A Responsabilidade do Conhecimento que você adquire
Nos tempos primitivos, quando começávamos nossas vidas, como seres humanos, tínhamos pouquíssima experiência e, por conseguinte, nossa responsabilidade era mínima, também.
A responsabilidade depende do que se sabe. Os animais não são responsáveis: segundo a Lei de Consequência, desde o ponto de vista moral, ainda que, naturalmente, se um animal salta por uma janela, cairá sob a lei de Consequência física, assim, como quando cai num barranco ou num acidente do terreno, podendo quebrar uma perna ou sofrer algum outro ferimento. Porém, se um indivíduo fizesse o mesmo, cairia de baixo da lei de responsabilidade moral e, além disso, estaria sob a Lei de Causa e Efeito. A pessoa tem esta dupla responsabilidade, porque sabe o que deve fazer e não tem o direito de causar prejuízo ao instrumento que lhe foi dado (Corpo Denso). Assim, pois, vemos que somos moralmente responsáveis, segundo nossos conhecimentos.
Como temos tido já a experiência de muitas vidas, nascemos sempre com os talentos acumulados, que são os resultados de experiência de todas as vidas anteriores. Somos, por conseguinte, responsáveis pelo modo como os usamos. É necessário que ponhamos estes talentos à prática, porque de outro modo se atrofiarão, tal como ocorreria com a mão; também nossas faculdades espirituais se atrofiarão se não tiramos proveito delas, e se não aumentamos nossas capacidades. Não pode haver parada nem descanso neste caminho da evolução pelo qual caminhamos; temos de avançar para diante, ou degeneraremos.
Há evidentemente muita responsabilidade para aquele que sabe, e quanta mais sabemos, tanto maior é nossa responsabilidade; isto está muito claro. Porém, considerando a ciência oculta, desde o ponto de vista ainda mais profundo, há uma responsabilidade para aquele que sabe, e é esta fase especial de responsabilidade que desejamos tratar aqui.
Mabel Collins (N.R.: 1851-1927, mística britânica) afirma que a história relatada em seu livro “A flor e a fruta”, ou a história de Fleta, a Maga Negra, é uma história verídica. Diz ela que o assunto de sua história chegou as suas mãos de um país mui remoto e de uma maneira muito estranha; e desde o ponto de vista daquele que sabe, há nela alguma das mais profundas verdades a respeito da maneira de obter conhecimento e seu emprego. Descreve-se em tal história, como Fleta, ao princípio de suas encarnações e ainda em estado selvagem, assassinou a seu noivo, e que, pela crueldade demonstrada nesse ato, obteve certo poder. Este poder, naturalmente, em consonância com o delito, era característica da magia negra. Por essa razão, na vida da qual trata esta história, ela possuía o poder de um mago negro, e para aumentá-lo mais ainda, obrigou seu noivo a matar outra entidade. Deste modo infernal empregava seu conhecimento.
Há nisto uma profunda verdade. Todo saber não saturado de vida e vazio, sem finalidade, é inútil. A vida que dá poder ao que sabe pode ser obtida de distintas maneiras, e pode ser, também, aproveitada de vários modos. Uma vez obtida, pode ser encenada em um talismã, e então pode ser usada por outros, para bons ou maus fins, conforme o caráter daquele que o usa. Se se encerra dentro da pessoa que desenvolve um poder, então, será usada segundo o caráter dessa pessoa. Segundo o mesmo princípio, podemos acumular eletricidade numa bateria para que possa ser retirada da estação elétrica e empregada para muitos fins, por outras pessoas alheias aquela que a acumulou. Assim, também, o poder dinâmico, obtido pelo sacrifício da vida com o fim de ganhar poderes ocultos, pode ser usado de um modo ou de outro, se encontra acumulado num talismã.
