Túlia de Pompeia

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

Túlia de Pompeia

Túlia de Pompeia

— Tio Jack, conte-me uma história, pediu Maria Elizabeth.

Tio Jack havia acabado de chegar de uma cidade distante para visitar os pais de Maria Elizabeth. Ele tinha viajado por todo o mundo e conheceu coisas maravilhosas sobre lugares longínquos e exóticos. Maria Elizabeth tinha certeza de que ele poderia contar muitas histórias interessantes para ela.

— Mamãe diz que você conta histórias sobre meninos e meninas que viveram há centenas de anos; é verdade? Perguntou à menina.

— Possivelmente, disse Tio Jack. Talvez eu possa contar-lhe alguma coisa desse tipo.

— Como você faz isso? Perguntou Maria Elizabeth. Como você pode saber sobre meninos e meninas que viveram há tanto tempo atrás?

— Você já ouviu falar da Memória da Natureza? Perguntou Tio Jack. Pois ela existe e é dela que eu tiro o material para algumas de minhas histórias; isto é, eu leio na Memória da Natureza.

— É maravilhoso! Exclamou Maria Elizabeth. Como você faz isso?

— Bem, de certo modo é como olhar para cenas que se movem. É uma espécie de segunda visão que eu possuo. Me concentro de tal maneira que vejo cenas na Memória da Natureza, como um filme passando na frente dos meus olhos.

— Parece muito interessante, disse Maria Elizabeth. Você podia me contar uma história sobre alguns dos meninos e meninas que viveram a centenas de anos?

– Certamente, foi a resposta, aqui vai.

******

A longa rua de Pompeia, sulcada por charretes, que eram carros de duas rodas usados antigamente na guerra e nas corridas, estava cheia de vida. As vozes dos vendedores ambulantes e das flores eram claramente ouvidas. E, bem perto, podia-se ouvir também os sacerdotes no templo celebrando, em cânticos e em música, sua devoção a algum antigo deus ou deusa. De longe, ouviam-se vozes excitadas e o som metálico das rodas das charretes no pavimento de pedras.

As paredes brancas das casas brilhavam à luz do Sol, embora existisse um estranho tom avermelhado sobre tudo, mas isto era talvez causado pela nuvem escura que se espalhava vinda do topo da montanha e que se erguia bem acima da cidade. Essa montanha era o Vesúvio e o seu pico estava coberto de neve.

Era uma cidade quente, rica e resplandecente. Belas casas com suas portas abertas para a rua, grandes templos com suas altas e claras colunas à luz do Sol e, à distância, podia-se perceber o azul do mar.

Multidões de pessoas e charretes estavam passando pelas ruas, correndo para algum jogo no anfiteatro distante. Um escravo saiu para a rua pela larga porta de um palácio. Protegendo os olhos com a mão, ele olhou para a nuvem escura que pairava sobre a montanha. Finalmente, com um meneio ansioso, entrou pelo portão novamente.

Era um amplo e fresco átrio, em comparação com o calor da rua. Havia vasos de flores colocados em nichos nas paredes e, ao fundo, viam-se flores e árvores no peristilo[1], uma espécie de pátio interno. O velho escravo fechou a porta da rua, pisando com cuidado sobre um mosaico que mostrava a figura de um cachorro latindo, mosaico feito com pedras de cores vivas. Sob a figura do cachorro lia-se palavras de advertência: “Cave Canem”, que queria dizer “Cuidado com o cachorro”. Então, andando lenta e pensativamente, com a cabeça baixa mergulhado em pensamentos profundos, ele entrou no peristilo, uma parte do qual era ocupada por um pequeno jardim encantador, cheio de flores.

Árvores verdes lançavam sua sombra refrescante sobre bancos de mármore branco, a passagem estava coberta por tapetes de cores luminosas, estátuas brancas e brilhantes espiavam de seus recantos cheios de flores e de samambaias, e o esguicho fresco da água da fonte sustentada por um fauno branco, alimentava o chafariz onde nadavam peixes dourados. Perto do chafariz e sob a sombra de uma pequena figueira havia um divã e nele, entre montanhas de almofadas macias, recostava-se uma menina frágil e esbelta brincando com um macaquinho branco.

