Até onde os filhos dependem dos pais?
Tonico e Vanda eram dois primos que se estimavam muito. Frequentavam a mesma escola, mas Tonico era mais inteligente, idealista, ligeiro e travesso, ao passo que Vanda era infantil, gostava de brinquedos e coisas comuns das crianças de menor idade.
Certo dia, Tonico foi visitar seus tios, que residiam por perto. Titio era assinante e apreciador da revista “Mecânica Popular”, que sempre trazia ideias e explicações práticas de muito valor. Tonico pegou uma das revistas, começou a folheá-la e viu o esquema de um carrinho. Ali estava descrito todo o material necessário [para a construção] e as dimensões do brinquedo. O título dizia: “Faça você mesmo este brinquedo”. Tonico pôs sua cabecinha para funcionar e, se bem pensou, melhor realizou. Virou e revirou a revista, olhou detidamente o desenho a fim de gravá-lo bem, procurando guardar de memória as minúcias do carrinho. Assim fez porque sabia que o tio, considerando-o um molequinho ainda, não lhe emprestaria a revista. Um tanto pensativo despediu-se da titia e da priminha, dizendo-lhes ter um “assunto” a providenciar. Titia estranhou um pouco o ar compenetrado do pequeno, mas nada disse.
A primeira coisa que Tonico fez foi recorrer aos colegas de escola e amigos da vizinhança, diligenciando obter quatro rodas. Nenhum dos amigos as possuía. Pensou então no cofrinho em que guardava as pequenas economias, tirou o dinheiro, desenhou com o compasso uma circunferência do tamanho requerido e correu a um carpinteiro próximo de sua casa, mandando-lhe fazer as rodas. E a madeira, os pregos e outros materiais para a execução? Lembrou-se de que em um canto da casa havia caixas vazias de madeira. Talvez servissem. Poderia inclusive reaproveitar alguns pregos. O resto, quem sabe, encontrasse na caixa de ferramentas do papai. Foi ao quarto de despejo e de lá trouxe a caixa de ferramentas; juntou os caixões e concentrou tudo no quintal. Com auxílio de um formão velho e um martelo despregou as tábuas dos caixotes.
As marteladas chamaram a atenção da mamãe, que encontrou Tonico no quintal, cercado de tábuas e ferramentas.
— Meu Filho! O que você está fazendo? Mexendo nas ferramentas do papai e estragando as caixas que ele havia guardado! Você vai ver com ele!
— Mas, mamãe… — balbuciou Tonico, meio assustado pela reprimenda — eu estou fazendo um carrinho para mim.
— Ora, meu filho, era só pedir e eu lhe compraria um carrinho mais bonito ainda e sem a necessidade dessa trabalheira toda. Além de tudo, você pode se machucar…
Tonico ficou desapontado, mas nada respondeu. Recolheu as caixas ainda inteiras, empilhou as tábuas, repôs as ferramentas no quartinho de despejo e se recolheu, acabrunhado. Passou o resto do dia assim, desanimado. Mamãe e ele não se falavam. Tonico se deixou ficar num canto, cabisbaixo, sem vontade para qualquer coisa, sentindo-se frustrado em seu desejo tão entusiasticamente acalentado!
Dali por diante, embora criança, criava coisas interessantes; contudo, ficavam só na sua Mente. Receava ser novamente advertido. Não faria mais coisa nenhuma. Mamãe ralhava e o papai não deixaria. Francamente, perdera até o entusiasmo pelos estudos! Por que não lhe deixavam fazer o que estava certo?
Assim, uma criança perdeu a oportunidade de manifestar espontaneamente seus talentos e ideias originais por incompreensão dos pais. Impediram-lhe a expressão da Epigênese, que é a capacidade de desenvolver o poder criador que todos temos.
Dar algo pronto à criança, sem a necessidade de que ela lhe acrescente uma contribuição, algo que não exija esforço, é antipedagógico e prejudicial ao seu desenvolvimento não só do ponto de vista da moderna psicologia educacional, mas principalmente à luz da Filosofia Rosacruz.
Os pais devem oferecer aos filhos, além dos livros que lhes incentivam o poder criador, material esparso e diversificado para lhes excitar a imaginação e levá-los a fazer o que possam, em desenho, modelagem… Dar ferramentas e pregos aos meninos; linhas, agulhas, panos às meninas; massa de modelar, papel e lápis de cor a ambos os sexos. Que façam desenhos para exercitar o senso de proporção e sejam encorajados à execução posterior de brinquedos e vestidinhos de bonecas sob a orientação cuidadosa e inteligente da mamãe e do papai.
A criança é eminentemente imitativa; se dissermos ou fizermos perto dela apenas o que é digno de imitação, veremos que ela começará a fazer tudo o que fazemos, acrescentando a isso o seu modo de ser. O contrário é também verdadeiro. Não podemos nos queixar de que os filhos digam ou façam o que aprenderam com nossos maus exemplos.
É comum vermos uma criança manifestar opiniões e agir em conformidade com o que viu ou ouviu dos pais. Não queremos afirmar que a criança seja NADA; isto é, que a educação lhe dê tudo. Ela traz uma bagagem do passado que é diferente da dos pais e afeta o seu comportamento, não podendo, portanto, atribuir aos genitores toda a responsabilidade por seus erros. Entretanto, a educação pode não só incentivar o que há de bom, como corrigir o que há de mau em latência, dentro de uma criança. A astrologia espiritual nos indica os pontos débeis e fortes do caráter de nossos filhos com mais segurança do que um teste psicológico.
Assim, também em relação aos vícios. Do que vale ao pai proibir o fumo, quando sempre tem um cigarro dependurado na boca? Proibir a bebida alcoólica, quando bebe durante as refeições sua cerveja, vinho ou uma venenosa batida de limão? Para a criança, os pais são os melhores seres do mundo e quando tiverem oportunidade farão o que os viram fazer.
Tanto erramos pela ação como por omissão. Prejudicamos nossos filhos, embora dizendo que os amemos, quando apenas nos amamos, tanto pelos maus exemplos como pelos bons que não apresentamos. Bem disse Pestalozzi: “É preciso, primeiramente, educar os pais”. Outro erro frequente é o da proteção exagerada, o mal-entendido carinho que nos leva a fazer tudo pelos filhos, esfriando com essa atitude errada o que de bom pudessem manifestar ou contribuindo ainda mais para a inércia e o comodismo a que tenham tendência.
Ouvimos há pouco tempo o caso de uma moça que se casou e, voltando da viagem de núpcias, investiu-se furiosa contra a mãe, dizendo: “Por que não me disse que o casamento é uma droga?”. A mesma moça, indo à casa da mãe jantar, sai logo em seguida, deixando à genitora o trabalho de lavar a louça. A mãe se queixa que a filha seja egoísta. Nós então lhes fizemos esta pergunta: a senhora a educou para ver o casamento como ele é ou para cooperar na cozinha? “Oh, confesso que não”, respondeu, “Eu sempre a poupei”. Bem, está aí a explicação.
A finalidade da educação é preparar os filhos para extrair do mundo, positivamente, os frutos que ele possa dar, para receber as coisas como são e retirar de tudo o proveito que aí sempre existe, segundo as normas Cristãs.
(Publicado na Revista Serviço Rosacruz de fevereiro/1966)