Escorpião: Coragem
– Você sabe o que acontece com garotos que ficam viciados – a voz de Lili era urgente – Você esteve na clínica e os viu passando pelo processo de recuperação. Você quer que isso aconteça com a Mônica?
– Lili, você não tem o direito de contar para a mãe dela. O que Mônica está fazendo é coisa só dela. Ela tem tanto direito de viver sua vida como você, e o que ela quer fazer com ela é problema dela – disse Gerson zangado. Contar para a Sra. Paranhos significa interferir na vida de Mônica. Você gostaria de ter alguém bisbilhotando todos os seus passos? Além disso, você não sabe que você vai ter que se ver com a turma se contar? Você será rejeitada – ou pior.
– Sei disso muito bem – disse Lili. Mas eu não posso ficar de lado e ver Mônica se matar. Acredite, vou precisar de toda a minha coragem para contar para a mãe dela, sabendo que eu vou fazer com que Mônica e todos me odeiem. E também eu não sinto prazer algum em transmitir as belas notícias para a Sra. Paranhos. Mas, o que e que eu posso fazer?
– Você pode não meter o nariz onde não é chamada – retorquiu Gerson.
– Como é que você pode dizer isso? – Implorou Lili – Eu pensei que você era amigo dela.
– Eu sou amigo dela – disse Gerson – e é por isso que eu digo: não se meta e deixe-a em paz.
Lili suspirou.
– Nunca vou fazer você entender, Gerson. Ela também é minha amiga, e é justamente por isso que eu acho que devo fazer alguma coisa para salvá-la, mesmo que isto faça todos ficarem contra mim. Eu já falei com ela, mas não adiantou nada. Alguém tem que ajuda-la, e não conheço ninguém que tenha maior intimidade com ela e que possa ajudá-la tanto neste momento, como sua própria mãe. Por isso, eu vou falar com a Sra. Paranhos hoje de tarde. Como a rapaziada vai me tratar depois, não é tão importante para mim como o que possa acontecer com a Mônica.
Gerson saiu zangado e Lili dirigiu-se devagar, mas decidida, para a casa dos Paranhos. Sua conversa com a mãe de Mônica foi tão desagradável como ela havia previsto.
No começo, a Sra. Paranhos recusou-se a acreditar que sua filha estivesse tomando drogas – embora depois admitisse ter notado alguns sintomas em Mônica, mas, não querendo admitir o fato, ela realmente havia afastado a suspeita de sua mente. Contudo, concordou que Mônica deveria receber assistência e orientação profissional.
No dia seguinte, Mônica não estava na escola e a maioria dos estudantes ignoravam Lili acintosamente, exceto por ocasionais zombarias. Evidentemente, Gerson tinha espalhado a notícia. Por muitas semanas, Lili ficou isolada. Quando as pessoas a viam chegar, deliberadamente paravam de conversar e viravam-lhe as costas. Antigos amigos a evitavam, e o fato de que os professores e o diretor pareciam tratá-la com especial bondade, somente contribuía para tornar a sua posição entre os estudantes ainda mais incomoda.
Lili não tentou justificar o seu ato – na verdade, não lhe pediram para fazê-lo e o tratamentoque lhe dispensavam era muito pior do que teria sido defender-se verbalmente. Contudo, continuou convencida de que havia feito à coisa certa e, embora inegavelmente infeliz, tivesse certeza de que com o tempo seria justificada. Os relatórios sobre o progresso de Mônica, que recebia quase diariamente da Sra. Paranhos, conseguiam animá-la. Mônica estava em uma instituição particular, equipada especialmente para tratar de viciados em drogas, e tinha passado muito bem a pior fase da recuperação.
Depois de muitas semanas, inesperadamente, Mônica voltou à escola, com muito melhor aspecto do que tivera por muito tempo. No fim do dia, pediu para falar à classe.
– Pessoal, eu não sei como dizer isto, começou, masdepois de ter conversado com alguns de vocês, estou vendo o que a Lili tem passado todo este tempo. Confesso que quando fiquei sabendo que fora ela que havia contado àminha mãe, eu a odiei por se meter. Eu tinha medo de ir para aquele sanatório e tinha pavor da recuperação. Mas, bem no fundo, eu desejava me livrar da droga. Ninguém que esteja viciado quer realmente o ser. Eu precisava de ajuda, mas tinha medo de pedir a alguém, por isso me afundava cada vez mais. Ainda agora não tenho certeza de estar completamente curada, mas foi graças a Lili que eu tive outra oportunidade e apenas espero desta vez conseguir ficar no caminho certo. Contudo, se não fosse por Lili, eu agora estaria em bem piores condições e se não tivesse tido essa ajuda, não poderia me livrar da droga. Dizem que não épreciso muita quantidade dessa coisa, para que se fique terrivelmente viciado e agora eu acredito nisso. De qualquer modo, eu devo toda minha vida à Lili. Não creio que alguém tivesse feito o que ela fez, e gostaria que vocês voltassem a serem seus amigos. Eu também teria agido como vocês se ela tivesse interferido com algum outro, mas agora vejo que, às vezes, é preciso interferir. Foi preciso ter muita coragem para fazer o que ela fez, e eu nunca poderei lhe pagar.
Mônica sentou-se e houve um longo silêncio. Depois Gerson se levantou.
– Acho que todos devemos pedir desculpas a Lili e mais do que isso. Fala-se muito neste mundo em “coragem moral”, mas foi necessário alguém que realmente a tem, para nos mostrar o que ela é.
(Do Livro Histórias da Era Aquariana para Adolescentes – Vol. VI – Compilado por um Estudante – Fraternidade Rosacruz).
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