Vamos considerar a natureza como um conceito religioso. A Religião é o reconhecimento dos limites da competência humana na presença do incognoscível e do incontrolável, diante do qual todos os seres humanos ficam maravilhados. A natureza também. Como o incognoscível e sagrado, ela existe, existam ou não os humanos. Ela preexiste aos humanos. Portanto, devemos conceber a natureza como parte da nossa vida religiosa. A religião admite que nós, humanos, não somos mestres do universo; nem mesmo somos mestres da Terra. Em vez disso, somos coabitantes deste planeta, junto a uma multidão de outras criaturas e não podemos nem mesmo sonhar em controlá-lo.
Se não podemos controlar a Terra, então certamente não podemos controlar a natureza. Está essencialmente fora de controle. Ela pode ter sido abusada, sua vegetação destruída, seus animais quase extintos; contudo, depois de restaurá-la à saúde e enquanto continuarmos a administrar a maneira como as pessoas agem sobre ela, devemos deixar a própria natureza em paz. Natureza é o que não comandamos. A natureza selvagem é aquilo que está além da ansiosa autoafirmação dos humanos. É a metáfora desse vasto universo que, quando oramos, reconhecemos estar além da nossa compreensão.
A natureza é um conceito religioso porque exige nossa reverência e porque é uma ideia profundamente séria. Religião deve ser aquilo que levamos mais a sério. O que poderia ser mais sério do que uma resposta admirada ao desconhecido e incontrolável? O que é mais sério do que a reverência pela saúde da Terra? Além disso, a legislação da natureza é um reconhecimento dos nossos pecados — nossas delinquências como administradores das porções da terra selvagem sobre as quais presumimos assumir o controle — e da nossa responsabilidade de manter, restaurar e preservar o que ainda não corrompemos.
Cumprir nossa sagrada responsabilidade de reverenciar e proteger a natureza é uma tarefa muito grande para ser deixada apenas para a comunidade conservacionista. Se há algo em que todos os conservacionistas podem concordar, é que não somos o suficiente. Embora cada um de nós acredite ser uma multidão, juntas, nossas fileiras permanecem muito pequenas para alcançarmos a proteção da terra e dos lugares reverenciados pelos humanos, que é a nossa tarefa.
Todos nós estamos tentando muito; nenhum de nós recebe agradecimentos suficientes e não há o suficiente de nós. Devemos trazer novos recrutas para a causa, começando com um grupo de concidadãos que, à sua maneira, fizeram parte da nossa aliança o tempo todo; mas não ouviram muito de nós em termos de convite. Esses aliados naturais são, creio eu, as pessoas religiosas. O conceito central de vida religiosa é o mesmo que o conceito central de preservação da natureza. Esse conceito é um sentido de escala, de escala humana, na presença de coisas e assuntos maiores. Somos menos do que Deus; menos importantes, menos amplos, menos conhecedores.
As pessoas religiosas falam de si mesmas como humildes, na presença de Deus. Mesmo o mais secular dos conservacionistas admitiria, eu suponho, que muitas vezes se sente humilhado na presença da natureza — uma parte do mundo de Deus com seus dons maravilhosos. Esse sentimento vai além da reverência. A maioria das pessoas religiosas pensa no universo como intencional, uma Criação — não necessariamente feito de uma vez nem construído em apenas uma semana; mas intencional. Portanto, todas as suas partes têm valor, todas as suas espécies, todas as suas montanhas, águas, campos e oceanos. Os humanos, na tradição religiosa, não são as únicas espécies significantes na Terra. Nossos pomares, fazendas, bosques, vilas e cidades não são os únicos lugares dignos de respeito. Toda a criação é digna de respeito.
Reconhecemos que de fora de qualquer uma das nossas armadilhas, alçapões ou jaulas existem formas de vida que merecem nosso respeito. A natureza coloca tudo isso em um mapa. Suas fronteiras, grilhões e travas são limites para a pretensão humana, limites facilmente compreendidos e aceitos pelos religiosos, porque só afirmam na geografia o que foi afirmado desde o início na teologia. Em teologia, é dito que, além das fronteiras do conhecido, há um domínio negado à ciência, à história, a todo o aparato comum do conhecimento. Na geografia da natureza, afirma-se que, quando chegarmos à sua borda, podemos saber algo do que está além; no entanto, não devemos cruzar essa fronteira com a intenção de controlá-la.
Embora normalmente não façamos a genuflexão, ao passar por uma placa rotulada “área selvagem”, não seria estranho se o fizéssemos. A selva é um lugar, mas também é um mistério, um mistério profundo. É mais do que um pool genético, é um fundo de verdades insondáveis. Somos constantemente surpreendidos pela vida em formas inesperadas. Quando micróbios novos para nós, mas conhecidos por eles mesmos há milhões de anos, são repentinamente descobertos por nós, não é seu valor monetário o mais significativo, mas o religioso: embutido neles está o mistério da vida, em suas afirmações perpetuamente mutáveis, infinitamente diversas. Ser culpado de extinguir a vida por meio de intromissão descuidada ou tola é um tipo de pecado contra o qual devemos estar alertas.
Outro pecado com o qual se deve ter cuidado é não permitir espaço suficiente para o desconhecido florescer, de modo que possa se realizar. Nossa espécie orgulhosa, obstinada, muitas vezes descuidada e tola, está aprendendo o tempo todo quão pouco ela realmente sabe, quão pouco ela controla. Todos os elementos essenciais da vida — nascimento, morte, sacramentos — são intrusões do desconhecido e do essencialmente imprevisível em nossas vidas bem planejadas, escrupulosamente administradas e bem cuidadas. As áreas selvagens não são grandes zoológicos; nós é que estamos nos zoológicos. As áreas selvagens estão fora dos zoológicos. É por isso que devem ser grandes o suficiente para permitir toda a gama de vida dentro delas.
A natureza selvagem é necessária para nós, biologicamente. É necessária para nós, espiritualmente. Também é necessária para nós, psicologicamente, cada vez mais; e essa necessidade tem um caráter religioso. A natureza selvagem é uma espécie de sábado sagrado, físico e geográfico. Nela podemos encontrar a solução para as consequências da nossa má administração em outros lugares, do que fizemos ao mundo e a nós mesmos durante “o resto da semana”.
(Publicado na Revista Rays from the Rose Cross de novembro-dezembro/1995 e traduzido pela Fraternidade Rosacruz em Campinas – SP – Brasil)