A Princesa e a Cozinha

PorFraternidade Rosacruz de Campinas

A Princesa e a Cozinha

A Princesa e a Cozinha

Era uma vez uma jovem e linda princesa que vivia em um enorme castelo bem no alto de uma montanha.

Até aí nada de especial, porque naturalmente todos já sabemos que “era uma vez” havia lindas princesas que viviam em enormes castelos nos altos das maiores montanhas…

O particularmente especial aqui é que esta princesa gostava de cozinhar. Todas as outras princesas dispunham de cozinheiras. E os cozinheiros faziam bolos de aniversário com coberturas de glacê açucarado, pudins, e dedos-de-moças que se derretiam na boca das princesas. E faziam saladas de frutas com laranjas, mamões, uvas, peras, e abacaxis e gelo, que ao final mais pareciam sorvete do que propriamente salada.

Mas esta princesa – cujo nome era Ariadne – não tinha cozinheiro.

Muitos mestres-cucas já haviam batido aos portões do castelo na esperança de conseguir emprego. Traziam amostras dos seus mais exóticos e variados pratos em grandes travessas para a princesa provar. Mas a resposta dela era sempre: “Não, muito obrigado. Eu cozinho melhor do que qualquer um”. E lá se iam embora os candidatos, tristonhos, com suas travessas de exóticos pratos e sem emprego.

Ariadne aplicava a maior parte do seu tempo na cozinha do castelo. Misturava e combinava espumantes molhos em grandes garrafões ou botijas escuras; fatiava batatas e cenouras; cortava pepinos e nabos, usando sempre uma afiada faca de trinchar. E tanto o mordomo que servia a mesa quanto a criada que lavava os pratos receavam que ela um dia cortasse os seus reais dedinhos.

Mas isso nunca aconteceu. Ela quebrava nozes e descascava bananas; descaroçava tâmaras e espremia laranjas; recheava tomates, batia ovos e salgava beterrabas. E chorava quando cortava as robustas cebolas da hortaliça do castelo.

Enquanto fazia patê para o café matinal, Ariadne já pensava sobre o suflê de queijo que precisava fazer para o almoço. Enquanto fazia o suflê de queijo, ela já planejava sobre o que haveria de acrescentar a sopa de legumes do jantar. E enquanto preparava a sopa do jantar, já pensava no que seria melhor para o café do dia seguinte: se a papa de aveia ou a omelete.

De vez em quando um príncipe de um reinado longínquo, ouvindo falar da rara beleza de Ariadne, decidira visitá-la. Nessas ocasiões o lacaio descia os altos degraus que davam a cozinha, e avisava Ariadne da chegada de mais um príncipe.

Ariadne então invariavelmente dizia: “Oh! Meu Deus. Não tenho tempo para pôr minha coroa e recebê-lo na sala do trono. Traga-o aqui mesmo”.

E o lacaio, franzindo o sobrolho porque discordava totalmente dessa atitude de Sua Altezinha, não tinha outra escolha senão pedir ao Visitante que o acompanhasse escada abaixo até a enfumaçada cozinha.

“Bom dia, meu bom príncipe”, cumprimentava Ariadne polidamente, dando as boas-vindas ao recém-chegado, e apenas levantando os olhos da massa de pão que preparava, “Muita gentileza de sua parte vir de tão longe a visitar-me”.

Os príncipes, que por certo haviam visitado muitas outras princesas, mas nunca nas cozinhas, nem quaisquer delas fazendo massa de pão, lembravam-se somente de se curvarem para Ariadne e de dizer-lhe: “Bom dia, Alteza Real.

É muita bondade de sua parte receber-me”.

Depois disso, contudo quaisquer dos príncipes visitantes pareciam não saber mais o que dizer. Regra geral, quando eles visitavam uma princesa, ela sentava-se em seu trono e eles sobre uma almofada de sedã aos pés, e conversavam então sobre torneios e cavalos; sobre caçadas e bailes; sobre valentes cavaleiros e elegantes damas.
Às vezes, conversavam e liam manuscritos na biblioteca do pai dela, o Rei.

