Vegetarianismo e Religião
“Quem tenta desviar a Natureza dos seus processos fisiológicos pode vir a realizar o seu objetivo; mas isso seguramente lhe custará muito caro” — Paul Carton.
O ser humano faz parte, como partícula mínima, embora muito importante, do conjunto universal. Em consequência, está sujeito às mesmas leis que regem o universo. Ligado à Natureza pela sua constituição físico-química e ao Criador pela sua inteligência o ser humano ocupa um lugar de destaque na Terra.
Ainda que a Ciência ortodoxa busque separar o ser humano do seu Criador, emitindo hipóteses evolucionistas que ainda não conseguiram confirmação histórica nem científica, ninguém pode negar que qualquer fragmento do corpo humano, após incineração, apresenta, na análise das cinzas, os mesmos elementos encontrados no pó da terra. O pó em que se torna o cadáver é o mesmo que cerca a sepultura dos restos mortais do mais orgulhoso dos seres humanos. O mesmo cálcio, o mesmo fósforo, o mesmo silício, ferro, zinco, manganês, cobalto e os demais corpos simples, sob a forma de óxido ou de sais que o pó da terra contém, encontram-se no pó que resta da decomposição funérea. Muito curiosa é essa constatação em paralelo com o texto bíblico, que diz: “Formou o Senhor Deus o ser humano a partir do pó da terra…” (Gn 2:7).
Fazendo abstração do princípio religioso, aliás tão importante quanto o científico, vejamos em que importa a invocação da constituição química do corpo humano, em suas relações com o regime alimentar.
E. Risley (Foods Nutrition – Nutrição dos Alimentos) define alimento como “qualquer substância que, introduzida no organismo e sofrendo a ação dele, serve para construir sua estrutura normal ou suprir as despesas orgânicas”.
De que substância se servirá o organismo para a sua recomposição, na contingência do desgaste contínuo a que se resumem os complexos processos físico-químicos, inseparáveis do fenômeno da vida?
Logicamente, terá que se servir de elementos semelhantes aos que constituem o seu arcabouço. Não se conserta uma colcha com ferro, nem um navio com algodão.
Não pode, porém, o organismo assimilar ferro ou cálcio, manganês ou fósforo, colhendo-o diretamente do pó da terra. Como podem, então, os materiais obter os tecidos necessários à sua reconstrução?
Os vegetais, estendendo suas raízes ao seio da terra, aí colhem esses elementos, recolhem os sais e sintetizam nas folhas, flores e frutos as proteínas, amidos, açúcares, vitaminas e gorduras; com esses elementos do pó da terra fornecem ao ser humano as substâncias necessária para “construir a sua estrutura e suprir as despesas orgânicas”. São, portanto, os vegetais os veículos de que se serve a Natureza para trazer aos seres humanos os elementos indispensáveis à vida e ao desenvolvimento.
O regime vegetariano é o regime natural que, de acordo com a Natureza, provê ao organismo as substâncias de que necessita.
Segundo a concepção materialista (Lambling), a vida é o resultado das reações químicas que se passam no interior das células. Devem os materialistas ficar angustiados quando verificam que no cadáver se encontram os mesmos elementos e substâncias orgânicas que há no ser vivo, embora ele esteja morto. Por que as reações químicas não acontecem aí? Por que não volta à vida o que deixou de viver? Essa concepção leva o ser humano a agir de modo peculiar em relação ao seu modo de alimentar-se. Para o materialista, o ser humano termina no “nada definitivo”. Em vão procuram alguns dar explicação aos fenômenos psicológicos, inerentes ao ser humano. Diz Haeckel que a força mental provém da secreção celular. Explicação forçada, inaceitável. Para o materialista o prazer do momento resume a finalidade de todas as coisas. Comer o que lhe apetece, eis o assunto. Comer e beber. Se a bebida alcoólica dá prazer ou se o alimento é saboroso, por que não ingerir? Para não ficar doente?
Já ouvi dizerem que não vale a pena privar alguém de um prazer para que viva alguns anos a mais nesta vida, aliás, cheia de tropeços e percalços. Essa teoria agride os processos da Natureza, que pretendem manter a vida em equilíbrio das funções orgânicas; isto é, com saúde. Esses processos naturais implicam um regime alimentar que esteja de acordo com a origem do ser humano. O desvio desse regime ocasiona a doença e contribui para a degeneração e o desajuste mental que caracteriza nossa época.
Outra teoria diametralmente oposta é a que Paul Carton chama de teoria finalista. Inclui ele nesse sistema filosófico aqueles para quem o corpo e o espírito são entidades diferentes, dissemelhantes de fato, em essência. Essa teoria leva o ser humano a um antropocentrismo que o isola na Natureza.
