, o caminho deles tinha sido bloqueado pela maior e mais feroz Salamandra que já tinham visto, que reclamou, querendo saber o que eles estavam fazendo no seu território.

Chiado estava tão assustado que nem podia falar, mas Faísca arquejou e conseguiu dizer:

— Nós vamos para a Longitude 158.2 Oeste, Latitude 73.4 Norte. O Mestre Salamandra nos enviou. Meu amigo quer morar num fogo com ar-condicionado e eu vou ficar de olho nele.

Mesmo estando muito assustado, Chiado produziu um som estranho e zangado, mas Faísca e a Salamandra o ignoraram.

— Ele vai precisar mesmo de ter cuidado. Esse garoto biruta – fogo com ar-condicionado, bolas! Imagino quem é que vai tomar conta de vocês. Bem, podem atravessar meu território. Eu não invejo vocês.

Finalmente, chegaram à Longitude 158.2 Oeste, Latitude 73.4 Norte e mergulharam para pousar na Terra. O solo estava coberto por uma coisa branca, e as únicas cores que podiam ver por quilômetros ao redor, eram o branco do solo e o cinza de um céu pouco amistoso.

— Como é que isto tudo é tão branco? Perguntou Chiado. Que negócio é este?

— Isto deve ser neve, disse Faísca. Eu ouvi falar nisto. É qualquer coisa como água, só que mais fria. Se você puser muito disto em um fogo, o fogo apaga.

— Ah! estremeceu Chiado. Faz frio também. Brrrr. Eu não gosto daqui. Este não deve ser o lugar certo. Eu não vejo fogo algum.

— É aqui mesmo, sim, disse Faísca, que também não estava contente. Olhe ali.

No chão, havia uma coisa branca com o formato de metade de uma bola de baseball, como as que as crianças humanas jogam nas praias. Um fio de fumaça estava saindo de uma abertura.

— Venha, disse Faísca. É melhor resolver isto.

— Lá? disse Chiado recuando.

— Onde então? Mestre Salamandra disse que a gente não ia gostar disto aqui. Talvez agora você acredite nele. Venha.

Faísca deslizou através daquela construção branca. Chiado não teve outro remédio senão segui-la. O lugar onde eles entraram era úmido e frio, frio de amargar. Fez as duas Salamandras sentirem-se tão fracas, que nem tiveram energia suficiente para acender um vagalume.

Dentro, muitas pessoas estavam amontoadas em redor de um fogo, que as salamandras acharam sem personalidade alguma. Não troava, não estalava, não subia alegremente pelo ar. Mas, também não era quente, pelo menos comparado com uma fogueira.

— Aí está o seu fogo com ar-condicionado, disse Faísca. É justamente o que você queria. Você deve estar contente agora. Não posso entender por que você não parece ser feliz.

— Oh, não amole! resmungou Chiado. Eu não sabia que ia ser assim. Por que este lugar é tão frio?

— Eu pensei que você queria que fosse frio, retorquiu Faísca. Faz frio porque aqui é o Círculo Ártico e nós estamos em um iglu, que é o mais próximo do ar-condicionado que se pode ter.

— Como é que você sabe? perguntou Chiado.

— Porque eu presto mais atenção na aula de geografia do que você, disse Faísca indiferentemente. Bem, vamos entrar no fogo. Foi para isso que viemos.

Então, Faísca e Chiado entraram no fogo, mas perceberam que não tinha graça nenhuma. O fogo era tão fraco que Chiado, pulando nele para cima e para baixo, quase o apagou.

— Devagar, avisou Faísca. Você agora não está numa fogueira. Você não pode pular para cima e para baixo como lá.

— Eu sei que não estou numa fogueira, rosnou Chiado, e eu preciso pular para cima e para baixo porque eu estou com frio.

— Você queria ficar com frio, lembrou-lhe Faísca, pouco simpaticamente. E se você apagar esse fogo, não haverá mais fogo algum, aí sim, é que você vai sentir frio.

E, com essa feliz observação, Chiado e Faísca acomodaram-se para morar no seu fogo com ar-condicionado. Dia após dia, eles se movimentaram com cuidado dentro dele, sem nunca subir ou pular, nunca escorregando pelas línguas de fogo, nunca espalhando faíscas chiando para todos os lados. Algumas vezes, ficavam com frio e outras ficavam gelados mesmo — mas, certamente, não podiam se queixar de estar com calor!

Até que uma manhã, Chiado não pôde nem se mexer. Ficou encolhido numa brasa e nem prestava atenção à Faísca, que estava fazendo alguns exercícios de aquecimento.

— Vamos, Chiado, levante-se, insistia Faísca. Você vai ficar mais quente se você se mexer um pouco.

— Está frio demais para eu me mexer, murmurou Chiado, com voz tão fraca que Faísca quase não podia entendê-lo. Eu vou ficar sentado aqui.

Faísca olhou para ele, preocupada.

— Você não pode ficar sentado, disse, você vai morrer de frio.

— Eu sei, murmurou. Eu não me importo.

— Chiado! exclamou Faísca, realmente alarmada. Você tem que se importar. Você não pode simplesmente morrer de frio! Vamos — Levante-se!

— Deixe-me em paz! murmurou Chiado, mal abrindo a boca.

Levante-se, ordenou Faísca, agarrando Chiado e levantando-o.

Mas, quando ele o largou, Chiado despencou outra vez.

— Deixe-me em paz! murmurou outra vez.

— Não, eu não vou deixá-lo em paz! Gritou Faísca quase chorando. Levante-se e fique em pé!

Mais uma vez Faísca pôs Chiado de pé. Ela o arrastou para lá e para cá no fogo.

— Vamos, Chiado, mexa-se, ordenou. Mexa-se! Mexa-se!

— Não, murmurou Chiado. Deixe-me em paz!

— Pare de dizer isso!, gritou Faísca. Eu não vou deixar você em paz. Eu não vou deixar você morrer de frio. Agora, ande, continue andando. Um — dois — três — quatro, um — dois — três — quatro!

Durante todo o dia, Faísca arrastou um Chiado relutante para lá e para cá em um fogo fraquinho. Chiado não cooperava nada, ele só queria se esparramar no chão e morrer de frio.

Até tarde da noite, Faísca ficou arrastando Chiado para lá e para cá. Tentou tudo o que podia para aquecer Chiado. Insultou-o, fez piada sobre o fogo com ar-condicionado, xingou-o. Mas, Chiado não ficava em pé sem que Faísca o segurasse, e tudo o que dizia era: Deixe-me em paz! Deixe-me em paz!

Então, quando Faísca completamente exausta, estava quase desistindo, um brilho quente encheu o iglu.

— Bom trabalho, Faísca, estou orgulhoso de você, disse Mestre Salamandra. Eu vim assim que recebi sua mensagem por pensamento, e acho que cheguei na hora certa. Chiado certamente estaria perdido sem você para cuidar dele.

Dizendo isso, Mestre Salamandra fez duas chamas e numa embrulhou Faísca e na outra Chiado. As chamas eram quentes — ardentemente quentes como a maior fogueira. Num instante as duas salamandras estavam quentinhas e fortes de novo, como se nunca tivessem estado num fogo com ar-condicionado.

Chiado quase se esqueceu que há um minuto a única coisa que queria era morrer de frio. Mas, lembrou-se o suficiente para dizer:

— Obrigado, Mestre Salamandra. E obrigado, Faísca. Vocês dois salvaram a minha vida.

— Oh isso não foi nada, disse Faísca embaraçada.

— Não, Faísca, isso foi muito, disse Mestre Salamandra com voz severa. Chiado fez um jogo muito perigoso quando pensou que sabia melhor do que eu, o que era melhor para ele. Se você não tivesse sido tão leal com ele, Faísca, na certa ele teria morrido de frio. Você quase perdeu a sua vida por causa da tolice de Chiado. Espero que ele tenha aproveitado a lição.

— Aprendi a lição, sim, senhor, disse Chiado com voz tão humilde como ninguém ainda o tinha ouvido usar. De agora em diante, prometo ouvir o que as pessoas mais sensatas e com muita experiência disserem, e pensar com muito cuidado sobre as coisas que eu quero fazer.

— Ótimo, Chiado. Espero que seja verdade. E agora, disse Mestre Salamandra, acho que é hora de voltarmos para a nossa praia. Amanhã é sábado e haverá muitas fogueiras. Vamos embora.

(Do Livro Histórias da Era Aquariana para Crianças – Vol. VII – Compiladas por um Estudante – Fraternidade Rosacruz)

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

História Aquariana para Crianças e Adolescentes: O Presente Celestial

História Aquariana para Crianças e Adolescentes: O Presente Celestial

Era uma vez, há muito tempo, um rei muito bom e uma rainha muito amorosa. Governavam várias províncias, que visitavam uma vez por ano. Antes da visita, enviavam um mensageiro para avisar sobre a visita. Quem oferecesse à rainha o melhor presente era premiado pela soberana.

Preparava-se o povo de certa localidade para receber o nobre casal. Cada pessoa procurava superar a outra, na preparação do presente a ser oferecido. O povo todo encontrava-se nesse estado de excitação, quando afinal o dia chegou.

Nesta província vivia Celeste com sua vovozinha. A mãe de Celeste tinha ido para o mundo invisível quando ela nasceu. A vovó chamou então aquela menininha para os seus cuidados, como uma estrelinha do céu a brilhar em sua velhice. Elas eram bem pobres e a vovó sacudiu a cabeça, já um tanto branca, preocupada com o que iriam oferecer à rainha. Celeste, com seus nove anos de idade, lutava contra o desejo de ver pessoas tão ilustres, que nunca havia visto. Por isso, queria também oferecer-lhes um presente bem valioso.

Um dia, antes do importante acontecimento, veio correndo a menina até sua avó e disse:

— Vovó, já arranjei! Meu pombo; darei à rainha meu lindo pombo branco!

— Não, minha querida, o pombo não ficaria com a rainha. Voaria de volta para você. Precisamos pensar em outra coisa.

Celeste ficou desapontada. Triste, sentou-se num banquinho perto da janela, encostou a cabeça no batente, pensando e adormeceu. Seus cabelos encaracolados brilhavam à luz do sol como se fossem de ouro. A vovó dormiu também, embalada pela cadeira de balanço onde se encontrava sentada.

Metade da tarde já havia passado, hora em que a vovó sempre tinha seu repouso diário, quando foi despertada pela neta, que puxava seu avental e lhe dava palmadinhas no rosto.

— Vovozinha, tive um sonho muito bonito. Vi um lindo anjo, todo branco e brilhante, com o rosto igual ao do retrato da Mamãe. Ele veio devagar, pousou à minha frente e disse: “Dê o seu amor à rainha, minha filha”. Fechei os olhos e quando os abri de novo aquela figura havia desaparecido. Então acordei. Não foi um sonho lindo, vovozinha?

A vovó, radiante de alegria, afagou a menina com um abraço amoroso, antes de responder:

— Sim, minha criança, ofereça o seu amor à rainha, pois a dádiva sem o doador é vazia; mas, economize um pouquinho dele para sua velha vovozinha, ouviu?

— Eu lhe amo, vovozinha, mais do que tudo. Mas devo escrever à rainha e contar-lhe que a amo muito, porque isso é tudo o que tenho para dar. Ela é linda, não é, vovó?

Celeste logo foi pegar a caixa onde guardava algumas folhas de papel, que eram poucas e por isso guardava como se fossem um tesouro. Com uma pena de pato ela escreveu, em forma de rima, o amor que sentia pela formosa rainha. Depois de escrever várias folhas, prendeu-as com uma fita azul que lhe dera a vovó junto do seu primeiro vestidinho de bebê. Em seguida, disse à avó que no dia seguinte iriam ver a rainha, enquanto lhe mostrava as folhas que escrevera.

Quando o sol nasceu, no dia seguinte, encontrou-as prontas para partir. Celeste vestia um vestido escarlate, com aplicações pretas, e usava sapatos pesados feitos de madeira. As faces estavam rosadas e seus olhinhos, brilhantes de felicidade. Seus cabelos cacheados estavam muito bem penteados. A vovó jogou um chale sobre os ombros, já curvos, pegou a bengala e partiram.

Próximo à província havia uma aldeia onde o povo tinha construído um grande celeiro. Ele servia também como um recinto da comunidade, onde os fazendeiros às vezes se reuniam para festas. Os habitantes da localidade haviam escolhido este lugar para receber o rei e a rainha; o dia começou com a vinda da população de todas as partes da província, trazendo presentes.

O sol estava alto, lá nos céus, quando foi ouvida uma clarinada de trombetas e dois cavaleiros já estavam à vista, seguidos por um coche dourado puxado pôr seis cavalos brancos. Os cavalos estavam com as cabeças decoradas com plumas pretas e frisos dourados.

O rei e a rainha desceram do coche, seguidos por dois pequenos pajens, jovens empregados, que seguravam a cauda do manto real. O par real sentou-se em um estrado em forma de trono, onde as pessoas depunham os presentes ofertados, expostos de modo a serem inspecionados.

— Certamente — pensou o homem mais rico da província — eu ganharei a recompensa, pois quem pode dar um presente tão bom quanto o meu? — E ele caminhava todo empolado de orgulho para colocar um lindo tapete oriental aos pés da rainha. O valor do tapete era imenso e suas cores, soberbas. A rainha considerou o presente com um sorriso e uma bênção.

— “Com certeza” — pensou a esposa de um feliz fazendeiro — “eu ganharei a recompensa. Quem pode fazer pães tão finos iguais a estes?” — E eram mesmo tão bem feitos que pareciam de ouro, redondos, em formas perfeitas. A rainha recebeu-a com um sorriso e a abençoou.

— “Certamente eu obterei a recompensa” — pensou um fazendeiro muito rico — “pois não há milho mais abastado do que este aqui” — E levava uma braçada de espigas amarelinhas que colocou junto aos pães. A rainha recebeu a dádiva e abençoou.

E assim, cada um por sua vez dava a melhor mercadoria que possuía. Uns traziam a melhor agulha de trabalho; um homem trouxe uma grande quantidade de grãos dourados, maiores que a cabeça de um homem; outro trouxe um leitão bem gordo; um fazendeiro deu o seu galo premiado; uma mulher presenteou com uma flor rara da qual cuidara; um artista trouxe a melhor pintura… Todas as artes e desenhos eram largamente expostos. Cada doador estava certo de que o seu prêmio seria o maior. A cada um a rainha dirigia um sorriso e uma bênção.

Celeste, cheia de respeito e medo, tremia quando as pessoas se adiantavam com as suas oferendas. Tinha nas mãos o seu pombo de estimação e o caderno de versos. Olhava com excitação a fila de presentes e as vestes dos que os davam. Todos estavam trajados da melhor maneira, com seus adornos de festa, assim como ela estava. Entretanto, sabia que era a mais pobremente vestida de todos. E o seu presente? “Que insignificância, comparado aos demais” — pensou ela.

À vista de tantos presentes caros, Celeste permanecia à entrada, indecisa, tímida, ante seu presente tão pequeno. Mas como desejava dizer à rainha o quanto a adorava! Fechou os olhos e tentou ganhar coragem. Naquele momento viu o anjo e lembrou-se do sonho que tivera. O pombinho fez um movimento em suas mãos. Celeste olhou bem dentro dos olhinhos rosados dele e cochichou-lhe nos ouvidos. Colocou o caderninho no bico do pombo e abriu as mãos.

O pombo voou diretamente na direção da rainha e pousou tão suavemente em suas mãos que ela não se assustou. A rainha pegou o caderninho e leu os versos. Depois, olhou o pombinho, que regressava em direção à sua dona, e disse:

— Quer vir aqui, menina? — Sua voz era tão delicada e seu sorriso, tão convidativo, que Celeste perdeu todo o medo e caminhou, pondo-se de pê, à sua frente. A rainha tocou seus cabelos cacheados e disse ao ministro:

— Que seja anunciado pelo arauto do rei que o maior presente, que é o Amor, acaba de ser dado, e que a rainha vai recompensar o doador. Que se aproxime o povo para testemunhar o prêmio.