Quando um príncipe visitava Ariadne, porém, tudo era diferente.

A princesa oferecia-lhe de início um rústico e duro banco, sem se interromper no seu trabalho culinário. Era comum então dizer inesperadamente:

“Quebre-me isto, por favor”, passando ao príncipe alguns ovos e uma tigela. Se o príncipe – a quem geralmente jamais haviam pedido antes para partir um ovo sequer –tivesse sorte, a maior parte dos ovos partiam-se dentro da- tigela. Mas via de regra, por um desastrado manuseio, os ovos rolavam pela mesa e caiam ao chão, onde se espatifavam.

Algumas vezes Ariadne dizia:

“Você se importaria em amassar isto para mim?” Então, o príncipe – que poderia enfrentar o mais pesado javali na mais desigual batalha sentia-se perdido. Ele simplesmente não sabia como segurar o rolo; ou não podia evitar que o mesmo grudasse; ou ignorava como “puxar” a massa para deixá-la delgada. E geralmente acabava com massa grudada no rosto, nas mãos e por toda a roupa – o garboso uniforme. Aí então o príncipe sentia-se envergonhado. E como os príncipes não gostam de se sentir envergonhados, eles todos guardavam uma triste recordação de sua infeliz visita a Ariadne. E nunca mais voltavam a visitá-la.

Ariadne, que se aborrecia com príncipes (ainda que não o demonstrasse), de fato pouco se importava que eles não mais voltassem. Não. Se nem um daquele lote de príncipes que a tinham visitado pôde falar sequer sobre creme de espinafre, de bolo de abóbora, de milho torrado ou mesmo de purê de batatas! Nem um deles sabia a mínima coisa a respeito de fazer pipocas, ou assar uma torta, ou colher um melão maduro!

A maioria falava tão pouco sobre culinária que mais parecia nada saber sobre a arte. Os poucos que falavam tagarelavam apenas sobre torneios, cavalos, caças, bailes, valentes cavaleiros e elegantes damas. Ariadne vivia sempre tão ocupada na cozinha que não dispunha de tempo para torneios, cavalos e caças e bailes e jogos e cavaleiros valentes e damas elegantes. E certamente pouco desejava ouvir sobre os assuntos.

“Oh! ” _ exclamava Ariadne tão logo o príncipe saia – “Alegro-me por vê-lo ir-se. Acredita você” – dizia, dirigindo-se ao mordomo – “que ele nem ao menos sabia quanta baunilha leva um sorvete de baunilha?”

“Isso parece surpreendente, não é Alteza?” – Respondia o mordomo, que intimamente estava convencido de que nada havia de surpreendente naquilo.

Um dia estava Ariadne medindo uma porção de farinha quando o lacaio anunciou a visita de outro príncipe.
“Chiii!” – Resmungou Ariadne, que estava experimentando uma nova receita e não queria ser perturbada.
“Mas se não o receber meu pai se zangará comigo. Muito bem. Traga-o aqui”.

Poucos minutos depois a porta abriu-se e uma voz alegre exclamou:

“Ah! Real Alteza! Que agradável lugar para tão bela dona de casa! E que aroma delicioso! Alecrim, penso”.
Ariadne fitou o jovem, e esqueceu todas as graciosas coisas que se supõe uma princesa deva dizer a um príncipe. Nenhum dos anteriores havia distinguido alecrim de ruibarbo. E ainda que muitos a tenham achado bela, nenhum falara assim de sua cozinha.

“Farinha, açúcar mascavo, tâmaras em fatia, soda, casca de laranja, nozes, caqui” – continuou o príncipe, examinando os ingredientes sobre a mesa, “Você vai fazer um bolo de caqui, não é isso?”.

“Como sabe?” –Perguntou Ariadne surpresa.