Para as pessoas que se incluem nessa ordem de ideias, o regime alimentar não importa. Liga-se ao utilitarismo do materialista pelo prazer de comer ou engolfa-se no misticismo do jejum, a que sacrifica as inclinações da carne, subordinando aos exorcismas e às penitências as diretrizes da sua vida, sem preocupações com a interdependência que há entre a saúde e as leis da Natureza. É ainda Paul Carton quem, estudando as correntes filosóficas que influenciam a vida humana e sua dependência das leis naturais, apresenta o que se chama de teoria unitiva. Segundo esta, espírito e matéria são de essência idêntica, provêm da mesma Energia Universal.
Como fragmento do universo, o ser humano possui uma partícula de Deus como parte que é do todo em que Deus tem Sua plenitude. Saído de um Ser inteligente, o ser humano tem o poder de vontade e a capacidade de discernir.
Por essa teoria está o ser humano ligado à Natureza pela matéria e a Deus, pelo espírito. O regime alimentar lhe interessa para não contrariar os processos da Natureza e não entrar em dissonância com a harmonia universal da qual Deus é o centro.
A teoria unitiva, incluindo a evolução, que pressupõe o renascimento e a Lei de Consequência, é a que se aproxima da Filosofia Rosacruz. Como define Max Heindel: “Matéria é espírito cristalizado”.
O materialismo quer prescindir de um Ser Criador e procura explicar todos os fenômenos por leis da física, da química, da biologia. Esbarra, porém, na impossibilidade de explicar a vida, sua gênese, sua essência. No afã de anular toda ideia de religião com o objetivo de ficar exclusivamente subordinado à pesquisa e à experimentação, cria uma religião antinômica que, de fato, nega a si mesma.
Nesse emaranhado de ideias em que os pensamentos humanos, pela sua natureza, são divergentes porque oriundos de muitas cabeças, ficaríamos desorientados, se não existisse um código que, sem ser científico, contém princípios fundamentais de ciência os quais, no desenvolvimento desta, cada vez mais se mostram evidentes e de clareza irretorquível.
Vimos que a vida é um mistério dentro da própria ciência, que lhe estuda as leis e os fenômenos, mas não lhe explica a essência nem a origem. A ciência não admite Deus porque não Lhe pode explicar o princípio nem a estrutura. Não obstante, admite a eletricidade cuja natureza ignora.
Deus não pode ser compreendido porque é Infinito. É tão inexplicável quanto o infinito, que ninguém pode negar que exista.
Diante das maravilhas do universo, duas hipóteses subsistem. Segundo uma delas, tudo provém da matéria, que ninguém sabe de onde veio e, pelo acaso, formaram-se os astros. Pelo menos em um deles surgiu a vida. Nessa hipótese, o Incognoscível bruto — a Natureza — teria criado tudo. Ora, a matéria em si mesma é estéril; não poderia gerar a vida. E a ciência nega a geração espontânea.
A outra hipótese admite o Incognoscível Inteligente. Tão inexplicável como o Incognoscível bruto, a Inteligência Primitiva, eterna e infinita teria criado o universo em Sua infinita e maravilhosa perfeição. Não havendo geração espontânea, não pode nascer da matéria bruta a inteligente realidade da vida. Ainda que a nebulosa possa ter sido manifestação da vontade do Incognoscível Inteligente para estabelecer formas geofísicas, agrupando as partículas materiais em uma disposição ideal, como fatores de uma inteligente combinação compatível com a vida, não se concebe, nem a Química, muito menos a Física o sanciona, que a vida tenha gerado a si mesma, nas entranhas dos mares, sem o concurso da Inteligência primeva – primeira, primitiva, primária.
(Publicado na Revista Serviço Rosacruz de novembro/1965)
Uma exposição elementar sobre o seu desenvolvimento e o da humanidade
Quando abrimos o Conceito Rosacruz do Cosmos, lemos na página do título que o livro professa ser uma exposição elementar da evolução passada do ser humano, da sua constituição atual e do seu desenvolvimento futuro; em outras palavras, uma solução para o enigma da existência. — De onde viemos? Por que estamos aqui? Para onde vamos? Uma olhada nas páginas e no índice revela o fato de que o livro aborda os assuntos de um ponto de vista que esteja acima e além do conhecimento da maioria das pessoas e, portanto, a questão surge de modo natural na Mente dos sérios: o que há neste livro que justifique o seu estudo? Não é melhor e mais seguro evitar as visões e imaginações de alguém? Estou cansado dos ditados e dogmas que exigem que eu tenha fé e sinto que a única base segura é confiar na rocha da razão e depender dos fatos exatos, desenvolvidos pela ciência. Os cuidadosos investigadores científicos não usam sentimentalismo, fé ou imaginação, mas dependem apenas do que descobrem por meio de pesquisas sobre os segredos da natureza; eles não nos dão sentimentos obscenos, mas FATOS científicos.