Quando o povo se juntou, a rainha levantou-se e, colocando sua mão sobre a cabeça de Celeste, declarou em voz bem clara:

— Levarei esta criança para o palácio do rei, onde ela se tornará uma princesa.

Celeste ouviu estas palavras como se fosse um sonho. Lembrando-se, porém, da sua vovozinha, apressou-se em explicar à rainha:

— Não posso ir, querida rainha, porque minha vovó ficaria sozinha e ela precisa de mim.

— Minha criança, você tem um belo coração. Não receie coisa alguma. Sua vovó também irá — respondeu a rainha.

Após a festa, Celeste e sua vovó se acomodaram na carruagem dourada puxada pelos cavalos brancos. A rainha estava entre as duas. Quando chegaram ao palácio real, Celeste foi levada para um quarto magnífico e ali vestiram-na com cetim; sapatos dourados foram colocados em seus pezinhos. Tornou-se uma moça virtuosa e culta, foi um Anjo inspirador para muitas decisões sábias dos Soberanos, em favor do povo.

(Publicada na Revista Serviço Rosacruz de setembro de 1965 – Fraternidade Rosacruz – São Paulo – SP)

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

História Aquariana para Crianças e Adolescentes: O Desejo

História Aquariana para Crianças e Adolescentes: O Desejo

Era uma vez uma princesa que não queria ser princesa. Vocês acham isso impossível? Vocês não acham que todas as moças ficariam felizes com à oportunidade de serem princesas?

Bem, não essa princesa. Todas as noites quando ia para a cama pensava, “Espero que amanhã quando acordar, eu seja uma cozinheira. Ou, “Espero que amanhã quando acordar, eu seja uma costureira. Ou, “Espero que amanhã quando acordar, eu seja uma florista”. Mas todas as manhãs quando acordava, ainda era princesa.

E por que a princesa não queria ser princesa? Por que em vez disso, ela queria ser uma cozinheira, uma costureira ou uma florista? Porque era duro ser princesa. Pelo menos, ela achava que era duro ser uma princesa. Ela achava que era duro ser sua qualidade de princesa.

Bem, é verdade que algumas princesas são mimadas e conseguem tudo que desejam em bandeja de prata, e despedem seus servidores se não forem servidas suficientemente bem ou suficientemente depressa ou com suficientes saudações e salamaleques, para satisfazê-las. Algumas princesas são soberbas e andam com o nariz para o ar, recusando-se a dar atenção às pessoas que elas acham que estão muito abaixo delas. Algumas princesas são muito preguiçosas, nunca pegando nada se alguém puder pegar para elas, e se enchendo de sorvetes e doces. Essas princesas não são muito queridas, porque são egoístas, só pensam nelas e nada fazem.

Mas, esta princesa não era mimada, não era soberba e não era preguiçosa. Não que ela não quisesse as vezes ser assim. Simplesmente não lhe permitiam e principalmente seu pai, o Rei.

O Rei amava muito sua filha. Na verdade, a amava tanto que não queria que ela crescesse mimada, soberba ou preguiçosa. Ele queria que ela crescesse carinhosa, gentil, dócil, compreensiva, e sabia que ela deveria se esforçar muito para ser assim. Então, ele insistia para que ela se esforçasse muito para ser todas essas coisas.

E é por isso que a princesa, que se chamava Andrea, não queria ser princesa. Ela achava que era muito difícil ser todas as coisas que seu pai queria que ela fosse.

Outras princesas, pensava Andrea, podiam dormir quanto quisessem e tomar café na cama. Outras princesas, pensava, podiam dizer, “Deixem-me em paz”, se não queriam falar com as pessoas. E outras princesas, pensava, com certeza não precisavam sorrir se não tivessem vontade.

Contudo, o Rei insistia que Andrea levantasse alegre e cedo todas as manhãs, e que arrumasse sua cama e fosse tomar o café da manhã na sala de jantar, com o resto da família. Ele insistia que ela fizesse tudo que pudesse para si própria. Ela tinha até que engraxar seus sapatos, dar banho no seu cachorro, ajudar a tirar o pó dos móveis do palácio, preparar seu lanche para a escola. Quando tinha que pedir alguma coisa para algum criado, tinha que ter muito cuidado e dizer “por favor” e “muito obrigada”, porque se não dissesse seu pai ia ficar muito descontente. E não era uma boa ideia, ela sabia, desagradar ao Rei.

O Rei insistia que Andrea ouvisse todas as pessoas que quisessem falar com ela porque, ele dizia:

— Uma princesa é responsável por seus súditos.

Ela nunca se atrevia a dizer, “Deixe-me em paz”, porque se o fizesse seu pai ia ficar muito zangado. E não era uma boa ideia, ela sabia, deixar o Rei ficar zangado.

O Rei insistia que Andrea fosse cortês com todos que encontrasse e sorrisse para as pessoas sempre que pudesse. É claro que não devia fechar a cara para eles. Algumas vezes sua boca doía de tanto sorrir, mas, de qualquer modo, ela continuava sorrindo. Se ela não o fizesse, seu pai ia ficar muito decepcionado. E não era uma boa ideia, ela sabia, deixar o Rei ficar decepcionado.

Um dia, Andrea teve uma ideia.

— Se eu me esconder no bosque o dia inteiro, eu não verei ninguém e ninguém me verá, pensou. Assim, eu não terei que falar com ninguém ou sorrir e não terei problemas por não dizer “por favor” e “muito obrigada”, e eu posso me deitar à sombra de uma árvore e não pensar em nada, a não ser em mim.

Assim, Andrea pegou um tapete macio para deitar-se, pôs num saquinho uma maçã, uma banana, dois sanduiches, um de manteiga de amendoim e outro de geleia, e desceu as escadas de serviço do palácio na ponta dos pés. Quase esbarrou no mordomo que estava levando para cima uma jarra de suco de maçã, mas ela conseguiu se esconder num armário de vassoura até que ele passasse. Quase caiu em cima da faxineira que estava esfregando o último degrau, mas conseguiu se esconder num canto escuro até que a faxineira acabasse.

Andrea atravessou correndo o jardim do palácio e subiu numa trepadeira que crescia pelo muro alto. Pulou de cima do muro e correu pela estrada que levava ao bosque.

Ninguém a viu sair do palácio, e ninguém sabia que ela tinha ido se esconder no bosque.

Andrea entrou bem para dentro do bosque, antes de parar.

— É embaixo desta árvore que eu vou me deitar, disse por fim, olhando para um grande castanheiro, bem mais alto que as outras árvores vizinhas. Estendeu o tapete e espreguiçou-se.

— Ahhh! suspirou. Assim é que é bom.

Em poucos minutos estava profundamente adormecida.

— Então, esta é a princesa que não quer ser princesa, disse uma voz esganiçada e aguda, perto de seu ouvido.

— Vamos fazer-lhe um favor e conceder-lhe o desejo? – Perguntou outra voz esganiçada e aguda.

— Claro, disse a primeira. Vai ser divertido!

Piscando os olhos, Andrea viu dois homens pequeninos com roupas lilás, sapatos vermelhos e chapéus verdes sorrindo para ela. Primeiro ela pensou: “Como são pequenos!” Depois pensou: “Quantos dentes eles têm!”. Depois pensou: “Quem são?”

— Quem são vocês? perguntou.

— Nós somos Realizadores de Desejos, disse o primeiro homenzinho. Temos o poder de conceder qualquer desejo que você deseje, mas você precisa estar certa de que você totalmente, positivamente o deseje. Quando concedemos um desejo, nunca mais o retiramos.

— Você totalmente, positivamente, deseja não ser uma princesa? perguntou o segundo homenzinho.

— Oh! sim, respondeu Andrea. Eu totalmente, positivamente, desejo não ser uma princesa.

— Muito bem, disse o primeiro homenzinho. Feche bem os olhos e não abra.

Andrea apertou os olhos e ouviu:

“Abracadabra, abracadabra,

Dê à princesa, sua maior ambição,

Ela que uma loura princesa era,

Agora é feia, sem comparação”.

Então, Andrea sentiu que coisas esquisitas estavam acontecendo com ela. Seus ossos estalavam quando se mexia. Seus músculos se esticavam e encolhiam até ela se sentir como uma tira de borracha. Era como se suas roupas estivessem sendo rasgadas e seu vestido macio começou a ficar grosso e picava. Seus cabelos, com suas tranças bem penteadas, caiam lisos sobre seu rosto.

— Há, há, há! Riu com maldade o primeiro homenzinho com sua voz esganiçada. Agora ninguém vai confundir você com uma princesa. Você não pode dizer que não atendemos seu desejo. Abra os olhos — e felicidades.

Andrea abriu logo os olhos – mas os homenzinhos tinham desaparecidos. Olhou-se com crescente horror. Seu lindo vestido cor de rosa tinha se transformado em uma roupa rasgada, feia, deformada, suja e que parecia não ter sido lavada há meses. Suas mãos estavam calosas e suas unhas quebradas e sujas. Seus cabelos estavam brancos e emaranhados.

Começou a andar e percebeu que um pé se arrastava e ela só podia levantá-lo com muito esforço. Tentou falar e sua voz soou horrivelmente. Mancando, Andrea conseguiu chegar até um regato no bosque ali perto, e viu seu reflexo na água clara. O que ela viu assustou-a tanto, que ela gritou e desmaiou.

Quando voltou a si, olhou-se de novo cautelosamente. O reflexo ainda parecia um pesadelo. A linda princesa de cabelos dourados tinha se transformado numa horrível megera, tão feia que poderia assustar até o mais valente cavaleiro quando ia para a guerra lutar por seu pai, o Rei.

— O que eu vou fazer? choramingou Andrea. Eu não queria ser princesa, mas também não queria ser assim.

Andrea começou a chorar. Chorou, chorou, chorou e quando se olhou outra vez na água, seu rosto estava vermelho, inchado e ainda mais feio.

— Realizadores de Desejos: Por favor, voltem! Prefiro ser princesa do que ser assim. Por favor, transformem-me outra vez em princesa.

Mas, sua única resposta foi o canto longe de um canário-da-terra no bosque.

Por sete dias, Andrea ficou no bosque, lavou a velha roupa preta no regato e penteou seus cabelos como pôde, mas nada mais conseguiu fazer para melhorar sua aparência. Depois de comer a maçã e a banana e os dois sanduiches de manteiga de amendoim e geleia, comia nozes que encontrava pelo chão. Mas, os esquilos tinham trabalhado bastante e não haviam deixado muitas nozes.

Começou a fazer frio, e, uma noite, caiu uma chuva gelada que a deixou encharcada da cabeça aos pés.

Então, Andrea achou que não podia mais ficar no bosque. Ela não tinha teto, nem comida, nem agasalhos.

— Vou voltar para o palácio de meu pai, disse. Talvez ele tenha pena de mim e me deixe morar lá.

Então, Andrea saiu do bosque sempre mancando e foi pela estrada que dava para os portões do palácio.

Embora ela não soubesse, havia grande tristeza no palácio porque ela não tinha voltado depois do seu primeiro dia no bosque. O Rei, a Rainha e todos os cavalheiros e damas da corte, todos os guardas e criados estavam tristes.

— O que terá acontecido com a Princesa Andrea? perguntavam uns aos outros. Onde estará? Por que não volta para casa?

O Rei e seus cavaleiros tinham cavalgado por todo o reino procurando por ela, e o Rei mandou mensagens para os reinos vizinhos, perguntando se alguém tinha visto a Princesa Andrea. Mas, é lógico, todos procuravam uma princesa de cabelos dourados e ninguém procurava uma bruxa feia e velha. Assim, ninguém viu a Princesa Andrea.

Andrea manquejou até os portões. Um guarda alto, que a tinha carregado nos ombros quando ela era uma menininha, barrou seu caminho. Tinha os braços cruzados no peito e suas pernas bem separadas.

— O que é que você quer aqui, velha bruxa? perguntou desconfiado.

— Eu sou a Princesa Andrea, disse tristemente com sua voz de taquara rachada. Por favor, deixe-me entrar.

— Princesa Andrea! gritou o guarda zangado. Como você se atreve a dizer que é a nossa princesa desaparecida? A Rainha está doente de tristeza e o Rei está fora de si de tanta preocupação e você tem coragem de dizer que você é a linda Princesa Andrea! Você deve saber alguma coisa sobre seu desaparecimento. Agarrem-na!

E, antes que Andrea pudesse dizer outra palavra, foi rudemente agarrada por dois guardas que também tinham sido muito seus amigos.

— Levem-na para o Rei! ordenou o primeiro guarda, e Andrea foi meio empurrada, meio carregada para dentro do palácio, pelos longos corredores de mármore. O mordomo, a faxineira, o Grande Camareiro Chefe, a Governanta da Rouparia, o Excelentíssimo Ministro de Estado e muitas outras pessoas que Andrea conhecia bem, pararam o que estavam fazendo e ficaram olhando o grupo passar.

— Quem é essa feia bruxa velha? murmurou a faxineira.

— Eu nunca a vi antes, fungou o mordomo desdenhosamente.

— Não imagino o que Sua Majestade possa querer com ela, disse o Grande Camareiro Chefe para o Excelentíssimo Ministro de Estado, que ajeitou seu monóculo e olhou mais fixamente.

Finalmente, chegaram à ala do trono onde o Rei estava muito triste sentado no trono. Parecia não ter dormido há dias — o que realmente não tinha.

Os guardas empurraram Andrea para dentro.

— Majestade, começou um deles, perdoe a intrusão, mas o Capitão achou que Vossa Majestade quereria falar com esta velha bruxa. Ela…

O guarda parou de falar quando o Rei, com expressão misto de espanto, horror, incredulidade, desceu do trono e foi até Andrea.

— Andrea, murmurou, minha filha, o que aconteceu com você?

Todos que estavam ali olhando murmuraram:

— Andrea? será que essa feia bruxa velha é a Princesa Andrea?

— Como é que o Rei sabe que é a Princesa Andrea? sussurrou a Terceira Dama de Companhia.

Um pai conhece seus filhos, respondeu sabiamente a Governanta da Rouparia.

Andrea, com lágrimas escorrendo em seu rosto olhou para seu pai.

— Você me reconhece? perguntou sem acreditar.

— É claro que reconheço você, minha filha. Mas o que aconteceu? Quem fez isto com você? perguntou o Rei abraçando-a.

Por algum tempo, Andrea só pôde soluçar amargamente. Estava aliviada por seu pai tê-la reconhecido, e terrivelmente envergonhada por sua feiura e pela coisa horrível que havia feito a si mesma. Por fim, aos poucos, começou a contar sua história. Todos na Sala do trono ouviam com piedade e horror quando ela contou que, porque pensava que não queria ser princesa, os Realizadores de Desejos tinham-na transformado na coisa mais oposta a uma princesa que se possa imaginar.

— É tudo culpa minha, meu pai, soluçou Andrea.

Se eu não tivesse tido aquele estúpido desejo, eu ainda seria uma princesa e ainda seria bonita.

O Rei suspirou e acariciou seus grossos cabelos brancos.

— Você ainda é uma Princesa, Andrea, murmurou para que só ela pudesse ouvir. Você ainda é a filha de um Rei. Mesmo os Realizadores de Desejos não podem mudar isso.

Então, severamente, dispensou todos os cortesãos, todos os criados, todos os guardas da Sala do trono e ele e Andrea conversaram sozinhos por três horas. Mas o que disseram um ao outro, só eles podem dizer.

No dia seguinte, e por dias, semanas e meses depois disso, Andrea se levantava como de costume, arrumava sua cama como de costume, e ia tomar o café da manhã na sala de jantar com toda a família, como de costume. Engraxava seus sapatos, dava banho no seu cachorro, ajudava a tirar o pó dos móveis do palácio e preparava seu lanche para ir à escola, como de costume. Quando pedia a algum criado para fazer alguma coisa, sempre dizia “por favor” e “muito obrigada”, como de costume. Era cortês com todos que encontrava e sorria para as pessoas sempre que podia, como de costume.