“Eu mesmo fiz um, outro dia”, respondeu o príncipe sorrindo – “e ficou muito bom. Posso ajudá-la neste?”.
Ariadne, que parecia ter perdido a voz, apenas pôde assentir com a cabeça, e já o príncipe misturava e batia todos os ingredientes juntos sem nem ao menos olhar para a receita, pondo ao final tudo na forma.

“Agora deixe assar por uma hora, Alteza” – disse ele. “Posso agora sugerir um passeio aos jardins do castelo, enquanto esperamos?”.

De ordinário Ariadne teria dito:

“Não, obrigada, tenho mais alguma coisa a preparar aqui”.
Mas este não era um príncipe comum, e antes que ela se desse conta do que estava acontecendo ele lhe havia tomado a mão e guiava-a ao longo do escuro túnel que conduzia ao jardim.

As flores esparziam doce aroma, e suave brisa soprava de qualquer parte. Ariadne aspirou fundo o perfume das flores, suspirou, e disse suavemente:

“Hummm. . . Que delícia! “Você deve vir aqui mais vezes”, sugeriu o príncipe.

“Não, não tenho tempo” – admitiu Ariadne. “Vivo demasiado ocupada na cozinha”.

“Você não faz outra coisa senão cozinhar? ” – Tornou ele. “Não vai a torneios, a jogos, a excursões em cavalos ou a visitar amigos?”.

“Não” – disse ela – “Não tenho tempo para essas coisas”.

“Você deve gostar muitíssimo de cozinhar”.

Oh! Sim – concordou Ariadne. É tão divertido juntar toda sorte de ingredientes e ver a transformação da miscelânea em forma diferente e em aroma e sabor deliciosos!
Mas, você não gostaria de fazer algo mais para variar? –Indagou o príncipe – Nunca desejou, por exemplo, ir a algum outro lugar, ver outras pessoas ou simplesmente sentar-se ao jardim?

Bem-disse a princesa lentamente, como se fosse difícil para ela admitir tal coisa – Tenho me perguntado às vezes de como seria minha vida se eu fizesse isso, ou procedesse dessa outra maneira. Mas desde que não disponho de tempo, só me resta evitar pensar nisso.

Mas só você. deve fazer comida? Há muita gente a alimentar neste castelo. Estou certo de que existem muitos cozinheiros que gostariam de trabalhar aqui.

Existem – confirmou Ariadne – mas prefiro os pratos que eu mesmo preparo.
Mesmo que isso signifique gastar todo o seu tempo na cozinha? Você deveria cozinhar apenas uma vez ou outra, deste modo poderia aprender mais coisas fora da cozinha.

Ninguém, exceto seu pai, o Rei, jamais havia dito a Ariadne o que ela devia ou não devia fazer. Não era o tipo de coisa que alguém pudesse dizer a uma princesa. Assim, Ariadne sentiu ímpetos de censurar o príncipe por sua audácia. Mas ele não lhe deu a chance.

Eu também costumava fazer apenas uma coisa – confessou ele. Costumava montar cavalos o tempo todo. Montava do nascer ao pôr-do-sol. Quando um cavalo cansava, trocava-o por outro. Não me pegavam em casa nem às refeições, pois eu ordenava aos criados que me levassem lanches aonde quer que eu estivesse. Até que eu recebi uma ordem de não montar mais do que duas horas por dia, e começasse a aprender a fazer outras coisas também.
Mas, você é um príncipe – protestou Ariadne – Ninguém lhe pode ordenar coisa alguma.

Meu pai é rei – disse o príncipe rindo – Ele pode.

Oh! Compreendo. Assim – continuou o príncipe comecei a fazer diferentes coisas todos os dias. Eu lia, plantava jardins e ajudava a cavar fossos em volta do castelo. Um dia demos um banquete, e a sobremesa esteve tão deliciosa que pedi ao cozinheiro que me ensinasse a fazê-la.

E ele o ensinou?

De início não queria. Dizia que cozinhar não era coisa para príncipes. Perguntei-lhe por quê, e ele não soube responder. Portanto, teve de me ensinar.

Cozinha bastante? –Inquiriu Ariadne.