Esta particularidade, vemo-la muito bem ilustrada na lenda de Parsifal (N.R.: uma ópera de três atos do com a música e libreto do compositor alemão Richard Wagner). Ali, o sangue purificador do Salvador, oferecido em nobre sacrifício de si mesmo – não tomado de outrem – foi recebido num vaso, que por isso converteu-se num talismã, dotado de um poder espiritual e capaz de transmiti-lo a todos os que o viam, desde que fossem puros, castos e inofensivos. Também conhecemos o símbolo da lança, que havia causado o ferimento do qual jorrou o sangue de Jesus. Ela estava manchada de sangue purificador, e converteu-se, assim, num talismã, que podia ser empregado de diversos modos. Durante o reinado de Titurel, o mistério do Graal era poderoso; porém, quando o Graal foi entregue a seu filho Amfortas, este saiu armado com sua lança para matar Klingsor, o mago negro. Então, deixou de ser inofensivo, porque quis perverter esse grande poder espiritual para matar um inimigo. Apesar de tratar-se de um inimigo do bem, não era justo empregar-se este poder para tal fim, e por essa razão o poder voltou-se contra ele. Ele teria deixado de ser casto, puro e inofensivo, e então o poder produziu-lhe a ferida.
Lemos, a respeito de David, o sangrento guerreiro, a quem o Senhor proibiu de construir o Templo. Ainda que aquele Senhor fosse um deus da guerra, tendo de castigar várias nações para fazê-las entrar de novo no reto caminho, ele não podia usar o instrumento manchado de sangue de Suas guerras para construir um templo. Isto foi incumbido ao filho de David, Salomão, o homem da paz. É dito que Salomão desejou sabedoria e muito conhecimento, não para vencer seus inimigos, não para alargar seus territórios e fazer de seus súditos uma grande nação, senão para reinar melhor sobre o povo que havia sido confiado aos seus cuidados. E recebeu sabedoria em abundância. Vemos também que Parsifal, o oposto de Amfortas, era filho de um guerreiro, um homem sanguinário, já morto. Por sua mãe Herzleide, que significa “coração aflito”, Parsifal, a criança póstuma, veio ao mundo. Nos primeiros anos, usou o arco, porém, em certo momento, fez-se casto, puro e inofensivo, e pelo poder destas qualidades manteve-se firme no dia da tentação e tomou a lança de Klingsor, que a conservava desde o dia em que Amfortas a havia perdido.
Em suas jornadas, desde o dia em que recebeu a lança, até o momento de seu regresso ao Castelo do Graal, Parsifal teve de enfrentar muitas tentações. Muitas vezes, estando em perigo, reconheceu que podia pôr-se a salvo empregando a sagrada lança se a tivesse tomado contra seus inimigos. Porém, sabia que não devia usar a lança PARA FERIR, mas sim PARA CURAR; ele compreendeu quão sagrado era. O poder que o sangue do sacrifício havia conferido ao talismã, e que este devia empregar-se somente para os fins mais elevados.
Assim, pois, vemos sempre, aqueles que entram na posse de um poder espiritual não o empregam nunca para fins egoístas. Aconteça o que acontecer está firme neste ponto. Por duro que seja o ataque que sofram, nunca, nem por um momento, sentem-se inclinados a prostituir seu poder por vantagens pessoais. Ainda que alguém que tenha esse dom possa, se quiser, dar de comer a cinco mil pessoas famintas não tomará nem mesmo uma pedra para transformá-la em pão para aliviar sua própria fome. Muito embora esteja diante de seus inimigos e os cure, como Cristo restaurou a orelha do soldado romano, negar-se-á a usar seu poder espiritual para fazer voltar o sangue que fluiu do seu próprio peito. Sempre se tem dito de semelhantes seres que “salvaram a outros, porém, não se salvaram a si mesmos”. Poderiam, por certo, tê-lo feito, porque esse poder é grande. Porém, usando-o desse modo, tê-lo-iam perdido, porque não tinham o direito de prostituí-lo.
Depois há outra classe de mistério mui distinta da do Graal. Por exemplo, a cabeça de João Batista foi colocada numa bandeja depois de sua execução, e alguns atraíram certo poder pela contemplação deste espetáculo. O mito grego nos fala de Argos, que sendo dotado de muitos olhos, via por todos os lados ao mesmo tempo – era um clarividente. Porém, empregou esse poder com um propósito ilícito, e Mercúrio, o deus da sabedoria, cortou-lhe a cabeça, privando-o assim do seu poder. Sempre que alguém procura empregar a sabedoria e o poder espiritual ilicitamente, perdê-lo-á infalivelmente.