Na verdade, tudo continuava igual, menos o fato de que, em vez de ser a bonita Princesa Andrea dos cabelos dourados, era agora a feia bruxa velha Princesa Andrea. Usava a velha roupa preta e, embora sempre tivesse as unhas limpas, elas estavam sempre quebradas e suas mãos encarquilhadas. Seus cabelos grossos, brancos e a voz soava horrivelmente.

Por uns tempos, as pessoas evitavam Andrea. Ela era tão feia que, embora ainda fosse princesa, não queriam saber dela. Mas, porque seu pai queria, e ela sabia que era o que devia fazer, ela continuou sendo carinhosa, gentil, dócil e compreensiva tanto quanto podia.

Depois de algum tempo, as pessoas começaram a pensar mais e mais sobre como ela era carinhosa, gentil, dócil e compreensiva e menos e menos como ela era feia. Então, esqueceram de vez que ela era feia e muita gente queria vê-la e falar com ela. Com todos Andrea era cortês, como seu pai desejava.

Uma noite, exatamente um ano e três dias depois que os Realizadores de Desejos tinham feito aquilo, Andrea estava sentada junto da janela, olhando tristemente as estrelas e imaginando pela milésima vez como seria ser bonita de novo.

— Ora, ora, ora, assustou-a uma voz esganiçada muito alta. Então, esta é a princesa que não queria ser uma princesa, heim?

Lá estavam dois homens pequeninos com suas roupas lilás, sapatos vermelhos, chapéus verdes e muitos dentes, sorrindo para ela.

— Oh, Realizadores de Desejos, gritou Andrea. Estou tão contente em ver vocês! Por favor, façam com que eu fique bonita outra vez. É horrível ser tão feia. Eu nunca quis isso. Por favor, por favor, transformem-me outra vez.

— Nós lhe dissemos antes, nós nunca desfazemos um desejo depois de concedê-lo. E você estava totalmente, positivamente certa sobre seu desejo. Lembra-se? Perguntou o primeiro homenzinho de jeito desagradável.

— Sim, sim, eu me lembro, respondeu Andrea em lágrimas. Eu fui muito tola, estou arrependida, estou tão arrependida. Por favor, por favor, façam-me como eu era.

— Isso é impossível, disse o segundo homenzinho, sorrindo maldosamente. Nós avisamos você e você disse que estava certa. Agora tem que aguentar as consequências.

— Nós só demos uma chegadinha para ver como você está indo. Credo, você é feia mesmo! Nosso trabalho foi muito bom! Ha, ha, ha! O primeiro homenzinho estava quase dobrado de tanto rir. Bem, nós temos que ir andando. Levante a cabeça! Ha, ha, ha! Adeus.

— Parem! veio da porta uma voz de comando severa. Os homenzinhos se viraram, deixaram de sorrir e se curvaram tanto que suas cabeças tocaram o chão.

— Majestade! eles disseram respeitosamente.

— Sim, disse o Rei. Então, vocês acham que fizeram uma grande coisa realizando o desejo da Princesa!

Os homenzinhos ficaram calados.

— Então, intimou o Rei, não foi isso que vocês disseram?

— Sim, Majestade, murmuraram.

— Digam-me, perguntou o Rei, qual era exatamente o desejo da Princesa? Exatamente.

— Bem, Majestade… o primeiro homenzinho hesitou.

— Continue, ordenou o Rei.

— Bem, Majestade, o homenzinho disse relutante, suas exatas palavras foram: Eu desejaria totalmente, positivamente não ser princesa.

— E vocês concederam-lhe esse desejo? perguntou o Rei.

— Sim, Majestade, responderam os homenzinhos tentando parecer orgulhosos de si mesmos.

— Sei, disse o Rei. Nesse caso, por que é que Andrea ainda é princesa? Por que é que ela ainda é minha filha? Por que é que ela ainda é chamada de Sua Alteza? Por que é que ela ainda mora no quarto da princesa no palácio? E por que é que as pessoas ainda gostam tanto dela quanto antes”?

— Ahn — ah — hum — o primeiro homenzinho gaguejou, enquanto o segundo homenzinho mexia os pés.

— A verdade deste caso é que vocês não fizeram um bom trabalho ao conceder-lhe o desejo. Vocês não o realizaram de jeito nenhum. Vocês não o realizaram porque vocês não têm poder para conceder esse desejo. Não é verdade? perguntou o Rei.

— Sim, Majestade, tiveram que admitir os homenzinhos.

— Então, vocês concederam à Princesa um desejo que ela absolutamente não desejava. Vocês a tornaram feia, e ela nunca manifestou o desejo de ser feia. Certo?

— Certo, Majestade, tiveram que admitir os homenzinhos.

— Portanto, já que vocês não concederam desejo a que foi desejado, agora eu ordeno que vocês desconcedam o que concederam, eu ordeno que vocês restituam a beleza de Andrea. IMEDIATAMENTE!

A voz do Rei era fria, poderosa e implacável, e os homenzinhos não tinham força para argumentar. Desviando os olhos do Rei, eles cantaram:

“Abracadabra, Abracadabra,

Dê à Sua Majestade, sua maior ambição,

Aquela que é feia, sem comparação

Volte a ser a beleza de então”.

De novo. Andrea sentiu coisas esquisitas acontecendo. De novo, seus ossos estalavam quando se moviam. De novo, seus músculos esticavam e encolhiam. Suas roupas ásperas ficaram macias e suas mãos já não estavam retorcidas. Andrea, que estava com os olhos fechados, tinha medo de abri-los.

— Os homenzinhos já se foram, Andrea, disse por fim o Rei, muito carinhosamente. Abra os olhos. Olhe para você.

Andrea abriu os olhos devagar e quase sem poder respirar, olhou no espelho. Quase não podia acreditar no que viu. Estava usando um vestido cor de rosa, um pouco mais comprido e elegante do que o último. Seus cabelos dourados caiam em ondas suaves por suas costas. Estava mais bonita do que nunca.

Andrea suspirou baixinho, sorriu, e virou-se para seu pai.

O Rei abriu os braços e ela correu para ele.

— Paizinho, disse simplesmente. Obrigada.

(Do Livro Histórias da Era Aquariana para Crianças – Vol. VIII – Compiladas por um Estudante – Fraternidade Rosacruz)

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

A Árvore Gananciosa

A Árvore Gananciosa

— Sr. Pica-pau, disse a macieira, será que você pode fazer à gentileza de bicar uma abertura no meu tronco, o suficiente para caber uma moeda?

— O que?

O Pica-pau parou no meio de uma bicada, deixando escapar o inseto que estava pegando. Ficou olhando para os galhos da macieira.

— Para que você quer uma fenda no seu tronco? Normalmente eu não posso picar buraquinhos tão pequenos que agradem vocês, árvores.

— Eu sei, eu sei, disse a árvore impacientemente, mas isto é diferente. Neste ano eu vou cobrar uma moeda por cada uma de minhas maçãs. Elas estão quase maduras e eu preciso dessa fenda depressa.

— O que? — disse novamente o Pica-pau. Você perdeu o juízo?

— Ao contrário, disse a árvore. Agora é que eu achei meu juízo. Toda minha vida, os seres humanos têm encontrado escadas bem na minha cara e subido em cima de mim por todos os lados, arrancando minhas maçãs sem pedir licença. E o que é que eu ganhei com isso? Nada!

A árvore fez uma cara tão feia que um sabiá que ia pousar em seus galhos, fugiu depressa.

— Nada? – duvidou o Pica-pau. Você não se sente bem, por dentro, por saber que as pessoas gostam de comer seus frutos, os quais lhes dão saúde? O pessegueiro se sente bem.

— O pessegueiro é um sentimental exagerado, respondeu a macieira. O que você pode fazer com “sentir—se bem por dentro?” Você não pode usar isso. Você não pode comprar nada com isso. Se eu cobrar uma moeda por cada maçã, eu vou poder comprar muitas coisas.

Mais uma vez, o Pica-pau olhou duro e longamente para os galhos da macieira.

— Eu acho que você está louca, ele afirmou.

— Faça—me um favor, disse a árvore. Poupe—me a análise psicológica e comece a fazer a fenda.

O Pica-pau continuou a olhar fixo para a árvore e por tanto tempo, que finalmente a árvore disse, impaciente:

— Você sabe o que é uma fenda, não sabe? Você conhece essas máquinas automáticas nos postos de gasolina nas estradas. Elas têm…

— Sim, eu sei o que são fendas e já vi as máquinas automáticas nos postos de gasolina. Coisas horríveis. Todas de metal e vidro, sem raízes na terra e sem folhas por cima.

— É claro que elas não têm raízes nem folhas. A árvore parecia desgostosa. Elas são produtos da civilização. E eu também vou ser um produto da civilização. Eu vou ser rica. Por favor, você quer começar agora a fazer a fenda?

— Oh! Muito bem. O Pica-pau suspirou e sacudiu a cabeça. Acho que não adianta pedir para você desistir dessa bobagem. Você vai ter que aprender por um caminho mais duro. Onde é que você quer a fenda?

— Bem embaixo, disse a árvore, onde os humanos possam alcançá-la. Principalmente as crianças. São elas que pegam mais as minhas maçãs.

— E isso não faz você feliz? Você não fica feliz sabendo que todas essas crianças vão ter mais saúde comendo as suas maçãs?

— Não, isso não me faz feliz, rosnou a árvore. Mas eu vou ficar feliz se pagarem as minhas maças. É agora você quer trabalhar?

— Muito bem, disse o Pica-pau, mas lembre-se, foi você que pediu. Isto vai doer.

— Não tem importância, disse a árvore. Eu aguento. Nada mais vai doer quando eu ficar rica.

— Há! zombou o Pica-pau e começou a trabalhar vingativamente.

Ele não estava se sentindo delicado, e não tentou ser delicado. Ele picou com força, ele picou fundo e ele picou rápido. “Ratat, ratatat”, fazia seu bico afiado, e a árvore sentiu como se tivesse uma dúzia de abelhas picando o seu braço ao mesmo tempo.

— Ai, gemeu a árvore. Você precisa ser assim tão cruel?

— Eu disse que ia doer, disse o Pica-pau indiferentemente. Você quer que eu pare?

— Não! exclamou a árvore. Eu posso aguentar. Continue, continue!

Então, o Pica-pau continuou, “Ratat, ratatat”, cada vez mais depressa, cada vez mais forte. A árvore se encolheu, estremeceu, gemeu e sofreu, mas não gritou, nem chorou ou se queixou. Em vez disso, dizia:

— Nada mais vai doer quando eu ficar rica.

— Puah! disse por fim o Pica-pau, cuspindo um pedaço amargo da casca da árvore. Já está pronto. Espero que você esteja satisfeita.

— Oh! sim, disse a árvore. Muito obrigada. Está perfeito. Agora você pode também esculpir ’10 centavos’ embaixo da fenda? Os humanos não saberiam para que é a fenda se não lhes for explicado.

— Devo admitir que você me espanta, admirou—se o Pica-pau. Você pensa realmente que só porque está escrito ‘10 centavos’ embaixo de uma fenda no seu tronco, as pessoas vão colocar uma moeda dentro, toda vez que quiserem uma maçã?

— Claro, disse a árvore. Eles estão condicionados a colocar dinheiro nas fendas para qualquer coisa. Não tem problema!

— Há! bufou o Pica-pau outra vez. Acho que você está a caminho de um triste despertar. Além disso, você vai ficar desfigurada se começar a ter preços gravados no seu tronco.

— Eu não me importo, disse a árvore. Vale a pena, quando eu ficar rica não vai fazer diferença.

Então, o Pica-pau começou de novo a trabalhar. “Ratat, ratatat”. De novo a árvore se encolheu, estremeceu, gemeu e sofreu, mas de novo não gritou, nem chorou ou se queixou. Em vez disso, ficou dizendo de novo:

— Nada mais vai doer quando eu ficar rica.

Finalmente, o Pica-pau acabou.

— Puah! disse cuspindo outro pedaço da casca da árvore. Aí está. Uma fenda e escrito ‘10 centavos’, E eu não vou fazer mais nada. Estou cansado desse negócio. Adeus!

— É tudo que eu preciso, gritou a árvore quando o Pica-pau foi embora voando. Obrigada!

— Hum! disse o Pica-pau. Árvore idiota! Ela vai se arrepender. Mas a árvore não ouviu.

Uma semana depois, duas crianças vinham alegremente pela estrada, carregando uma cesta.

— É aquela a árvore, disse a maior. E as maçãs estão maduras. Eu vou subir e jogo as maçãs pra você.

— Ah! pensou a árvore, meus primeiros fregueses. Vejam como o dinheiro vai correr agora.

A árvore tinha um sorriso tão desagradável na sua cara, que um azulão, que ia pousar nos seus galhos, voou rápido para longe.

— Hei, veja! chamou a criança menor. O que é isto?

Ela apontava para a fenda no tronco da árvore.

— Ahn! disse a maior, observando com atenção. É – é uma fenda e embaixo está escrito 10 centavos. Acho que é para a gente colocar uma moeda por cada maçã.

— Mas nós não temos uma moeda por cada maçã, protestou a menor. Nós não temos nem mesmo uma moeda.

— Eu sei, disse a maior. Bem, vamos. Lá está outra macieira que não tem fendas. Podemos tirar nossas maças dela.

Então, as duas crianças foram pela estrada balançando a cesta entre elas.

— Pequenos miseráveis, rosnou a árvore. Tinha uma expressão tão sem caridade em sua cara, que um sabiá, que ia pousar nos seus galhos, voou rápido para longe.

Um homem velho vinha pela estrada, apoiado numa bengala e carregando um saco de estopa nas costas. Ficou em frente da árvore, pousou o saco e a bengala com um suspiro.

— Ah! Pensou a árvore. Outro freguês. Agora o dinheiro vai correr.

— Oh! Meu Deus, disse o velho, que caminho comprido. Mas, se eu puder encher o saco com maçãs, valeu a pena. O que é isto?

O velho tirou seus óculos do bolso e colocou-os no nariz. Pôs a cara bem perto do tronco da árvore e leu ‘10 centavos’.

— 10 centavos? exclamou. 10 centavos por cada maçã? Bem, eu não posso pagar isso. Já tenho bastantes problemas para o dinheiro chegar. Acho que vou ter que ir até aquela outra árvore do caminho. Lá não tem fendas.

Lentamente, o velho se curvou, recolheu o saco e a bengala. Depois, foi pela estrada apoiado na bengala e carregando o saco nas costas.

— Pão duro! rosnou a árvore. Tinha um sorriso tão desagradável na sua cara, que um melro, que ia pousar nos seus galhos, voou rápido para longe.

Nesse momento, um carro preto grande parou na beira da estrada. Um homem careca com um terno caro desceu do carro, e uma senhora de cabelos brancos penteados para cima e usando um vestido caro desceu pela outra porta.

— É essa a árvore, meu bem, disse o homem. Parece que está carregada de maçãs.

— Ah! pensou a árvore. Estas pessoas são ricas.

Agora eu vou ganhar um bom dinheiro.

— Mas, olhe aqui, disse a senhora em voz alta, lamuriando—se. Aqui diz 10 centavos. Vamos ter que por 10 centavos na fenda por cada maçã. Nunca vi uma coisa assim.

— Que abuso! exclamou o homem. Eles devem pensar que somos feitos de dinheiro. Venha, meu bem. Há outra macieira sem fendas, mais adiante. Vamos pegar nossas maçãs, lá.

Então, o homem com o terno caro e a senhora com o vestido caro entraram de novo no carro e partiram numa nuvem de poeira.