Uma vez ou outra, mas não tento fazer tudo, ou todos os pratos, para todos os que vivem no castelo.
Às vezes tomo conta da cozinha, permitindo ao cozinheiro um dia inteiro de folga. Porém, não gastaria mais todo o meu tempo preparando pratos ou quitutes, ou mesmo montando cavalos.

Mas, você se diverte mais fazendo todas essas coisas do que montando cavalos o dia inteiro?

Muito mais – respondeu o príncipe – E você também se divertirá. Quer ver? Um dos meus amigos dará um baile esta noite. Gostaria de me acompanhar a esse baile?

Ou porque aquele não era um príncipe comum, ou porque Ariadne estava tão surpresa que não sabia mais o que dizer, _ o certo é que respondeu: “Sim”.

Ariadne e o príncipe voltaram, pois, para examinar o bolo de caqui, que já assava há bastante tempo. E constataram satisfeitos que tanto seu aspecto quanto seu cheiro eram excelentes. E o sabor excedia o aroma.
Enquanto Ariadne se vestia para o baile, o príncipe fez uma visita a seu pai, o Rei. E disse ao monarca que estava quase certo de que Ariadne não mais se dedicaria inteiramente à cozinha do castelo, dali para adiante, terminando pela sugestão de que o Rei empregasse o primeiro cozinheiro que ali fosse à procura de trabalho.

Santo Deus! – Exclamou o Rei. Ela passou a se interessar por outras coisas?

E o velho não cabia em si de contente. Chamou na mesma hora o lacaio e ordenou-lhe que lhe levasse a sala de audiências do palácio o primeiro cozinheiro que ali fosse à procura de emprego.

Ariadne e o príncipe foram ao baile e ali dançaram a noite toda. E ela sentiu que jamais se divertira tanto. No dia seguinte leram juntos alguns manuscritos na biblioteca do castelo, e passearam nos jardins, e galoparam seus cavalos através das campinas próximas. Paravam aqui e ali para conversar com outras pessoas e tomar limonadas. E ela sentiu mais uma vez que nunca antes se divertira tanto.

Duas semanas mais tarde o príncipe pediu ao Rei a mão de sua filha em casamento, e Ariadne percebeu definitivamente que jamais fora tão feliz na vida.

Todos os reis e rainhas, príncipes e princesas, cavaleiros e damas, e todos os súditos que serviam no castelo, foram convidados para as festas das núpcias. E houve música coral e música de danças. Houve um mundo de belos e ricos presentes para a noiva, e outros tantos para o noivo.

E também presentes para a criançada com menos de 10 anos e para os velhos com mais de 70 anos.

Após o casamento houve um baile e um banquete. No fim do banquete fez-se ouvir um conjunto de trombetas: apareceu então o mordomo da princesa portando uma tocha, seguido de doze lacaios que carregavam um bolo de casamento com 3 metros de altura, 7 metros de largura e 12 metros de comprimento. É provável que jamais se haja visto um bolo de casamento com tais proporções.

Uma camada era feita de “manjar de anjos”; outra de chocolate; outra de morangos; outra de caramelos; outra de laranja e a última era uma régia cobertura glacê-dourada. No topo fora colocado um maiúsculo lírio branco, totalmente feito de açúcar. Ariadne havia preparado a primeira camada do bolo. As restantes foram feitas por cada um dos cozinheiros que bateram aos portões do castelo, solicitando emprego, depois da memorável visita do príncipe. O lírio branco fora feito justamente pelo último cozinheiro contratado pelo seu pai, o Rei. E o bolo foi cortado em exatamente 1.233 pedaços, o suficiente para todos os convidados.
Ariadne e o príncipe então se despediram do velho monarca e de todos os seus amigos e convidados, tomaram uma bela carruagem e partiram para as distantes terras do príncipe.

E lá viveram felizes para sempre, num castelo situado bem no alto de uma grande montanha.

(Traduzido da Revista Rays from the Rose Cross de 09/1974 – Publicado na Revista Serviço Rosacruz de 11/1976)

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