À primeira vista, tal atitude parece razoável e lógica, mas uma inspeção um pouco mais detalhada mostrará em breve sua falsidade e seus pontos fracos. Durante vários anos temos acreditado que a ciência seja infalível, que ela nos dê fatos e não requeira fé, que seja absolutamente desprovida de imaginação e dependa apenas de resultados que são demonstrados em vários ramos por experiências de pesquisadores qualificados; no entanto, com certeza esse não é o caso, como o leitor verá quando abrir The Riddle of the Universe (O Enigma do Universo), de Ernst Haeckel, um dos principais expoentes de uma ciência monística que visa explicar tudo o que há no mundo por meio de causas físicas, negligenciando inteiramente o sobrenatural, como o chama. A propósito, esta é uma de suas principais falácias: tudo o que é, é natural, não há qualquer coisa que seja antinatural, não pode haver, nem existe algo sobrenatural.
O que essas pessoas realmente querem dizer é que elas explicam tudo a partir de uma base física e não reconhecem algo metafísico ou além do mundo físico. Porém, em relação ao conhecimento supostamente extenso e preciso da ciência, temos uma ideia muito diferente nas páginas 299 e 300 do livro mencionado. O Professor Haeckel diz:
“Quando não temos certeza de algo, nós dizemos eu acredito nisso. Nesse sentido, somos obrigados a fazer uso da fé mesmo na própria ciência; conjeturamos ou assumimos que existe uma certa relação entre dois fenômenos, embora não a conheçamos com certeza. Quando se trata de uma causa, formamos uma hipótese: a explicação de muitos fenômenos conectados pela suposição de uma causa comum é chamada de teoria. Tanto na teoria quanto na hipótese, a “fé” (no sentido científico) é indispensável, pois aqui novamente é a imaginação que preenche as lacunas deixadas pela inteligência, em nosso conhecimento sobre a conexão das coisas. Portanto, uma teoria deve sempre ser considerada apenas uma aproximação à verdade; deve-se entender que ela possa ser substituída por outra que seja melhor fundamentada. Mas, apesar dessa incerteza admitida, a teoria é imperativa para toda verdadeira ciência; ela elucida fatos postulando uma causa para eles.”
Teorias importantes, de primeira classe:
— Teoria da gravitação, em Astronomia (Newton);
— Teoria Nebular, na cosmogonia (Kant e Laplace);
— Princípio de energia, em Física (Meyer e Helmholtz);
— Teoria atômica, em Química (Dalton);
— Teoria vibratória, em óptica (Huyghens);
— Teoria celular, em Histologia (Schleiden e Schwann);
— Teoria em Descida, em Biologia (Lamarck e Darwin).
As teorias acima explicam um mundo inteiro de fenômenos naturais pela suposição de uma causa comum a todos os vários fatos de suas respectivas áreas, mostrando que todos os fenômenos estejam interconectados e sejam controlados por leis que resultam da causa comum, ainda que a causa em si possa permanecer obscura em caráter ou ser apenas uma “hipótese provisória”. A “força da gravidade”, na teoria da gravitação e cosmogonia; a própria “energia”, em sua relação com a matéria; o “éter” da óptica e da eletricidade; o “átomo” do químico; o “protoplasma” vivo da histologia; a “hereditariedade” do evolucionista — essas e outras concepções semelhantes de outras grandes teorias podem ser consideradas por um filósofo cético “meras hipóteses” e o resultado da “fé” científica; contudo, elas são indispensáveis para nós até serem substituídas por melhores hipóteses.
Haeckel afirma, como uma necessidade indispensável, o uso livre e irrestrito da imaginação com o objetivo de completar lacunas entre fatos isolados que foram descobertos pelo cientista; ele também denuncia, em termos não-qualificados, como estúpidos os cientistas que se recusam a fazer uso da fé e da crença.
Imaginação e fé são um “bom molho” para o ganso científico e, de fato, não pode prosperar sem elas; no entanto, quando são usadas na religião, lemos na página 301 que a “A diferença essencial entre essa superstição e a fé racional está no fato de que ela pressuponha forças e fenômenos sobrenaturais que são desconhecidos e inadmissíveis para a ciência e que são o resultado de ilusão e fantasia; sendo, portanto, irracional”. Assim, de acordo com o Prof. Haeckel, que pode ser considerado, hoje, um representante do mundo científico, a fé e a imaginação são indispensáveis à ciência e os cientistas que se esforçam para sobreviver sem elas são “mal-intencionados”; entretanto, a fé religiosa é o resultado de ilusões e fantasias; além disso, é superstição.