— Avarentos! rosnou a árvore. Tinha uma expressão tão pouco amigável na sua cara, que um papa—figo, que ia pousar nos seus galhos, voou rápido para longe.

Logo depois, um furgão parou na beira da estrada. Um pai uma mãe e seis crianças pularam para fora.

— É essa a árvore, papai? perguntou a menininha menor.

— É esta mesma, disse o pai. Tirem a escada do furgão, meninos. Vamos ter bastante trabalho.

—  Ah! pensou a árvore. Uma família numerosa. Agora sim, vou ganhar dinheiro.

O rapaz mais velho encostou a escada na árvore e, de repente, parou.

— Ei! venham cá, chamou, apontando para o tronco da árvore.

— O que foi, filho? perguntou o pai. Puxa! Não acredito! Uma fenda para moedas! Querem uma moeda para cada maçã!

— 10 centavos por cada maçã. Nós somos oito, se cada um de nós apanhar 50 maçãs, serão 400 moedas, disse a menina maior que era bamba em aritmética. Nós temos 400 moedas?

— Não, nós não temos 400 moedas, disse o pai. E, se tivéssemos, não iríamos gastá-las assim. Todo mundo para o furgão. Há outra macieira sem fendas, mais adiante. É lá que vamos fazer a nossa colheita.

Então, o pai, a mãe e os seis filhos se ajeitaram no furgão e partiram numa nuvem de poeira.

— Unhas de fome! rosnou a macieira. Tinha uma expressão tão mesquinha na sua cara que um corvo, que ia pousar em seus galhos, voou rápido para longe.

E, assim, foi por todo o outono. Nenhum humano apanhou nenhuma maçã daquela árvore. Nenhum quati subiu na árvore para pegar um bom petisco, e nenhum pássaro deu sequer uma bicada em uma maçã. Até os insetos, quando sabiam o que estava acontecendo, rastejavam para longe da árvore e não ligavam para as maçãs. Aos poucos, as maçãs endureceram, murcharam e caíram. No chão estavam as frutas de um ano inteiro, escurecidas e podres — coisas mortas, espalhadas, desprezadas.

Tudo tinha dado errado para a macieira. Ela não ficou rica. Em vez de ter centenas de moedas, não tinha sequer uma. E o que era muito pior, ninguém gostava dela. Os seres humanos a ignoravam e os animais e pássaros ficavam longe dela. Outras árvores e plantas que tinham sido suas amigas, a ignoravam. Pela primeira vez, a macieira sentiu o que era a solidão. Finalmente, parou de rosnar e começou a chorar.

— Por que eu fui tão gananciosa? chorava. Eu queria ser rica de dinheiro, quando eu já era rica de amigos e frutos. Agora, eu não sou rica de nada. Eu sou tão pobre, eu não tenho nada.

Mas, sem que a árvore soubesse, uma das maçãs não tinha caído. Pendurada no galho mais baixo, aninhada junto ao tronco e escondida peias folhas, estava uma maçã grande, brilhante, vermelha, que cada dia ficava mais doce, mais suculenta e mais deliciosa.

Uma manhã, quando o Pica-pau voou por perto, mas sem dirigir-lhe uma palavra, a árvore chamou-o:

— Sr. Pica-pau, eu sei que o senhor está desgostoso comigo e o senhor tem razão. Mas será que o senhor pode dar um jeito de me fazer um favor?

Relutante, o Pica-pau parou o seu voo.

— Um favor? perguntou. Eu lhe fiz um favor antes e veja no que deu! Agora, o que é que você quer?

— Por favor, risque a fenda e o letreiro de 10 centavos do meu tronco, pediu a árvore.

— Você não os quer mais? perguntou sarcástico o Pica-pau.

— Não, eu não os quero mais, disse a árvore, quase chorando. De agora em diante, vou dar as minhas maçãs. Nunca mais vou cobrar por elas. Talvez eu nem tenha maçãs o ano que vem. Eu não mereço. Mas se eu as tiver, eu quero que as pessoas vejam que já não existe mais a fenda.

— Hummmm, disse o Pica-pau, olhando fixamente para a árvore. Acho que você está mudando seus sentimentos. Mas você deve saber que isto vai doer mais do que na última vez, porque eu vou ter que cortar fundo.

— Eu sei, suspirou a árvore, eu sei. Mas acho que eu mereço isso também. Por favor, pode fazer.

— Então, lá vou eu, disse o Pica-pau. Segure-se.

O Pica-pau começou a trabalhar e doeu. Puxa, como doeu! A pobre árvore se encolheu, estremeceu, gemeu e sofreu, mas não gritou, nem chorou ou se queixou.

— Você tem certeza de que já tirou tudo? Não quero que sobre nada da fenda e da inscrição.

— Estou tirando tudo, respondeu o Pica-pau. Mas, você vai ter uma grande ferida exposta na sua casca que vai doer por muitos meses.

— Não tem importância, disse a árvore.

E, quando o Pica-pau acabou, é evidente, ficou uma grande ferida exposta na casca e a árvore sabia que isso ia doer por meses. Mas, ela disse:

— Obrigada Sr. Pica-pau, não posso nem dizer o quanto lhe sou grata por isto. Mesmo que eu não dê maçãs no ano que vem, é maravilhoso estar livre da fenda e do letreiro.

— Não tem de que, respondeu o Pica-pau. Devo dizer que eu me sinto muito melhor tendo que desfazer isso, do que me senti da primeira vez, quando o fiz.

Logo depois, o inverno chegou e, para surpresa de todos, bem antes do tempo. Parecia que quase não tinha havido outono. Numa semana, as árvores ainda tinham folhas, na semana seguinte as folhas já tinham desaparecido, levadas por um vento frio, frio.

Foi aí que os pássaros, os animais, as árvores e os arbustos viram uma maçã grande, brilhante, vermelha, doce, suculenta, ainda pendurada no galho mais baixo da macieira. Os quatis se assombraram, mas não a tocaram. Os pássaros se maravilharam, mas não a picaram.

As árvores e os arbustos ficaram espantados, mas não disseram nada. E a macieira viu, mas teve até medo de acreditar.

Depois caiu uma tempestade de neve por dois dias e duas noites, quando acabou, só o que se podia ver era a neve branca, os galhos marrons e uma maçã grande, brilhante, vermelha, pendurada no galho mais baixo da macieira.

Os quatis tinham que se virar para arranjar comida. Os pássaros que tinham sorte achavam migalhas e sementes jogadas para eles nas fazendas das vizinhanças. Mas, nenhum pássaro ou animal tentou comer aquele misterioso fruto vermelho da macieira.

No dia seguinte da tempestade de neve, viu-se um vultozinho marcando os primeiros sinais na camada funda de neve que ainda cobria a estrada. Lentamente, com dificuldade, o vulto avançava como se cada passo fosse o último que conseguia dar.

À medida que o vulto se arrastava, alguns centímetros de cada vez, a macieira viu que era um garoto que parecia muito pequeno para estar abrindo caminho na neve. O garoto chegou até a macieira, parou e se encostou nela com todo seu peso.

— Puxa, como eu estou cansado! disse. E com fome. Daqui até o armazém, ainda tem 1 Km e meio. Não sei se eu vou conseguir.

Nem as árvores, nem as criaturas selvagens que espiavam por trás das moitas, sabiam que a mãe do garoto estava muito doente. Como ela estava de cama, ela não sabia de que altura estava a neve e o quanto seria difícil andar nela. Por isso, ela tinha pedido a ele que fosse ao armazém comprar comida e remédios, e ele já tinha saído há muitas horas.

O garoto ficou muito tempo encostado na árvore antes de ver a maçã vermelha pendurada no galho mais baixo.

— Ei! exclamou sem acreditar no que seus olhos estavam vendo. Isto é de verdade?

Estendeu a mão e a maçã estava bem na altura para ele pegar. Quando ele a puxou do galho, parece até que ela pulou para a sua mão. A primeira mordida foi doce e suculenta e, logo que a mordeu, sentiu—se ficar mais forte e menos cansado.

— Puxa, como está gostosa! disse o garoto, dando outra mordida. Encostou—se na árvore, saboreando a maçã, e apreciando—a mais do que se lembrava de alguma vez ter apreciado um sorvete, doce, milk-shake ou seu bolo favorito.

Quando acabou, endireitou o corpo.

— Oba! exclamou, já nem estou cansado! Isso é que é uma maçã especial!

Retomou seu caminho, andando muito mais depressa do que antes. Quando ele desapareceu pela estrada, a macieira não teve dúvida de que ele conseguiria chegar ao armazém sem dificuldade.

— Foi uma beleza de maçã que você produziu, disse o Pica-pau que tinha ficado a observar. Parabéns.

— Oh, não, disse a macieira. Não me felicite. Do jeito que eu me comportei, durante todo o verão, eu não merecia ter essa maçã especial no meu galho. Ela me foi dada de presente, só para me mostrar que eu tenho outra oportunidade de não ser egoísta. E acredite, eu não vou desperdiçar essa chance no próximo verão.

Realmente, no verão seguinte a macieira produziu centenas e centenas de lindas maçãs. E, quando estavam no ponto de serem colhidas, vinha gente de muito longe para apanhar aquelas frutas deliciosas. Eles colhiam, colhiam, e cada uma delas parecia perfeita.

— Havia uma fenda para dinheiro nesta árvore, disse alguém um dia, mas já não está mais aqui. Alguém a cortou fora. Isso deve ter machucado a árvore; mas, à essa altura, já não doía mais. Ela estava tão feliz dando seus frutos a todos que os quisessem, que nunca mais sentiu dor.

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

Os Sapatos Dourados

Os Sapatos Dourados

Era uma vez, uma Princesa com pés doloridos, que morava num castelo rodeado por altas muralhas de pedra e um fosso guardado por um dragão.

Seus pés estavam sempre doloridos. Doíam quando ela usava chinelos. Doíam quando usava sapatos de baile ou sapatos para caminhar, sapatos de escola ou sapatos de domingo. Doíam quando usava sapatos novos, doíam quando usava sapatos velhos. Doíam quando usava botas na neve, galochas na chuva, sandálias ao sol ou tênis nos intervalos.

A Princesa não gostava de andar, correr ou saltar, porque sempre que fazia essas coisas seus pés doíam. Não gostava de pular corda, disputar uma corrida, brincar de boca de forno ou de amarelinha, porque quando fazia essas coisas, seus pés doíam. Não gostava de passear no bosque, arrastar os pés nas folhas caídas do outono, andar nas águas dos regatos ou correr na areia, porque quando fazia essas coisas, seus pés doíam.

A Princesa só gostava de sentar-se e ler, sentar-se e comer, deitar-se e dormir, deitar-se e ficar sem fazer nada, porque quando fazia essas coisas, seus pés não doíam. Ela só gostava de ser carregada na sua liteira, passear na sua carruagem ou ser carregada para cima e para baixo nas escadas por um lacaio, porque quando fazia essas coisas, seus pés não doíam.

Mas, como a Princesa passava muito tempo sentada e deitada, sendo sempre carregada e quase nunca andando, correndo ou subindo escadas, ela fazia muito pouco exercício. E, porque fazia muito pouco exercício, engordava.

Embora os cortesãos não lhe dissessem nada, comentavam bastante quando ela virava as costas.

— Você notou como a Princesa está engordando? – perguntavam uns aos outros. A Princesa está ficando muito gorda, contavam para seus parentes em outras partes do país, quando iam visitá-los.

O Rei e a Rainha estavam muito preocupados com a princesa e seus pés doloridos. Estavam muito preocupados porque ela estava engordando tanto. Eles não gostavam de vê-la sentada e deitada em todos os lugares e ser carregada para todos os lugares. Eles queriam que ela andasse, corresse e subisse escadas. Eles queriam que ela emagrecesse. Eles queriam que ela se apoiasse em seus próprios pés.

Até que um dia, o Rei resolveu oferecer uma recompensa a quem pudesse ajudar a Princesa. Mandou mensageiros para os quatro cantos da Terra, proclamando que daria a mão de sua filha em casamento, a quem conseguisse fazer passar a dor de seus pés.

Depois que os mensageiros do Rei espalharam a notícia, sapateiros de terras distantes começaram a chegar ao castelo.

Um sapateiro trouxe o couro mais macio que o Rei e a Rainha já tinham visto, disse que se a Princesa usasse sapatos feitos com aquele couro, poderia subir até a mais alta montanha facilmente, e seus pés nunca mais doeriam.

Então, o sapateiro tomou cuidadosamente a medidas dos pés da Princesa e fez um par de sapatos tão leves, que não pesavam mais que uma folha, e tão macios que podiam ser dobrados de todos os lados e enrolados como uma bola.

Mas, quando a Princesa os calçou, ela gritou:

— Ai! Chorou. Ai! Ai! Eles machucam! Eu não aguento! Tirem!

O sapateiro ficou aflito. O Rei e a Rainha ficaram aflitos. Os cortesãos ficaram aflitos. A Princesa continuava a chorar.

— Tirem! tirem! Eu não os aguento!

Então, um velhinho com longos cabelos brancos e uma longa barba branca se apresentou. Era o mais sábio dos conselheiros do Rei.

— Majestade, disse, é o couro do qual os sapatos foram feitos que está machucando a Princesa. O couro vem de animais que foram mortos para se poder obtê-lo. Por isso, há muita maldade no couro. A Princesa é sensível e não pôde suportar a dor dessa maldade.

O Rei refletiu sobre as palavras de seu conselheiro.

— Sim, eu entendo, disse por fim.

Então, ordenou ao sapateiro:

— Remova os sapatos.

E o sapateiro não pôde fazer outra coisa senão tirar os sapatos dos pés da Princesa e abandonar o castelo, envergonhado.

No dia seguinte, chegou outro sapateiro. Ele trouxe um rolo da mais linda e macia casca de árvore que o Rei e a Rainha já tinham visto. Disse que se à Princesa, usasse sapatos feitos com aquela casca de árvore, poderia subir até a mais alta montanha facilmente e seus pés nunca mais doeriam.

Então, o sapateiro tomou cuidadosamente a medida dos pés da Princesa e fez um par de sapatos tão leves que não pesavam mais do que uma folha, e tão macios que poderiam servir de travesseiro para a cama da Princesa.

Contudo, quando a Princesa os calçou, ela gritou:

— Ai! chorou. Ai! Ai! Eles machucam! Eu não aguento! Tirem!

O sapateiro ficou aflito. O Rei e a Rainha ficaram aflitos. Os cortesãos ficaram aflitos. A Princesa continuava a chorar.

— Tirem! Tirem! Eu não aguento!

Então, o velhinho de longos cabelos brancos e longa barba branca se apresentou de novo.

— Majestade, disse, é a casca da árvore da qual os sapatos foram feitos que está machucando a Princesa. A casca da árvore é realmente muito macia e muito bonita, mas não é muito resistente e os sapatos não iriam durar muito. A Princesa é sensível e não pôde suportar a dor dessa fraqueza.

O Rei refletiu sobre as palavras de seu conselheiro.

— Sim, eu entendo, disse por fim.

Então, ordenou ao sapateiro:

— Remova os sapatos.

E o sapateiro não pôde fazer outra coisa senão tirar os sapatos dos pés da Princesa e abandonar o castelo, envergonhado.

No terceiro dia, chegou outro sapateiro. Ele trouxe um pedaço de vidro tão claro que brilhava ao sol da manhã. Disse que se a Princesa usasse sapatos feitos com aquele vidro, poderia subir até a mais alta montanha facilmente e seus pés nunca mais doeriam.

Então, o sapateiro tomou cuidadosamente a medida dos pés da Princesa e fez um par de sapatos que eram transparentes como cristal e brilhavam ao sol da manhã.

Mas, quando a Princesa os calçou, ela gritou:

— Ai! chorou. Ai! Ai! Eles machucam! Eu não aguento! Tirem!

O sapateiro ficou aflito. O Rei e a Rainha ficaram aflitos. Os cortesãos ficaram aflitos. À Princesa continuava a chorar.