Cada célula tem sua vida própria, individual, e esta vida é destruída pela atividade do pensamento, ou melhor dito, a forma é destruída de modo que a vida não pode continuar a manifestar-se nela. Sempre existe destruição da vida, em qualquer direção que seguimos em busca do conhecimento. Alguns há que destroem a vida em experiências científicas, por pura curiosidade. Outros o fazem até com crueldade, como na vivisseção, e neste caso, quando a busca do conhecimento se procura apenas por motivos de curiosidade, existe dívida terrível a ser resgatada em algum dia futuro, porque o equilíbrio deve restabelecer-se sem dúvida nem remissão alguma.
Assim vemos o que ocorre no caso de Fleta, em que o sacrifício de uma vida em certo momento no mundo físico foi seguido de outro sacrifício no outro mundo; porém, por sua mediação ela ganhou um poder que a elevou até a porta do templo, onde bateu em busca da Iniciação. Seus motivos, entretanto, como os de Klingsor, não eram puros. Ela não era casta, não estava preparada para adquirir o poder espiritual de um modo completo, nem para ser considerada como uma auxiliar da humanidade; por essa razão foi repelida da porta do templo e sofreu a morte do mago negro. Há um véu diante de sua morte, e não se diz o que há por detrás dele. Talvez convenha mais que essas coisas não sejam publicadas. Porém, isto não diminui o valor da lição de que não podemos destruir vidas, nem acumular saber, de uma maneira ilícita; sem incorrer, por isso, numa terrível responsabilidade. A única razão que é satisfatória e própria da busca do saber é que com isso podemos servir de um modo mais eficaz a raça humana.
Atualmente, o sacrifício da vida para obter conhecimentos é inevitável, não podemos remediá-lo. Porém, deveríamos buscar estes conhecimentos com os melhores e mais puros motivos, porque são infinitas as vidas que destruímos por essa razão, com propósitos que não são justos. Portanto, repetimos que ninguém tem o direito de procurar conhecimentos se não é pelos mais puros motivos.
Se por outro lado, cumprimos com nossos deveres, se tratamos de fazer todas as coisas que chegam as nossas mãos, bem e completamente, e se temos aspirações espirituais, sem forçar nosso crescimento espiritual, então estaremos bem preparados para alcançar poderes mais elevados. É uma das características mais notáveis dos exercícios rosacruzes que eles não só nos proporcionam crescimento espiritual, mas nos preparam também para a posse desse conhecimento. Temos de aprender a andar pelo caminho do dever, e viver a reta vida. Não devemos pensar numa longa vida. Há muitos, como diz Tomás de Kempis (N.R.: Monge e escritor alemão, 1379-1471 – o seu livro mais célebre, Imitação de Cristo, composto por quatro volumes, no qual apela a uma vida seguida no exemplo de Cristo, valorizando a comunhão como forma de reforçar a fé)., que têm desejos de uma longa vida, porém nós não devemos nos preocupar com isso. É MELHOR QUE TRATEMOS DE FAZER CADA DIA O NOSSO DEVER; então estaremos, seguramente, preparados para obter maior saber e mais elevados poderes.
Em qualquer esfera em que nos movamos, há um lugar onde podemos aplicar nosso saber, não na forma de fazer sermões para que nossos conhecimentos sejam admirados, mas sim para vivermos a vida espiritual, e para sermos EXEMPLOS VIVENTES dos nossos ensinamentos. Todos temos esta oportunidade, e não é preciso buscá-la longe; está ao redor de nós, ao nosso alcance.
Tomás de Kempis expressou isto de um modo como só um místico pode fazê-lo; envolveu a ideia naquelas formosas palavras em sua “Imitação de Cristo”:
“Todo homem tem o desejo natural de saber, porém, que valem conhecimentos sem o temor de Deus? Seguramente um humilde lavrador que serve a Deus é melhor do que um orgulhoso filósofo que estuda o movimento celeste e não se ocupa de si mesmo… Quanto mais saibas, tanto mais severo será o teu juízo, a menos que tua vida também seja mais santa. Por esta razão, não sejas orgulhoso, senão antes tem temor pelo saber que recebeste. Se pensas que sabes muito, lembra-te que há muitas coisas que ignoras. Não sabes quanto tempo poderás prosperar fazendo o bem!”.
Por este motivo convém recordar que não devemos buscar conhecimentos simplesmente para possuirmos, senão somente como um meio para chegar a viver uma vida mais pura, porque esta é a única coisa que pode justifica-los.
(Revista Serviço Rosacruz – 07/67 – Fraternidade Rosacruz – SP)
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