A Rua das Borboletas
Uma vez terminado o funeral, o pequeno cemitério situado no fim da rua das Borboletas ficara vazio. O corpo da avozinha de Cecília jazia tranquilamente, mui tranquilamente, no belo caixão cinzento que fora depositado no túmulo especialmente preparado para acolhê-lo. As árvores sussurravam, como numa oração, sobre o lugar em que ela repousava. Depois que todos se retiraram, o avô e a mãe de Cecília foram para casa, deixando-a atrás com seu pai, a caminhar lentamente, descendo a rua das Borboletas. Cecília chorava baixinho, pois amava muito sua avó e já começava a sentir saudades dela. Seu pai segurou-lhe a mãozinha, percebendo a amargura que reinava em seu coração.
– Você sabia que a rua das Borboletas é o céu das lagartas? – Perguntou ele a Cecília.
Ela olhou para o rosto do pai e através do véu das lágrimas seus olhos se abriram admirados.
– O que quer dizer o senhor, Papai? As lagartas são enterradas aqui?
– Não, minha queridinha. Tampouco as pessoas, como a vovó, são enterradas no céu. Elas vivem lá.
Fez uma pausa e baixou o olhar para o rostinho erguido da criança.
– Olhe, a borboleta é a refulgente parte espiritual da lagarta.
– Certo dia – continuou ele – a lagarta despe seu vestuário mais terreno, da mesma forma como a vovó despojou-se do seu. A lagarta aparece, então, com um vestuário muito mais belo, o vestuário que lhe permite voar. Como borboleta, ela não é mais oprimida pelo pesado corpo físico que anteriormente possuía, pois, como lagarta, naturalmente só podia rastejar sobre o chão, pelas árvores e pelas cercas.
Cecília sorriu entre as lágrimas e até riu um pouquinho.
– Por isso é que a vovó não podia voar com aquele corpo pesado? – Perguntou Cecília. -Ah! – Prosseguiu – eu não ficaria surpresa de que ela estivesse agorinha mesmo voando no céu.
– E eu, de modo algum me surpreenderia – respondeu o pai sorrindo.
Cecília parou de andar e puxou pela mão do pai, obrigando-o a parar também. Depois, vagarosamente, começou a olhar em volta, como se a rua das Borboletas fosse algo inteiramente novo para ela. No entanto, durante seus sete anos de vida, já se havia divertido ali muitas vezes, passeando e brincando com as borboletas que haviam dado nome àquela rua.
Finalmente ergueu de novo o olhar ao rosto do pai. Seus olhos brilhavam com uma nova luz. As lágrimas tinham desaparecido.
– Paizinho. . . – cochichou ela – então é isso que é a Páscoa? Quando a vovó saiu de seu…
Cecília reprimiu uma risada um pouquinho espontânea e olhou em volta por alguns instantes. Deu, então, alguns saltinhos jubilosos, lembrando-se de que ela e sua avó gostavam de rir da espécie de coisas nas quais pensava agora.
Bem. . . saiu de seu corpo lagartal…
O pai de Cecília sorriu encorajando-a, pois sabia o que ela tentava dizer.
– Continue – disse-lhe ele brandamente.
– Bem, quando ela saiu deve ter-se tornado mais leve – como as borboletas. Ela deve ter subido mais alto do que nós o podemos, tal como as borboletas o fazem.
Ela estava ficando agora um pouco excitada.
– Não é isso que o sr. chama de resu. . . ressu?
– Ressurreição – completou o pai.
– Sim, ressurreição, como Jesus, só que Ele estava sobre uma cruz.
– Pois a vovó também estava assim, sobre uma cruz – respondeu o pai – e assim estamos todos, cada um de nós.
– Espere um pouquinho, papai! – Interrompeu Cecília, afastando-se um pouco e encarando-o. – Eu sei o que o senhor quer dizer. Nós aprendemos isso na Escolinha Dominical. É assim (e a garota ficou de corpo ereto, juntando os pés e abrindo os braços em horizontal, como uma cruz) agora eu sou realmente uma cruz – exclamou ela – e tenho que crescer nesta cruz e nela viver até morrer. Serei então ressu…
Cecília deixou cair os braços e esperou que seu pai falasse.
– Ressuscitada – acudiu ele.
– Sim! Ressuscitada – como a borboleta que sai da lagarta!
Cecília fez uma pausa e tranquilamente volveu: como Cristo-Jesus quando morreu em Sua Cruz.
Após outra pausa, como que monologando pensativa, terminou:
– Aquilo aconteceu na Páscoa. Agora deve ser a Páscoa para a vovó, não é paizinho?
– Sim, querida – afirmou ele e continuaram a andar.
Durante algum tempo a garota saltitou ao lado do pai, tendo uma expressão séria no rosto. Seu pai também estava circunspecto. Nenhum dos dois disse uma única palavra, até que chegaram a um jardim, cheio de margaridas e esporinhas, onde grande número de borboletas voava silenciosamente, de uma flor a outra.
– Paizinho! – Cantarolou Cecília – veja estes belos espíritos borboletais. Foi somente a lagarta que morreu. A vovó também não morreu realmente. Ela é uma bela borboleta no céu!
Cecília puxou novamente a mão de seu pai, desta vez porque tinha pressa de chegar a casa.
– Vamos contar à mamãe e ao vovô – pediu ela – de modo que não fiquem mais tristes, por causa da vovó. Quando lhes tivermos contado tudo isso, eles ficarão sabendo que agora é o feliz tempo da Páscoa para a vovó. E é por isso que as pessoas sempre põem flores nos túmulos – porque, quando morremos é, nossa época de Páscoa!
E assim, Cecília e o pai se apressaram para chegar em casa e partilhar estas novas maravilhosas com a mãe e o vovô de Cecília. Eram notícias boas demais para silenciá-las!
(Traduzida da Revista Rays From the Rose Cross e Publicado na revista ‘Serviço Rosacruz’ – 10/78)