— Tirem! Tirem! Eu não aguento!

Então, o velhinho de longos cabelos brancos e longa barba branca se apresentou mais uma vez.

— Majestade, disse, é o vidro do qual os sapatos foram feitos que está machucando a Princesa. O vidro é realmente transparente como cristal e brilha ao sol da manhã, mas é muito duro. Nada pode passar através dele. Nada de bom, que está do lado de fora pode vir para dentro, e nada de ruim que possa estar por dentro, pode sair. A Princesa é sensível e não pode suportar a dor dessa dureza.

O Rei refletiu sobre as palavras de seu conselheiro.

— Sim, eu entendo, disse por fim.

Então ordenou ao sapateiro:

— Remova os sapatos.

E o sapateiro não pode fazer outra coisa senão tirar os sapatos dos pés da Princesa e abandonar o castelo, envergonhado.

Então, a Princesa ficou tão infeliz que ordenou ao lacaio que a levasse para cima, onde ela se reclinou em sua cama e comeu uma caixa inteira de doces. O Rei e a Rainha estavam tão infelizes que não comeram nada, mas passaram o resto do dia na biblioteca consultando manuscritos antigos, quase desfeitos, esperando encontrar algo que orientasse o que fazer para pés doloridos. Os cortesãos estavam tão infelizes que comeram um farto jantar em silêncio, na sala de banquetes, e depois foram para seus quartos, dormir.

Somente o velhinho de longos cabelos brancos e longa barba branca não estava infeliz. Ele deixou o castelo quando os cortesões estavam jantando e ninguém o viu sair. Ele voltou quando os cortesãos estavam dormindo e ninguém o viu voltar.

Contudo, no dia seguinte, quando a Princesa, o Rei, a Rainha e os cortesãos estavam tomando o café da manhã, um jovem estranho entrou na sala de banquetes. Ele era alto, garboso, belo, seu andar era firme, seu olhar doce. Seu rosto resplandecia como se fosse feito da luz do sol e seu sorriso iluminava toda a sala. Era Jovem, mas havia nele qualquer coisa que fazia com que ele parecesse ter mais sabedoria do que sua idade aparentava.

Ele se inclinou diante do Rei, da Rainha e da Princesa, saudou graciosamente os cortesãos e perguntou se ele podia acompanhá-los no café da manhã, enquanto lhes contava sua história. Deram-lhe um lugar de honra na mesa, entre o Rei e a Princesa, uma taça de ambrosia e uma colher de prata foram colocadas diante dele.

Depois de ter comido, ele disse à Rainha que a ambrosia era a mais deliciosa que já tinha saboreado, e começou a sua história:

— Eu sou um sapateiro da Terra do Sol, e tendo ouvido as palavras de seus mensageiros, eu também gostaria de ter a honra de tentar obter a mão da Princesa em casamento.

— A Terra do Sol! exclamou o Rei, atônito. Mas a Terra do Sol é inacessível para nós. Nenhum habitante da Terra pode cruzar suas fronteiras. Meus mensageiros não poderiam ter entrado nesse reino de luz.

— É verdade, Majestade, concordou o sapateiro. Nenhum mortal pode agora entrar na Terra do Sol, embora algum dia todos os homens viverão lá conosco. Mas nós, da Terra do Sol, sabemos de tudo que acontece na Terra, e há muito tempo que sentimos pena da Princesa por sua aflição. Agora que vocês pediram auxílio, estamos ansiosos por ajudar. Recebi permissão do Rei da Terra do Sol para confeccionar um par de sapatos para a Princesa, com os quais ela poderá subir até a mais alta montanha facilmente. Se ela usar estes sapatos, seus pés nunca mais doerão.

O Rei olhou para o sapateiro longa e pensativamente.

Depois disse:

— A Princesa experimentou muitos sapatos e teve muitas desilusões desde que meus mensageiros saíram. Eu não desejo que ela fique novamente decepcionada. Mas, como você é da Terra do Sol, talvez seus sapatos lhe deem o alívio que ela espera. Vou deixar que ela decida.

Voltou-se para à Princesa e disse:

— Minha filha, você ouviu as palavras deste sapateiro e sabe de que lugar ele veio. Você quer experimentar seus sapatos?

— Quero, Papai, disse a Princesa com um leve sorriso. Se um sapateiro da Terra do Sol não puder fazer os sapatos que eu preciso, ninguém mais poderá. Por favor, deixe-o tentar.

— Muito bem, disse o Rei, pode fazê-lo.

Então, o sapateiro tomou cuidadosamente a medida dos pés da Princesa e disse que tinha que ir à floresta que cercava o castelo, para buscar o material com o qual faria os sapatos. O Rei, a Rainha, a Princesa e os cortesãos, muito intrigados, o seguiram.

No meio da floresta havia um círculo encantado, onde a Princesa frequentemente pedia para ser levada em sua liteira. Aí, o sapateiro parou. Andou lentamente ao redor do círculo, tocando delicadamente cada uma das árvores que o circundavam e, quando já havia feito toda a volta, foi até ao centro do círculo e levantou os braços em direção ao Sol. Ao fazê-lo, um raio de sol o envolveu e ele desapareceu na Terra.

O Rei, a Rainha e os cortesãos abafaram um grito, consternados, mas antes que pudessem fazer alguma coisa, a não ser olhar uns para os outros, o sapateiro reapareceu no centro do círculo. Em suas mãos havia um pedaço de ouro que tinha saído do fundo da Terra.

Ele segurou o ouro à luz do sol e ele brilhou e cintilou. Parecia receber os raios da luz do sol e refleti-los. O sapateiro mergulhou o pedaço de ouro no frio regato da montanha que corria suavemente por ali, e depois deixou-o secar, segurando-o contra a fresca brisa que soprava.

Depois começou a amassar o pedaço de ouro com os dedos e, ante os olhos espantados de todos que estavam observando, o pedaço de ouro transformou-se em um par de sapatos de ouro.

O sapateiro ajoelhou-se na frente da Princesa e delicadamente calçou-lhe os sapatos.

A Princesa deu um passo, cautelosamente, depois outro. Seus olhos se arregalaram e os cantos de sua boca se transformaram num pequeno sorriso, que não sabia de que tamanho iria ficar.

— Eles servem, murmurou.

O Rei e a Rainha olharam-se felizes e alguma coisa parecida com um suspiro veio de todos os cortesãos, que tinham estado segurando a respiração.

— Ande um pouco mais, Alteza, insistiu o sapateiro. Ande em volta do círculo.

Então, a Princesa deu uma volta inteira no círculo encantado, a princípio devagar, mas, gradualmente, foi mais depressa, mais depressa, até que no fim estava quase correndo.

— Eles servem mesmo! exclamou. Meus pés não doem nada!

Depois, ela olhou para o sapateiro e o pequeno sorriso em seu rosto tornou-se radiante. Os cortesãos nunca tinham visto sua Princesa tão bonita.

— Eu vou subir a montanha, ela disse ao sapateiro, que fez um sinal que sim.

— Eu vou com você, ele disse.

— Você tem certeza de que está preparada para isso, meu bem? – perguntou o Rei, avançando para impedi-la.

Contudo, antes que ele pudesse segurar sua mão, a Princesa se virou e correu pelo bosque em direção à mais alta montanha. O sapateiro, correndo também, alcançou-a facilmente, e o Rei e a Rainha, que os seguiam, não estavam longe deles. Atrás do Rei e da Rainha vinha uma longa fila de cortesãos, alguns correndo, alguns andando, e alguns apenas conseguindo avançar um pouco.

A Princesa e o sapateiro logo chegaram à base da montanha e começaram a subir. A encosta era inclinada e rochosa e, em muitos lugares, parecia impossível encontrar um lugar para colocar o pé. Mas, para os que estavam olhando, parecia que a Princesa e o sapateiro tinham asas nos pés, pois eles mal tocavam o chão, pulavam de rocha em rocha até que desapareceram de vista.

O Rei e a Rainha, que podiam tê-los seguido, ficaram na base da montanha. Nenhum dos cortesãos teve coragem de tentar a subida inclinada.

Quando a Princesa e o sapateiro chegaram ao topo, a Princesa olhou ao redor e ficou extasiada. Lá, abaixo deles, até onde a vista podia alcançar, estavam todas as terras, oceanos e rios do mundo. Havia florestas de pinho verde-escuro e bosques verde-claro de álamos e choupos. Havia picos de montanhas cobertos de neve que refletiam a luz do Sol, torres e torreões de castelos distantes. Os oceanos eram azuis escuro e rios serpejavam pelo mundo como fitas de prata. Havia muitas manchas de cores vivas onde flores se abriam. Acima da linha do litoral, muito longe, havia nuvens escuras de onde caia uma chuva prateada e, ainda mais longe, havia um magnífico arco-íris.

Enquanto a Princesa e o sapateiro estavam olhando, uma águia solitária voando abaixo deles, mas muito acima da Terra onde o Rei, a Rainha e os cortesãos estavam esperando, levantou as asas como se estivesse saudando-os e continuou seu voo.

Por muito tempo, a Princesa ficou olhando o mundo sem dizer nada. Depois, deu um grande suspiro e virou-se para o sapateiro.

— É lindo, murmurou. Gostaria que todos pudessem ver o mundo como ele realmente é.

— Algum dia eles o verão, garantiu o sapateiro. Seu pai e sua mãe já o viram e há outros que logo irão subir na montanha mais alta, com sapatos iguais aos seus. Aos poucos, todas as pessoas da Terra o farão.

Depois, de mãos dadas, a Princesa e o sapateiro desceram a montanha e foram calorosamente recebidos pelos que estavam esperando embaixo.

Logo no dia seguinte, a Princesa e o sapateiro da Terra do Sol se casaram. Construíram um castelo no topo da mais alta montanha, onde não havia necessidade de muralhas, nem fosso guardado por um dragão, e moraram nesse castelo por muito mais luas do que o mais brilhante matemático da Terra poderia contar.

Aos poucos, como o sapateiro tinha predito, outras pessoas também subiram a montanha com seus sapatos dourados. Cada um que chegava lá em cima, era abraçado pela Princesa e pelo sapateiro e levados para morar com eles no castelo, por muito mais luas do que o mais brilhante matemático da Terra poderia contar.

(Do Livro Histórias da Era Aquariana para Crianças – Vol. I – Compiladas por um Estudante – Fraternidade Rosacruz)

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

A Nuvem Ruidosa

A Nuvem Ruidosa

A nuvenzinha cinza-claro estava muito infeliz. Ela era tão pequena e tão cinza-claro. Nos dias bonitos, ela mal podia ser vista por causa do brilho do sol e do resplandecente céu azul. Nos dias feios, ela mal podia ser vista porque todas as grandes nuvens escuras de tempestade a empurravam para fora do caminho.

A nuvenzinha cinza-claro queria tanto ser uma nuvem ruidosa. Queria ser escura e assustadora e fazer com que todos que a vissem fugissem e se escondessem.

Contudo, mesmo que se esforçasse muito por mudar, continuava exatamente do jeito que era. Mesmo que se esforçasse muito para ficar escura, continuava exatamente o mesmo cinza-claro. Mesmo que se esforçasse muito para ser barulhenta, continuava silenciosa como sempre.

Derramava algumas lágrimas, esperando que, ao menos, elas causassem um pouco de chuva, mas apenas caiam dois ou três pingos que nem eram percebidos pelas pessoas lá embaixo. A pobre nuvenzinha ficava cada vez mais infeliz.

Por fim, as Sílfides e as Salamandras que vinham observando a nuvenzinha, não aguentaram mais vê-la assim infeliz. Se puseram a trabalhar. A nuvenzinha ficou muito animada ao ver que estava ficando cada vez mais escura. Ventos sopravam em volta dela e clarões de relâmpagos e tremendos estrondos de trovões vinham deles. Uma chuvarada caia dela para a Terra. A nuvenzinha cinza-claro tinha se tornado uma nuvem ruidosa.

Então, veio uma tempestade. As pessoas lá embaixo disparavam para suas casas ou abriam os guarda-chuvas. As senhoras que mexiam nos jardins corriam para dentro. As pessoas que assistiam ao jogo de futebol, colocavam jornais na cabeça. Às estradas ficaram molhadas, os carros ficaram molhados, e os policiais que dirigiam o trânsito ficaram encharcados.

Ninguém podia acreditar que toda aquela chuva, raios e trovões vinham daquela nuvenzinha. Não conseguiam entender como ela era tão escura e barulhenta, quando tudo em volta no céu era azul.

Cientistas corriam para fora de seus laboratórios para examinar seus aparelhos. Contudo, os aparelhos só lhes diziam que havia uma nuvem ruidosa no céu, o que eles já sabiam. Os aparelhos não diziam por que uma nuvenzinha ruidosa estava provocando tamanha tempestade, quando todo o céu estava azul.

A nuvem ruidosa, sentindo-se muito poderosa e muito barulhenta, choveu, trovejou e relampejou até que tudo de fora ficou encharcado e tudo de dentro ficou muito quente, porque as janelas estavam fechadas.

Depois, ela se afastou da cidade e foi para o campo. Encontrou um prado de margaridas, crisântemos e rainhas-margaridas, todas murchas e tristes porque não tinham recebido chuva há muitas semanas. A nuvem ruidosa era bastante grande para chover em todo o prado, o que ela fez com prazer. As flores estavam com sede e beberam e beberam. Logo levantaram as cabeças, estenderam suas folhas, realmente muito agradecidas à nuvem ruidosa.

A nuvem ruidosa passou acima das montanhas. Ali ela encontrou algumas nuvens enormes, escuras, carrancudas e frias. Elas riram quando a nuvenzinha apareceu. Acharam que ela era uma nuvenzinha muito boba, tentando achar um lugar entre elas que eram tão grandes e poderosas.

Todavia, quando a nuvenzinha deixou cair uma nova chuvarada e alguns trovões de quebrar os tímpanos, elas pararam de rir.

— Nada mau, disseram com admiração. Nada mau mesmo.

A nuvenzinha também achou que estava muito bem, quando viu sua chuva se transformar em chuva de pedra no alto das montanhas. Ela ribombou, troou e fez tanto barulho quanto pode, e as montanhas lá embaixo pareciam mesmo sombrias e assustadoras.

Pouco depois, a nuvenzinha, ainda chovendo, dirigiu-se para o deserto. É claro que todos sabiam que no deserto nunca chovia nessa época do ano.

— Meu Deus! exclamou um professor que estava examinando um cacto com uma lente e nem imaginava que uma nuvem ruidosa pudesse estar a menos de 800 km de distância.

— Santo Deus! exclamou um viajante, com uma mochila nas costas, que estava com muito calor, muita sede e desejando poder ter mais água no seu cantil.

— Por Deus! exclamou um senhor enorme, gordo que estava tomando sol ao lado da piscina e estava todo satisfeito antes de se encontrar, de repente, ensopado da cabeça aos pés.

A nuvem ruidosa move-se daqui para lá sobre o deserto, fazendo com que muita gente ficasse olhando para o céu, sem acreditar o que estava acontecendo e, quando ficaram encharcados, disseram:

— Isto não está acontecendo!

Finalmente, depois de atravessar todo o país, a nuvem ruidosa se achou sobre uma das grandes cidades perto do oceano. Ela já estava ficando cansada, mas ainda queria produzir uma tempestade gigantesca. Juntando todas as suas energias, relaxou-se com um relâmpago que iluminou todo o céu e um violento ribombar de trovão e de chuva muito forte.

As pessoas nos escritórios fecharam as janelas rapidamente. As pessoas que estavam lavando os carros fecharam as torneiras e correram para dentro. As crianças que estavam no recreio voltaram correndo para dentro da escola.

A nuvem ruidosa fez tanto barulho que as pessoas não podiam ouvir seus rádios. As crianças não podiam ouvir as professoras ensinando aritmética.

