Prazeres e Pontos de Vista
Muitas vezes, ao longo da vida, batalhamos sob o efeito de uma profunda e falsa compreensão das verdades mais claras. Verdades que, se realmente fossem entendidas, ajudar-nos-iam a resolver problemas grandes e desconcertantes; além disso, auxiliariam a limpar os céus da nossa mente. Saber exatamente como viver, no que acreditar diante de todos os escombros desconcertantes das formas voláteis de pensamento, dos sistemas filosóficos e das ideias religiosas: está aí o grande problema de hoje. É uma dificuldade maior que a industrial ou a social, se não procurarmos de maneira ampla o suficiente para encontrar suas raízes na vida universal. Tais raízes nos levam a um único Plano — o espiritual. Não é por meio de ensinamentos errôneos que entendemos o espiritual. Muito do nosso ensino, oferecido nessa acepção, levou-nos a considerá-lo irreal e vago: a antítese direta da vida prática. Como entendemos agora, o Plano dos sentidos da vida objetiva é que é irreal, um fantasma.
Vida e Verdade são bastante simples, quando bem entendidas. Nós as tornamos complexas pelas ilusões e estimativas falsas. Nossos preconceitos e opiniões nos influenciam. Afastamos nossos rostos da Luz e nos divertimos com insignificantes brinquedos dos sentidos — as brincadeiras de adultos infantis. Vemos alguns raios refletidos dessa Luz em nosso mundo de sentidos e imagens sombrias. Aqui e ali, ela se refrata e cai, em brilhos quebrados, sobre esses brinquedos, os quais dignificamos pelo nome de negócio ou prazer. Pegando um raio de vez em quando imaginamos, como as crianças tolas que somos, ver e conhecer.
O “eu”, o “eu” pessoal, confirma-nos em nossa ignorância cega, pois clama incessantemente: “Eu, eu…”. É tão fácil acreditar no que se alinha aos nossos desejos. Logo aprendemos a aceitar tudo que o “eu” diz e a adorá-lo em frenesi alucinado. Aqui, é onde todos os nossos problemas começam. A bela e divina Luz está brilhando o tempo todo no centro de nosso ser, mas viramos as costas para ela e adoramos nossos ídolos. Esses ídolos não são ao menos argila, porém meras ilusões; portanto, um aspecto estúpido é dado à nossa idolatria.
O mal é apenas relativo, de modo que o plano aonde chegamos resolve a questão da nossa responsabilidade. O hotentote (pastor nômade e indígena) não é um criminoso, de acordo com o código de ética mais elevado, quando se afasta para matar. Seu senso moral está totalmente desperto e ele não tem consciência espiritual. É uma criatura não-desenvolvida, não-desabrochada.
Algum dia ele também acordará; então, começará sua luta com os problemas desconcertantes da vida. Entre ele e as inteligências que quase resolveram esses problemas estão passos imensuráveis de progresso. Cada etapa aproxima a consciência espiritual do seu perfeito desenvolvimento, quando todas as coisas se destacam em suas verdadeiras relações com a Luz clara e branca da Verdade.
A criança não é totalmente responsável por seus lapsos até que sua razão se desenvolva. Os filhos adultos da humanidade são apenas relativamente culpados, ao produzir discórdia na sinfonia da vida. Eles tocam o tambor dos movimentos cantáveis, a corneta dos devaneios em tom baixo e, quando o motivo exige um silêncio reverente, tocam as chaves da vida em frenesi louco. Naturalmente, as almas superiores tremem de agonia. Mas a aflição é parte da dor universal que as almas superiores devem compartilhar com toda a humanidade. Não consideramos essas almas infantis totalmente responsáveis por sua parte no aumento da miséria da Terra. Eles não sabem; portanto, agem como forças cegas, elementais travessos.
Quem, então, é responsável por toda a agitação e a confusão da vida? Principalmente aqueles que pertencem a um plano superior, mas que não vivem nem agem aí. Aqueles que deveriam ser os guardiões e dispensadores das verdades superiores.
Em nossa civilização ocidental, são os que professam a fé cristã — em virtude do impulso recebido das esferas superiores e destinados a aliviar as trevas da humanidade. É pateticamente trágico que muitos seguidores de Cristo, seguidores professos, sejam obstruções ao brilho total da Luz. Produzir sombras em vez de irradiar luz é uma qualidade que pertence a outro reino que não o de Cristo. Uma espada foi colocada nas mãos do inimigo. Isso atrasou o trabalho que o Cristo veio fazer.
Muito do errado é devido à má compreensão e a concepção errônea sobre a Verdade. A Igreja, tendo perdido bastante da sua herança inestimável mediante o mundanismo e a adoração aos sentidos, está realmente perdida dentro de um labirinto de tristeza e dúvida. Muitas vezes, seus ministros e professores são apenas líderes cegos que guiam cegos. Aqui e ali, almas dedicadas erguem suas pequenas lâmpadas. Elas captaram alguns vislumbres da Verdade e, com o amor a Deus e à humanidade como força controladora, esforçam-se para elevar seu padrão de vida. Seu trabalho é testemunha da sua pureza de motivo, porém frequentemente está marcado por algum elemento de fraqueza. Um toque de sensacionalismo, de apelo ao egoísmo espiritual ou ensino incipiente o torna menos eficaz do que poderia ser.
Em vez de vidas equilibradas com os elementos mentais e espirituais em harmonia, existe histeria emocional ou negação fria. Em vez de a razão estar totalmente desenvolvida e prestar a suprema homenagem à intuição, a Luz interior e divina, encontramos vontades fracas sendo alimentadas por estimulantes artificiais e caprichos fúteis do pensamento — que não são pensados. Ouve-se expressões fracas e estereotipadas, emprestadas de várias fontes, divorciadas do seu contexto. Estremece-se com as banalidades repetidas com profunda solenidade, trivialidades cuja inaptidão as condena ao pensador. Estão satisfeitos com a visão estreita, centrada em meias-verdades, enquanto a alma anseia pela visão ampla, pelas claras altitudes, as visões longínquas da Verdade que nunca se estreitam na linha do horizonte.
A Igreja, como guardiã dos mistérios superiores, deve oferecer essa Verdade ao povo. Caso contrário, o castiçal será removido do seu lugar. Deve haver portadores da tocha: a Verdade deve ser proclamada. Os que estão na vanguarda da onda de vida humana têm uma responsabilidade terrível, seja na Igreja ou fora dela. Simplesmente deixar brilhar a Luz interior e dedicar a vida ao mais alto ideal de serviço, que é o de Cristo, é o próximo passo no caminho ascendente.
(Traduzido da Revista Rays from the Rose Cross de julho/1917 pela Fraternidade Rosacruz em Campinas – SP – Brasil)