Vagarosamente, o escravo aproximou-se e sentou-se no chão de mármore.

— Por que você está tão intranquilo hoje, Nelo? Perguntou a doce voz infantil, enquanto a menina estendia a mão delgada tocando a face escura do escravo. Você queria ir aos jogos com os outros escravos?

— Não, não é isso, pequena Túlia. Você sabe que eu não gosto de ver homens e feras lutando. Além disso, seu pai pediu-me para tomar conta de você até que ele voltasse.

A menina riu.

— Então não fique tão ansioso. Você está quase tão intranquilo quanto meu pequenino Nito. Você acha que é este calor sufocante que o faz ficar assim?

Nelo olhou para o macaquinho que estava andando de um lado para outro, mexendo os olhinhos pretos, como se fosse incapaz de decidir qual o lugar melhor ou mais seguro.

— Ele está com medo de alguma coisa, pequena Túlia. Os deuses deram aos animais um senso de perigo mais aguçado do que o nosso.

O rosto da criança tornou-se sério. Ela ergueu-se um pouco nas almofadas e disse:

— Talvez seja por isso que as feras, nas covas do circo, estão rugindo tão alto. Você acha que elas também estão com medo de algo?

O velho Nelo, olhando rapidamente para a criança, sorriu e respondeu:

— Olhe, pequena Túlia, não fique com medo. Sem dúvida alguma, é por causa do calor que elas estão tão intranquilas e também por causa do terremoto que algumas noites atrás assustou-as.

Túlia sorriu e bateu levemente na mão do escravo:

— Claro que eu não sinto medo com você e Adriano tomando conta de mim. Mas gostaria que este calor e essa claridade terríveis cessassem.

O velho escravo levantou os olhos para um jovem alto que havia se aproximado e estava ali parado, ouvindo a conversa. Com uma troca de olhares, eles se afastaram para um canto do pátio.

— O que você acha, meu pai? Perguntou o mais jovem, em voz baixa. Você acha que é melhor deixar à cidade rapidamente levando a criança?

Passando a mão trêmula sobre os olhos, o velho respondeu:

— Eu gostaria que os deuses me dissessem o que fazer. O patrão ordenou que ficássemos aqui até que ele voltasse de Roma, mas ele não podia imaginar O perigo que nos ameaça. Muitas vezes vi montanhas esconderem seus topos em nuvens avermelhadas e não posso deixar de ter medo. Não gosto desta coisa no ar e do rugido dos leões — Oseias disse-me que desde ontem eles vêm recusando todo alimento, procurando fugir de qualquer jeito da sua cova.

Ele pensou mais um pouco e ordenou:

— Vá, meu filho. Junte alimentos e roupas, enquanto eu preparo a pequena Túlia para a viagem. Você tem certeza de que o barco está pronto?

— Aprontei tudo esta manhã como o senhor ordenou, respondeu Adriano, saindo apressadamente.

Nelo voltou para perto da menina, substituindo seu olhar preocupado por um sorriso calmo para evitar que ela ficasse assustada.

— Você gostaria de dar um passeio de barco esta tarde? Talvez esteja mais fresco no mar.

Túlia sorriu e bateu palmas alegremente:

— Claro que gostaria, Nelo. E talvez possamos encontrar papai e mamãe. Você sabe, está quase na hora deles voltarem.

Com movimentos rápidos e delicados, Nelo levantou nos braços o corpinho frágil, envolvendo-o num chalé de seda.

— Algum dia, Nelo, eu andarei como às outras crianças; você não acha? Perguntou Túlia, levantando a cabeça para observar o rosto do escravo.

Ele sorriu, enquanto ajeitou o xale nos pezinhos rosados da menina e disse:

— Com certeza você vai poder andar e correr como qualquer criança da rua se realmente quiser; não foi isso que os grandes médicos disseram a seu pai? E seus pais não oferecem diariamente orações e presentes nos templos, para que os deuses a curem?

Sentindo-se mais confortada, Túlia sorriu alegremente e aconchegou-se nos braços do escravo.