Os cachorros não podiam ouvir seus donos chamá-los. As secretárias não podiam ouvir os chefes ditando. Um maestro, que estava ensaiando um concerto, não podia ouvir a música que sua orquestra estava tocando.

A nuvem ruidosa continuou com seu terrível temporal de raios e trovões por dez minutos. Foi o suficiente para que os meteorologistas pudessem descobrir que nenhum de seus mapas geográficos, aparelhos, livros e artigos científicos explicassem por que uma nuvenzinha escura podia estar isolada em um céu azul e causar tanta agitação.

Repórteres de televisão e de jornal, excitados, escreveram artigos sobre o tempo mais incrível daquele dia. Um avião cheio de cientistas já tinha deixado a capital e estava perseguindo aquela estranha nuvem ruidosa que estava causando tanta perturbação.

Mas, a nuvem ruidosa, muito orgulhosa de si mesma, satisfeita e feliz, estava também muito cansada. Já chegava. Tinha sido muito feliz por ter seu desejo satisfeito e ter sido uma nuvem ruidosa por algum tempo. Agora, estava bem contente para voltar a ser uma nuvenzinha comum cinza-claro, vagando no céu, quase despercebida.

Agradeceu às Sílfides e às Salamandras por sua grande ajuda e flutuou preguiçosamente por cima do oceano. Em breve, bem alto no céu, ela desapareceu da vista das pessoas. A nuvenzinha cinza-claro tinha passado um dia muito feliz, do qual nunca mais se esqueceria.

(Do Livro Histórias da Era Aquariana para Crianças – Vol. VII – Compiladas por um Estudante – Fraternidade Rosacruz)

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

Histórias Aquarianas para Crianças: Ser um Porco-espinho

Histórias Aquarianas para Crianças: Ser um Porco-espinho

Porco Montanhês levantou seus espinhos e alisou-os novamente.

— Gostaria de ser um coelho, resmungou.

— UM COELHO? – Repetiu Esterlino, outro porco-espinho. Para que?

— Assim eu não teria que carregar estes espinhos nas minhas costas o tempo todo. São pesados e eles coçam.

— São a sua proteção – Protestou Esterlino. Eu não trocaria meus espinhos pelas cascas de todas as arvorezinhas do mundo.

— Não me diga que você gosta de carregar essas coisas para onde quer que você vá, disse Porco Montanhês.

— Não, eu não gosto muito, admitiu Esterlino, mas não me importo em ficar um pouco desconfortável. Os espinhos valem a pena. O que você faria se viesse um urso, perseguisse você e você não tivesse os espinhos?

— Se eu fosse um coelho, eu fugiria saltando, disse Porco Montanhês.

— Só isso, hein, disse Esterlino.

— Só isso, concordou Porco Montanhês.

— Bem, você deveria ficar agradecido por seus espinhos e ficar contente por não poder se livrar deles, admoestou Esterlino. Para os coelhos é muito mais difícil do que você pensa. Eles estão sempre tremendo e fugindo toda vez que um galhinho estala. Acho que eles nem podem comer sossegados.

— Azar deles se são como gatos assustados, disse Porco Montanhês com desprezo. Eu não fugiria quando um galhinho estalasse. E, com certeza, não ficaria tremendo. Eu continuaria a comer tranquilo. Além disso, nenhum urso ainda me perseguiu.

— Ele perseguiria, se você fosse um coelho, disse Esterlino. Mas eu não vou discutir com você. Eu vou procurar alguma coisa para comer.

Esterlino saiu gingando pesadamente. Porco Montanhês ficou observando-o e suspirou.

— Ele parece tão pesado como eu. Oh, como eu gostaria de me ver livre destes espinhos e ser um coelho!

— É isso mesmo que você quer? – Perguntou uma voz atrás dele.

Porco Montanhês se virou tão depressa quanto pode e ficou de olhos arregalados. Lá estava o porco-espinho mais esquisito que ele já tinha visto. Pelo menos ele pensou que era um porco-espinho, embora ele fosse roxo e com espinhos dourados.

— Quem é você? – Perguntou Porco Montanhês.

— Eu sou o Porco-Espinho Perfeito, respondeu ele.

Eu posso transformar você em um coelho, se você realmente quer ser transformado em coelho, mas você precisa ter certeza que quer ser um coelho, que depois que você virar coelho, você vai ter que ficar sendo coelho.

— Você pode mesmo me virar em um coelho? – Perguntou Porco Montanhês.

— Eu acho que foi isso mesmo que eu disse, respondeu impaciente o Porco-Espinho Perfeito.

— Então, por favor, me transforme em coelho, pediu Porco Montanhês.

— Você entendeu bem que depois que você virar coelho, você vai ter que ser coelho para sempre, mesmo que você queira muito voltar a ser porco-espinho de novo? – Perguntou o Porco-Espinho Perfeito.

— Eu entendo, respondeu Porco Montanhês. Eu não vou querer nunca mais ser porco-espinho.

— Eu não teria tanta certeza disso, disse o Porco-Espinho Perfeito. Mas, se é isso que você quer…

O Porco-Espinho Perfeito soltou um dos seus espinhos dourados, que caiu no chão na frente de Porco Montanhês e se balançou para os lados tão depressa, que ele só viu uma luz dourada.

— Sylvilagus Lepus Cuniculus! – Entoou o Porco-Espinho Perfeito.

No mesmo instante, Porco Montanhês se sentiu tão leve como uma pena. Tentou dar um passo para frente, mas em vez disso, ele deu um pulo. Tentou dar outro passo, e só deu outro pulo. Seus espinhos tinham desaparecido. Havia uma sombra branca atrás dele e torcendo o corpo como um U, viu que tinha um rabo de algodão.

— Sou um coelho! Sou um coelho! – Exclamou, pulando em círculos, entusiasmado. Obrigado, Porco-Espinho Perfeito, obrigado!

Contudo, o Porco-espinho Perfeito tinha desaparecido.

Porco Montanhês saiu pelo prado fazendo com que cada pulo fosse mais longo do que o anterior. Era maravilhoso sentir-se tão leve e levantar-se tão alto no ar, sem espinhos pesando para fazê-lo descer. Era quase como um instante, Porco Montanhês alcançou Esterlino, que ainda estava indo no seu jeito lento, pesado, procurando comida. Porco Montanhês pulou por cima de Esterlino e caiu bem na frente dele.

— Vuuuh! – Exclamou Porco Montanhês. Veja como eu pulo!

Você não está com pena de não ser um coelho?

— O que — Porco Montanhês? É você? – Perguntou espantado Esterlino quando conseguiu falar.

— Eu mesmo! – Disse Porco Montanhês. O Porco-Espinho Perfeito me transformou em coelho. Eu não peso quase nada! Eu posso pular, pular e ir a qualquer lugar dez vezes mais depressa do que você.

Porco Montanhês pulou e pulou em volta de Esterlino, mostrando como ele podia pular e como podia ir bem depressa.

— Pare! – Pediu Esterlino – Você está me deixando tonto. E para responder à sua pergunta, não, eu não tenho pena de não ser coelho. Espero que você não venha a sentir pena de ser um coelho. Boa sorte, meu velho. Você vai precisar dela.

Com isso, Esterlino continuou seu caminho, sem prestar mais atenção a Porco Montanhês.

— Ora, ele está com ciúmes, disse Porco Montanhês para si mesmo. Se ele vai ficar assim, é melhor eu esquecer dele. De qualquer forma, é hora de eu fazer amizade com coelhos.

Porco Montanhês foi pulando até que encontrou muitos coelhos comendo num canteiro de trevos. Deu um belíssimo pulo e caiu bem no meio deles. Os coelhos fugiram, pulando para todos os lados.

— Para onde eles foram? – Porco Montanhês pensou alto, quando um coelho grande veio devagar para perto dele.

— O que você quer dizer com “para onde eles foram?” – Perguntou zangado o coelho grande. Você os assustou tanto que eles se esconderam. Que espécie de coelho é você, afinal? Você não tem nada melhor que fazer do que assustar seus irmãos? Nós já temos muitas coisas de que ter medo!

— Desculpe, disse Porco Montanhês, que lá no fundo achou que era uma grande bobagem os coelhos terem medo de outro coelho. Eu sou coelho há pouco tempo, e não sabia que vocês se assustavam por tão pouco. Eu pulei por cima de Esterlino e ele não se assustou.

— Esterlino é um porco-espinho. Os porcos-espinho têm espinhos para protegê-los. Eles sabem disso e os outros animais também. Na verdade, há muito pouco do que os porcos-espinho possam ter medo. Nossa única proteção contra o perigo é fugir dele o mais rápido possível, e há muitas coisas que assustam os coelhos.

O coelho grande falou com se estivesse explicando as coisas para um bebezinho.

— Bem, disse Porco Montanhês, eu era porco-espinho até uma hora atrás e nunca me assustei. E também não vou começar a ficar assustado agora. Acho que vocês coelhos tinham que aprender a ser mais valentes.

— Você era um porco-espinho e agora você é um coelho!

O coelho grande repetiu essa informação suavemente.

— Você está procurando encrenca! Boa sorte, meu amigo. Você vai precisar dela.

Com isso, o coelho grande foi embora, pulando, deixando um Porco Montanhês aborrecido atrás dele.

— Que é que há com todo mundo? – Perguntou a si mesmo. É a coisa mais fácil do mundo ser coelho. É só pular e…

O som de latidos o interrompeu. Um cachorro enorme vinha correndo pelo prado bem na sua direção. Porco Montanhês já tinha lidado com cachorros antes e não se preocupou nem um pouco. Quando o cachorro visse seus espinhos, com certeza iria voltar correndo com o rabo entre as pernas.

Porco Montanhês tentou eriçar seus espinhos e nada aconteceu. Tentou de novo — e, então, ele se lembrou. Ele não tinha espinhos. Ele não tinha absolutamente nada que pudesse protegê-lo contra o cachorro.

Pela primeira vez na vida, Porco Montanhês teve medo. Seu coração bateu duas vezes mais depressa que o costume, e ele tremeu desde o focinho até ao rabo. O cachorro estava quase alcançando-o e tinha todos os sinais de querer agarrá-lo com seus dentes afiados.

Não havia outra coisa a fazer, senão fugir. Porco Montanhês começou a pular o mais depressa que conseguiu. O cachorro estava bem nos seus calcanhares. Mesmo correndo muito, o cachorro também corria igual, latindo tão ferozmente que Porco Montanhês sentia seu bafo quente.

Assim foram, sem cessar, o cachorro correndo e latindo, e Porco Montanhês pulando para salvar a pele. Atravessaram o prado, atravessaram o bosque, subiram e desceram a colina e ainda assim o cachorro estava bem atrás de Porco Montanhês.

Ele sabia que já não podia ir muito longe. Estava sem fôlego e suas pernas, que não estavam acostumadas a pular, doíam terrivelmente. Estava quase caindo, quando viu um buraco no chão na sua frente. Dando um último pulo, mergulhou no buraco, deixando o cachorro escavando na entrada e latindo loucamente.

Porco Montanhês ficou deitado no chão de um túnel. Ele não podia se mexer, quase não podia respirar e não queria pensar. Tudo em volta estava escuro e, à distância, ouviam-se latidos, latidos, latidos …

Depois do que lhe pareceu um tempo muito longo, Porco Montanhês percebeu que havia muitos coelhos ao seu redor.

— Quem é ele? – Disse um – Que sujeito, trazer aquele cachorro bem aqui na nossa toca! Agora nós vamos ter que nos mudar.

— Meu nome é Porco Montanhês, disse ele. Porque vocês vão ter que se mudar?

— Porque você trouxe o cachorro até nossa toca, seu palerma, foi a resposta. Agora que ele sabe onde nós moramos, ele não vai nos deixar em paz. Ele é capaz de ficar lá fora a qualquer hora, esperando a gente aparecer. Que tipo de coelho você é que não sabe disso?

— Bem, eu era um porco-espinho até há pouco tempo atrás, explicou Porco Montanhês, que estava ficando cansado de explicar isso. Desculpem por eu ter guiado o cachorro até sua toca, mas eu esqueci que eu já não tinha meus espinhos. O cachorro quase me pegou. Eu pulei, pulei, e quando vi este buraco eu me joguei dentro.

— Talvez fosse melhor se o cachorro tivesse pegado você, disse maldosamente o coelho. Nós, os coelhos de verdade, já temos bastantes problemas. Nós não temos necessidade de porcos-espinho-coelhos que não se lembram que não têm espinhos e levam os inimigos até nossa porta!

— Mas eu estava com medo, choramingou Porco Montanhês. Eu não sabia mais o que fazer.

— Você estava com medo! zombou o coelho. O que é que você esperava? Os coelhos passam metade de suas vidas assustados. Você devia ter pensado nisso antes de se tornar um coelho. Agora saia daqui e volte para onde você pertence. Não permitimos meios-coelhos aqui.

Os coelhos se uniram e empurraram Porco Montanhês pelo túnel e depois para fora da entrada. Parece que o cachorro tinha ido embora, mas agora estava escuro, e Porco Montanhês não sabia o que poderia estar escondido atrás das árvores e moitas. Ele estava aterrorizado, e seu coração batia tão forte, que ele nem podia ouvir seus próprios pensamentos.

— E não volte! gritaram os coelhos no túnel, atrás dele.

Porco Montanhês deu alguns pulos para a frente na escuridão. Um galhinho estalou, e ele quase morreu de medo antes de perceber que ele mesmo tinha feito o galhinho estalar quando pisou nele.

Uma coruja piou por perto e, de novo, ele pulou de susto.

— O que há comigo? pensou. Eu nunca tive medo de corujas antes.

Porco Montanhês foi pelos bosques escuros, pulando, parando e ouvindo. Qualquer barulhinho o assustava, e ouvia barulhos que não existiam. Não sabia aonde estava. Estava com fome. Estava cansado. Estava tão só!

Por fim, achou um tronco oco. Arrastou-se para dentro dele e deitou-se. Pensou que ali estaria tão à salvo como em qualquer outro lugar. Ali passou longas e escuras horas, esperando pelo amanhecer. Estava certo que bem ali, fora do tronco, havia cachorros, ursos, raposas e lobos, todos a espera para agarrá-lo.

Quando finalmente o Sol apareceu, o pobre Porco Montanhês estava em péssima forma. Meteu o nariz para fora do tronco e teve medo da própria sombra. Tremia o tempo todo, ainda mais quando um galho estalava. Estava morrendo de fome, mas muito assustado para procurar a sua refeição da manhã. Estava exausto, mas muito assustado para poder dormir.

— Oh! Como gostaria de ter meus espinhos de novo, murmurou, porque estava muito assustado para poder falar alto. Gostaria de nunca ter desejado ser um coelho! Gostaria de ser outra vez um porco-espinho!

— É, eu acho que sim! – Disse uma voz na frente do tronco.

Lá estava o mais estranho coelho que Porco Montanhês já tinha visto. Era roxo e seus bigodes e a cauda eram dourados.

— Suponho, murmurou Porco Montanhês, que você é o Coelho Perfeito?

— Sou, disse o Coelho Perfeito. Não precisa murmurar. Saia desse tronco e pare de tremer. Você é o coelho mais covarde que eu já vi.

— Eu não quero mais ser coelho, Porco Montanhês estava quase chorando.

— Não foi isso o que eu ouvi ontem, disse zangado o Coelho Perfeito. Você estava louco para ser um de nós.

Pular fora de qualquer perigo com a maior facilidade!

Ser coelho é a coisa mais fácil do mundo! Bah!

— Gostaria de ser um porco-espinho, choramingou Porco Montanhês.

— Você não se lembra que o Porco-Espinho Perfeito disse que você não poderia se transformar de novo? – Perguntou o Coelho Perfeito.

— Eu me lembro, fungou Porco Montanhês, começando a chorar.

— Oh! Pare de lamentar-se! – Disse o Coelho Perfeito.