Assim, a religião parece não ser o único autor de ditados e dogmas; aqueles que se curvam diante do santuário científico ouvem, sem que haja vergonha ou pedido de desculpas, que, embora todas essas teorias possam se tornar, mais tarde, enganosas, hoje são a única fonte de crença correta e a ciência exige que sejam aceitas sem reservas por qualquer um que tenha o selo científico de sanidade.
O capítulo de abertura do Conceito Rosacruz do Cosmos é intitulado “Uma palavra para o sábio” e é literalmente significativo, pois aqueles que são ignorantes também são, nessa medida, ensináveis, por isso o Cristo apontou uma criança pequena como ideal. Quanto mais completamente perdermos o senso de nossa própria grandeza e conhecimento, melhor estaremos em posição de adquirir informações. Este escritor recorda, a esse respeito, ter chegado à pequena cidade de S. há alguns anos, pretendendo oferecer um curso feito de palestras. Estava preparado para pagar suas próprias despesas com o aluguel de salas e outras coisas, mas procurou obter ajuda de uma certa sociedade da cidade […] e uma reunião foi realizada com o objetivo de discutir alguns assuntos. Só alguns membros compareceram, mas foram bastante unânimes e capazes de expressar os sentimentos da sua sociedade, que foram os seguintes: tivemos o Sr. X aqui, bebemos vinho, jantamos e contratamos um teatro para ele, mas ele não pôde ensinar qualquer coisa para nós. Também tivemos a Sra. Y — ela não foi melhor. Então o Sr. Z. apareceu, não sabia coisa alguma e, portanto, não lhe queremos nem queremos suas palestras: você não pode nos ensinar qualquer coisa! E, na verdade, estavam certos: quem tem opiniões tão definidas, que é tão sábio em sua própria opinião presunçosa, que condena um ensinamento sem sequer ouvi-lo ou ponderá-lo pelo equilíbrio da razão, é incapaz de ser instruído nos Mistérios da Vida. Portanto, nosso Salvador insistiu apropriadamente em que todo aquele que não receber o Reino dos Céus como criança não entrará nele com sabedoria. A criança pequena não é prejudicada por opiniões pré-concebidas, não se sente obrigada a esconder sua ignorância; portanto, é notavelmente ensinável e assume tudo com confiança até que sua experiência de vida, que vem mais tarde, prove ser verdadeiro ou falso. Então a criança utiliza sua razão para se apegar àquilo que é bom, descartando o que for preciso ignorar. Essa é a atitude mental que todos devem cultivar, antes de poder estudar adequadamente e com lucro alguma filosofia de vida.
O Conceito Rosacruz do Cosmos vai um passo além: ele sustenta que o ser humano, sendo criado à imagem do seu criador divino, não se limita necessariamente aos cinco sentidos com os quais ele agora é dotado. Atrás de nós, na escala da evolução, encontramos criaturas que carecem de vários sentidos com os quais fomos abençoados e, logo, é razoável deduzir que devamos ter em nós mesmos a capacidade de desenvolver outros sentidos com os quais poderemos saber algo em que agora temos de acreditar. Esse é o caso, como afirmado pelo Conceito Rosacruz do Cosmos; ele diz que tais sentidos estejam latentes em todos e cada um de nós e que é possível, por exercícios científicos e apropriados, desenvolvê-los antes que estejam disponíveis para uso, no curso normal da evolução. Alguns experimentaram esses métodos e verificaram que sejam verdadeiros; outros, com a persistência e perseverança necessárias, descobrirão que seja possível seguir os seus passos.
O Estudante Rosacruz deve ler o capítulo “Uma palavra para o sábio” para entender completamente a fonte de informação subjacente ao Conceito Rosacruz do Cosmos, devendo também compará-lo aos métodos declaradamente especulativos da ciência. Sobre isso é digno de nota que as “fotografias” do Prof. Haeckel de um feto em diferentes estágios, que professam apresentar um panorama pictórico da vida intrauterina, sejam parcialmente “inventadas” pela especulação sobre o que deve ter ocorrido para conectar os desenvolvimentos mostrados pelas fotografias genuínas da série. Nenhuma palavra foi dita sobre essa interpolação de “elos perdidos” por desenhos teóricos, quando a série foi publicada e anunciada como a maior das realizações científicas; e quando o professor foi acusado mais tarde de métodos fraudulentos, ele se defendeu apelando à “necessidade científica” que tornou mandatório preencher com especulação o que não pôde ser aprendido pela observação.
Quando o Estudante Rosacruz domina completamente os fundamentos das asserções científicas e as compara à fonte de informação do Conceito Rosacruz do Cosmos, não deve ser difícil escolher ou mostrar aos outros como escolher.
(Publicado na Revista Rays from the Rose Cross em 05/1915 e traduzido pela Fraternidade Rosacruz – Campinas – SP – Brasil)