— O senhor está pronto, pai? Perguntou Adriano, parado na porta. Carregando Túlia cuidadosamente, Nelo saiu, seguindo o filho.

Na rua assustaram-se com a rápida mudança: a luminosidade era agora de um vermelho intenso e a nuvem escura tinha-se espalhado num formato de cogumelo sobre toda a cidade.

Nelo olhou para cima e cochichou para o filho:

— Vamos andar mais depressa, pois temo que já seja tarde demais.

De repente, Túlia gritou e agarrou o braço do escravo:

— Nelo, você esqueceu Nito! Eu não posso deixar meu macaquinho aqui. Por favor, Adriano, vá busca-lo.

Por um momento, Adriano hesitou, mas, deixando os alimentos e as roupas no chão, correu apressadamente para a casa. Pareceu a Nelo e a Túlia que ele e demorou muito tempo para voltar. A nuvem tinha-se tornado mais escura e mais pesada e relâmpagos enchiam-na de fogo, fazendo com que a pequena Túlia escondesse o rosto nos ombros de Nelo. Adriano voltou correndo, segurando o macaquinho e explicou:

— Ele estava assustado demais para reconhecer a minha voz e tinha se escondido, murmurou Adriano para o pai, ao mesmo tempo que pegava as coisas do chão.

Desceram a rua rapidamente.

A nuvem tornava-se cada vez mais negra e ruídos abafados e contínuos, como trovões, vinham do chão, sob seus pés, enquanto uma leve chuva de cinzas caía, cobrindo suas cabeças e suas vestes.

A rua que levava ao mar estava quase vazia, mas das outras ruas, das lojas e dos templos apinhados de gente, vinham gritos de pavor, à medida que as pessoas percebiam que corriam perigo.

Enquanto olhavam assustados para a nuvem escura, os dois escravos apressaram-se, levando sua carga preciosa em direção ao mar. Finalmente chegaram à praia. Nelo colocou Túlia cuidadosamente no barco, sobre uma pilha de cobertores. Ela abraçava seu minúsculo Nito, enquanto Nelo ajudava Adriano a empurrar a pequena embarcação mar adentro. Foi um trabalho rápido e logo eles se afastaram da cidade condenada.

A escuridão em breve apagou a cena e, apenas de vez em quando, os relâmpagos mostravam muitos outros barquinhos levando aqueles que tiveram a sorte de alcançar a praia.

Depois do que pareceu um longo tempo, começou a clarear de novo e o pequeno barco dirigiu-se para uma caverna pelas ondas, num alto penhasco. Adriano puxou o barco até a praia e, pegando a menina nos braços, levou-a até o refúgio e colocou-a com cuidado no chão.

— Olhe, pai, ela está dormindo. Coitadinha, está cansada. De fato, foi uma noite terrível para alguém tão frágil como ela. Aqui estará segura.

— Amanhã, nós a levaremos para a casa dos parentes, de onde poderemos mandar uma mensagem para nosso patrão. Ele ficará contente em saber que a filha está em segurança, pois ela é o tesouro de seu coração.

Nelo colocou gentilmente outro xale sobre a pequena Túlia adormecida e o macaquinho aconchegou-se mais nos braços da menina, pois ele também estava muito cansado.

*******

— Oh, que bom que eles escaparam! Suspirou Maria Elizabeth. Que bom você ser capaz de ler histórias tão maravilhosas assim na Memória da Natureza. Será que à Pequena Túlia cresceu saudável e forte?

Tio Jack beijou o rosto da sobrinha e sorrindo concluiu:

— Eu tenho a certeza que sim, querida, porque eu segui a história até o fim de sua vida.

Maria Elizabeth exclamou alegremente:

— Estou tão contente! Isto torna a história ainda mais maravilha.

[1] N.R.: Pátio rodeado por colunas.

(Do Livro Histórias da Era Aquariana para Crianças – Vol. IV – Compiladas por um Estudante – Fraternidade Rosacruz)

Sobre o autor

Fraternidade Rosacruz de Campinas administrator

Deixe uma resposta

Idiomas