Você é uma vergonha para a família Coelho. Eu tenho o poder de fazer uma exceção para a regra Não-Transformar-de-Novo, se acontecer de eu não querer você na nossa família. E é claro que eu não quero! Eu vou virar você de novo no que você era antes e espero que tenha bastante juízo para ficar daquele jeito.

O Coelho Perfeito agitou os bigodes até que eles se mexeram tão rapidamente, que tudo que Porco Montanhês viu foi uma luz dourada.

— Erethizon Hystricidae! – Entoou o Coelho Perfeito.

Imediatamente Porco Montanhês se sentiu mais pesado.

Tentou pular, mas em vez disso só deu um passo lento, pesado. Seus espinhos estavam outra vez no lugar. Ele era de novo um porco-espinho!

— Obrigado, Coelho Perfeito, disse Porco Montanhês agradecido, mas o Coelho Perfeito tinha desaparecido.

Agora Porco Montanhês sabia que nunca mais precisaria ter medo de cachorros, homens, corujas, galhos que estalavam ou de sua própria sombra. Seus espinhos eram tão pesados como sempre, mas Porco Montanhês se sentia leve, despreocupado e muito mais aliviado.

— Agora, disse, finalmente posso tomar minha refeição da manhã em paz.

Nesse momento, chegou Esterlino, movendo-se pesadamente.

— Oi, cumprimentou-o Porco Montanhês.

— Olá, você voltou a ser o mesmo, disse Esterlino. Você não gostou de ser coelho?

Porco Montanhês estremeceu.

— Não, não gostei de ser coelho, respondeu com firmeza. E também ninguém gostou de mim como coelho. Foi assustador e horrível: Eu nunca mais vou querer ser outra coisa a não ser um porco-espinho.

(Do Livro Histórias da Era Aquariana para Crianças – Vol. VII – Compiladas por um Estudante – Fraternidade Rosacruz)

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

Histórias Aquarianas para Crianças: A Lição de Marinho

Histórias Aquarianas para Crianças: A Lição de Marinho

Era uma vez, quatro pequenos pica-paus chamados Petri, Chipe, Margo e Marinho. Eles moravam com seus pais num grande e confortável buraco, num carvalho muito velho. Petri, Chipe e Margo eram bons pica-pauzinhos. Eles traziam para casa ótimos boletins da escola de voo, comiam suas minhocas com bons modos e aprendiam a fazer buracos limpos, sem deixar atrás muita serragem.

Marinho, porém, era um problema. Nunca prestava atenção nas aulas da escola de voo, estava sempre fora de forma — deslizando, quando deveria estar batendo as asas; subindo, quando deveria estar descendo — e se perdendo em voos de longa distância. Seus modos eram deploráveis. E os buracos que ele abria — bem, você deveria tê-los visto! Eles eram sujos, mal feitos e sempre ficava um amontoado de serragem e cascas de árvores no chão, quando ele terminava. Uma vez, Marinho deixou cair um punhado de serragem na sala da casa da Senhora Godoy, que morava embaixo da árvore onde Marinho estava abrindo um buraco. Você pode estar certo que ela foi contar a Senhora Pica-pau o que ela pensava daquilo em termos bem compreensíveis.

Um dia, Mamãe Pica-Pau teve que ir ao armazém. Antes de sair, ela chamou as crianças e disse:

— Enquanto eu estiver fora, vocês podem bicar o carvalho, podem bicar o olmeiro, o bordo, mas não os postes de telefone, porque eles pertencem às pessoas e não à floresta e nós não devemos ser descuidados e não devemos incomodá-los. Vocês entenderam?

— Sim, mamãe – Disse Petri.

— Sim, mamãe – Disse Chipe.

— Sim, mamãe – Disse Margo.

— ‘Tá legal – Disse Marinho.

Mamãe Pica-pau, que já tinha aberto suas asas para voar, abaixou-as e voltando-se para Marinho:

— O que foi? – Perguntou ela.

— Sim, mamãe – Disse Marinho relutante.

— Assim está melhor – Disse mamãe Pica-pau. E espero, Marinho, que, pelo menos desta vez, eu possa sair e voltar sem que você se meta em confusão.

Marinho encolheu os ombros e não respondeu. Mamãe Pica-pau, com uma expressão infeliz na sua face, voou embora.

— Realmente, Marinho, disse Petri, que era o mais amável dos quatro pequenos pica-paus e estava muito preocupado com as malcriações de Marinho, você deveria ser mais educado com a mamãe. Não vê como ela fica triste quando você não se comporta?

— Ah, lorota – Disse Marinho sentando-se, mal-humorado, na porta do buraco.

— Venha, disse Chipe. Vamos até aquela árvore ver se nós conseguimos encontrar alguns bichinhos. Estou morrendo de fome.

Petri, Chipe e Margo apostaram corrida até a árvore e Marinho, ainda mal-humorado, seguiu-os, voando devagar. Em pouco tempo, os pequenos pica-paus e mesmo Marinho estavam ocupados fazendo buracos. Acharam muitos bichinhos e logo Chipe matou sua fome.

— Eu vou praticar bicando desenhos no carvalho, disse Margo, que era a artista da família e, sinto dizer, um pouco vaidosa.

— Vou lhe fazer companhia – Acrescentou Petri.

Talvez eu possa terminar aquele lenço de pétalas de flor que estava fazendo para mamãe.

— Bem – Falou Chipe. Vou ver se Cal Cardinal está em casa. Talvez a gente possa jogar tênis. Vi um monte de bolotas caídas que parecem pular bastante. Você vem, Marinho?

— Não, respondeu Marinho, puxando com o bico a casca do olmo, que começou a balançar seus galhos em sinal de aviso e Marinho parou.

— O que você vai fazer? – Perguntou Chipe.

— Não sei – Retrucou Marinho amuado.

— Bem, nós já vamos indo. Você sabe onde nos encontra se quiser brincar.

Com isso, Chipe, Petri e Margo levantaram voo e Marinho ficou sozinho no galho.

Marinho sentou-se, pensando no que iria fazer. Não havia nada que ele realmente quisesse fazer, a não ser talvez, voar para o vale e tirar a casca das bétulas. Isso era bem divertido, pois a casca saía facilmente em longas e bonitas tiras. Mas, na última vez que ele fez isso, o líder dos duendes, que morava ali, reclamou para mamãe Pica-pau e ele ficou em má situação.

Parecia que as pessoas estavam sempre reclamando dele para sua mãe. Por que elas não o deixavam em paz?

Marinho voou sem rumo. Não estava com vontade de brincar com ninguém em especial e certamente não queria praticar suas lições de voo ou fazer buracos. Não estava com fome e por isso não queria sair caçando bichinhos. O que ele realmente queria era fazer alguma coisa diferente.

Sem pensar para onde ia, Marinho voou para à estrada onde estavam os postes telefônicos. Uma vez, seu primo Alberto fez um enorme buraco em um poste de telefone e, em seguida, foi apanhado, ficando em apuros. Mas, ele afirmou que, caso tivesse uma oportunidade, faria isso de novo porque há um sabor especial nos postes de telefone, embora os insetos não se aproximem deles.

Marinho empoleirou-se no primeiro poste de telefone que encontrou e olhou-o de cima. Era realmente comprido. Que mal haveria em fazer um pequeno buraco naquele poste, bem em cima, perto do topo onde ninguém pudesse ver? Ele adoraria poder dizer a Alberto que também tinha feito isso.

Marinho olhou ao seu redor. Não havia ninguém por perto, exceto a Senhora Coelha, tão apressada com a cesta de compras que não podia reparar no que ele estava fazendo. Só uma provadinha, só para sentir — e, então, iria jogar tênis com Chipe e Cal e ninguém jamais saberia.

Tudo certo — ele faria isso! Nada poderia acontecer.

Marinho olhou mais uma vez ao seu redor e começou a trabalhar: furou o lado de fora do poste e certamente não gostou. Ugh! O que os homens colocavam nessas coisas para que ficassem tão azedas? Certamente nada nascia com aquele gosto.

Alberto estava louco. Isso não era bom — era horrível!

Marinho estava prestes a parar, enojado, quando provou algo diferente — algo doce e incomum. Era parecido com a mistura da seiva de várias árvores. Marinho furava cada vez mais fundo. Alberto, parece, tinha razão. Uma vez passada a parte externa, aí ficava um verdadeiro regalo.

— Puxa, como isto é bom! Marinho furava cada vez mais, saboreando aquela coisa deliciosa. Ele teria que contar isso a seus irmãos. Mesmo Petri, que nunca fazia nada errado, teria que experimentar.

Marinho continuou furando. Em pouco tempo, o minúsculo buraco foi transformado numa enorme fenda com muita sujeira. Ele já não estava tomando nem um pouco de cuidado. Esqueceu tudo, menos de concentrar-se para conseguir cada vez mais pedacinhos saborosos. À serragem voava para todo lado e ninguém, vindo da estrada, poderia deixar de ver aquele monte acumulado no chão.

Marinho estava com a cabeça enterrada no poste e continuava cavando. De repente, parando para tomar fôlego, ouviu um terrível berro do chão. Ficou muito assustado: as penas e suas costas ficaram em pé. Tirou a cabeça do buraco com cuidado e olhou para baixo. Viu um carro parado perto do poste e, ao lado, agitando os punhos em sua direção, o Homem da Companhia Telefônica!

Ele estava dizendo alguma coisa — ou melhor, gritando. Estava muito longe para Marinho entender — o que dava na mesma — mas sabia que o homem estava muito bravo. Ele sacudiu mais uma vez os punhos e gritou muito alto. Aí, então, voltou-se rapidamente, entrou no carro, bateu a porta e saiu tão depressa que espalhou para todos os lados a serragem acumulada no chão.

Marinho sentou-se no topo do poste sentindo-se fraco até para voar. Sabia que o homem da Companhia Telefônica contaria a seus pais e este problema seria provavelmente o maior que ele já tivera. Perdera até a vontade de continuar o buraco — na realidade, ele estava com dor de estômago.

— Oh, céus! Que farei? Gostaria de poder voar para longe e nunca mais voltar, mas estou muito fraco por causa do susto e sentindo-me mal com todo aquele poste telefônico que comi. Não conseguirei voar nem até a árvore mais próxima!

Duas grandes lágrimas rolaram em seu rosto, suas penas murcharam, e suas asas estavam totalmente caídas. Ele começou a sentir tonturas e, apavorado, viu que estava tendo grande dificuldade para manter-se equilibrado no topo do poste. Uma coisa que nunca havia acontecido antes! Ele balançava perigosamente para frente e para trás e percebeu que cairia, se não fizesse alguma coisa. Havia apenas uma coisa para fazer — a pior coisa que poderia acontecer a um pica-pau. Teria que descer e ficar no chão até sentir-se melhor. Marinho rendeu-se, juntou todas as forças que pôde, levantou as asas com grande esforço e, fechando os olhos, deslizou de cima do poste até o chão.

Ele caiu exatamente na serragem e ali permaneceu. Você nunca viu um pica-pau tão sujo. Estava coberto de serragem e nem se preocupou em sacudi-la de suas asas. Suas penas estavam como se ele tivesse acabado de sair de um vendaval; seu rosto molhado de lágrimas –  – na verdade ainda estava chorando — e até o bico estava decaido.

Marinho ficou contente por não haver muito tráfego na estrada naquele momento. Tinha alguma ideia de sua aparência horrível e sentia-se muito pior ainda, por isso não queria que ninguém o visse naquele estado. Sentia-se tão infeliz que não conseguiu fazer nada além de pôr sua cabeça embaixo da asa, tentando acreditar que estava escondido.

 E ali estava ele, na mesma posição e ânimo ou até pior, quando, meia hora mais tarde, ouviu um carro chegar, parar, uma porta abrir-se e vozes. Mesmo assim, não tirou a cabeça debaixo da asa. Então, o som de uma voz familiar fez seu coração quase parar de bater.

Vagarosamente, tirou à cabeça debaixo da asa e abriu os olhos. Ali, olhando para ele, estavam o homem da Companhia Telefônica e o Papai Pica-pau. Marinho entendeu imediatamente o que tinha acontecido. O homem da Companhia Telefônica tinha ficado tão zangado que fora diretamente ao escritório do Papai Pica-pau contar sobre o buraco que Marinho havia feito. E nada perturbava Papai Pica-pau tanto como ser interrompido em seu trabalho. Agora Marinho estava realmente em apuros.

— Bem, meu jovem, o que você tem a me dizer a seu favor? Papai Pica-pau olhou-o severamente, não mostrando a mínima compaixão pela sua desgraça.

Marinho engoliu e não disse nada. As lágrimas apareceram de novo em seus olhos.

— Você fez aquele buraco e este monte de serragem? Papai Pica-pau continuou impiedosamente.

Marinho engoliu de novo e inclinou a cabeça.

— Já não lhe disseram para não chegar perto dos postes de telefone?

Marinho inclinou a cabeça de novo e tentou enxugar os olhos com a asa.

— O que você pretende fazer a respeito disso?

— Eu não sei – Sussurrou Marinho.

— Você não sabe, repetiu Papai Pica-pau. Pode me dizer quem deveria saber se você mesmo não sabe?

Marinho parecia infeliz e não disse nada.

Papai Pica-pau virou-se para o homem da Companhia Telefônica e concluiu:

— Acho que ele pode começar a trabalhar imediatamente. Ainda é cedo e ele pode consertar este buraco antes de escurecer.

— Ótimo, disse o homem da Companhia Telefônica. A cola e os pedaços de madeira estão aqui no carro.

Os dois foram até o carro.

— Venha também Marinho, chamou Papai Pica-pau, olhando para trás por cima dos ombros.

— M-m-m mas, gaguejou Marinho.

— Venha, disse o pai num tom de voz muito sério. O homem da Companhia Telefônica vai lhe mostrar o que você deve fazer. Aí, ele e eu vamos voltar ao trabalho.

— Mas meu estômago está doendo – Lamentou-se Marinho.

Papai Pica-pau virou-se, pondo suas asas na cintura, dizendo:

— Marinho, tenho certeza de que não só seu estômago dói, mas também sua cabeça, seu bico, suas penas. Espero que também sua consciência esteja doendo. Tudo isso não faz a mínima diferença. Você deveria ter pensado nisso antes de desobedecer sua mãe. Não vou discutir mais sobre isso. Venha e não desperdice o nosso tempo.

Então, o pobre Marinho, fraco, doente e infeliz como estava, não teve outra escolha a não ser seguir, mancando, o pai e o homem da Companhia Telefônica. Queria saber como deveria consertar o poste — como podia alguém consertar um poste? Ele já tinha feito um buraco nele. E como poderia trabalhar no topo do poste? Estava tão atordoado que não podia sequer voar até lá, muito menos ficar lá em cima. Oh, por que, por que não ouvira sua mãe apenas uma vez?

Quando chegaram ao carro, o homem da Companhia Telefônica pegou pedacinhos de madeira e um vidro de “Cola”. Marinho nunca tinha visto cola antes e não tinha nem ideia para que servia. O homem mostrou-lhe como pôr cola em dois pedaços de madeira e segurá-los juntos até que estivessem grudados.

— É assim que você deve consertar o buraco no poste, ele disse. Encontre pedaços de madeira que se encaixem, cole-os e coloque no buraco. Se os pedaços não se encaixarem, você terá que moldá-los com o bico.

Tenho certeza de que você se sairá muito bem! Alguma pergunta?

Perguntar? Marinho tinha uma grande pergunta, que era: Como vou fazer isso? E outra pergunta era: Você não vai ficar para me ajudar? Mas não perguntou nada, apenas olhou para o chão, porque já sabia as respostas.

— Bem, já que não há perguntas, acho que podemos ir, disse Papai Pica-pau para o homem da Companhia Telefônica. Se você vai passar pelo meu escritório, eu gostaria que me desse uma carona.

— Com prazer – Disse o homem. Entre.

Papai Pica-pau começou a entrar no carro, mas voltou-se novamente para Marinho:

— Mais uma coisa: quando você acabar de fechar o buraco, limpe toda esta sujeira do chão. Não precisa sujar o mundo inteiro. Pegarei você aqui depois do trabalho e espero ver seu serviço terminado. E limpo.

Papai Pica-pau e o homem entraram no carro e saíram, deixando Marinho atrás deles, olhando-os tristemente. Então, ele olhou para a madeira, a cola, a serragem, depois para o topo do poste, e sentiu-se tonto novamente. Seu estômago doía ainda mais. Sentou-se e começou a chorar. Sentiu-se sozinho e triste, como se ninguém ligasse para o que aconteceu com ele. Nunca em sua vida estivera tão infeliz e sem esperança. Queria que sua mãe ou seus irmãos estivessem por perto. Eles seriam pelo menos compreensivos. Sabia que Petri faria tudo o que pudesse para ajudá-lo a consertar o buraco.

Mas ninguém veio e Marinho chorou por muito tempo. Finalmente, parou e olhou para cima de novo. O Sol já estava alto e ele sabia que era quase meio dia. Por isso, achou melhor começar o trabalho, ou nunca o terminaria.

Marinho colocou alguns pedaços de madeira no seu bico e voou para o alto do poste. Quer dizer, chegou até o alto do poste. Você certamente não chamaria todo aquele bater de asas e tumulto que ele fez, de um voo. Mas ele chegou lá e, atordoado como estava, só ficou o suficiente para colocar a madeira no buraco. Depois desceu para pegar a cola e subiu com ela.

Então, Marinho começou a trabalhar. Nenhum dos pedaços de madeira pareciam se encaixar e quando ele tentava cortar um pedaço no tamanho certo, ela rachava e não servia para mais nada. Quando conseguiu dois pedaços que se encaixavam e tentou colá-los, sujou as asas e até os pés de cola.

Ele sentiu-se péssimo. Mas estava contente por ter que trabalhar dentro do buraco, pelo menos no início, pois se estivesse na beirada, ficaria tão tonto e provavelmente cairia. Seu estômago doía. E sua garganta estava ressecada por causa do pó que ele estava levantando e da cola que se espalhara pelo buraco todo.

Marinho trabalhava e trabalhava e trabalhava. Mas, por mais que tentasse — e devo dizer que ele realmente tentou — parecia não estar fazendo nada além de tornar as coisas piores. O interior do buraco estava coberto por uma massa pegajosa de cola, serragem, pedacinhos de madeira quebrada e mais cola. Por duas vezes, os pés de Marinho ficaram tão presos na cola que levou um tempo enorme para tirá-los de lá.

O Sol descia cada vez mais no horizonte e estava chegando ao fim da tarde. Marinho tinha perdido a noção do tempo, mas sabia que não teria nada terminado quando seu pai voltasse, e logo novas lágrimas quentes se misturaram à cola que lhe cobria a face toda.

De repente, ouviu um barulho e sentiu que o poste vibrava um pouco. Virou-se e viu o homem da Companhia Telefônica e Papai Pica-pau, que tinham subido no poste e estavam olhando dentro do buraco, e Papai Pica-pau estava parado, na beirada do buraco, a seu lado.

— Bem, Marinho, vejo que você ainda não acabou – Disse o pai.

— Não, senhor, murmurou Marinho infeliz.

— Você começou bem? – Perguntou o pai.

— Não, senhor – Repetiu Marinho.

— Não, acho que não. Acho até que este buraco está pior do que quando você começou a restauração. E você também não parece nada bem, disse o pai, num tom mais carinhoso do que aquele que usara de manhã.

Ele voltou-se para o homem da Companhia Telefônica:

– Receio que meu filho não seja capaz de fazer este trabalho. Até agora ele não aprendeu muito sobre coisas construtivas — só coisas destrutivas. Penso que terei de lhe pagar pelo conserto.

Marinho ficou ouvindo o pai e o homem combinarem o preço do conserto e a melhor maneira de limpar toda aquela sujeira que ele tinha feito. Ele nunca havia se sentido tão arrasado e insignificante em toda a sua vida. O que seu pai tinha dito? Ele não aprendeu muito sobre coisas construtivas — só coisas destrutivas. Destrutivo! Isso é o que ele era e tinha sido o tempo todo.

Por que ele não tinha compreendido aquilo antes? Tudo o que fazia ultimamente parecia errado: ele era desobediente ou destrutivo!

Não é de se admirar que ele estivesse sempre em apuros. Pensou em Petri e como ela era construtiva, estava sempre pensando em fazer os outros felizes e em ser boa para todos. Ele gostaria de ser como ela, e de estar fora daquele buraco, de estar bem limpinho e sobretudo que seu pai não estivesse mais zangado. E desejou, mais que tudo, que tivesse ido jogar tênis de manhã com Chipe. Assim, não teria se metido naquela enroscada toda.

O pai e o homem terminaram a sua conversa. Então, Papai Pica-pau disse para Marinho:

— Tudo bem, filho, vamos. Eu vou levá-lo para tomar um banho no bebedouro de pássaros do jardim da Senhora Webster para ver se tiramos toda esta sujeira.

Sua mãe morreria de vergonha se visse você assim.

Marinho levantou-se e foi vagarosamente para o lado de seu pai e repentinamente virou-se para o homem da Companhia Telefônica e disse:

— Sinto muito por ter sido tão mal e por ter feito o buraco e não ter conseguido consertá-lo. Não sei quanto papai terá que pagar, mas eu vou pedir-lhe que tire da minha mesada. E prometo tentar não ser mais destrutivo.

O homem da Companhia Telefônica fez uma coisa surpreendente. Ele esticou a mão e apertou a asa de Marinho — melada de cola como estava.

— Está bem, filho. Sei o que é ser um garoto e meter-se em confusões. Tenho alguns meninos também. O mais importante é você aprender a lição — e acho que desta vez você aprendeu.

— Você tem um bom rapaz, Senhor Pica-pau, continuou virando-se para o pai de Marinho. Foi muito atencioso da parte dele pedir desculpas sem ter sido mandado e oferecer-se para pagar a despesa. Vou dizer o que eu gostaria de fazer, se o senhor e seu filho não se importarem. Em vez de fazê-lo pagar, eu gostaria que ele me ajudasse a consertar o buraco. Assim, ele aprenderá a fazer isso e eu terei a sua ajuda para trazer as coisas para cima e não precisarei ficar subindo e descendo a toda hora.

O pai olhou para Marinho e este viu uma nova luz em seu olhar — quase como se ele tivesse um pouco orgulhoso dele.

— O que você diz disso filho? – Perguntou.

— Eu gostaria de ajudar, disse Marinho. Gostaria de aprender como se conserta um buraco e, se eu não puder fazer nada mais, certamente poderei voar para cima e para baixo, carregando os pedaços de poste.

— Ótimo, então está combinado, disse o homem. Você começará amanhã?

— Claro – Disse Marinho.

— Muito obrigado, disse o pai, e ele e o homem da Companhia Telefônica deram-se as mãos.

— Vamos, Marinho. Há muito o que lavar em você antes de irmos para casa.

Marinho voava ao lado de seu pai e notou, para seu espanto, que estava voando muito mais estável do que antes, exceto, claro, por toda aquela cola em suas asas, que tornavam as coisas um pouco difíceis. Mas sentia-se mais leve por dentro e, que esquisito, seu estômago, cabeça e penas pararam de doer.

Quando chegaram ao banheiro dos pássaros, o pai de Marinho começou a esfregá-lo. Não era fácil, mas usando espiga de salgueiro como esponja e alguns cardos para remover o grosso da cola, ele conseguiu. Os cardos machucavam, mas isso não podia ser evitado. Quando terminaram, o pai ficou desesperado com a sujeira do bebedouro, mas sabia que o Senhor Webster o enchia todas as noites com água fresca da mangueira e no dia seguinte tudo estaria limpo. (Papai tinha certeza também que o Senhor Webster nunca entenderia como aquela cola toda tinha aparecido ali!)

Ao voar para casa, mesmo cansado e com fome, Marinho sentiu-se bem melhor do que vinha se sentindo há algum tempo. Ficou pensando no que disse o homem da Companhia Telefônica, que o chamou de ‘bom rapaz’. Até esse dia ninguém havia dito algo assim sobre ele, apenas coisas como: “Oh, que menino malcriado”!

— Papai, disse ele, de repente. Será que eu poderia ir às aulas de voo de verão, quando as férias começarem? Gostaria muito de poder voar em formação, naqueles voos de longa distância e acho que me sairei melhor se tiver outra oportunidade.

Papai Pica-pau olhou para Marinho um pouco surpreso e sorriu:

— Claro, Marinho. É uma ótima ideia. Mamãe e eu ficamos muito preocupados pensando em como você iria alcançar a sua classe no outono. Assim, acho que você conseguirá.

Quando estavam chegando perto de casa, Chipe voou na direção deles para encontrá-los.

— Você deveria ter ido com a gente, Marinho, ele disse. Tivemos um grande jogo.

— Da próxima vez eu tenho certeza de que irei com vocês, afirmou Marinho. Mas hoje eu tinha outra coisa para fazer: aprender a ser construtivo; e daqui para frente é o que vou ser.

Ao entrarem, Papai Pica-pau colocou sua asa afetuosamente sobre os ombros de Marinho:

— Bom rapaz! – Exclamou ele.

(Do Livro Histórias da Era Aquariana para Crianças – Vol. IV – Compiladas por um Estudante – Fraternidade Rosacruz)

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

O Palácio sob o Grande Carvalho

O Palácio sob o Grande Carvalho

— Oh, vocês horríveis criaturas! Vão embora. Vão embora! Disse Rosália, batendo o pezinho. As lágrimas saltaram de seus olhos, e com lábios trêmulos repetia: “Vão embora!”.

Naquele momento, os Pensamentos Secretos a beijaram, dizendo:

— Oh! Rosália, querida, lembre-se, esta manhã você prometeu: Eu serei bondosa com todas as criaturas viventes. Depois, os Pensamentos Secretos enxugaram delicadamente suas lágrimas, sussurrando: peça desculpas às formigas por não ter sido delicada.

Rosália estava envergonhada; ficou em silêncio por alguns minutos e depois admitiu:

— Sinto muito, de verdade; mas, vocês sabem, eu nunca tive uma fatia de bolo de casamento. Eu o deixei por um minuto e, quando voltei para pegá-lo, ele estava coberto de formigas pretas.

Uma risada vinda de algum lugar fez o rosto da menina brilhar e ela chamou, sorrindo:

— Onde está você, duende Elkin.

— Se der mais um passo eu estarei embaixo de seu pé, disse ele.

Isso fez Rosália gargalhar. Depois, ela olhou, parecendo um pouco triste quando comentou:

— Você ouviu o que eu disse há um minuto atrás, Elkin?

— Sim, eu ouvi, respondeu o duende. Mas, já que você está mesmo arrependida, é melhor esquecer tudo. O problema é que você não conhece as coisas maravilhosas que estão ao seu redor. Venha comigo e eu a levarei a um verdadeiro palácio real. Não deixe de levar a Bondade do Coração, pois o Amor reina neste palácio da colina.

Rosália atravessou o jardim, seguindo Elkin e tentando imaginar em que lugar poderia haver um palácio. Ela nunca tinha ouvido falar que existia um por ali, mas, nem por um minuto, duvidou do duende. Finalmente, pararam embaixo do carvalho grande. Rosália olhou ao redor e depois para Elkin. Ele estava sorrindo e olhando para frente.

— Onde está o palácio?, ela sussurrou.

Elkin apontou para o formigueiro embaixo do grande carvalho.

— Um palácio!, exclamou Rosália.

— Sim, um palácio, riu Elkin, e nós chegamos bem na hora do casamento.

Acima do solo, o palácio de formigas era feito de uma estranha mistura de pedaços de folhas, talos de plantas, um pouco de musgo e pedrinhas, tudo unido com um pouco de terra. No subsolo, havia túneis, longas passagens, grandes salões e galerias, cada um com uma utilidade especial. O interior do formigueiro parecia uma cidade em miniatura, com suas ruas e muitas casas.

— Dentro do palácio, disse Elkin, existem muitos cômodos e as formigas que moram aí são muito atarefadas. No palácio moram muitas formigas-rainhas e centenas de formigas crianças. Elas já foram minúsculos ovos, depois transformaram-se em formiguinhas engraçadinhas, brancas e roliças, sem mãos, nem pés. Elas tinham que ser alimentadas como filhotes de passarinhos. Não tomavam banho sozinhas e precisavam de alguém que tomasse conta delas. Mas agora já estão crescidas e hoje é o dia de seu casamento. As noivas estão radiantes em seus vestidos pretos com detalhes vermelhos, calçando minúsculos sapatinhos, também vermelhos. Preste atenção em suas asas transparentes, Rosália, pois elas usam asas no lugar de véus. Os noivos estão todos vestidos de preto. Eles também têm asas. Tudo é reboliço dentro do palácio escuro, pois esta será a primeira viagem das princesas reais ao vasto mundo.

— Princesas! Exclamou Rosália.

— Sim, princesas, disse Elkin. Cada noiva é uma princesa de sangue real. Sente-se, Rosália, e fique atenta quando os portões do palácio se abrirem.

— Quem toma conta das rainhas, das princesas e dos bebês? – Perguntou Rosália.

— Os escravos fazem todo o trabalho, respondeu Elkin. Há milhares deles em todos os formigueiros, pois há sempre muito trabalho a ser feito. Eles não têm asas e assim não podem fugir. Alguns são construtores, cavam túneis e constroem pontes. Eles estão ajudando o reino mineral, transformando a terra em pó. Outros conservam as ruas limpas. Alguns trabalham no palácio e servem as outras formigas. Outros ainda, saem para tirar leite das formigas-vacas para alimentar as bebês formigas. Esse leite é tão doce que é chamado de gotas de mel, e os filhotes gostam muito dele. Os escravos alimentam as rainhas e princesas, mantendo-as sempre felizes. Outros arrumam os enormes salões, limpando os pedacinhos de grama e palha!

Nesse momento, os portões do palácio se abriram e por eles entraram os escravos, deixando tudo em ordem para a festa do casamento. Quando tudo estava pronto, centenas de casais deixaram o palácio alegremente. Oh, como as formigas estavam contentes por verem, pela primeira vez, a luz do Sol! Elas subiram nas mais belas flores, esticaram-se e abriram suas asas transparentes. Como era bom sentir o ar morno! Oh, como era lindo lá fora. Então, todas elas levantaram voo ao mesmo tempo e voaram alto, alto, cada vez mais alto, a perder de vista.

— Onde elas foram? – Sussurrou Rosália para Elkin.

Para muito longe daqui, mas elas voltarão amanhã disse Elkin. E, quando voltarem, as noivas estarão diferentes, pois terão perdidos suas lindas asas, seus véus de núpcias. Elas voltarão para o palácio escuro e viverão exatamente como as outras rainhas têm vivido. Elas botarão ovos e terão seus filhotes formigas.

— E o que os noivos formigas farão?

— Oh, eles nunca mais entrarão no palácio. Só rainhas e escravos vivem neste palácio embaixo do grande carvalho.

— Eu realmente sinto muito por ter sido tão tolinha. Imagine, Elkin, eu não sabia que as formiguinhas eram tão maravilhosas. Pensei que elas fossem apenas insetos rastejantes.

De repente, um pensamento surgiu na mente de Rosália:

— Elkin, deve ter sido algum escravo que pegou o meu bolo — eles queriam migalhas para a festa do casamento, você não acha?

— Bem, eu não ficaria surpreso se assim fosse! De qualquer modo, vamos fingir que foi. Vá agora, Rosália, eu tenho que continuar o meu trabalho. Tchau.

E Elkin foi embora.

(Do Livro Histórias da Era Aquariana para Crianças – Vol. IV – Compiladas por um Estudante – Fraternidade Rosacruz)

Idiomas